Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
644/17.1T8STR-D.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
REFORMA DE ACÓRDÃO
PRESSUPOSTOS
LAPSO MANIFESTO
INDEFERIMENTO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA.
Sumário :

I- Como tem sido reiteradamente sustentado pela jurisprudência e pela doutrina, apenas a ausência de fundamentação quanto às questões jurídicas a solucionar, ou a sua manifesta insuficiência, geram a nulidade do acórdão nos termos do art.615º, n.1, alínea b) do CPC; e já não a ausência de rebatimento dos argumentos elencados pelas partes para sustentarem as respetivas posições.


II- A reforma do acórdão do STJ, nos termos do artigo 616º, n.2 do CPC (ex vi dos artigos 666º e 679º do CPC) é uma faculdade excecional só admissível em hipóteses de lapso manifesto, ou seja, de falha ostensiva na valoração de um meio de prova plena ou do direito aplicável, como, por exemplo, quando se aplica legislação revogada. Não é, portanto, mais um grau de recurso ao dispor da parte descontente para expressar a sua discordância com a solução jurídica que não lhe foi (total ou parcialmente) favorável.

Decisão Texto Integral:

Processo n. 644/17.1T8STR-D.E1.S1


Reclamante: AA


Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça


1. Veio o recorrido, AA, apresentar reclamação contra o acórdão deste tribunal, de 02.11.2023, invocando a sua nulidade, com base no artigo 615º, n.1 alínea b) do CPC, e pedindo a sua reforma, com base no artigo 616º, n.2, alíneas a) e b).


2. A recorrente, “Superbock Bebidas S.A.”, respondeu defendendo a falta de fundamento e consequente improcedência do pedido de nulidade e de reforma do acórdão.


Cabe apreciar.


3. Quanto à invocada nulidade do acórdão:


A recorrente sustenta, em primeira linha, a nulidade do acórdão reclamado com base na alínea b) do n.1 do art.615º do CPC, nos termos da qual a decisão é nula quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.


Como tem sido reiteradamente sustentado pela jurisprudência e pela doutrina, apenas a ausência de fundamentação quanto às questões jurídicas a solucionar, ou a sua manifesta insuficiência, geram a nulidade do acórdão; e já não a ausência de rebatimento dos argumentos elencados pelas partes para sustentarem as respetivas posições.


Como se afirmou no recente acórdão do STJ, de 19.12.2023 (relatora Ana Resende)1, no processo n. 100/14.0T8VCT.G1.S1:


«A omissão de pronúncia, resulta de o Tribunal deixar de se pronunciar-se sobre as questões que devesse apreciar, isto é, do dever, por parte do julgador, de não ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, assim como de resolver todas as que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.


As questões que o julgador deve conhecer se reportam às pretensões formuladas, não estando obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, pois como já se aludiu, quanto ao enquadramento legal, não está sujeito às razões jurídicas invocadas pelas partes, pois é livre na interpretação e aplicação do direito.


O conhecimento duma questão pode ser feito com uma tomada de posição direta sobre a mesma, mas também muitas vezes resulta da apreciação de outras com ela conexionadas, por a incluírem ou excluírem, sendo assim decidida de forma implícita, advindo da apreciação global da pretensão formulada em juízo, o respetivo afastamento


Na doutrina, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa falam na existência de «(…) uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso»2.


É manifesto que, contrariamente ao afirmado pela reclamante, nenhuma omissão de pronúncia se verificou no acórdão reclamado, como facilmente se concluirá numa leitura atenta do que aí se escreveu.


O acórdão reclamado, proferido em apenso ao processo principal da insolvência, que qualificou a insolvência como culposa e responsabilizou o reclamante pelo pagamento do crédito da reclamada, teve como objeto (para o que agora interessa) a questão de:


«saber se na sequência da condenação no pagamento de indemnização por insolvência culposa, não existindo sentença de reconhecimento, verificação e graduação de créditos, será possível instaurar incidente de liquidação daquela condenação, ou se será necessário propor ação de verificação ulterior de créditos para reconhecimento do crédito da recorrente


A resposta a essa questão foi afirmativa, pelas razões que claramente constam desse acórdão e que, obviamente, será desnecessário reproduzir neste aresto, sendo perfeitamente percetíveis, por um destinatário comum, os argumentos com base nos quais essa decisão foi tomada, pelo que não se verifica, no caso concreto, a hipótese de nulidade prevista na alínea b) do n.1 do art.615º do CPC.


Efetivamente, com a prolação do acórdão pela última instância esgota-se o poder jurisdicional, nos termos do art.613º do CPC, deixando, portanto, de existir oportunidade processual para desenvolver o argumentário explicativo da decisão, o que, aliás, no caso concreto, se revelaria despiciendo, dada a clareza do aresto agora reclamado.


4. Quanto ao pedido de reforma da decisão.


Embora não se perceba, em rigor, na extensa alegação do reclamante, onde é que poderia existir um lapso manifesto deste tribunal quanto à aplicação da lei ou à valoração de algum meio de prova plena, facilmente se perceciona que ao invocar o disposto no art.616º, n.2, alíneas a) e b) do CPC, o que o reclamante pretende é a alteração da decisão, como concluiu ao pedir a confirmação do TRE que lhe havia dado razão.


Dispõe o art.616º, n.2 do CPC:


«Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:


a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;


b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida


É manifesto que a pretensão de reforma do acórdão, formulada pelo reclamante, não cabe em nenhuma das hipóteses previstas no art.616º, n.2 do CPC.


A reforma de um acórdão do STJ (ex vi dos artigos 666º e 679º do CPC) é uma faculdade excecional só admissível em hipóteses de lapso manifesto, ou seja, de falha ostensiva na valoração de um meio de prova plena ou do direito aplicável, como, por exemplo, quando se aplica legislação revogada.


Não é, portanto, mais um grau de recurso, ao dispor da parte descontente para expressar a sua discordância com a solução jurídica que não lhe foi (total ou parcialmente) favorável.


Neste sentido, veja-se, por exemplo, o que se decidiu no Acórdão do STJ, de 12.02.2009 (relator Sebastião Póvoas)3:


«(…) O lapso manifesto tem a ver com uma flagrantemente errada interpretação de preceitos legais (não por opção por discutível corrente doutrinária ou jurisprudencial) podendo, no limite, ter na base o desconhecimento.


O incidente de reforma não deve ser usado para manifestar discordância do julgado ou tentar demonstrar “error in judicando” (que é fundamento de recurso) mas apenas perante erro grosseiro e patente, ou “aberratio legis”, causado por desconhecimento, ou má compreensão, do regime legal».


Não se verifica, portanto, qualquer fundamento para que o acórdão pudesse ser alterado, pelo que improcedem totalmente as pretensões do reclamante.


Não havendo, pelo exposto, qualquer nulidade a suprir, nem qualquer fundamento de reforma, a única decisão possível a proferir por esta Conferência é a de indeferir a reclamação, por manifestamente infundada.


Decisão: Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada.


Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC’s (art.7º, n.4 e Tabela II, penúltima linha, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do apoio judiciário.


Lisboa, 16.01.2024


Maria Olinda Garcia (Relatora)


António Barateiro Martins


Maria Amélia Ribeiro





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1. Publicado em:

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ae823127b74f20c580258a8b0050175b?OpenDocument&Highlight=0,nulidade,do,ac%C3%B3rd%C3%A3o↩︎

2. Código de Processo Civil Anotado, Volume I, página 737.↩︎

3. Publicado em:

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/34fcb97711f7d4d78025755b00428c8f?OpenDocument↩︎