Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DA GRAÇA TRIGO | ||
Descritores: | PRESTAÇÃO DE CONTAS PROCESSO ESPECIAL ADMISSIBILIDADE DE RECURSO FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE CASO JULGADO MATERIAL OFENSA DO CASO JULGADO NULIDADE DE ACÓRDÃO OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO AUTORIDADE DO CASO JULGADO IDENTIDADE SUBJETIVA QUESTÃO PREJUDICIAL AÇÃO DE HONORÁRIOS LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 05/15/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I. Na presente acção especial de prestação de contas, o TR não considerou, fundamentadamente, justificadas determinadas despesas dadas como provadas, o que lhe é lícito, nos termos do art. 945.º, n.º 5, conjugado com o art. 607.º, n.º 5, do CPC, não sendo este juízo sindicável pelo STJ. II. De acordo com a jurisprudência consolidada do STJ não se forma caso julgado material, nem sobre factos dados como provados em acção anterior, nem tampouco sobre juízos de valor incidentes sobre factos realizados em acção anterior. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. AA propôs a presente acção especial de prestação de contas contra BB e CC, na qual, nos termos do art. 941.º do Código de Processo Civil, deduziu os seguintes pedidos, “1. Prestassem os Réus contas “(...) relativamente aos valores movimentados por eles através de débitos com cartão multibanco, cheques ou outro meio, nos montantes acima descritos, bem como sobre o destino do ouro ou valor deste (5.000,00 €), de que eram e são depositários (...)”, e 2. Fossem os Réus condenados “(...) a pagar à Autora o saldo devedor que for apurado, acrescido de juros de mora, à taxa legal e anual, contados desde a data de citação até pagamento integral.”. 2. Após diversas vicissitudes, e para o que ora importa, o Tribunal da 1.ª instância proferiu sentença na qual decidiu julgar parcialmente boas as contas apresentadas pelos réus, condenando-os a repor à conta bancária da autora o montante de € 29.866,86. 3. Desta decisão interpuseram os réus recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual, por acórdão de 11.07.2024, e para o que aqui importa, decidiu: • Aditar ao elenco dos factos provados os factos 1, 2, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 23, 24, 25, e 27; • Julgar estes aditamentos inábeis a determinar a revogação da sentença, julgando, assim, improcedente o recurso. 4. Deste acórdão vieram os réus interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: “1.ª - O acórdão recorrido conhece do mérito da causa e põe termo ao processo, pelo que, a revista ora apresentada deve ser admitida - vd. n.º 1, art.º 671.º CPC 2.ª - O acórdão recorrido alterou a decisão relativa à matéria de facto, aditando 19 (dezanove) novos factos provados e a sua fundamentação é essencialmente diferente da sentença de 1.ª instância, pelo que, deve ser admitida a presente revista - vd. n.º 3, art.º 671.º CPC - cfr. págs. 50 a 54 do acórdão recorrido 3.ª - O acórdão recorrido sufraga o entendimento de que estando em causa pedidos distintos entres os presentes autos e as ações n.ºs 461/13.8... e 190/16.0..., não se verifica relação de prejudicialidade 4.ª - O acórdão recorrido perfilha um entendimento dogmático e doutrinal contrário ao seguido no Ac. TR Guimarães, de 16.02.2023, proc. n.º 4374/20.9T8BRG.G1; Ac. do STJ, de 21.06.2022, proc. n.º 43/21.0YHLSB.L1-A.S1 e Ac. do STJ, de 04.12.2018, proc. n.º 190/16.0T8BCL.G1.S1, pelo que a revista ora apresentada seria sempre admissível - cfr. docs. n.ºs 1 a 3 já juntos - vd. 1.ª parte, n.º 3, art.º 671.º, ex vi al. d), n.º 2, art.º 629.º CPC 5.ª - Os recorrentes alegaram fundadamente, em sede de recurso de apelação, que a sentença de 1.ª instância viola o caso julgado alcançado nas ações n.ºs 461/13.8... e 190/16.0..., pelo que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, a revista apresentada sempre será admissível - cfr. conclusões de recurso dos recorrentes - vd. in fine, al. a), n.º 2, art.º 629.º CPC 6.ª - O acórdão recorrido viola o caso julgado alcançado nas ações n.ºs 461/13.8... e 190/16.0..., pelo que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, a revista apresentada sempre será admissível - vd. in fine, al. a), n.º 2, art.º 629.º CPC 7.ª - Ainda que assim não se entenda, in casu, sempre será admissível recurso de revista excecional [excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade da revista excepcional] 16.ª - Dos pontos 10, 12 e 15 da matéria dada como definitivamente provada no acórdão recorrido resulta que: - a testemunha Dr. DD era advogado da recorrida AA e do seu falecido irmão - o valor de € 1.000,00 destinou-se ao pagamento de despesas reclamadas pelo Dr. DD, advogado da recorrida AA e do seu falecido irmão - o valor de € 20.000,00 destinou-se ao pagamento de honorários do Dr. DD, advogado da recorrida AA e do seu falecido irmão Contudo, de modo absolutamente irrisório 17.ª - O acórdão recorrido considerou que as despesas descritas nas verbas n.ºs 1 e 2 da prestação de contas apresentada pelos recorrentes, não se podem considerar justificadas, pois que sem a respetiva nota de honorários e recibo não se poderá saber a natureza dos serviços prestados, a pessoa em nome de quem ou no interesse de quem foram prestados esses serviços e quem dos mesmos beneficiou 18.ª - A fundamentação do acórdão recorrido é completamente contraditória, pois que, da matéria de facto definitivamente provada (pontos 10, 12 e 15), se depreende claramente que a natureza dos serviços prestados corresponde a serviços jurídicos e a pessoa em nome de quem, no interesse de quem é que beneficiou desses serviços jurídicos foi a recorrida AA 19.ª - Isto, porque as despesas correspondentes às verbas n.ºs 1 e 2 da prestação de contas apresentada pelos recorrentes correspondem a valores devidos a título de honorários de despesas do advogado da recorrida AA 20.ª - Resulta do mais elementar exercício de exegese intelectual que os valores devidos a título de honorários de despesas de advogado se destinam ao pagamento de serviços jurídicos prestados em nome de quem os contrata - vd. art.ºs 1157.º a 1184.º CC - vd. Ac. TR de Lisboa, de 11.05.2023, proc. n.º 12426/19.1T8LRS.L1-8 21.ª - Quem contratou os serviços técnico-jurídicos do Dr. DD e deles beneficiou foi a recorrida AA, sua cliente, pelo que, esta é a responsável pelo pagamento dessas despesas e honorários, o que resulta, não só das regras da experiência comum, como também da lei - vd. als. b) e c), art.º 1167.º CC - vd. art.º 105.º EOA 22.ª - A recorrida nunca contestou ou incumbiu os recorrentes de contestarem as contas apresentadas pelo seu mandatário, nem demonstrou nos autos que tais valores não seriam devidos ao seu mandatário 23.ª – Os valores referentes a despesas e honorários do Dr. DD nunca foram contestados por quem quer que seja e nos autos resultou demonstrado que tais montantes foram aceites e acordados pelos seus clientes - recorrida e seu falecido irmão 24.ª - Os fundamentos do acórdão recorrido conduzem naturalmente a uma decisão diversa, pois que, a lógica seguida pelo acórdão recorrido não é apta a sustentar o sentido da decisão proferida, antes se verificando, precisamente, o inverso 25.ª - Os fundamentos do acórdão recorrido encontram-se em oposição expressa com a decisão proferida, pelo que, o acórdão recorrido é nulo, nulidade que aqui se argui com todos os devidos efeitos legais - vd. 1.ª parte, al. c), art.º 615.º, ex vi art.º 666.º CPC - vd. al. c), n.º 1, art.º 674.º CPC 26.ª - A fundamentação do acórdão recorrido deveria, em condições de normalidade lógico-dedutiva, levar a um resultado distinto e até oposto ao expresso na decisão 27.ª - Os recorrentes não conseguem discernir a interpretação que o acórdão recorrido colheu dos factos definitivamente provados, não lhes sendo possível apreender, captar ou compreender o raciocínio lógico-dedutivo seguido pelo tribunal recorrido 28.ª - A consequência lógica do pagamento de determinados valores a título de honorários reclamados pelo advogado de determinada pessoa, devidos pelos serviços prestados a essa mesma pessoa, deveria ser a de que o dispêndio de tais montantes se devesse considerar justificado, o que, surpreendentemente não se verifica in casu 29.ª - Da decisão recorrida ocorre ambiguidade / obscuridade que a torna ininteligível, pelo que, o acórdão recorrido é nulo, o que se argui com todos os devidos efeitos legais - vd. 2.ª parte, al. c), art.º 615.º, ex vi art.º 666.º CPC - vd. al. c), n.º 1, art.º 674.º CPC - vd. Ac. STJ, de 12.01.2021, proc. n.º 4258/18.0T8SNT.L1.S1 30.ª – O caso julgado configura uma exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, visando a imodificabilidade da decisão transitada em julgado e a não repetição do juízo alcançado, vinculando os tribunais a respeitarem a decisão transitada em julgado, não a julgando de novo - vd. n.º 2, art.º 576.º e al. i), art.º 577.º CPC - vd. Ac. STJ, de 03.02.2005, proc. n.º 04B4009 31.ª - Transitada em julgado uma decisão, a mesma adquire força obrigatória dentro e fora do processo - vd. art.º 619.º CPC 32.ª - A figura de caso julgado desempenha 2 funções autónomas: - uma positiva, através da autoridade do caso julgado, visando impor os efeitos de uma primeira decisão, já transitada, fazendo valer a sua força e autoridade - outra negativa, através da exceção de caso julgado, visando impedir que uma causa já julgada, e transitada, seja novamente apreciada por outro tribunal, por forma a evitar a contradição ou a repetição de decisões - vd. Ac. TR Coimbra, de 12.12.2017, proc. n.º 3435/16.3T8VIS-A.C1 33.ª - A exceção de caso julgado exige a identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir em ambas as ações em confronto, no entanto, a autoridade do caso julgado não constitui pressuposto necessário da sua atuação - vd. Ac. TR Coimbra, de 12.12.2017, proc. n.º 3435/16.3T8VIS-A.C1 - vd. Ac. STJ, de 04.06.2015, proc. n.º 177/04.6TBRMZ.E1.S1 34.ª - A identidade de sujeitos não exige que as partes tenham necessariamente que coincidir do ponto de vista físico, podendo assumir diferentes posições nos respetivos processos 35.ª - A identidade de pedidos pressupõe que em ambas as ações se pretenda obter o reconhecimento do mesmo direito, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada 36.ª - Na autoridade de caso julgado não se exige uma minuciosa identidade formal entre os pedidos. 37.ª - Para se dar como verificada a identidade da causa de pedir, esta deverá resultar da mesma questão fundamental levantada nas duas ações - vd. Ac. TR Coimbra, de 12.12.2017, proc. n.º 3435/16.3T8VIS-A.C1 38.ª - Os limites do caso julgado definem-se pelos elementos identificadores da situação jurídica e a decisão constitui caso julgado formal nos precisos termos em que julga - vd. art.º 621.º CPC 39.ª - A força de caso julgado incide sobre a decisão enquanto conclusão dos fundamentos do caso concreto, tendo em consideração os pressupostos que sustentam essa mesma decisão 40.ª - A força de caso julgado abrange as questões expressamente constantes da parte dispositiva da decisão, mas também os fundamentos que constituem antecedente lógico e necessário dessa parte dispositiva - vd. Ac. STJ, de 14.03.2006, proc. n.º 05B3582 41.ª - A força de caso julgado estende os seus efeitos aos fundamentos da decisão implícita - vd. Ac. STJ, de 12.09.2007, proc. n.º 07S923 42.ª - Apesar de numa e noutra ação assumirem diferentes posições, as partes nas ações n.ºs 461/13.8... e 190/16.0... são as mesmas que nos presentes autos, verificando-se a identidade de sujeitos 43.ª - Nas ações n.ºs 461/13.8... e 190/16.0... pretendia-se o reconhecimento do mesmo direito em questão nos presentes autos, forçando os recorrentes a pagarem à recorrida os montantes alegadamente em falta na conta bancária n.º .....16-000-001, aberta no Banco BPI 44.ª - O período temporal em causa nas ações n.ºs 461/13.8... e 190/16.0... é o mesmo dos presentes autos e os dinheiros alegadamente em falta na dita conta bancária n.º .....16-000-001, aberta no Banco BPI, são os mesmos 45.ª - Verifica-se a identidade de pedidos entre os presentes autos e as ações n.ºs 461/13.8... e 190/16.0... 46.ª - Verifica-se a identidade da causa de pedir entre estes autos e as ações n.ºs 461/13.8... e 190/16.0..., sendo a mesma pretensão deduzida naqueles e nestes autos - a responsabilização dos recorrentes pelos destinos dados aos montantes depositados na conta bancária n.º .....16-000-001, aberta no Banco BPI 47.ª - A autoridade do caso julgado dispensa a verificação da descrita tríplice de identidades, pelo que, ainda que se entenda não se verificar uma minuciosa tríplice de identidades, impõe-se a autoridade do caso julgado das decisões proferidas nas ações n.ºs 461/13.8... e 190/16.0... 48.ª - Os factos que a recorrida alega nos presentes autos são os mesmos que alegou na ação de processo ordinário n.º 461/13.8... e em sede de reconvenção, na ação comum n.º 190/16.0... 49.ª - Nessa ação n.º 461/13.8..., em 24.04.2015, foi proferida sentença, transitada em julgado, que, entre o mais, considerou não provados os seguintes factos: “(…) c) Os Réus, que tinham passado a frequentar a casa da Autora desde Maio de 2010, agiram de forma premeditada e planeada, de modo a apropriarem-se, como se apropriaram, de quantias em dinheiro da Autora e que se encontravam na sua casa guardados para as suas necessidades correntes. h) Agindo de forma concertada, até ao dia 25 de Novembro de 2010, os Réus, depois de convencerem a Autora a abrir uma conta no BPI - ... e para ali transferirem quantias avultadas, também convenceram a Autora a que a Ré mulher passasse a figurar como segunda titular da conta e com poderes para emitir cheques, bem como movimentar dinheiro através de cartão multibanco que requereram fosse emitido em nome da Ré BB. i) Na posse desses cheques e cartão a Ré BB, em acordo com o outro Réu, com quem é casada no regime de comunhão de adquiridos, efetuaram levantamentos, pagamentos e aplicações em proveito próprio, bem sabendo que não tinham autorização da Autora para tal. j) Atuaram ainda com o propósito de enriquecer o seu património à custa do património da Autora, que, assim, viu a conta do BPI praticamente esvaziada, fazendo seus ou usando em proveito próprio dinheiro ou meios de pagamento superiores a 30.000,00 €. k) Na verdade, os Réus emitiram cheques, a sacar sobre aquela conta da Autora, a favor de terceiros ou com montantes que levantaram, sem qualquer justificação ou autorização da Autora, recusando a sua restituição até hoje ou a prestação de contas. (…)”. 50.ª - Os recorrentes instauraram contra a recorrida a ação comum n.º 190/16.0..., sendo que, em 01.03.2016, esta contestou essa ação e reconveio, alegando a mesma factualidade avançada na ação n.º 461/13.8... e nos presentes autos. 51.ª - Em 18.04.2016, os recorrentes apresentaram nessa ação n.º 190/16.0... a respetiva réplica, alegando que essa mesma factualidade havia já sido considerada não provada na ação de processo ordinário n.º 461/13.8... e que, por isso, a mesma não poderia ser de novo apreciada 52.ª - Em 11.07.2016, na ação n.º 190/16.0..., foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de caso julgado invocada pelos recorrentes, pelo que, em 13.07.2016, estes requereram o reconhecimento da autoridade de caso julgado decorrente da sentença proferida na ação n.º 461/13.8... 53.ª - De forma similar à tramitação destes autos, por sentença de 23.12.2016, essa ação n.º 190/16.0... foi julgada improcedente e a reconvenção parcialmente procedente, condenando-se os recorrentes a pagar à recorrida € 31.500,00, acrescidos de juros de mora 54.ª - Os recorrentes interpuseram recurso dessa sentença e por douto acórdão proferido 11.07.2017, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu, em suma, anular a sentença prolatada em 23.12.2016 55.ª - Os recorrentes interpuseram recurso de revista desse acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães e, em 04.12.2018, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu douto acórdão que decidiu conceder revista ao recurso interposto pelos recorrentes e anular o acórdão recorrido, pois no mesmo foram dados como provados pontos da matéria de facto com violação do caso julgado sobre a sentença anteriormente proferida na ação de processo ordinário n.º 461/13.8... 56.ª - O Supremo Tribunal de Justiça considerou já, pois, que o Tribunal da Relação de Guimarães violou o caso julgado ao considerar provados determinados factos que haviam já sido considerados não provados na referida ação n.º 461/13.8... 57.ª - Em 21.02.2019, em obediência ao decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal da Relação de Guimarães proferiu novo acórdão, no qual expurgou os factos que violavam o caso julgado e julgou a reconvenção da recorrida totalmente improcedente 58.ª - A tramitação processual das ações n.ºs 190/16.0... e 461/13.8... apresenta várias similitudes com a tramitação destes autos, mantendo o Tribunal da Relação de Guimarães um entendimento apto a violar a figura de caso julgado e a violar e ignorar o anteriormente decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, o que não é legalmente admissível 59.ª - Os factos inerentes aos presentes autos são exatamente os mesmos que foram discutidos e apreciados nas ações n.ºs 190/16.0... e 461/13.8... 60.ª - Os fundamentos que determinaram a instauração dos presentes autos são exatamente os mesmos que motivaram a tramitação das ações n.ºs 190/16.0... e 461/13.8... 61.ª - Os recorrentes juntaram aos autos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.12.2018 e o novo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 21.02.2019, e foi remetida aos presentes autos a certidão da sentença e acórdãos proferidos no âmbito da ação n.º 190/16.0... - cfr. ref.ª Citius .....68 - cfr. ref.ª Citius ....55 - cfr. fls. 320v e ss. dos autos - cfr. ref.ª Citius .....91 62.ª - Mesmo assim, entende o tribunal recorrido que entre as referidas ações n.ºs 190/16.0... e 461/13.8... e os presentes não se verifica uma relação de prejudicialidade, o que não é legalmente admissível 63.ª - A autoridade do caso julgado, dispensa a verificação da tríplice identidade antes descrita, mas não dispensa a identidade subjetiva, ou seja, as partes terão necessariamente de ser as mesmas, o que se verifica nestes autos e nas ações n.ºs 190/16.0... e 461/13.8... 64.ª - A dispensa da verificação da tríplice identidade reporta-se à identidade objetiva, substituída pela existência de uma relação de prejudicialidade, entre os objetos da segunda e primeira ações, ainda que parcial - vd. Ac. STJ, de 21.06.2022, proc. n.º 43/21.0YHLSB.L1-A.S1 65.ª - A causa é prejudicial em relação a outra quando o julgamento ou decisão a apreciar numa ação possa influir ou afetar o julgamento ou a decisão de outra ação, nomeadamente, modificando ou inutilizando os seus efeitos ou tirando a razão de ser a esta última - vd. Ac. STJ, de 09.05.2023, proc. n.º 826/21.1T8CSC-A.L1.S1 66.ª - Contrariamente ao vertido no acórdão recorrido, entre estes autos e as ações n.ºs 190/16.0... e 461/13.8... existe relação de prejudicialidade, pois que, do novo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 21.02.2019, resulta, entre o mais, o seguinte: “(…) Factos provados (…) 20. Para pagamento de honorários ao Dr. DD, Advogado da Ré e de seu falecido irmão AA, a Autora, em .../.../2010, emitiu e sacou, da conta identificada em 9), o cheque n° ........66 no montante de € 20.000,00. (…) Factos provados ora aditados: (…) 36. Na sentença proferida no processo 461/13.8... foi fixada a seguinte matéria de facto provada e não provada: (…) Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevo para a discussão da causa, nomeadamente os seguintes: (…) c) Os Réus, que tinham passado a frequentar a casa da Autora desde ... de 2010/ agiram de forma premeditada e planeada, de modo a apropriarem-se, como se apropriaram, de quantias em dinheiro da Autora e que se encontravam na sua casa guardados para as suas necessidades correntes. (…) h) Agindo de forma concertada, até ao dia ... de ... de 2010, os Réus, depois de convencerem a Autora a abrir uma conta no BPI - ... e para ali transferirem quantias avultadas, também convenceram a Autora a que a Ré mulher passasse a figurar como segunda titular da conta e com poderes para emitir cheques, bem como movimentar dinheiro através de cartão multibanco que requereram fosse emitido em nome da Ré BB, l) Na posse desses cheques e cartão a Ré BB, em acordo com o outro Réu, com quem é casada no regime de comunhão de adquiridos, efetuaram levantamentos, pagamentos e aplicações em proveito próprio, bem sabendo que não tinham autorização da Autora para tal. j) Atuaram ainda com o propósito de enriquecer o seu património à custa do património da Autora, que, assim, viu a conta do BPI praticamente esvaziada, fazendo seus ou usando em proveito próprio dinheiro ou meios de pagamento superiores a 30.000,00 €. k) Na verdade, os Réus emitiram cheques, a sacar sobre aquela conta da Autora, a favor de terceiros ou com montantes que levantaram, sem qualquer justificação ou autorização da Autora, recusando a sua restituição até hoje ou a prestação de contas. (…)”. - cfr. ref.ª Citius ...50 67.ª - A factualidade transcrita na conclusão anterior contradiz frontalmente os pontos 11., 13. a 15. e 17. da petição inicial objeto destes autos, sendo claramente apta a dar os mesmos como não provados, pois que, desse novo acórdão resultou definitivamente não provado que: - os recorrentes tenham agido de modo a apropriarem-se de quantias em dinheiro da recorrida - os recorrentes se tenham apropriado de quantias em dinheiro da recorrida - os recorrentes tenham movimentado a conta no BPI - ... e dinheiros através de cartão multibanco que requereram fosse emitido em nome da recorrente BB - os recorrentes efetuaram levantamentos, pagamentos e aplicações em proveito próprio, bem sabendo que não tinham autorização da recorrida para tal - a recorrida viu a conta do BPI praticamente esvaziada - os recorrentes fizeram seus ou usaram em proveito próprio dinheiro ou meios de pagamento superiores a 30.000,00 € - os recorrentes emitiram cheques, a sacar sobre a conta do BPI, a favor de terceiros ou com montantes que levantaram, sem qualquer justificação ou autorização da recorrida, recusando a sua restituição até hoje ou a prestação de contas 68.ª - Tal factualidade contradiz, inegavelmente, os fundamentos e as razões invocadas pela recorrida, dado que, a ação de prestação de contas objeto destes autos se funda na alegada gestão de valores sem autorização da recorrida 69.ª - O que, como foi já decidido em duas ações judiciais distintas, não corresponde à realidade. 70.ª - O facto provado n.º 20 do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 21.02.2019, contraria o acórdão recorrido, sendo apto a demonstrar justificadas, pelo menos parcialmente, as contas apresentadas pelos recorrentes, em 05.07.2021 71.ª - Apesar de o acórdão impugnado ter considerado tal facto como definitivamente provado, o mesmo, de forma absolutamente surpreendente e irrisória, entendeu que uma tal despesa não se considera justificada - cfr. ponto 12 da matéria de facto provada no acórdão recorrido 72.ª - O acórdão recorrido decidiu, pois, contrariamente à matéria de facto considerada provada e não provada nas ações n.ºs 190/16.0... e 461/13.8..., contrariando os fundamentos de dedução lógica de tais decisões e os próprios factos assentes em tais decisões 73.ª – Uma das questões a decidir nestes autos é a de aferir das receitas obtidas e despesas efetuadas pelos recorrentes através da administração/gestão da conta bancária n.º .....16-000-00 do Banco BPI, no período compreendido entre 29.06.2010 e 25.11.2010. 74.ª - Isto é, dos valores movimentados na mesma conta bancária em crise nas ações n.ºs 461/13.8... e 190/16.0... e no mesmo período de tempo 75.ª – A matéria de facto provada e não provada nas ações n.ºs461/13.8... e 190/16.0... diz diretamente respeito à factualidade em crise nestes autos, pelo que, o decidido nessas ações pode afetar ou destruir o fundamento ou razão de ser dos presentes autos 76.ª - Pois que, dessas ações resultou como não provado que os recorrentes tenham administrado essa conta bancária de forma ilegítima, sem autorização da recorrida e se tenham apropriado de quase €30.000,00 77.ª - Tendo, por outro lado, resultado como definitivamente provado nessas ações que os ditos €20.000,00, se destinaram ao pagamento de honorários do mandatário da recorrida, sendo esta a justificação de tal pagamento 78.ª - Tanto assim é que, tal facto foi dado como definitivamente provado nos presentes autos - cfr. ponto 12 matéria de facto provada no acórdão recorrido 79.ª - Impõe-se a autoridade do caso julgado entre os presentes autos e as ações n.ºs 190/16.0... e 461/13.8..., o que foi postergado pelo acórdão recorrido 80.ª - Entendimento diverso viola a autoridade de caso julgado e o juízo alcançado por várias instâncias judiciais distintas, bem como viola a força probatória plena de documentos autênticos (sentenças e acórdãos) - vd. art.ºs 619.º e ss. CPC - vd. art.º 371.º CC 81.ª - O acórdão recorrido viola a autoridade do caso julgado, sendo ilegal - vd. Ac. TR Coimbra, de 12.12.2017, proc. n.º 3435/16.3T8VIS-A.C1 - vd. Ac. STJ, de 04.06.2015, proc. n.º 177/04.6TBRMZ.E1.S1 - vd. Ac. STJ, de 14.03.2006, proc. n.º 05B3582 - vd. Ac. STJ, de 12.09.2007, proc. n.º 07S923 - vd. Ac. STJ, de 03.02.2005, proc. n.º 04B4009 82.ª - O acórdão recorrido interpretou e aplicou erroneamente as seguintes disposições normativas: - n.º 2, art.º 576.º e al. i), art.º 577.º CPC - n.º 1, art.º 580.º; art.º 581.º CPC - art.ºs 619.º, 621.º e 625.º CPC - art.º 371.º CC 83.ª - O acórdão recorrido interpretou e aplicou erroneamente o entendimento da jurisprudência portuguesa, perfilhado nos seguintes acórdãos: - Ac. TR Coimbra, de 12.12.2017, proc. n.º 3435/16.3T8VIS-A.C1 - Ac. STJ, de 04.06.2015, proc. n.º 177/04.6TBRMZ.E1.S1 - Ac. STJ, de 14.03.2006, proc. n.º 05B3582 - Ac. STJ, de 12.09.2007, proc. n.º 07S923 - Ac. STJ, de 03.02.2005, proc. n.º 04B4009 - Ac. STJ, de 09.05.2023, proc. n.º 826/21.1T8CSC-A.L1.S1 - Ac. STJ, de 04.12.2018, proc. n.º 190/16.0T8BCL.G1.S1 84.ª - Ao interpretar erroneamente a lei e a jurisprudência aplicáveis ao caso concreto, o acórdão recorrido violou a autoridade de caso julgado - vd. als. a), n.º 1, art.º 674.º CPC 85.ª - Entre o mais, os referidos € 21.000,00 (vinte e um mil euros) destinaram-se ao pagamento de despesas e honorários do mandatário da recorrida - cfr. pontos 10 e 12 da matéria de facto provada no acórdão recorrido 86.ª - Segundo as regras da experiência comum e da dedução lógica, dos usos profissionais, da lei e, inclusive, da matéria de facto provada do acórdão recorrido, esses € 21.000,00 destinaram-se ao pagamento de serviços jurídicos em nome e benefício da recorrida AA 87.ª - O mandato forense é um contrato de mandato atípico sujeito ao regime especial do Estatuto da Ordem dos Advogados, no exercício do qual, o advogado vincula-se a utilizar, com diligência e zelo, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender os interesses do seu cliente - vd art.ºs 1157.º a 1184.º CC - vd. Ac. TR de Lisboa, de 11.05.2023, proc. n.º 12426/19.1T8LRS.L1-8 88.ª - O Dr. DD obrigou-se a praticar atos jurídicos por conta da recorrida, sua cliente - vd. art.º 1157.º CC89.ª - No caso de o mandato ter por objeto atos que o mandatário pratique por profissão, o mesmo presume-se oneroso, sendo a medida da retribuição, na ausência de acordo, determinada pelas tarifas profissionais - vd. art.º 1158.º CC 90.ª - O mandante obriga-se, entre o mais, a: - pagar ao mandatário a respetiva retribuição - reembolsar o mandatário das despesas feitas - vd. als. b) e c), art.º 1167.º CC 91.ª - Assim, dúvidas não existem de que quem contratou os serviços técnico-jurídicos do Dr. DD e deles beneficiou foi a recorrida AA, sua cliente 92.ª - Por efeito da lei, dos usos profissionais e das regras da vivência em sociedade, a recorrida AA é a responsável pelo pagamento dessas despesas e honorários 93.ª – Os valores referentes a despesas e honorários do Dr. DD nunca foram contestados por quem quer que seja e foram aceites pela recorrida e seu falecido irmão - cfr. pontos 10 e 12 da matéria de facto do acórdão recorrido - cfr. Ac. STJ, de 04.12.2018, proc. n.º 190/16.0T8BCL.G1.S1 94.ª - O acórdão recorrido interpretou e aplicou erroneamente a lei ao caso concreto, designadamente as seguintes disposições normativas: - n.º 1, art.º 105.º EOA - art.ºs 1157.º e 1158.º CC - als. b) e c), art.º 1167.º CC 95.ª - Inexiste norma específica que estabeleça o prazo em que o advogado deve manter e conservar o arquivo profissional, sendo que, por recurso à analogia, o prazo de conservação e manutenção da generalidade da documentação deverá ser de 10 anos e não de 20 anos como defende o acórdão recorrido - vd. art.º 40.º Código Comercial 96.ª - Não obstante, os clientes do Dr. DD eram a recorrida e o seu falecido irmão, pelo que, a eventual obrigação de guarda e manutenção de documentação encontrar-se-ia na esfera jurídica do Dr. DD e da recorrida e nunca dos recorrentes 97.ª - O acórdão recorrido interpretou e aplicou erroneamente a lei ao caso concreto, designadamente as seguintes disposições normativas: - art.º 105.º EOA - art.ºs 1157.º e 1158.º CC - als. b) e c), art.º 1167.º CC - art.º 40.º C. Com - vd. als. a), n.º 1, art.º 674.º CPC”. Terminam pedindo: - Que o recurso seja admitido - Que seja declarada a nulidade do acórdão recorrido - Que seja revogado o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que não ofenda a autoridade de caso julgado e que julgue boas e justificadas as contas apresentadas pelos recorrentes, determinando que os mesmos não têm de repor qualquer montante à conta bancária da autora. 6. A recorrida apresentou contra-alegações, concluindo nos termos seguintes: “1- A douta sentença proferida em Primeira Instância e o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, ora recorrido, fizeram uma correta e fundamentada apreciação da matéria de facto e uma correta aplicação do direito e da jurisprudência. [exclui-se a conclusão relativa à admissibilidade da revista excepcional] 3- Não pode o Tribunal apreciar matéria não alegada nos articulados ou que não esteja dada por provada e muito menos procede qualquer fundamento para alteração do que já foi decidido, não se verificando qualquer nulidade, erro na aplicação do direito ou a contradição alegada. 4- A Revista Excecional, assim como a Revista Normal, não deverá, assim, ser admitida, e sempre deverá ser julgada improcedente, com custas pelos Recorrentes. 5- Dão-se por integralmente reproduzidos os factos e o teor da douta sentença da Primeira Instância e do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que a confirma, porque não merecem qualquer censura”. 7. Por acórdão da conferência de 17.11.2024 pronunciou-se o Tribunal a quo no sentido da não verificação das invocadas nulidades do acórdão recorrido. 8. Vindo aos autos a informação sobre o falecimento da autora, por despacho do relator do Tribunal da Relação de 25.11.2024 foi a instância suspensa. 9. Processado o incidente de habilitação de herdeiros, por sentença do relator do Tribunal da Relação de 17.01.2025 foram habilitados EE, FF e GG para prosseguirem a acção no lugar da falecida autora. II - Admissibilidade Por despacho do relator do Tribunal a quo de 07.02.2025 [referência Citius .....39; por lapso, este despacho surge datado, a final, como sendo de 17.04.2025] a revista foi admitida como revista normal com a seguinte fundamentação, que merece inteira concordância: «Estamos no âmbito de uma ação especial de prestação de contas. Na falta de previsão em contrário, são aplicáveis à ação de prestação de contas as disposições do processo comum sobre recurso, em particular sobre o recurso de revista. Assim, quanto às decisões sobre a desistência ou inexistência da obrigação de prestação de contas, resulta do AUJ n.º 5/2021 que “[o] acórdão da Relação que, incidindo sobre a decisão de 1.ª instância proferida ao abrigo do n.º 3 do art. 942.º do CPC, apreciada a existência inexistência da obrigação de prestar contas, admite recurso de revista nos termos gerais.” Pois bem, o valor processual da ação foi fixado em € 31 887,65 – portanto, excede a alçada da Relação. A decisão recorrida, julgando improcedente o recurso de apelação e confirmando a sentença recorrida – que, apreciando as contas apresentadas, havia condenado os apelantes a pagarem à apelada a quantia de € 29 866,86 – foi desfavorável aos apelantes em mais de metade da referida alçada. Estão, assim, verificados os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 671/1 do CPC). Por outro lado. os apelantes, tendo ficado vencidos, dispõem de legitimidade para o ato (art. 631/1 do CPC). Finalmente, afigura-se que assiste razão aos apelantes quando afirmam que a fundamentação do Acórdão é essencialmente diferente da fundamentação da sentença da 1.ª instância: nesta considerou-se não ter ficado provado que a apelante, [n]a qualidade de administradora do valor existente na conta bancária referida em 1), os Réus suportaram, desde 29 de junho de 2010 a 25 de novembro de 2010, o montante global de €: 29.866,86 (vinte e nove mil oitocentos e sessenta e seis euros e oitenta e seus cêntimos) correspondente às seguintes despesas: i) €: 1.000,00 (mil euros) para despesas a advogado, levantados por solicitação do Dr. DD, advogado, através de cheque emitido em 06.07.2010; ii) €: 20.000,00 (vinte mil euros) para liquidação de honorários forenses e entregues ao Dr. DD, através de cheque emitido em 27.07.2010; iii) €: 325,00 (trezentos e vinte e cinco euros) com o pagamento de emolumentos notariais para outorga de escritura de doação a favor dos Réus, através de cheque emitido em 27.10.2010; iv) €: 4.091,86 (quatro mil e noventa e um euros e oitenta e seis cêntimos) para pagamento de imposto de selo referente à doação de imóvel efetuada a favor dos Réus, por cheque emitido de 01.10.2010; v) €: 700,00 (setecentos euros) para pagamento de serviços de construção civil, através de cheque emitido em 30.07.2010; vi) €: 500,00 (quinhentos euros) para pagamento de prenda de casamento, através de cheque emitido em 31.07.2010; vii) €: 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) para pagamento de serviços de medição e levantamento topográfico, por cheque emitido 17.08.2010; viii) €: 2.600,00 (dois mil e seiscentos euros) para pagamento de valores a mandatário, com medicação e consultas médicas com a Autora, supermercado e ração para animais” e, com esse fundamento, considerou não justificadas estas despesas”; naquele, modificou-se a decisão da matéria de facto quanto aos seguintes enunciados de facto, que foram considerados como provados: “i) No dia 27 de julho de 2010, a Ré levantou € 1 000,00 da conta bancária; ii) com data de 27 de julho de 2010, a Ré emitiu o cheque de € 20 000,00 para liquidação de honorários forenses e entregou-o ao Dr. DD; iii) com data de 27 de julho de 2010, a Ré emitiu o cheque de € 325,00; iv) com data de 1 de outubro de 2010, a Ré emitiu o cheque de € 4 091,86, para pagamento de imposto de selo referente à doação de imóvel efetuada a favor dos Réus, por cheque emitido de 01.10.2010; v) Com data de 30 de julho de 2010, a Ré emitiu o cheque de € 700,00; vi) Com data de 31 de julho de 2010, a Ré emitiu o cheque de € 500,00; vii) Com data de 17 de agosto de 2010, a Ré emitiu o cheque de € 650,00; viii) A Ré efetuou sucessivos levantamentos de dinheiro com utilização do cartão multibanco, no total de € 2 600,00.” Não obstante esta modificação da decisão da matéria de facto, entendeu-se que o recurso devia improceder com base em argumentação jurídica que não havia sido considerada na sentença da 1.ª instância, como se pode ver do respetivo ponto 2).4.2.6. da Parte III. Afigura-se, por isso, que não se coloca o obstáculo à admissibilidade do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça previsto no n.º 2 [rectius: n.º 3] do art. 671 do CPC. Ainda que assim não fosse entendido, esse recurso sempre seria admissível uma vez que foi invocado, como seu fundamento, a violação do caso julgado, ainda que, neste caso, fosse limitado ao conhecimento dessa questão: art. 629/2, a), parte final, do CPC. Sendo admissível a revista nos termos gerais, fica prejudicado o conhecimento da sua admissibilidade como “revista excecional.”». [negritos nossos] III – Objecto do recurso Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelo conteúdo do acórdão recorrido e pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões: • Nulidade do acórdão recorrido com fundamento no art. 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil; • Violação do caso julgado formado sobre as decisões finais proferidas nos processos n.º 461/13.8... e n.º 190/16.0...; • Violação da lei substantiva nos termos do art. 674.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil. IV – Fundamentação de facto Foram dados como provados os factos seguintes: 1. Quando a Ré passou a viver com a Autora, esta abriu uma conta no BPI, com o n.º ........00, titulada pela Ré e pela Autora (facto aditado). 2. A Autora Ré BB ficou na posse de cheques, tendo poderes para proceder à sua emissão, e de cartão multibanco da conta em causa e efetuou levantamentos e pagamentos para despesas suas, despesas com alimentação sua, do seu agregado familiar e da Ré [aqui Autora] e outras despesas não concretamente apuradas (facto aditado). 3. A Autora AA detinha, em 29.06.2010, a conta bancária n.º .....16-000-001 aberta no Banco BPI, cotitulada com a Ré BB, apresentando o saldo de €: 5.000,00 (cinco mil euros) (1). 4. Em 07.07.2010, a conta bancária descrita em 1) foi creditada com o montante de €: 5.000,00 (cinco mil euros) (2). 5. Em 20.07.2010, a conta bancária descrita em 1) foi creditada com o montante de €: 22.000,00 (vinte e dois mil euros) (3). 6. Os valores monetários referidos em 3), 4) e 5) foram depositados na conta bancária referida em 1) por transferência da Autora AA a partir da sua conta bancária detida na Caixa Crédito agrícola Mútuo de ... (4). 7. Os valores monetários referidos em 3), 4) e 5) pertencem em exclusivo à Autora AA (5). 8. Na qualidade de administradores dos valores referidos em 3), 4) e 5), os Réus, desde 29 de junho de 2010 a 25 de novembro de 2010 as seguintes despesas: i) €: 1.504,20 (mil quinhentos e quatro euros e vinte cêntimos) a título de despesas com alimentação, higiene e limpeza dos próprios e da Autora, liquidados no supermercado ...; ii) €: 500,00 (quinhentos euros) com o pagamento de honorários médicos, através de dois cheques emitidos em 27.07.2010; iii) €: 9.107,91 (nove mil cento e sete euros e noventa e um cêntimos) para pagamento do imposto de selo relativo à herança por óbito do irmão da Autora, através de cheque emitido em 23.11.2010 (7); 9. Em 6 de julho de 2010, a Autora [aqui Ré] procedeu ao levantamento da conta identificada em 1, ao balcão do BPI, da quantia de € 1 000,00 (facto aditado). 10. A quantia de € 1 000,00 foi destinada ao pagamento de despesas reclamadas pelo Dr. DD (facto aditado). 11. De 6 de julho de 2010 a 25 de novembro de 2010, a Autora [aqui Ré] efetuou sucessivos levantamentos de dinheiro com utilização do cartão multibanco, no total de € 2 600,00 (facto aditado). 12. Para pagamento de honorários ao Dr. DD, advogado da Ré [aqui Autora] e do seu falecido irmão AA, a Autora [aqui Ré], em 26 de julho de 2010, emitiu e sacou, da conta identificada em 1, o cheque n.º ........66, no montante de € 20 000,00 (facto aditado). 13. A Autora [aqui Ré] emitiu sobre a conta identificada o cheque n.º ........62, datado de 27 de julho de 2010, no montante de € 325,00 (facto aditado). 14. A Autora [aqui Ré] emitiu sobre a conta identificada em 1 os cheques n.ºs ........67, ........68 e ........69, datados de 30 de julho de 2010, 31 de julho de 2010 e 17 de agosto de 2010 e no montante, respetivamente, de € 700,00, € 500,00 e € 650,00 (facto aditado). 15. O cheque n.º ........66, datado de 27 de julho de 2010, no montante de € 20 000,00, foi apresentado a pagamento e pago naquela data, através de desconto na identificada conta bancária (facto aditado). 16. O cheque n.º ........62, datado de 27 de julho de 2010, no montante de € 325,00, foi apresentado a pagamento e pago no dia 29 de julho de 2010, através de desconto na identificada conta bancária (facto aditado). 17. O cheque n.º ........67, datado de 30 de julho de 2010, no montante de € 700,00, foi apresentado a pagamento e pago naquela data, através de desconto na identificada conta bancária (facto aditado). 18. O cheque n.º ........68, datado de 31 de julho de 2010, no montante de € 500,00, foi apresentado a pagamento e pago no dia 5 de agosto de 2010, através de desconto na identificada conta bancária (facto aditado). 19. Esse cheque de € 500,00 foi destinado a uma prenda de casamento; 20. O cheque n.º ........69, datado de 17 de agosto de 2010, no montante de € 650,00, foi apresentado a pagamento e pago no dia 24 de agosto de 2010, através de desconto na identificada conta bancária (facto aditado). 21. No dia 14 de outubro de 2010 a conta referida em 1 apresentava um saldo de € 1 978,78 (facto aditado). 22. Na data referida no n.º anterior o Autor [aqui Réu] procedeu ao depósito na conta referida em 1 da quantia de € 2 000,00 (facto aditado). 23. Em 29 de outubro de 2010 a conta referida em 1 apresentava um saldo de € 3 219,02 (facto aditado). 24. Para pagamento do imposto devido com a doação referida em 1., a Autora [aqui Ré] emitiu e sacou da conta identificada em 9. o cheque n.º ........70, datado de 1 de outubro de 2010, apresentado a pagamento em 6 de outubro de 2010 e no montante de € 4 091,86 (facto aditado). 25. A Autora [aqui Ré], em nome da Ré [aqui Autora], pediu a HH, filho de II, a quantia de € 9 107,91, tendo em conta o valor do imposto de selo a pagar (facto aditado). 26. Por cheque emitido por HH, sacado sobre o Banco Comercial Português datado de 23.11.2010, foi creditado na conta referida em 1) o valor de €: 9.107,91 (8); 27. A Autora [aqui Ré] emitiu o cheque n.º ........83, sacado sobre a conta referida em 9., datado de 23 de novembro de 2010, no montante de 9 107,91, para pagamento do referido imposto de selo, o qual foi apresentado a pagamento no dia 26 de novembro de 2010 (facto aditado). 28. Em face da escritura de doação firmada em 27.07.2010 entre a Autora e os Réus, a administração pelos Réus da conta bancária referida em 1 iniciou com a sua constituição em 29 de junho de 2010 e terminou em 25 de novembro de 2010 (6). 29. No período indicado em 28, a Autora tinha rendimentos provenientes da sua reforma e da venda de produtos pecuários e agrícolas (11). 30. Até 26 de novembro de 2010 foi deduzido o montante global de €: 16,59 (dezasseis euros e cinquenta e nove cêntimos) correspondente a despesas bancárias (10). 31. Em 26 de novembro de 2010, a conta bancária referida em 1 apresentava o saldo de €: 2.112,35 (dois mil cento e doze euros e trinta e cinco cêntimos) o qual foi transferido pela Autora para outra conta bancária, da qual é titular exclusiva (9). 32. A estes factos, acrescenta-se que os Réus (Recorrentes) prestaram contas nos seguintes termos:
33. Os documentos que apresentaram foram as cópias dos cheques e talões mencionados na conta-corrente. V – Fundamentação de direito 1. Recorde-se que as questões objecto presente recurso são as seguintes: • Nulidade do acórdão recorrido com fundamento no art. 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC; • Violação do caso julgado formado sobre as decisões finais proferidas nos processos n.º 461/13.8... e n.º 190/16.0...; • Violação da lei substantiva nos termos do art. 674.º, n.º 1, alínea a), do CPC. 2. Primeira questão: Nulidade do acórdão recorrido com fundamento no art. 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil Invocam os recorrentes que o acórdão recorrido é nulo, com fundamento na 1.ª e na 2.ª parte do art. 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, nos termos do qual “[é] nula a sentença quando (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”. O Tribunal a quo, nos termos do art. 666.º, n.º 2, do CPC, pronunciou-se no sentido da não verificação da invocada nulidade. A alegação de nulidade é consubstanciada pelos recorrentes da seguinte forma: - É contraditória a “argumentação” do Tribunal a quo, ao ter dado aditado, ao elenco dos factos provados, os factos 10, 12 e 15, (“10. A quantia de € 1 000,00 foi destinado ao pagamento de despesas reclamadas pelo Dr. DD (facto aditado). 12. Para pagamento de honorários ao Dr. DD, advogado da Ré [aqui Autora] e do seu falecido irmão AA, a Autora [aqui Ré], em 26 de julho de 2010, emitiu e sacou, da conta identificada em 1, o cheque n.º ........66, no montante de € 20 000,00 (facto aditado). 15. O cheque n.º ........66, datado de 27 de julho de 2010, no montante de € 20 000,00, foi apresentado a pagamento e pago naquela data, através de desconto na identificada conta bancária (facto aditado).”) e, sem prejuízo, ter considerado injustificadas as verbas n.ºs 1 e 2 da prestação de contas apresentada pelos recorrentes; - Não lhes é possível “(…) apreender, captar ou compreender o raciocínio lógico-dedutivo que o tribunal recorrido seguiu (…)”, em face da prova de terem sido pagos “(…) determinados valores a título de honorários reclamados pelo advogado de determinada pessoa, devidos pelos serviços prestados a essa mesma pessoa (…)”, ter o Tribunal a quo considerado injustificadas as referidas verbas, ocorrendo, assim, “(…) ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível.”. Vejamos. O que, a este respeito, pretendem os recorrentes que seja discutida é a questão de saber se constitui contradição, ambiguidade ou obscuridade, eventualmente geradoras de ininteligibilidade da decisão, a circunstância de o Tribunal a quo ter considerado apuradas as referidas despesas, tendo, porém, concluído não deverem as mesmas considerar-se justificadas. O acórdão recorrido distingue nitidamente entre (i) a prova da realização de despesas e (ii) a sua justificação: “(…) Quanto às verbas indicadas sob os números 1 e 2, resultou provado que se destinaram ao pagamento de honorários a advogado. Daqui não resulta, porém, que possam considerar-se despesas justificadas. Na verdade, estamos aqui perante despesas relacionadas com honorários a advogado, o que pressupõe a emissão da nota, e, bem assim, uma vez feito o pagamento, do correspondente recibo. Só assim se poderá saber a natureza dos serviços prestados, a pessoa em nome de quem ou no interesse de quem foram prestados os serviços ou quem tirou benefício dos mesmos.” (p. 61 do Acórdão recorrido).”. Considerou-se assim que, pese embora tenha sido produzida prova idónea a comprovar a realização de despesa, não foi produzida prova idónea a justificá-la; desde logo, em face da não produção da nota de honorários e do correspondente recibo. A distinção entre a realização de uma despesa e a sua justificação resulta clara da letra da lei. A prestação de contas faz-se, nos termos do art. 944.º, n.º 1, do CPC, sob a forma de conta-corrente (“As contas que o réu deva prestar são apresentadas em forma de conta-corrente e nelas se especifica a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respetivo saldo.”), como, sintetizando a fundamentação do acórdão deste Supremo Tribunal de 09-11-2017 (proc. n.º 628/14.1TBBGC-C.G1.S1),disponível em www.dgsi.pt, se pode ler no respectivo sumário: trata-se de “(…) forma simples de escrituração de transacções, em rubricas (de deve e haver), que releva a situação patrimonial de uma conta em dado momento, ou num determinado período de tempo, através do saldo resultante das entradas/receitas/créditos e das saídas/despesas/débitos.”. Ora, relativamente às verbas lançadas, tanto no caso em que o réu não apresente as contas, como no caso em que as apresente, cabe ao prudente arbítrio do julgador o juízo sobre as mesmas (cfr. os arts. 943.º, n.º 2 e 945.º, n.º 5, do CPC). Quanto ao exercício deste prudente arbítrio, no acórdão deste Supremo Tribunal de 24-05-2022 (proc. n.º 2009/08.7TBALM-A.L1.S1), consultável em www.dgsi.pt, entendeu-se, em síntese, que “[o] julgamento das contas segundo o prudente arbítrio do juiz, nos termos do art. 943º nº 2 do CPC, é o que resulta de uma actuação judicial segundo critérios de ponderação cautelosa e razoável, abstraído das regras do ónus da prova, informada pelas regras da experiência, podendo e devendo o juiz, tendo em vista suprir eventuais lacunas ou dificuldades probatórias, ordenar oficiosamente as diligências probatórias que entenda adequadas, procurando obter um valor que, com forte e séria probabilidade, envolvendo a menor margem de erro e sem correr riscos expressivos, constitua o valor mais aproximado da realidade, assim se evitando um “non liquet”.”. Ora, no caso concreto, o decisor não considerou, fundamentadamente, justificadas as verbas n.ºs 1 e 2, isto é, in casu, não as considerou justificadas sem a apresentação de documento (designadamente, a nota de honorários). O que lhe é lícito, nos termos do art. 945.º, n.º 5, conjugado com o art. 607.º, n.º 5, do CPC. Temos assim que a fundamentação do acórdão recorrido não é contraditória com a decisão. A decisão não é, igualmente, obscura ou ambígua pelas razões já avançadas. O percurso decisório é inteligível, sendo-o, também, a própria decisão quanto a este ponto, a qual assenta, reitere-se, na distinção entre a prova da despesa e a sua aprovação, sem que de uma possa retirar-se, sem mais, a outra. Conclui-se, deste modo, pela não verificação da invocada nulidade do acórdão recorrido. 3. Segunda questão: violação do caso julgado formado sobre as decisões finais proferidas nos processos n.º 461/13.8... e n.º 190/16.0... 3.1. Importa começar por referir que, entre as mesmas partes, correram já duas outras acções: - A acção n.º 461/13.8..., cuja configuração subjectiva é idêntica à que aqui se apresenta. Tratou-se de acção de processo comum, na qual a aqui autora originária, AA, requereu a resolução da doação feita em favor dos aqui réus, BB e CC, a título principal, ou, a título alternativo, a sua revogação, bem como o cancelamento do registo de aquisição a favor dos réus e posteriores. A acção foi julgada improcedente; - A acção n.º 190/16.0..., da qual foram autores os aqui réus, BB e CC, e ré a aqui autora originária, AA. Tratou-se de acção de processo comum: os (então) autores, aqui réus, peticionaram a condenação da ré a pagar-lhes a quantia de €11 107,31, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, em razão da celebração de dois contratos de mútuo e, subsidiariamente, a título de enriquecimento sem causa; a (ali) ré deduziu pedido reconvencional, requerendo a condenação dos (ali) autores a “(...) reconhecer que são devedores da Ré pela quantia de €78.185,69, acrescida de juros de mora à taxa anual e legal, contados desde a data da notificação para contestar a reconvenção (…) até integral pagamento, bem como das demais quantias que se vencerem a partir desta data e até que cesse o incumprimentos dos Autores ou seja distratada a doação, a liquidar em execução de sentença, sendo os Autores condenados a pagar todos esses valores e as custas.”. A acção foi julgada improcedente; a reconvenção foi julgada parcialmente procedente. O caso julgado formado sobre decisões de mérito configura-se como um efeito da decisão que deve ser concretizado a partir do art. 619.º do CPC. Assim “[t]ransitada em julgado a sentença (…) que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele (…)”, ainda que “nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º (…)”. A força obrigatória que a lei atribui à decisão de mérito (transitada em julgado) fora do processo em que foi proferida traduz-se, essencialmente, no instituto do caso julgado material, a que é comum fazer-se corresponder a expressão “efeito de caso julgado”. Tem o caso julgado dupla eficácia. Por um lado, impede que, em nova acção entre as mesmas partes, o tribunal se pronuncie sobre idêntico objecto – este o efeito negativo de caso julgado, assim chamado por atingir a admissibilidade de exercício do poder jurisdicional sobre certo objecto, isto é, sobre o mérito da causa. Já o efeito positivo do caso julgado implica a observância, em decisões futuras, de decisões de mérito pretéritas que recaiam sobre objectos que, entre si, se encontrem em relações de prejudicialidade ou de integração. Uma vez que, para a decisão da presente questão, não se afigura determinante que discorramos sobre o efeito negativo de caso julgado – ou da excepção dilatória nominada de caso julgado, nos termos do art. 577.º, alínea i), do CPC – detenhamo-nos no outro efeito extra-processual das decisões: a autoridade de caso julgado. Este efeito manifesta-se quando, apesar de não se verificar identidade objectiva entre duas acções, se verifica certo tipo de relações entre os objectos processuais nestas deduzidos. Designadamente, nos casos em que certo elemento da decisão pretérita se apresenta como pressuposto de mérito da decisão de mérito que, o tribunal haja de proferir noutro processo. Nestas hipóteses, os objectos das duas acções não são coincidentes (cfr. Teixeira de Sousa, «O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material», in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 325, 1984, pág. 171), mas o elemento da decisão anterior é prejudicial quanto à decisão de mérito posterior (cfr. Lebre de Freitas, «Um Polvo Chamado Autoridade do Caso Julgado», in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 79, Vol. III/IV, Jul./Dez. 2019, pág. 700), quer em virtude da configuração da sua causa de pedir, quer da arguição ou existência de uma excepção peremptória (cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil: conceito e princípios gerais à luz do novo Código, 4.ª ed., Gestlegal, 2017, II.5.2.). Neste conjunto de situações, não se verifica uma relação de identidade objectiva (ou de consumpção objectiva, na análise de Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 171) pelo que não pode operar a excepção de caso julgado. Mas, ainda assim, a decisão anterior conforma o modo como o tribunal pode conhecer do objecto da decisão a proferir. Aqui, o caso julgado material opera positivamente: o objecto sobre o qual se formou caso julgado material na acção anterior condiciona prejudicialmente o conhecimento do objecto da acção posterior entre as mesmas partes, pelo que os efeitos da decisão de mérito pretérita se projectam na acção subsequente. Porém, se é verdade que, não se verificando identidade de pedido e causa de pedir, tipicamente nos encontramos fora do âmbito da excepção de caso julgado, nem por isso pode automaticamente operar a autoridade de caso julgado em sentido estrito. 3.2. A dificuldade que a concretização da noção de autoridade de caso julgado reveste para a decisão da causa reside na intersecção deste efeito da decisão com o alcance objectivo do caso julgado formado sobre as decisões pretéritas, in casu, as proferidas nos processos n.º 461/13.8... e n.º 190/16.0... Coloca-se designadamente a questão de saber se os fundamentos da decisão de mérito – maxime, os fundamentos factuais de uma decisão de mérito – estão abrangidos pelo caso julgado que sobre ela se forma e podem, assim, considerar-se vinculantes para uma decisão de mérito futura, ao abrigo da figura da autoridade do caso julgado. Esta questão é, como se sabe, muito debatida na doutrina e na jurisprudência. Afigura-se que a orientação maioritária da jurisprudência nacional é no sentido de não ser conveniente adoptar um critério rígido sobre os limites do caso julgado quando às questões prejudiciais. Sendo, contudo, possível afirmar que, se o caso julgado não deve abranger o pronunciamento sobre toda e qualquer questão debatida no percurso lógico que conduziu à decisão da acção, se justifica que ele confira definitividade ao julgamento das questões prejudiciais quando estas se encontrem numa estreita interdependência com a decisão, de tal modo que, mesmo quando as partes não hajam formulado os correspondentes pedidos, provocando pronúncias formais em termos decisórios do tribunal, seja aconselhável impedir uma nova apreciação da mesma questão de modo a evitar uma incompatibilidade prática entre as duas decisões, o que deve ser verificado caso a caso. A resposta positiva visa, essencialmente, evitar a contradição de decisões sobre certas questões, assumindo particular relevância quando, em si mesmos, os fundamentos anteriormente conhecidos se encontrem em relação com o objecto de uma nova decisão. Nesta hipótese, autonomizar-se-ia o juízo que recaiu sobre uma certa questão (o fundamento). Com relevância directa para o caso concreto, deve, porém, perguntar-se se esta noção de fundamento abrange a decisão em matéria de facto – mais concretamente, os próprios factos considerados provados – ou se, por outro lado, a noção de questão, ou fundamento, aqui antevista apenas diz respeito à decisão de questões de direito. A este respeito pronunciou-se já este Supremo Tribunal: - No acórdão de 29-10-2024 (proc. n.º 2985/20.1T8FNC.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt: “Simplesmente, no tocante aos factos, aqueles que forem considerados como provados nos fundamentos de uma decisão – sentença ou acórdão – não podem ser considerados isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de se extrair deles outras consequências, que excedam ou ultrapassem as contidas na decisão final. Ou, dito de outro modo: os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, não valem por si mesmos quando desligados da respectiva decisão, valendo apenas enquanto fundamentos da decisão da acção em que foram adquiridos e em conjunto com essa mesma decisão. Numa proposição ainda mais incisiva: o caso julgado não abrange os factos adquiridos na acção: um enunciado de facto julgado provado numa acção é indiscutível enquanto fundamento da decisão nela proferida; fora dessa relação entre fundamento e decisão, o facto não é indiscutível; o objecto do caso julgado é a decisão referente ao pedido – não cada uma das suas premissas, designadamente de facto, pelo que se não estende a essas premissas, quando consideradas de forma isolada e separada da decisão, dado que não é possível desligar ou destacar esses fundamentos da respectiva decisão para lhes conferir a indiscutibilidade característica do caso julgado. Nem é outra a orientação deste Tribunal Supremo”. - No acórdão de 09-05-2024 (proc. n.º 497/19.5BEPNF.P1.S1), consultável em www.dgsi.pt: “O alcance do caso julgado formado pela anterior acção não se estende a matéria de facto declaradamente instrumental que naquela tenha sido considerada não provada; mais, os invocados juízos probatórios não correspondem a decisão sobre questão jurídica que, nessa qualidade poderia vir a constituir caso julgado material, nos termos do artigo 619.º, n.º 1, do CPC.”. - No acórdão de 04-07-2023 (proc. n.º 142/15.8T8CBC-C.G1.S1), consultável em www.dgsi.pt: “Sobre os factos provados e não provados num dado processo não se forma caso julgado, pois não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos. Tratam-se apenas de juízos positivos ou negativos que integram a decisão de facto, mas não suscetíveis de integrar a decisão definidora de efeitos jurídicos, a qual só se alcança através emissão de um juízo que defina o direito a dirimir entre as partes.”. - No acórdão de 14-01-2021 (proc. n.º 3935/18.0T8LRA.C1.S1), in jurisprudencia.csm.org.pt, assim sumariado: “[O] princípio da eficácia extraprocessual das provas, consagrado no art. 421.º, nº 1, do Código de Processo Civil, permite que a prova produzida num processo possa ser utilizada contra a mesma pessoa num outro processo, para fundamentar uma nova pretensão, mas não permite importar factos provados numa acção para a outra porque a matéria de facto provada numa acção não tem valor caso julgado.”. Sem prejuízo do debate sobre a atribuição de efeitos à forma como um tribunal se pronunciou sobre certa questão, pode afirmar-se haver reiteração, neste Supremo Tribunal, da ideia segundo a qual a matéria de facto provada em dado processo não deve, pelo menos sem mais, ser assimilada à matéria de facto dada como provada em processo subsequente. 3.2. Ainda que não deva considerar-se ter sido formado caso julgado sobre aqueles fundamentos fáctico-decisórios, cumpre, ainda, determinar se, entre os objectos processuais (compostos por pedido e causa de pedir) das três acções, se estabelecem os nexos de prejudicialidade que são pressuposto do efeito positivo de caso julgado. Como se afirmou supra, a tríplice identidade (cfr. art. 581.º, n.º 1, do CPC) que caracteriza o efeito negativo do caso julgado não é requisito do efeito positivo de caso julgado. Porém, e desde que verificada a identidade subjectiva, em homenagem ao princípio do contraditório – como é o caso, ainda que, no processo n.º 190/16.0..., as ora partes se encontrassem investidas nas qualidades de autor e réu de modo inverso –, o que, para o efeito positivo de caso julgado, releva é a relação que se estabeleça entre objectos processuais distintos. Como ensina Teixeira de Sousa («Prejudicialidade e limites objectivos do caso julgado», in Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXIV, n.º 4, 1980, págs. 305 e seg.): “As situações de prejudicialidade entre acções situam-se no âmbito das relações de dependência entre objectos processuais. Em processo civil esta dependência pode ser genética, quando a origem das acções dependentes tem por base a existência de um outro objecto processual que condiciona o seu aparecimento, ou acidental, se a relação de dependência é uma contigência do conteúdo de alguns objectos processuais autonomamente constituídos. [...] Por outro lado, verifica-se uma eventualidade de consumpção entre objectos processuais quando a extensão de um deles está contida na extensão de um outro. Se a consumpção é total e recíproca há entre os objectos processuais uma relação de identidade, mas se for parcial, e necessariamente não recíproca, estar-se-á perante uma eventualidade de prejudicialidade. Como se vê, a prejudicialidade refere-se a hipóteses de objectos processuais que são antecedente da apreciação de um outro objecto que os inclui como premissas de uma decisão mais extensa. Por isso a prejudicialidade tem sempre por base uma situação de conjunção por inclusão entre vários objectos processuais simultaneamente pendentes em causas diversas.”. Veja-se, a este propósito, o acórdão deste Supremo Tribunal de 21-06-2022, na (proc. n.º 43/21.0YHLSB.L1-A.S1), disponível em www.dgsi.pt, assim sumariado: “I. O caso julgado material, como autoridade de caso julgado, pressupõe sempre uma relação de prejudicialidade, no sentido de que o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objeto da ação posterior, sendo pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta venha a ser proferida. II. A autoridade do caso julgado dispensa a verificação da tríplice identidade requerida para a procedência da exceção dilatória, não dispensando a identidade subjectiva (sendo as mesmas as partes em ambas as acções, desde logo por exigência do princípio do contraditório – art. 3º do CPC), o que significa que tal dispensa se reporta apenas à identidade objectiva, a qual é substituída pela exigência de que exista uma relação de prejudicialidade entre o objecto da segunda acção e o objecto da primeira, ainda que parcial.”. Nas palavras do sumário do acórdão deste Supremo Tribunal de 12-11-2024 (proc. n.º 1236/05.3TBALQ.L2.S2), disponível em www.dgsi.pt: “Para a verificação da autoridade de caso julgado exige-se a demonstração de um nexo de prejudicialidade entre as duas decisões judiciais em causa, o que sucede quando os fundamentos essenciais e decisivos da primeira constituem necessariamente pressupostos lógicos e incontornáveis da segunda.”. Veja-se, ainda, o decidido no acórdão de 29-10-2024 (proc. n.º 2985/20.1T8FNC.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt: “A consequência da autoridade do caso julgado, enquanto efeito positivo do caso julgado, consiste, simplesmente, na vinculação do tribunal da acção posterior ao que foi decidido pelo tribunal na acção anterior - uma questão prejudicial para o julgamento da acção - e não na verificação de uma excepção dilatória inominada”. Ora, no que releva para o caso dos autos, constata-se que, no processo n.º 461/13.8..., a (aqui e ali) autora pediu a resolução ou a revogação da doação feita aos (aqui e ali) réus; na reconvenção deduzida no processo n.º 190/16.0..., a (aqui) autora (e ali ré) repetiu os mesmos factos e, com base neles, pediu a condenação dos (ali) autores e (aqui) réus na restituição do dinheiro e dos bens de que estes, no seu entender, se haviam apropriado; na presente acção especial de prestação de contas, a (aqui) autora pediu a condenação dos (aqui) réus no cumprimento da obrigação de prestarem contas e de pagarem o saldo a seu favor que se apure existir. Isto é, ainda que com causas de pedir (art. 581.º, n.º 4, do CPC) idênticas – total ou parcialmente – foram deduzidos pedidos (art. 581.º, n.º 3, do CPC) manifestamente distintos. Mas serão os dois primeiros pedidos prejudiciais relativamente ao pedido deduzido na presente acção, de modo a que possa afirmar-se que a decisão das duas causas anteriores era vinculativa para o Tribunal a quo? Em nosso entender, a resposta é negativa. As decisões anteriores não são pressuposto lógico-jurídico da decisão a proferir na presente acção de prestação de contas, cuja decisão final se exprime, nos termos do art. 941.º do CPC, no “(…) apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se (…)”. Com efeito, não releva para a decisão neste âmbito uma decisão anterior quanto à resolução ou revogação de uma doação; não releva também uma decisão anterior quanto à eventual obrigação de restituição de bens de que a contraparte se houvesse ilicitamente apropriado. Afastada a possibilidade de dar como provados, na presente acção, os factos ali apurados – ou o contrário –, pela mera circunstância de o terem sido, concede-se serem parcialmente coincidentes os juízos de valor sobre estes incidentes. Mas não resulta, igualmente, do direito positivo, que os juízos de valor realizados sobre os mesmos factos por um anterior tribunal sejam vinculativos para um tribunal posteriormente chamado a pronunciar-se. Em síntese, nas acções anteriores não foi decidida questão jurídica “(…) cuja resolução constitua pressuposto necessário da decisão de mérito a proferir [na acção posterior], nomeadamente por respeitar à causa de pedir ou a uma excepção peremptória” (Lebre de Freitas, cit., pág. 700) Com efeito, e com relevância para a decisão do caso concreto, as decisões anteriores não integram a causa de pedir da presente acção. Poder-se-ia discutir, como fazem os ora recorrentes, se os factos aí dados como provados a integram: a resposta é afirmativa; porém, dela não é possível extrair o efeito pretendido pelos recorrentes, uma vez que, como vimos, não se forma caso julgado material nem sobre factos dados como provados em acção anterior nem tampouco sobre juízos de valor incidentes sobre factos realizados em acção anterior. Improcede, assim, esta pretensão recursória. 4. Terceira questão: violação da lei substantiva, nos termos do art. 674.º, n.º 1, alínea a), do CPC Invocam os recorrentes a violação da lei substantiva, consubstanciada no facto de, tendo sido provados os factos elencados sob os números 10, 12 e 15, não terem, todavia, as despesas aí referidas sido consideradas justificadas. Recordemos os factos em causa: 10. A quantia de € 1 000,00 foi destinado ao pagamento de despesas reclamadas pelo Dr. DD. 12. Para pagamento de honorários ao Dr. DD, advogado da Ré [aqui Autora] e do seu falecido irmão AA, a Autora [aqui Ré], em 26 de julho de 2010, emitiu e sacou, da conta identificada em 1, o cheque n.º ........66, no montante de € 20 000,00. 15. O cheque n.º ........66, datado de 27 de julho de 2010, no montante de € 20 000,00, foi apresentado a pagamento e pago naquela data, através de desconto na identificada conta bancária. Alegam, a este respeito, o seguinte: “O acórdão recorrido fundamenta um tal entendimento no facto de, sem a respetiva nota de honorários e recibo não se conseguir saber a natureza dos serviços prestados, a pessoa em nome de quem ou no interesse de quem foram prestados tais serviços e quem dos mesmos beneficiou. Tal entendimento, para além de incoerente, é também contrário às regras da dedução lógica. Pois que, da própria fundamentação do acórdão recorrido se depreende a natureza dos serviços prestados pelo Dr. DD, bem como em nome de quem, a favor de quem e em benefício de quem os mesmos foram prestados. (…) Isto é, segundo as regras da experiência comum e da dedução lógica, dos usos profissionais, da lei e, inclusive, da matéria de facto provada do acórdão recorrido que esses € 21.000,00 destinaram-se ao pagamento de serviços jurídicos em nome da recorrida AA.” (págs. 54 e 55 das alegações de recurso). Mais alegam que: “(…) o acórdão recorrido segue o entendimento de que os recorrentes deveriam ter guardado a dita nota de honorários e recibo pelo prazo de 20 anos, dado ser esse o prazo de obrigação de prestar contas e por que a não apresentação dos mesmos apenas pode ser imputada aos recorrentes. Salvo o devido respeito por opinião diversa, o entendimento do tribunal recorrido é contrário à lei e ao sentido da lei.” (págs. 57 e 58 das alegações de recurso). Concluem afirmando que: “[...] o acórdão recorrido interpretou e aplicou erroneamente a lei ao caso concreto, designadamente as seguintes disposições normativas: - art.º 105.º EOA - art.ºs 1157.º e 1158.º CC - als. b) e c), art.º 1167.º CC - art.º 40.º C. Com” (pág. 59 das alegações). Vejamos. Nos termos do art. 944.º, n.º 1, do CPC, “[a]s contas que o réu deva prestar são apresentadas em forma de conta-corrente e nelas se especifica a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respetivo saldo.”. E, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “[a]s contas são apresentadas em duplicado e instruídas com os documentos justificativos.”. Ora, no caso concreto, não foram juntos pelos réus nem os recibos nem a nota de honorários correspondente às verbas em causa. De acordo com o art. 105.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro): “1 - Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efetivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa. 2 - Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respetiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados. 3 - Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.”. Ainda que a prova de que foram realizados, por determinado advogado, certos serviços, não dependa, exclusivamente, da apresentação da nota de honorários, bem se depreende do disposto no n.º 3 que a concreta natureza e as especificações desses serviços – elementos essenciais, no quadro da presente acção, já não para a prova mas para a qualificação das verbas em causa – se atesta mediante a sua apresentação. Dito de outro modo, sendo lícito ao decisor, nos termos do art. 607.º, n.º 5, do CPC, apreciar livremente a prova – já que não nos encontramos no domínio de factos para cuja prova se requeira a mobilização de um específico meio probatório –, bem se compreende que tenham sido dados como provados os factos supracitados, sem que o correspondente juízo seja necessariamente no sentido de considerar justificadas aquelas despesas, como já acima se escreveu. É que, sobre estas – designadamente, sobre a sua concreta finalidade, no quadro da relação entre autora e réus –, não ficou convencido o julgador. Pouco importa, nesta sede, determinar se, em face da demais prova produzida, podia ter sido outra a decisão probatória, pois, como se sabe, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça o controlo do exercício da margem de livre apreciação conferida, pela lei, ao Tribunal da Relação. Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 14-09-2021 (proc. n.º 768/15.0T8MCN.P2.S1, disponível em www.dgsi.pt), e sumariado como segue: “Face ao art. 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça não pode pronunciar-se sobre se, em face de elementos que considerou seguros e suficientes para julgar as contas, o Tribunal da Relação apreciou correctamente as provas relativas às despesas e às receitas inscritas.”. Devendo considerar-se, nos termos da fundamentação do acórdão deste Supremo Tribunal de 18-06-2024 (proc. n.º 3888/16.0T8VFR.P3.S1), disponível em www.dgsi.pt, que “a matéria relativa ao julgamento “segundo o prudente arbítrio”, envolvendo a atendibilidade das circunstâncias de cada caso, a prova produzida e que, no caso, está sujeita à livre apreciação do julgador, e o apelo às regras da experiência comum, insere-se no âmbito da decisão da matéria de facto e dos poderes da Relação nesse domínio, os quais, conforme já acima referido, são insindicáveis pelo Supremo Tribunal de Justiça”. Conclui-se, assim, também nesta parte, pela improcedência do recurso. VI – Decisão Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes Lisboa, 15 de Maio de 2025 Maria da Graça Trigo (relatora) Carlos Portela Catarina Serra |