Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ROSA TCHING | ||
| Descritores: | DIREITO DE RETENÇÃO PRESSUPOSTOS DIREITO REAL DE GARANTIA RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS FALTA DE CONTESTAÇÃO EMPREITEIRO EXEQUENTE CREDOR RECLAMANTE HIPOTECA REGISTO | ||
| Data do Acordão: | 05/16/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Área Temática: | DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / DIREITO DE RETENÇÃO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / CONCURSO DE CREDORES. | ||
| Doutrina: | - Almeida Costa, Obrigações, 3ª ed, p. 699; - Antunes Varela, Obrigações, Vol. II, p. 92; - Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, p. 339 e ss.; - Galvão Telles, O direito de retenção no contrato de empreitada, O Direito, 119, 1987, p. 15 a 17; - Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2º volume, p. 646; - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 3ª ed., vol. II, p. 799 e ss.; - Vaz Serra, Direito de Retenção, BMJ n.º 65, p. 103 e ss.. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 754.º, 755.º E 759.º, N.º 2. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 791.º, N.º 4. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 24-02-2002, PROCESSO N.º 02B1136, IN WWW.DGSI.PT; - DE 04-10-2005, PROCESSO N.º 05A2158, IN WWW.DGSI.PT; - DE 20-05-2010, PROCESSO N.º 13465/06.8YYPRT-A.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 07-10-2010, PROCESSO N.º 9333/07.4TBVNG-A.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 10-05-2011, PROCESSO N.º 661/07.0TBVCT-A.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 29-01-2014, PROCESSO N.º 1407/09.3TBAMT.E1.S1,TODOS IN WWW.DGSI.PT; - DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 1099/11, IN SASTJ, 2015, P. 67, WWW.STJ.PT. | ||
| Sumário : | I. O direito de retenção, previsto nos arts. 754º e 755º, ambos do Código Civil, traduz-se no direito conferido ao credor, que tem a posse de uma coisa e está obrigado a entregá-la a outrem, de a reter enquanto não lhe for satisfeito aquilo que, em ligação com ela, lhe é devido. II. São, assim, pressupostos deste direito: i) a posse e obrigação de entrega duma coisa; ii) a existência, a favor do devedor, dum crédito exigível sobre o credor; iii) e a existência de uma conexão causal entre o crédito do detentor e a coisa, ou seja, este crédito acha-se ligado à coisa, visando o pagamento de despesas que o detentor com ela efetuou ou a indemnização de prejuízos que em razão dela sofreu - «debitum cum re junctum».
III. Trata-se de um direito real de garantia que decorre diretamente da lei, surgindo sem necessidade de prévia declaração judicial nesse sentido, e com eficácia erga omnes, permitindo ao retentor realizar o seu crédito através do produto da venda do objeto, com prioridade sobre os credores restantes, designadamente sobre outros credores que gozem de hipoteca mesmo que esta tenha sido registada anteriormente. IV. O artigo 754º do Código Civil, concede ao empreiteiro o direito de retenção do objeto da empreitada enquanto o dono da obra não pagar o preço da obra, quer esta tenha sido acabada, quer não, e, consequentemente, o art. 759º, nº 2 do mesmo código, atribui a este direito real de garantia prevalência sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente, introduzindo, deste modo, uma exceção quer à hierarquia dos credores, quer ao princípio da prioridade de registo. V. O direito de retenção, na medida em que configura um direito real de garantia que decorre diretamente da lei, direito não tem, necessariamente, que ser declarado, ou reconhecido, previamente pelo tribunal, podendo pode ser reconhecido, para efeitos de concurso e graduação de créditos, no processo de execução, por via da reclamação do crédito e invocação da respetiva garantia decorrente do direito de retenção. VI. Tendo o exequente empreiteiro alegado, no requerimento executivo, o seu direito de crédito e invocado que detém materialmente o imóvel cuja penhora requer e goza do direito de retenção sobre o mesmo, nos termos do disposto no art. 754º do Código Civil, recai sobre o credor reclamante, na reclamação de créditos, o ónus de impugnar a garantia real invocada pelo credor/exequente, sob pena de, não o fazendo, atento o efeito cominatório pleno previsto no artigo 791º, nº 4, do Código de Processo Civil, aquela se haver por reconhecida, com a consequente graduação dos créditos exequendo e reclamado em conformidade com tal reconhecimento. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2ª SECÇÃO CÍVEL
I. Relatório 1. Nos autos de Execução Comum que AA moveu contra BB e CC foi penhorado o prédio urbano composto de cave e rés-do-chão, para habitação, sito no lugar de …, da freguesia de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 532/… e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo 327. 2. Por apenso aos referidos autos, o Banco Comercial DD, S.A., reclamou a quantia de € 52.314,71 (cinquenta e dois mil trezentos e catorze euros e setenta e um cêntimos), por empréstimo concedido aos executados, acrescida dos juros respetivos e eventuais despesas, alegando ainda a existência de hipoteca que garante a invocada dívida. 3. Na sequência de tal reclamação, não foi deduzida qualquer impugnação. 4. Foi de seguida proferida sentença de verificação e graduação de créditos, cujo segmento decisório é o seguinte: « Por todo o exposto: a) julgo reconhecidos os créditos reclamados; b) graduo os créditos ora reconhecidos, nos seguintes termos: - em primeiro lugar, o crédito reclamado pelo credor Banco DD, SA, garantido pela hipoteca até ao montante especificamente indicado no registo e incluindo os juros e as cláusulas penais que tenham sido acordadas para o caso de incumprimento apenas até aos últimos três anos; - em segundo lugar, o crédito exequendo». 5. Inconformado com esta decisão, dela apelou o exequente para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão proferido em 27.09.2018, julgou a apelação procedente e alterou a decisão recorrida, reconhecendo o direito de retenção invocado pelo exequente e reformulando a graduação dos créditos nos seguintes termos: «1. Em primeiro lugar o crédito exequendo e 2. Em segundo lugar o crédito do reclamante Banco DD, SA» 6. Inconformado com esta decisão, dela interpôs o credor reclamante, Banco DD, SA para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: «1 - O Recorrente não foi citado, nem notificado, do direito de retenção invocado pelo Exequente no requerimento executivo. 2 - Pelo que não podia o credor Reclamante, ora Recorrente, impugnar um direito invocado pelo exequente que desconhecia de todo. 3 - Resulta, pois, que existe uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 201º do CPC, por falta de citação do credor para impugnar o direito invocado. 4 - Impõe-se ao exequente que no requerimento executivo dirigido ao juiz, exponha sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, art. 724º n.º 1 al. e) do CPC, sendo que às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as execuções invocadas, art. 5º n.º 1 do CPC. 5 - Dos factos invocados pelo exequente não foi alegado qualquer facto essencial que se possa concluir pela existência do direito de retenção que se arroga. 6 - Antes, e apenas em declarações complementares, que não fazem de todo parte dos factos essenciais que devem ser invocados pelas partes, veio o exequente referir que goza de um direito de retenção, nos termos do disposto no artigo 754º do código Civil, sobre o imóvel penhorado 7 - Da sentença junta não resulta o reconhecimento de qualquer direito de retenção, 8 - Nem sequer o mesmo foi peticionado 9 - Nem tão pouco alegado no requerimento executivo nos factos tidos como essenciais. 10 - Cabia, pois, ao exequente que alegar o direito de retenção sobre o imóvel penhorado nos autos, fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, nos termos do disposto no artigo 342º do CC, sendo que caso dúvidas houvesse quanto à realidade dos factos e sobre a repartição do ónus da prova, deveria resolver-se contra a parte a quem aproveita e nunca contra o credor Reclamante, ora Recorrente, artigo 414º do CPC. 11 - Tratando-se de um facto essencial que constitui a causa de pedir o mesmo devia ter sido alegado e provado no requerimento executivo. O que não FEZ!! 12 - Pelo que não podiam os Meritíssimos Juízes Desembargadores reconhecer um direito que não foi alegado, nem provado, violando o princípio inscrito no disposto do artigo 615º do CPC. 13 - Sendo, por isso, completamente desadequado determinar que o exequente goza de um direito de retenção, facto esse que nunca foi alegado pelo exequente, como resulta por demais evidente, da análise dos factos que constituem a causa de pedir no requerimento executivo apresentado, nem sequer provado tendo em conta a decisão junta. 14 - A decisão recorrida é nula porque enferma de nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 201º do CPC devendo, pois, ser substituída por outra o que expressamente se requer 15 - E, caso assim não se entenda, é nula também, por força da 2ª parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º porquanto assenta a respectiva fundamentação em factos que não foram alegados pelo Exequente, nem provados, violando, claramente, o disposto nos artigos 724º alínea e) e 5.º n.º 1 ambos do CPC, artigo 342.º n.º do Código Civil e 414º do CPC, pelo que deve a mesma ser substituída por outra, o que expressamente se requer. 16 - Com base nessas nulidades, a decisão recorrida deve assim ser revogada no seu todo». Termos em que requer seja revogado o acórdão recorrido. 7. O exequente respondeu, terminando as suas contra-alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: «1. As questões das pretensas nulidade da sua citação/notificação, da falta de alegação de factos essenciais no requerimento executivo e da falta de reconhecimento judicial do direito de retenção levantadas pela Recorrente nas suas alegações de Recurso deveriam ter sido, mas não foram suscitadas perante a 2.ª Instância, de cuja decisão agora recorre, quando, manifestamente, poderiam tê-lo sido. 2. Constituindo as matérias das pretensas nulidade da citação/notificação, da pretensa falta de alegação de factos essenciais no requerimento executivo e da falta de reconhecimento judicial do direito de retenção suscitadas pela recorrente na suas motivação/conclusões do recurso, inquestionavelmente, questões novas, não submetidas à apreciação da Relação, não devem ser apreciadas pelo Supremo Tribunal, porque, por força do artigo 627.º n.º 1 do CPC, porque escapam ao fim do reexame previsto para o recurso. 3. Desconhece o Recorrido se, de facto, a Recorrente foi sido citada ou notificada do direito de retenção invocado no requerimento executivo. 4. A junção da reclamação de crédito ao processo executivo, acompanhada da procuração outorgada à sua ilustre mandatária, constitui uma intervenção (acto judicial) relevante que faz pressupor o conhecimento do processo que a procuração permite, de modo a presumir-se que a Recorrente prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação/notificação. 5. E esta presunção decorre, também, do facto da Recorrente ter optado por não responder às alegações de recurso de Apelação intentado pelo Exequente quando é óbvio que tinha também aí a possibilidade de alegar tal nulidade. 6. Em conformidade com o preceituado no artigo 189.º do CPC, a pretensa nulidade, a existir, o que só por cautela de raciocínio se admite, acabou, assim, por sanar-se, 7. O Recorrido alegou os factos consubstanciadores do direito de retenção de que se arroga, no espaço constante do requerimento executivo denominado “DECLARAÇÕES COMPLEMENTARES” 8. O anexo “declarações complementares” (anexo C7) faz parte do requerimento executivo onde os factos que fundamentam o pedido que não constem do título executivo devem ser expostos, pelo que o Exequente, aqui Recorrido, cumpriu os termos do disposto no artigo 724.º n.º 1 al. D) do CPC, uma vez que este apenas obriga que tais factos constem “no requerimento executivo”. 9. Do anexo I, constante da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, resulta que o anexo “declarações complementares” visa “prestar declarações complementares a qualquer dos restantes anexos”. Ora a “exposição de factos” consta precisamente de um anexo: o anexo C4 10. O próprio anexo I, constante da versão original constante da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto inclui como exemplo de utilização das declarações complementares a falta de espaço no anexo C4. 11. É lícito ao Exequente “prestar declarações complementares”, ou seja, expor outros factos no anexo C7 complementares ao anexo C4, ou seja, á exposição de factos. 12. O anexo C4 destina-se á exposição dos factos essenciais relacionados com a obrigação exequenda e não com a garantia que onera o bem cuja penhora o Exequente requereu no anexo P1. 13. Os factos consubstanciadores do direito de retenção são também complementares do anexo P1 (destinado à nomeação pelo Exequente de bens imóveis à penhora), pelo que deveriam ter sido, como foram, alegados no anexo C7, destinado á prestação de declarações complementares. 14. Assim, carece de razão o Recorrente quando afirma que o Exequente não alegou “qualquer facto essencial de que se possa concluir pela existência do direito de retenção de que se arroga”, uma vez que o fez no Requerimento Executo, no espaço/Anexo destinado para o efeito. 15. O Recorrente em sede de reclamação de créditos, não obstante ter sido notificado em conformidade com o art. 789.º n.º 3 do CPC, não deduziu qualquer impugnação ao crédito do Exequente ou ao direito de retenção por este invocado, conforme lhe competia e com base em qualquer outro fundamento, para além dos elencados nos artigos 729º e 730 do CPC. 16. Não tendo impugnado o crédito, nem o direito de retenção invocado pelo Exequente/recorrido, deve-se ter como aceite pelo Recorrente, não só direito de retenção invocado sobre o imóvel penhorado, como o crédito por este garantido e graduá-lo em conformidade com os nºs 2 e 4 do art. 791 do CPC, tendo em conta o preceituado no art. 759 nº 2 do C. Civil. 17. A decisão judicial aqui sindicada julgou procedente o fundamento do recurso de apelação em que o aqui recorrido defendeu que a não impugnação, pelo credor reclamante, do invocado direito de retenção associado ao credito exequendo, tinha como efeito o reconhecimento do mesmo. 18. Assim, o douto Acórdão recorrido não enferma da nulidade prevista no art. 615.º, n.º1, al. d) do CPC, que lhe é apontada pelo Recorrente, por excesso de pronúncia, porquanto não conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento. 19. Pelo contrário, o Acórdão recorrido procedeu à devida análise/apreciação do mérito da pretensão deduzida pelo, então, recorrente (aqui recorrido), emitindo pronúncia sobre uma questão/fundamento de recurso colocado, procedendo-o». Termos em que pugna pela manutenção do acórdão recorrido. 8. O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão proferido em 17.01.2019, jugou improcedentes as nulidades invocadas pelo recorrente. 9. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. *** II. Delimitação do objeto do recurso Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1]. Assim, a esta luz, as questões a decidir, traduz-se em saber se: 1ª- o direito de retenção consagrado no art. 754º, nº1, al. f) do C. Civil, invocado pelo exequente no requerimento executivo, pode, quando não impugnado no apenso de reclamação de créditos, ser aí reconhecido para efeitos de concurso e graduação, com a consequente primazia sobre a hipoteca, mesmo com registo anterior, nos termos do disposto no art. 759º, nº 2 do C. Civil; 2ª- o reclamante tinha que ser notificado para impugnar, na reclamação de créditos que apresentou, o reconhecimento do direito de retenção invocado pelo exequente, existindo nulidade processual por omissão desse ato; 3ª- o acórdão recorrido padece da nulidade prevista no art. 615º, nº1, al. d) do C.P.Civil. *** III. Fundamentação 3.1. Fundamentação de facto 3.1.1. Os factos a considerar, segundo o acórdão recorrido, são os que resultam do Relatório acima efetuado, àqueles acrescendo os seguintes, resultantes da consulta do processo: 1. No requerimento executivo, o Exequente, ora Recorrente, invocou que o seu crédito beneficiava do direito de retenção sobre o imóvel penhorado, tendo alegado o seguinte: “1. Como resulta do acórdão que aqui se executa e do despacho com a referência 3….0: a) o Exequente detém materialmente o imóvel cuja penhora aqui requer, b) o Exequente está obrigado a entregar esse imóvel aos Executados, logo que a empreitada seja concluída. c) O Exequente é credor dos Executados, proprietários desse imóvel; d) Entre os dois créditos, o do Exequente e o do Executado a quem deve entregar o imóvel, exista uma relação de conexão ("debitum com re junctum"); e) o crédito do Exequente deriva de despesas feitas por causa do imóvel . 2) O Exequente tem, pois, direito de retenção sobre o imóvel cuja penhora requer, ao abrigo do disposto no art. 754.º do Código Civil” 2. Juntou a decisão judicial dada à execução, na qual foram os ora Executados condenados no pagamento ao Exequente da quantia de 17.000 € com fundamento na seguinte factualidade provada: 1. Encontra-se registado a favor dos AA. o prédio urbano destinado à habitação a confrontar do Norte: com caminho municipal e EE; Sul: FF e EE; Nascente: EE; Poente: caminho municipal e FF, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 327, e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob n.º 5…2/19…9. 2. Os Autores apresentaram processo de obras no Município de .. e requereram a competente licença para obras no referido prédio urbano, tendo sido aprovado o licenciamento da obra por despacho de 28 de Julho de 2004, tendo sido emitido o competente alvará e licença para executar a obra. 3. Para a realização da mesma procederam à contratação do Réu, como empresário da construção civil, para efectuar a estrutura da obra. 4. Autores e Réu, em 15 de Setembro de 2004, celebraram um acordo denominado pelas partes de “contrato de empreitada”. 5. No âmbito do referido acordo o Réu acordou em executar a obra em grosso comprometendo-se a realizar a mesma pelo valor de € 54.500,00. 6. Realizando os seguintes trabalhos: “empreitada será executada conforme o projecto, esqueleto em grosso, em tijolo de 20x20x30; acabamentos exteriores em fino; meter as pedras nas portas, janelas e esquinas da casa; telhado em telha encanelada vermelha, telhado pronto e arrematado”, tudo conforme projecto apresentado nos serviços camarários. 7. O Réu iniciou a referida obra em Setembro de 2006. 8. Em 19 Agosto de 2009, o Autor marido, reuniu-se com o Réu. 9. Acontece, que não mais comunicou aos Autores que a mesma já se encontrava concluída e os defeitos corrigidos. 10. Mantendo a mesma sempre fechada a cadeado, impedindo quem quer que fosse de lá entrar. 11. Apesar das várias insistências por parte dos autores, e por parte do mandatário destes, para que entregasse uma chave ao dono de obra, para possibilitar a utilização do piso térreo, mas sempre sem surtirem efeitos. 12. Ficando os Autores impedidos de usufruírem do piso térreo. 13. No mesmo encontravam-se lá os utensílios agrícolas e todos os materiais para o trabalho das vindimas, assim como a adega dos autores para produzirem e armazenarem o vinho. 14. Facto pelo qual os Autores solicitaram uma reunião com o Réu e o engenheiro da obra, que ficou agendada para Janeiro de 2010. 15. Porque os Autores se encontravam ausentes do País, foram estes representados pelo seu mandatário. 16. Sendo que no dia 29 de Janeiro de 2010, Réu, engenheiro civil GG e mandatário dos Autores reuniram-se no local da obra para verificação do estado da mesma. 17. Constatou que a obra mantinha os defeitos e que os mesmos não tinham sido reparados: - Desalinhamento das paredes exteriores; - Beirado do telhado desalinhado; - O telhado do primeiro andar frente (alçado principal) encontra-se mal executado, derivando dai também a redução das duas janelas superiores – (alçado principal) foram diminuídas na sua altura. 18. As paredes exteriores encontram-se desalinhadas, ou seja, a prumada das mesmas foi mal feita, o que provocou um desalinhamento das paredes exteriores do prédio. 19. O beirado de todo o telhado, também se encontra desalinhado, em virtude da má execução por parte do Réu e seus trabalhadores. 20. O Réu procedeu em desconformidade com o projecto, ao executar as paredes e placa de tecto e o correspondente telhado do primeiro piso a uma cota superior ao projectado. 21. Decorrendo daí, que o telhado ficou a uma cota superior ao que se encontrava projectado. 22. O que levou à redução dessas duas janelas que se encontravam no piso superior, ficando estas em desconformidade com o projecto. 23. O mandatário dos Autores, notificou em 11 de Fevereiro de 2010, por carta registada com aviso de recepção o Réu dos defeitos da obra, mencionados em 17 supra. 24. O Réu manteve a obra fechada a cadeado, durante este período de tempo, desde de Agosto de 2009, sem mais nada fazer. 25. Não tendo efectuado qualquer trabalho para além da colocação dos andaimes na alçada principal. 26. Os Autores através do seu mandatário notificaram novamente, em 29 de Setembro de 2010, solicitando uma vez mais a correcção dos defeitos da obra, e acabamento da mesma, para posterior entrega. 27. Tendo o Réu respondido, por carta datada de 01 de Outubro de 2010, que a obra não tinha defeitos. 28. Até à presente data o Réu, não concluiu a obra, nem procedeu à correcção dos referidos defeitos, nem procedeu à entrega da obra aos Autores. 29. Mantendo-se a obra no mesmo estado em que o Réu a deixou, ou seja, com os andaimes na alçada principal e a vedação desde de Agosto de 2009. 30. Impedindo, assim, que os Autores possam prosseguir a obra, contratando os restantes serviços de construção civil que faltam, para conclusão da obra. 31. Para rectificar o referido desalinhamento das paredes exteriores é necessário proceder ao levantamento das pedras nas esquinas e proceder ao alinhamento das paredes e colocação novamente das pedras. 32. Para rectificar o referido beirado do telhado é necessário proceder ao levantamento de todo o beirado da habitação existente e posterior rectificação do mesmo. 33. Para eliminar os defeitos supra mencionados nos dois artigos precedentes será necessário gastar uma quantia de € 1.900,00. 34. Para rectificar este defeito do telhado e das duas janelas que ficaram com medidas inferiores ao projecto, será necessário proceder à demolição e reconstrução de todo o telhado, de parte das paredes de suporte e placa procedendo ao seu rebaixamento e posterior correcção da dimensão das duas janelas. 35. O Réu elaborou um orçamento global de € 54.500,00 (cinquenta e quatro mil e quinhentos euros). 36. Esse orçamento foi aceite pelos AA. 37. Em Setembro de 2006, o A. mandou proceder à obra, iniciando o Réu de imediato os trabalhos da mesma. 38. Foi convencionado entre as partes que os pagamentos seriam feitos conforme o desenvolvimento da obra, da seguinte forma: 1. No início da obra seria paga pelos AA. ao Réu a quantia de 5000 Euros; 2. Com a conclusão da primeira placa, deveriam ser pagos pelos AA. ao Réu mais 5000 Euros; 3. Com a conclusão da segunda placa, deveriam ser pagos pelos AA. ao Réu mais 10000 Euros; 4. Com a conclusão da placa de tecto, deveriam ser pagos pelos AA. ao Réu, mais 10.000 Euros; 5. Com a conclusão do telhado, deveriam ser pagos pelos AA. ao Réu mais 10000 Euros. 6. Com a conclusão dos acabamentos exteriores em fino, colocação das pedras nas esquinas, portas e janelas, mais 10000 euros. 7. No final da obra seria feito o acerto do restante, ou seja, o remanescente dos 54.500 Euros (valor total convencionado para os trabalho). 39. A fase referida em 38.6 já se encontra devidamente terminada. 40. Apesar dos constantes apelos do Réu para regularização dos quantitativos em débito, da seguinte forma: - em 30/10/2006, os AA. fizeram uma transferência de 5000 Euros; - em 07/07/2007, os AA. fizeram uma transferência de 9000 Euros; - em 19/02/2008, fizeram uma transferência de 9000 Euros. - data não concretamente apurada os AA. entregaram ao R., em numerário, a quantia de 5.000,00€. - data não concretamente apurada os AA. entregaram o R., em numerário, a quantia de 5.000,00€ 41. O Réu contactou os AA. e solicitou-lhes, que procedessem ao pagamento das quantias em falta. 42. Foi na sequência da falta de pagamento parcial que o Réu suspendeu a obra. 43. O Réu chegou a notificar o mandatário dos AA. de que não terminaria os trabalhos enquanto estes não procedessem ao pagamento dos quantitativos em atraso. *** 3.1.2. Todavia, em desenvolvimento dos factos descritos sob o ponto 1. e ao abrigo do preceituado no art. 607º, nº4, 2ª parte, aplicável por via do disposto nos arts. 663, nº2 e 679, ambos do CPC, adita-se a seguinte factualidade. 3. No processo nº 61/11.7TBAVV foi proferido, em 24.03.2015, despacho judicial com a referência 36939250 e com o seguinte teor: « Resulta da petição inicial, bom como do requerimento dos AA. que não dispõe da chave em causa. Uma vez, que se desconhece onde se encontra a chave, e atendendo que ambas as partes estão de acordo com o arrombamento da porta, substituindo-se o canhão da mesma, proceda-se em conformidade, devendo a chave ser facultada à Srª perita, e entregue aos RR., atendendo que os AA. Sempre referiram que não tinham acesso à obra porque o R. fechou a mesma com um cadeado». * 3.2. Fundamentação de direito 3.2.1. Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se, essencialmente, com a questão de saber se o direito de retenção consagrado no art. 754º, nº1, al. f) do C. Civil, invocado pelo exequente no requerimento executivo, pode, quando não impugnado no apenso de reclamação de créditos, ser aí reconhecido para efeitos de concurso e graduação, com a consequente primazia sobre a hipoteca, mesmo com registo anterior, nos termos do disposto no art. 759º, nº 2 do C. Civil. A este respeito, sustenta a recorrente/reclamante que não constando da sentença dada à execução e junta com o requerimento executivo o reconhecimento de qualquer direito de retenção sobre o imóvel penhorado, que nem sequer foi peticionado, sobre o exequente impendia o ónus de alegar e de provar esse direito, nos termos do art. 342º, nº 1 do C. Civil, tanto mais que a recorrente/reclamante não está abrangida pelo caso julgado formado pela sentença exequenda. Assim, de harmonia com o disposto no art. 724º, n1, al. e) do CPC, cabia ao exequente alegar, na parte reservada à descrição dos factos, no requerimento executivo, os factos constitutivos do invocado direito de retenção na medida em que estamos perante factos essenciais que constituem a causa de pedir, pelo que não o tendo feito, limitando-se apenas a referir, em declarações complementares, que goza de um direito de retenção sobre o imóvel penhorado, nos termos do art.754º do Código Civil, nunca poderia o Tribunal da Relação dar como reconhecido aquele direito. Vejamos. O direito de retenção, previsto nos arts. 754º e 755º, ambos do Código Civil, traduz-se no direito conferido ao credor, que tem a posse de uma coisa e está obrigado a entregá-la a outrem, de a reter enquanto não lhe for satisfeito aquilo que, em ligação com ela, lhe é devido. Por todo o tempo em que permanecer o estado de insatisfação deste seu crédito, o detentor pode, legitimamente, recusar-se a largar mão da coisa. O direito de retenção emerge, assim, dos seguintes pressupostos: i) a posse e obrigação de entrega duma coisa; ii) a existência, a favor do devedor, dum crédito exigível sobre o credor; iii) e a existência de uma conexão causal entre o crédito do detentor e a coisa, ou seja, este crédito acha-se ligado à coisa, visando o pagamento de despesas que o detentor com ela efetuou ou a indemnização de prejuízos que em razão dela sofreu - «debitum cum re junctum» [2]. A doutrina tem vindo a caracterizar o direito de retenção como « (…) um direito a se, que não se integra no direito de crédito como um seu atributo ou faculdade, antes lhe acresce como uma prerrogativa complementar que, por claras razões de justiça e equidade, a lei concede ao credor para robustecer a sua posição»[3]. Trata-se, no dizer de Galvão Telles[4], de um verdadeiro direito real, um direito absoluto, a todos oponível e que reveste uma dupla natureza, apresentando-se, por um lado, como uma garantia real indireta, ou seja, como um meio de coerção ao cumprimento da obrigação, na medida em que o devedor, ou quem quer que porventura se haja tornado entretanto proprietário do objeto, sabe que não pode exigir o mesmo senão mediante o simultâneo pagamento de quanto ao retentor é devido, sentindo-se, assim, compelido a efetuar o pagamento. E, por outro lado, apresenta a fisionomia de uma garantia real direta[5], permitindo ao retentor realizar o seu crédito através do produto da venda do objeto, com prioridade sobre os credores restantes. Nesta mesma linha de entendimento, afirmou o Acórdão do STJ, de 04.10.2005 (processo nº 05A2158)[6], tratar-se de « um direito real de garantia - que não de gozo - , em virtude do qual o credor fica com o poder sobre a coisa de que tem a posse, o direito de a reter, direito que, por resultar apenas de uma certa conexão eleita pela lei, e não, por exemplo da própria natureza da obrigação, representa uma garantia direta e especialmente concedida pela lei. Assim, desde que o credor tenha um crédito relacionado, nos termos legalmente previstos, com a coisa retida, reconhece-se-lhe o direito real de garantia, com eficácia erga omnes e atendível no concurso de credores, com a função de assegurar que o seu crédito será pago com preferência a outros credores[7]. Posto que no caso dos autos, estamos no âmbito de um contrato de empreitada e porque, tal como nos dá conta o Acórdão do STJ, de 29.01.2014 (processo nº 1407/09.3TBAMT.E1.S1)[8], têm surgido, na doutrina, discussões sobre se o empreiteiro, sendo credor do preço da obra, goza do direito de retenção relativamente a esta[9], importa, desde logo, deixar claro que, na senda da esmagadora maioria da doutrina[10] e da jurisprudência[11], perfilhamos o entendimento de que o empreiteiro, mercê da sua específica posição perante o resultado da obra e a atitude possessória que exerce sobre ela, assume, perante a mesma, uma posição de privilégio garantístico de modo a poder reter a coisa em seu poder, perante terceiros, e adquire o direito de ser pago, preferencialmente, a outros credores que gozem de hipoteca mesmo que esta tenha sido registada anteriormente. É que se é certo, como refere Galvão Telles, não ter o empreiteiro a posse correspondente ao direito de propriedade, a verdade é que o mesmo não deixa de ter a posse « correspondente a esse direito real menor ou sobre coisa alheia em que se cifra o ius retentionis». Estamos na presença de alguém que até determinado momento era simples detentor porque tinha sobre a coisa um poder de facto que exercia um interesse de outrem, mas uma vez, reunidos os pressupostos do direito de retenção, surge este direito e, « a partir desse momento, o sujeito passa a exercer o poder de facto no seu próprio interesse, porque é no seu interesse que retém a coisa. De mero detentor eleva-se a possuidor»[12]. Acresce que, tendo o empreiteiro por causa da relação contratual - obrigação de facere -, que estabeleceu com o dono da obra, que realizar despesas para a obtenção do resultado que tem que entregar ou restituir, mal se compreenderia, conforme afirmou o citado Acórdão do STJ, de 29.01.2014, que o mesmo não tivesse o direito de reter a coisa de que resultaram as despesas efetuadas quando é certo assistir um tal direito àquele que levou a cabo benfeitorias na coisa. Podemos, assim, concluir, na esteira do Acórdão do STJ, de 10.05.2011 (processo nº 661/07.0TBVCT-A.G1.S1)[13], que o empreiteiro mercê da sua específica posição perante o resultado da obra e a atitude possessória que exerce sobre ela, assume, perante a mesma, uma posição de privilégio garantístico de modo a poder reter a coisa em seu poder, perante terceiros, e adquire o direito de ser pago, preferencialmente, a outros credores que gozem de hipoteca mesmo que esta tenha sido registada anteriormente. Daí ter-se como certo que o art. 754º do C. Civil, concede ao empreiteiro o direito de retenção do objeto da empreitada enquanto o dono da obra não pagar o preço da obra, quer esta tenha sido acabada, quer não, e, consequentemente, que o art. 759º, nº 2 do mesmo código, atribui a este direito real de garantia prevalência sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente, introduzindo, deste modo, uma exceção quer à hierarquia dos credores, quer ao princípio da prioridade de registo[14]. Ora, o que resulta da matéria de facto dada como provada nos presentes autos é que a decisão judicial dada à execução, condenou os donos da obra (os executados) a pagarem ao empreiteiro e ora exequente a quantia de € 17.000, correspondente ao valor das obras por ele realizadas no prédio penhorado. Todavia e porque dela não consta o reconhecimento do direito de retenção ora invocado pelo exequente, não podemos deixar de enfrentar a questão de saber se o direito de retenção emergente deste crédito, em conformidade com o disposto no citado art. 754º, carece de declaração prévia do tribunal, em ação especialmente intentada para o efeito, ou se pode ser reconhecido, para efeitos de concurso e graduação de créditos, no processo de execução, por via da reclamação do crédito. E a este respeito diremos, desde logo que, configurando o direito de retenção um direito real de garantia, que decorre diretamente da lei, na esteira do entendimento defendido nos Acórdãos do STJ de 24.02.2002 (processo nº 02B1136) e de 04.10.2005 (processo nº 05A2158)[15], perfilhamos também a tese de que este direito não tem, necessariamente, que ser declarado, ou reconhecido, previamente pelo tribunal, podendo ser reconhecido, para efeitos de concurso e graduação de créditos, no processo de execução, por via da reclamação do crédito e invocação da respetiva garantia decorrente do direito de retenção. Equivale isto a dizer, no caso dos autos, que, contrariamente ao defendido pela recorrente, o direito de retenção invocado pelo exequente, na medida em que resulta diretamente da lei (art. 754º do C. Civil) não tinha, necessariamente, que estar declarado, ou reconhecido, na sentença proferida na ação nº 61/11.7TBAVV. Fundamental é que nesta sentença reconheceu-se que houve incumprimento do contrato de empreitada por parte dos donos da obra (os ora executados), que não pagaram ao empreiteiro (o ora exequente) a totalidade do preço acordado e que, por isso, este tinha um direito de crédito ( € 17.000,00) sobre aqueles. Com efeito, reconhecido este crédito, nasce para o empreiteiro, que possui legitimamente a coisa objeto da empreitada, o direito de reter a mesma, para pagamento do preço da obra, ficando, a partir de então, investido num direito real de garantia, dotado de eficácia erga omnes, e que lhe confere o poder de se fazer pagar pela coisa retida com preferência sobre os credores que gozem de hipoteca mesmo que esta tenha sido registada anteriormente. Contudo, daí não se retira que esse direito seja, sem mais, oponível aos credores reclamantes, pois, como sublinha o Acórdão do STJ, de 20.05.2010 (processo nº 13465/06.8YYPRT-A.P1.S1)[16] «isso equivaleria a criar um direito, em desfavor desses credores, sem que os mesmos tivessem a possibilidade de defender a prioridade do seu crédito». Torna-se, assim, necessário assegurar ao credor reclamante, quando o exequente se arrogue um direito real de garantia que deva prevalecer sobre o seu crédito, a possibilidade do mesmo, na fase da reclamação e verificação de créditos na execução, impugnar quer o direito do exequente, quer a própria garantia. De resto, foi por esta razão que, mesmo na vigência do art. 866º, nº 3 [17] do CPC, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 38/2003, de 8 de março - que apenas concedia aos restantes credores a faculdade de « (…) impugnar os créditos garantidos por bens sobre os quais tenham invocado também qualquer direito real de garantia», sem referência expressa aos reclamantes ou ao exequente, com garantia sobre os bens em relação aos quais a sua incidia - , já se defendia na doutrina[18] e na jurisprudência[19], que ao credor reclamante era lícito impugnar o crédito do próprio exequente. E a verdade é que a reforma à ação executiva, operada pelo citado DL nº 38/2003, veio consagrar, expressamente, esta orientação, aditando ao nº 3 do citado art. 866º «incluindo o crédito exequendo, bem como as garantias reais invocadas, quer pelo exequente, quer pelos outros credores», o mesmo acontecendo com a atual redação do quer a atual redação do art. 789º, nº 3 do CPC, que, reproduzindo o anterior art. 866, na redação do DL nº 226/2008, de 20.11, concede aos credores reclamantes a faculdade de, dentro do prazo de 15 dias, a contar da respetiva notificação, «impugnar os créditos garantidos por bens sobre os quais tenham invocado também qualquer direito real de garantia, incluindo o crédito exequendo, bem como as garantias reais invocadas, quer pelo exequente, quer pelos outros credores» (sublinhado nosso). De realçar que, mesmo na hipótese de haver sentença proferida em anterior ação declarativa a reconhecer o direito de retenção sobre o imóvel penhorado, uma tal decisão nunca constituiria caso julgado nem seria oponível ao credor hipotecário reclamante que não foi parte nessa ação, pois este sempre assumiria a posição de terceiro juridicamente interessado, por o seu crédito, garantido por hipoteca, ser afetado na sua consistência jurídica pelo alegado direito de retenção, que, tal como decorre do preceituado no art. 759, nº 2 do C. Civil, prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada, anteriormente. Quer tudo isto dizer que, quer no caso do direito real de garantia estar reconhecido, previamente, por sentença, quer no caso de não haver esse reconhecimento prévio, sempre que o exequente se arrogue um direito real de garantia que deva prevalecer sobre o credor reclamante, não só é manifesto o interesse deste credor em impugnar aquele direito, como, na falta dessa impugnação, no prazo estabelecido no nº 2 do art. 789º do CPC e desde que a verificação desse crédito e garantia não esteja dependente da produção de prova, ele terá que sofrer a consequência de, nos termos do disposto no art. 791º, nº 2 do CPC, ver reconhecida a sua existência. Trata-se, pois, de um efeito cominatório pleno. No caso dos autos, resulta dos factos provados e supra descritos no ponto 3.1, que a sentença exequenda, proferida na ação nº 61/11.7TBAVV, condenou os donos da obra (os ora executados), a pagarem ao empreiteiro (o ora exequente) a quantia de € 17.000,00, correspondente ao preço dos trabalhos por este realizados no imóvel penhorado e que o exequente retém para assegurar o reembolso daquele valor. Mais resulta que, no requerimento executivo, o exequente alegou, para além do mais, que detém materialmente o imóvel cuja penhora requer e invocou gozar aquele seu crédito da garantia real decorrente do direito de retenção sobre o referido imóvel nos termos do disposto no art. 754º do C. Civil. Ora, assente que a possibilidade de contraditar a existência do direito de retenção invocado pelo exequente tem a sua oportunidade no âmbito da fase do concurso de credores e verificação de créditos, nos termos estabelecidos no nº 3 do art. 789º, do CPC e que o reclamante, Banco DD, S.A., aqui recorrente, embora não abrangido pela eficácia do caso julgado formado na ação nº 61/11.7TBAVV, notificado em conformidade com o disposto no citado art. 789º não deduziu qualquer impugnação ao crédito do exequente e ao direito real de retenção dele emergente, como o deveria ter feito, impunha-se, desde logo, por não haver lugar a qualquer produção de prova, ter como reconhecido o crédito do exequente e a respetiva garantia real, nos termos do disposto no citado art. 791, nº 2[20]. E nem se diga, como o faz o recorrente, impender sobre o exequente, de harmonia com o disposto no art. 724º, n1, al. e) do CPC, o ónus de alegar os factos consubstanciadores desse direito apenas e tão só na parte reservada à descrição dos factos, no requerimento executivo, pelo que tendo-o feito apenas no espaço constante deste requerimento, denominado, “declarações complementares”, nunca poderia o Tribunal da Relação dar como reconhecido aquele direito. É que, segundo o modelo de requerimento de execução de decisão judicial condenatória, aprovado pela Portaria nº 282/2013, de 29 de agosto, o anexo C7 de “declarações complementares”, visa colmatar a falta de espaço para a exposição de factos, designadamente daqueles que não constem exclusivamente do título (anexo C4). Daí nenhuma censura merecer o acórdão recorrido ao reconhecer o direito real de retenção do exequente sobre o prédio penhorado e ao graduá-lo com a consequente primazia sobre hipoteca, mesmo com registo anterior, nos termos do disposto no art. 759º, nº 2 do C. Civil, como é, de resto, a jurisprudência reiteradamente afirmada por este Supremo Tribunal[21]. * 3.2.2. Nulidade processual. Sustenta o recorrente, que devia ter sido notificado para impugnar, na reclamação de créditos que apresentou, o reconhecimento do direito de retenção invocado pelo exequente, existindo nulidade processual por omissão desse ato. Vejamos. No caso importa ter presente o regime da ação executiva, designadamente o art. 786º, do CPC, que dispõe, no seu nº1, alínea b) que «Concluída a fase da penhora e apurada, pelo agente da execução, a situação registral dos bens, são citados para a execução» «os credores que sejam titulares de direito real de garantia, registado ou reconhecido, sobre os bens penhorados (…) para reclamarem o pagamento dos seus créditos». Estabelece o nº1 do art. 789º do CPC, que «Findo o prazo para a reclamação e créditos, ou apresentada reclamação nos termos do nº 3 do artigo anterior, dela são notificados, pela secretaria do tribunal, (…), os credores reclamantes (…)», estatuindo o nº 3 deste mesmo artigo que «Também dentro do prazo de 15 dias, a contar da respetiva notificação, podem os restantes credores impugnar os créditos garantidos por bens sobre os quais tenham invocado também qualquer direito real de garantia, incluindo o crédito exequendo, bem como as garantias reais invocadas, quer pelo exequente, quer pelos outros credores». De salientar que, no que concerne aos fundamentos da impugnação, os nºs 4 e 5 deste mesmo artigo, correspondem, com exceção das remissões, ao disposto nºs 4 e nº5 do art. 866º, na redação introduzida pela Reforma do Processo Civil de 2003 e que veio por termo a controvérsia na doutrina e na jurisprudência, tornando claro, a partir de então, que o impugnante não abrangido pela força do caso julgado pode defender-se nos termos amplos do art. 731 do CPC (correspondente ao art. 816º do anterior CPC). Por sua vez, preceitua o art. 791º, nº 2 do mesmo diploma que «Se nenhum dos créditos for impugnado ou a verificação dos impugnados não depender de prova a produzir, profere-se logo sentença que conheça da sua existência e os gradue com o crédito do exequente, sem prejuízo do disposto no nº4», o qual prescreve que «são havidos como reconhecidos os créditos e as respetivas garantias reais que não forem impugnados, (…)». Ora, perante este quadro jurídico não se vê que tivesse que ser feita notificação ao recorrente, na qualidade de credor reclamante, para impugnar, na reclamação de créditos que apresentou, o reconhecimento do direito real de retenção invocado pelo exequente[22]. De resto sempre se dirá que, mesmo na hipótese de se admitir a imposição legal dessa notificação (o que não acontece), sempre estaríamos perante uma nulidade prevista no art. 195º, nº1 do CPC e que, por não ter sido arguida no prazo geral de 10 dias estabelecido no art. 149º do CPC, sempre seria de considerar sanada. Ora, porque no caso dos autos, o recorrente limitou-se a invocar o seu crédito, não impugnando, sequer, a existência do direito de retenção emergente do direito de crédito do exequente reconhecido pela sentença exequenda e invocado no requerimento executivo, que a ele alude expressamente, fácil é concluir, na esteira do decidido no Acórdão do STJ, de 07.10.2010 (processo nº 9333/07.4TBVNG-A.P1.S1)[23] que, não só a recorrente não pode arguir qualquer nulidade por falta de notificação da existência de direito de retenção invocado pelo exequente, como não tendo impugnado nem o crédito do exequente nem essa garantia, não havendo lugar a produção de prova, essa omissão não pode deixar de ter como consequência o reconhecimento do crédito do exequente e garantido pelo direito real de retenção, nos termos do citado art. 791º, nº4. * 3.2.3. Nulidade do acórdão Argui o recorrente a nulidade do acórdão recorrido nos termos da 2ª parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º porquanto assenta a respetiva fundamentação em factos que não foram alegados pelo Exequente, nem provados, violando, claramente, o disposto nos artigos 724º alínea e) e 5.º n.º 1 ambos do CPC, artigo 342.º n.º do Código Civil e 414º do CPC. * Segundo a alínea d) do n.º1 do citado artigo 615º do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por via da norma remissiva do n.º 1 do art.º 666.º do mesmo Código, é nula a decisão «quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». Este vício, conforme jurisprudência unânime, traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no n.º 2 do art. 608º do CPC (aplicável aos acórdãos da Relação por força do disposto no nº 2 do art. 663º do mesmo diploma) e que é, por um lado, o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras. E, por outro lado, o dever de ocupar-se tão somente das questões suscitadas pelas partes e/ou daquelas que a lei lhe impuser o conhecimento oficioso. Assim, como vem sendo entendimento pacífico, tanto doutrinária como jurisprudencialmente, para tal efeito relevam apenas as questões que diretamente contendam com a substanciação da causa de pedir, pedido e exceções que hajam sido deduzidas pelas partes ou que devam ser suscitadas oficiosamente[24]. Ora, a verdade é que basta atentar em tudo o que se deixou dito nos pontos 3.2.1. e 3.2.2, para facilmente se concluir ter o exequente alegado, oportunamente, todos os factos consubstanciadores do seu direito de retenção, que, por não terem sido impugnados, foram dados como assentes, contendo, por isso, os autos todos os factos essenciais para a decisão a proferir. Daí ser não ocorrer a alegada nulidade do acórdão recorrido. * Termos em que improcedem todas as razões do recorrente.
*** IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido. As custas do recurso ficam a cargo do recorrente. *** Supremo Tribunal de Justiça, 16 de maio de 2019
Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)
Rosa Maria Ribeiro Coelho
Catarina Serra ____________ [1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente. |