Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B787
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BETTENCOURT DE FARIA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
IMPUGNAÇÃO
ADMINISTRADOR
CAPACIDADE JUDICIÁRIA
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: SJ20070920007872
Data do Acordão: 09/20/2007
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO
Sumário :
A acção de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos tem de ser interposta contra os condóminos que as votaram, que naquela devem figurar como réus, embora representados em juízo pelo administrador, que é quem deve ser citado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I
AA moveu acção ordinária contra a administração do condomínio de determinado prédio, em regime de propriedade horizontal, sito na Urbanização Carcavelos Lux, Rua ...... Lote 0, em Carcavelos, pedindo que sejam declaradas:
a nulidade das deliberações constantes dos pontos 1 e 2 da Assembleia de Condóminos de 07.05.04;
a falsidade da acta nº 16 da Assembleia de Condóminos de 07.05.04.
Subsidiariamente pede tais deliberações e acta sejam anuladas.
A ré contestou alegando a sua ilegitimidade.
Respondeu o autor defendendo essa legitimidade.
No despacho saneador decidiu-se que a ré tinha legitimidade passiva, e que deveria ser citada na pessoa do seu administrador. E isto por ter interesse directo em contradizer os factos alegados.
Recorreu a ré, tendo a Relação dado provimento ao agravo, por entender que quem tem interesse em contradizer são os próprios condóminos que votaram as decisões impugnadas. Só eles serão partes legítimas para serem demandados, embora representados pelo administrador, ou pela pessoa que a assembleia designar para o efeito.
Agrava agora o autor, defendendo nas conclusões das suas alegações de recurso que o administrador, por ser o órgão através do qual se executa a vontade do condomínio, será, por força da lei, o representante judiciário dos condóminos. Assim, a acção destinada a apreciar a nulidade das deliberações da assembleia de condóminos deve ser interposta contra o condomínio representado pelo administrador e não contra cada um dos condóminos.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II
Como matéria assente que interessa para a decisão do recurso, temos os próprios termos processuais, tal como atrás assinalámos.

III
Apreciando
1 O condomínio, na sua vertente de compropriedade, tem uma forma de administração que lhe é específica, impondo a lei a existência de um administrador. Contudo, apesar da existência de um órgão de gestão, não são conferidos direitos e deveres titulados por este polo administrativo, que o mesmo é dizer que o condomínio não tem personalidade jurídica. Como em qualquer compropriedade, os titulares das relações jurídicas são os comproprietários, no caso, os condóminos.
Apesar disso, a imposição legal de um órgão executor da vontade de tais condóminos acaba por ter reflexos na defesa processual daquelas relações jurídicas.
O artº 6º do C. P. Civil concede ao condomínio personalidade judiciária. Ou seja, cabe-lhe defender em juízo relações jurídicas de que não é titular, por não ser pessoa jurídica, e que do ponto de vista substantivo radicam na pessoa dos condóminos. Com uma limitação. Essa faculdade é restrita às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
O que se compreende.
O administrador é um órgão executivo pelo que os seus poderes derivam da vontade comum e incontestada dos condóminos. Todas as questões que se possam por a respeito desses poderes deparam-se com os mesmos interesses dos condóminos. Donde advém a possibilidade legal de unificar a respectiva defesa processual através da atribuição da personalidade judiciária ao condomínio, entendido este como o colectivo dos condóminos.
Mas, fora do âmbito do referido artº 6º, só os próprios titulares das relações jurídicas de condomínio é que podem demandar ou serem demandados em acções que as tenham por objecto, não se encontrando nos artºs 1430º a 1438º do C. Civil que versam sobre a administração do condomínio, qualquer excepção a esta regra.
Com efeito, o artº 1437º nº 1, quando diz que o administrador pode agir em juízo na execução das funções que lhe pertencem, está apenas a ver pelo lado activo a questão que o artº 6º do C. P. Civil regulou pelo lado passivo. E o mesmo se diga quanto ao seu nº 2 ao prescrever que o administrador pode ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns, que não respeitem à sua propriedade ou posse. Portanto, acções que respeitam ainda à administração dessas partes comuns, que competem ao mesmo administrador, conforme as alíneas f) e g) do artº 1436º.
E a regra será os condóminos demandarem e serem demandados sem a intervenção sequer do administrador. Como acontecerá, por exemplo, na hipótese dos condóminos reivindicarem para o condomínio determinada parcela de terreno, ou serem demandados em acção de reivindicação interposta por terceiro.
No entanto, quanto à impugnação das deliberações da assembleia de condóminos, a letra da lei é expressa. O nº 6 do artº 1433º do C. Civil dispõe que a representação judiciária dos condóminos compete ao administrador. Mas representar não significa ser parte. A legitimidade para ser parte, nos termos que vimos consignando, continua a pertencer aos titulares do condomínio. Aliás, diz o preceito que o administrador representa os condóminos “contra quem são propostas as acções”. Esta expressão inserida num artigo que tem como epígrafe “Impugnação das deliberações”, resolve, para além de todas as outras considerações, o problema dos presentes autos. A acção de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos tem de ser interposta contra os condóminos que as votaram. Por imposição legal, o seu representante em juízo será o administrador, que é quem deve ser citado. Mas a acção tem de ser movida contra os aludidos condóminos que aí devem figurar como réus.

2 Reconhece-se que a questão não tem sido pacífica na jurisprudência. O próprio relator deste acórdão subscreveu o Ac. STJ de 14.06.07.
Aí se considerou que a deliberação social que se pretende impugnar exprime a vontade do condomínio, do grupo e não dos condóminos individualmente considerados. Assim, atenta necessidade de um condomínio ser representado em juízo e o disposto nos artºs 6º e 22º do C. P. Civil, que o deve representar é o administrador.
Não sufragamos agora este entendimento.
O artº 22º refere-se à representação dos patrimónios autónomos, das sociedades, das associações e das respectivas filiais, quando é certo que para o condomínio existem regras próprias, que não legitimam o recurso à analogia, ou à interpretação extensiva.
E o artº 6º, refere-se a um caso específico que, como vimos, não abrange toda a problemática da representação do condomínio. Por outro lado, quanto à vontade deste último, não existindo a personalidade jurídica, não se lhe pode imputar uma vontade própria, podendo-se apenas constatar a conjunção das vontades dos seus titulares.

Com o que improcede o recurso.

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao agravo e confirmam o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 20 de Setembro de 2007

Bettencourt de Faria (Relator)
Duarte Soares (vencido)*
Rodrigues dos Santos
Pereira da Silva
Santos Bernardino (vencido)**

* vencido pois de acordo com o projecto que apresentei confirmaria a decisão da 1ª instância, por entender que a administração do condomínio tem plena legitimidade para o representar, na acção que impugnar as deliberações.

** vencido. A acção foi proposta contra o representante dos condomínios que deveriam ser demandados (o administrador) e não contra os próprios condóminos. Era aquele - e não estes - que devia ser citado para a acção, em veste de representante, é certo, e que deveria assumir a defesa dos seus representantes.
Afigura-se-nos, por isso, que embora o autor não se tenha expressado da forma mais correcta, não estamos perante um caso de ilegitimidade, podendo e devendo, com vista ao aproveitamento dos actos processuais praticados, a incorrecção ser sanada com a notificação a fazer pelo juiz da 1ª instância ao autor para que identificasse os condóminos que votaram a deliberação, contra eles prosseguindo depois a acção representados pelo administrador.