Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6132/18.1T8ALM.L1.S2
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO DE REVISTA
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 06/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA PROCEDENTE.
Sumário :
I- O art. 662º do CPC constitui a norma central de atribuição de autonomia decisória à Relação em sede de reapreciação da matéria de facto, traduzida numa convicção própria de análise dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se encontrem disponíveis no processo.

II- Começa tal atribuição por estar plasmada na prescrição-matriz da competência de reavaliação factual do n.º 1, sem dependência de provocação pelas partes em sede de recurso para esse efeito: «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.» Depois, o n.º 2 estabelece verdadeiros poderes-deveres funcionais e qualificados (a lei diz «deve ainda, mesmo que oficiosamente») sempre que, aquando da reapreciação da prova sujeita à livre apreciação, não resulte uma convicção segura e fundamentada sobre os factos, uma vez confrontada com a motivação e a decisão reflectidas na 1.ª instância.

III- As diligências complementares e extraordinárias a fazer pela Relação, tendo como foco nomeadamente as als. a) e b) do art. 662º, 2, devem ser ajuizadas como fundamentais para o apuramento da verdade material condicionante da resolução do mérito do litigio. Para isso, tais poderes-deveres não dependem de iniciativa das partes, nem são direito potestativo que lhes assista. São (ou podem-devem ser) exercidos oficiosamente e aspiram à formulação de um resultado judicativo próprio, destinado a superar dúvidas fundadas sobre o alcance da prova já realizada. Estamos perante deveres processuais de carácter vinculado, impostos para proceder a um verdadeiro novo julgamento da matéria de facto, em ordem à formação da sua própria convicção, designadamente verificando se a convicção expressa pelo tribunal a quo possuía razoáveis tradução e suporte no material fáctico emergente da gravação da prova (em conjugação com os mais elementos probatórios constantes do processo). Esse poder deve ser exercitado oficiosamente sempre que, objectivamente, as diligências probatórias a fazer têm uma relação instrumental decisiva para a afinação dos factos essenciais alegados como causa de pedir (ou dos factos complementares e/ou concretizadores aludidos no art. 5º, 2, do CPC) e que conferem um possível enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal de 1.ª instância, crucial para a correcta decisão de mérito da causa, desde logo por imposição do art. 411º do CPC, sob pena da sua violação.

IV- O STJ não pode sindicar, em princípio, o uso feito das competências probatórias atribuídas pelo art. 662º, 1 e 2, tendo em conta a regra de insindicabilidade do n.º 4 do art. 662º. Porém, esta solução não impede, abrigado no fundamento da revista previsto no art. 674º, 1, b), do CPC, que se verifique se a Relação, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites configurados pela lei para esse exercício e/ou verificar se a Relação omitiu o exercício de tais poderes, que se impunham relativamente a aspectos relevantes para a decisão. Isto é, por um lado, a verificação-censura do mau uso (deficiente ou patológico) desses poderes; por outro lado, a verificação-censura ao não uso dos poderes. Serão sempre situações manifestas e objectivas de vício processual; mas são situações que, mesmo que residuais e muito limitadas, atentos os poderes do STJ, não podem ser ignorados, se assim for, na sindicabilidade da revista.

V- Se a apelação for instruída com documentos supervenientes (no caso, criticamente, um “relatório de peritagem patrimonial” de seguradora), a admitir à luz do art. 651º, 1, em conjugação com o art. 425º do CPC, que possam ser meios de prova que, ainda que sujeitos a livre apreciação do julgador, revelem ser susceptíveis de ter aptidão probatória para obter na convicção sobre os factos um resultado diverso do atingido pela 1.ª instância, factos esses decisivos para a sorte do pleito, vista a causa de pedir e o pedido (origem e causa de infiltrações de água em fracção habitacional e montantes de danos provocados), a sua falta de consideração, assim como a ausência de conjugação de tal prova superveniente com a prova existente nos autos e de ordenação de produção de meios de prova adicionais aos existentes (desde que facilmente alcancáveis e objectivamente apreensíveis para indagar da veracidade factual), tendo em vista consolidar em definitivo os “temas da prova” e estabilizar a materialidade de facto impugnada, faz incorrer o acórdão da Relação em erro procedimental probatório à luz do art. 662º, 1, e 2, b), do CPC.

VI- Se o acórdão recorrido foi proferido para suprir a nulidade por omissão de pronúncia na reapreciação da matéria de facto impugnada, ordenada em anterior acórdão do STJ, tal omissão de exercício dos poderes-deveres do art. 662º na reapreciação feita em segunda via para sanar tal omissão ainda se encontra no perímetro de actuação processual devida e vinculada e constitui incumprimento, ainda que parcial, da injunção judicial antes ordenada, causa que impõe novo reenvio dos autos à Relação para ser proferida nova decisão sobre a matéria de facto, tendo em vista a factualidade impugnada e pertinente ao exercício de tais poderes (também com aplicação do art. 651º, 1, do CPC), e julgada novamente o objecto da apelação em conformidade com a materialidade apurada com exercício pleno do art. 662º, 1 e 2, b), do CPC.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 6132/18.1T8ALM.L1.S2
Revista: Tribunal recorrido – Relação de Lisboa, ... Secção




Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça



I) RELATÓRIO

1. AA intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum (5/9/2018) contra «Condomínio do Prédio sito na Rua ..., ...», representado por «ADGlobal – Administração de condomínios de F..., Unipessoal, Lda.», pedindo a sua condenação a: “a) Realizar as necessárias obras de reparação e impermeabilização do terraço, num prazo não superior a 30 dias após a decisão da presente ação, se compreendido em tempo seco, designadamente, entre 21 de Junho e 15 de Outubro, suportando a totalidade dos custos das obras, atentos os prejuízos sofridos pela A. b) A pagar à A. a quantia de 32.620,00, bem como os juros de mora que se vencerem desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.”
Alegou, em síntese, que é proprietária de uma fracção autónoma no prédio em questão e existem infiltrações provenientes do terraço de cobertura para a sua fracção desde, pelo menos, 2009, entrando água em todas as divisões. A Autora ainda arrendou a fracção, mas os inquilinos recusaram-se a pagar as rendas, devido às infiltrações. Foram efectuados diversos contactos junto da administração do condomínio com vista a que esta diligenciasse pela reparação do terraço e sua impermeabilização; contudo, a assembleia dos condóminos tem dado prioridade a outras obras. A Autora tem sofrido diversos danos nas paredes, tectos, com queda de estuque, nos soalhos. Acresce que está impossibilitada de arrendar o locado por causa das infiltrações, tendo perdido 8 meses de rendas que os seus inquilinos não pagaram, além das que auferiria se tivesse arrendado subsequentemente a fracção, por 300,00 €. Invocou ainda a existência de danos não patrimoniais.

2. Citado em 11/9/2018, por carta registada com aviso de recepção, o Réu apresentou Contestação.
Invocou a prescrição do invocado direito da Autora, uma vez que tem conhecimento do mesmo há mais de três anos, encontrando-se por isso prescritos todos os danos sofridos pela Autora ocorridos ou verificados em data anterior aos últimos três anos que precederam a citação do Réu para a presente acção. Defendeu-se por impugnação: alegou que a Autora não pode pedir qualquer indemnização por perda de rendas desde que foi viver para a fracção com a sua mãe, uma vez que isso a impede de proceder ao seu arrendamento; também que apenas em 2014 a Autora contactou a administração do condomínio; como não eram pagas prestações do condomínio relativamente à fracção desde 2009, demandou a Autora no Julgado de paz, tendo celebrado um acordo de mediação, pelo qual acordaram na realização de assembleia de condóminos, com vista à aprovação de obras no terraço e simultaneamente para se acertar a compensação de créditos com a aqui Autora; nessa assembleia foram rejeitados os orça­mentos para obras propostas, ficando por deliberar a compensação de cré­ditos, consequentemente; desde então, a Autora não voltou a comparecer às assembleias e foi deliberado dar prioridade a outras obras de que o prédio também necessita; foi instaurada execução contra a Autora, para pagamento das quotas do condomínio; não obstante, foi convocada assembleia para a realização das obras no terraço, mas será necessário reu­nir fundos monetários para as realizar, o que demorará alguns meses. Concluiu pela absolvição do peticionado pela Autora.

3. A Autora apresentou Resposta em contraditório relativo à matéria de excepção; nomeadamente, alegou que deduziu pedido reconvencional na acção que correu termos no Julgado de Paz, o que interrompeu a prescrição, tal como o reconhecimento do direito efetuado pelo réu; defendeu que o facto ilícito gerador de responsabilidade civil também constitui crime, pelo que o prazo prescricional é mais longo, de 5 ou 10 anos.

4. A Autora requereu a ampliação do pedido (art. 265º, 2, CPC), peticionando a condenação do Réu no pagamento de mais 2 400,00€, a título de rendas perdidas pela Auto­ra. Esta ampliação foi admitida por despacho proferido na segunda sessão da audi­ência de discussão e julgamento.

5. Após realização da audiência final de discussão e julgamento, cuja última sessão ocorreu em 3/6/2019, o Juiz ... do Juízo Local Cível ... proferiu sentença (12/7/2019) na qual, apurada a matéria de facto provada e não provada, submeteu a decisão as questões identificadas –
a saber: “Se se verifica a prescrição de eventual indemnização a que a autora tenha direito; Não estando prescrito, na totalidade ou parcialmente, se se verifica responsabilidade civil do condomínio por danos verificados; Existindo responsabilidade, a quantificação da indemnização devida”
e julgou a acção improcedente e, consequentemente, determinou a absolvição do Réu do pedido.
Na sua fundamentação, foi decidido:
- o prazo de prescrição aplicável aos direitos indemnizatórios é o de três anos, previsto no art. 498º do CCiv.;
- considerar procedente a excepção de prescrição relativamente a eventual direito indemnizatório da Autora adveniente de quaisquer factos ilícitos imputáveis ao Réu ocorridos em data anterior a 10 de Setembro de 2015 (art. 323º, 1 e 2, CCiv.);
- a ausência de prova da ocorrência de infiltrações causadoras de danos em data posterior a 9 de Setembro de 2015.

6. A Autora, sem se conformar, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), em cujas alegações requereu a junção dos documentos ... a ...7 e protestou juntar certidão do processo de execução n.º 9036/16.... (30/9/2019, ref.º CITIUS ...86 e ...71); requereu depois a junção dessa certidão (13/1/2020, ref.ª CITIUS ...87).
Identificadas as questões –
“ - Deveria ter sido considerado não provado que, desde Maio de 2009, não tinha sido paga qualquer quotização ao condomínio, e que a sua dívida, em singelo, fosse de 4 517,00 €, no terceiro trimestre de 2018?
- Deveria ter constado dos factos dados como provados a pintura do quarto e da janela, com base na decisão que correu termos no Julgado de Paz?
- Os problemas respiratórios e esqueléticos da recorrente, que se agravaram com a humidade, podem ser feitos, não só com base na experi­ência comum, mas, também, com base nos documentos de fls. 56 e 57?
- A douta decisão impugnada é nula posto que não se pronunciou quanto à pretensão do apelado ser condenado a realizar as obras necessá­rias com vista à eliminação da origem dos danos sofridos pela ora recorren­te no interior do imóvel noticiado nos autos, nem quanto respeitante à per­da de rendas, pela impossibilidade de arrendar o imóvel, consequência das infiltrações?
- Provando-se que houve infiltrações, durante o Inverno de 2010/2011, no imóvel da recorrente, nunca tendo sido o mesmo intervenci­onado com obras de impermeabilização, desde então até à presente data (30 de Setembro de 2019), existe um facto ilícito continuado gerador do dever de indemnizar. Estão reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil que obrigam o recorrido a indemnizar a apelante (art. 483º do           C. Civil)?” –,

foi proferida Decisão Sumária (art. 656º CPC), que rejeitou a impugnação da matéria de facto, aceitando os factos fixados em 1.ª instância, e julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Suscitada Reclamação para a Conferência pela Autora, foi proferido acórdão no TRL (8/10/2020), que confirmou a decisão reclamada.
Na sua fundamentação foi argumentado:

“Existirá «abuso de direito» quando alguém, detentor, embora, de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aque­le contra o qual é invocado. A nótula é: - Como qualificar uma conduta de um condómino incumpridor e ausente, que nada contribui e não se interessa com o condomínio, designadamente pelo pagamento das quotas devidas, que, depois, porque sofre danos na sua propriedade, vem exigir que todos os con­dóminos assumam os danos e prejuízos que teve? Sem sombra de dúvida como abuso de direito. A consequência do abuso de direito (que podem ser de natureza variada), na situação, sub iudice, vai consistir na supressão do direito da apelante às reparações que impetra, posto que não se pautou desde início em conformidade com a correspondente contraprestação que lhe era exigida.”

7. Novamente inconformada, a Autora veio interpor recurso de revista para o STJ: normal, a título principal (invocando a falta de “dupla conformidade”, seja por força da sindicação dos poderes atribuídos pelo art. 662º do CPC, seja para a apreciação do mérito na medida da fundamentação distinta das instâncias); excepcional, a título subsidiário, com fundamento no art. 672º, 1, c), do CPC.
Admitida como revista normal, foi proferido acórdão neste STJ (16/12/2021), que, deferindo a nulidade arguida por “omissão de pronúncia” (art. 615º, 1, d), 1.ª parte, CPC), julgou parcialmente concedida a revista, anulando-se o acórdão recorrido na parte da reapreciação da matéria de facto e, nos termos do art. 684º, 2, do CPC, mandando baixar o processo ao Tribunal da Relação a fim de se proceder à correspondente reforma da decisão anulada.  

8. Transitado em julgado e devolvidos os autos, o Senhor Juiz Desembargador no TRL proferiu Decisão Sumária (31/5/2022), na qual se julgou improcedente a impugnação da matéria quanto aos factos provados 8), 21), 22), 24) e 26), assim como quanto aos factos não provados a) a gg); quanto ao mais julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida, conforme acórdão proferido em 8/10/2020.
Deduzida Reclamação para a Conferência pela Autora, foi proferido acórdão (29/9/2022) que confirmou a decisão reclamada.

9. Novamente sem se resignar, a Autora veio interpor novo recurso de revista para o STJ: normal, a título principal, e excepcional, novamente com base no art. 672º, 1, c), do CPC, a título subsidiário.
A finalizar as suas alegações, apresentou as seguintes Conclusões:

“A – Os documentos ... a ... são documentos supervenientes, pelo que deve a sua junção ser admitida, nos termos do art. 680º Nº1 do CPC.

B – Em termos de admissibilidade do presente recurso como revista normal, encontram-se preenchidos os respectivos requisitos, previstos no art. 671º Nos 1 e 3 do CPC, uma vez que, encontrando-se preenchidos os requisitos gerais de recorribilidade da decisão pela sua natureza, em termos de alçada e sucumbência, de legitimidade da recorrente e oportunidade, não se verifica a chamada dupla conforme que poderia obstar à admissibilidade da revista em termos gerais.

C – De facto, não estamos perante uma dupla conforme, uma vez que, em primeiro lugar, o Tribunal recorrido fez um uso deficiente dos poderes que lhe são conferidos nos termos do art. 662º Nº1 e 2 b) do CPC, na medida em que, tendo o Supremo Tribunal de Justiça determinado a reapreciação de determinados factos em concreto, no que concerne aos factos provados 8) e 21), o Tribunal da Relação toma uma decisão incongruente, quando, começa por dizer que uma certidão judicial do processo executivo poderia infirmar a prova daqueles factos e, depois, vem dizer que, afinal, a certidão nada tem que ver com os factos em causa.

D – Já no que concerne aos factos não provados que o Supremo Tribunal de Justiça tinha determinado que fossem reapreciados – alíneas a) a gg) – o mau uso dos poderes da 2ª instância traduz-se na assunção pura e simples da matéria de facto não provada, com mera transcrição da motivação probatória da sentença de 1ª instância, menosprezando completamente o valor dos docs. ... a ...5 juntos com a alegação do recurso de apelação, em detrimento da prova testemunhal produzida em julgamento de 1ª instância que, em termos legais e, não por mera convicção do julgador, devia ter menor valor que os docs. em causa.

E – Esta matéria da violação dos poderes em causa pelo Tribunal recorrido consubstancia uma questão nova que pela sua natureza nunca se poderia colocar e, não se colocou por razões óbvias na 1ª instância, afastando, pois, a verificação da dupla conforme.

F – Por outro lado, a fundamentação essencialmente diversa das decisões das duas instâncias impugnadas também afasta a dupla conforme, sendo a questão do abuso do direito sustentada pela 1ª vez pelo acórdão recorrido, o que também determina o afastamento da dupla conforme e a consequente admissibilidade da revista em termos normais – nos termos das supracitadas disposições legais e conforme tem sido defendido pela jurisprudência, designadamente, no acórdão do STJ de 19/05/2020 – Proc. Nº3395/16.0T8CSC.L1.S1.

G – Em termos de mérito da decisão e que deverá determinar a sua revogação, o Tribunal a quo, no que tange aos factos provados 8) e 21) não considerou o teor nem da certidão do processo executivo que já tinha sido junta com o recurso de apelação, nem as certidões dos apensos A e B dos embargos de executado daquele processo, de que resultam os montantes já pagos e os que não eram já devidos pela recorrente, por ter sido absolvida dos mesmos – despesas processuais –, muito embora tenha sustentado que “uma certidão” daquele processo pudesse demonstrar que não se podia provar que nada tinha sido pago desde 2009.

H – Ao considerar provada a existência de uma dívida da recorrente perante o recorrido, cujo montante no terceiro trimestre de 2018 ascendia a € 4.517,00, o Tribunal recorrido violou desde logo disposições de direito substantivo sobre que determinam o maior valor dos meios de prova documental – sobretudo no caso do documento autêntico que é a certidão do processo nº 9037/13.7T8ALM e as certidões dos respectivos apensos face à prova testemunhal, como adiante melhor se demonstrará.

I – Devem, pois, os factos consignados nos pontos 8) e 21) da fundamentação do douto acórdão recorrido ser julgados como não provados, tendo em consideração o teor da certidão judicial do processo executivo e as certidões dos respectivos apensos.

J – Relativamente à apreciação dos factos em que se consubstanciam os pressupostos da responsabilidade civil, da extensão e da quantificação dos danos, a decisão recorrida mantém a decisão da 1ª instância, considerando provada a verificação do facto da não aprovação da obra de impermeabilização do terraço de cobertura do prédio que não qualifica como ilícito e culposo, ao que se depreende, por afastar a ilicitude e/ou a culpa, com base no abuso do direito imputado à recorrente. Por remissão para o acórdão conferencial de 8.10.2020, com o qual esta não concorda, por entender, como adiante melhor se demonstrará que, este não se verifica.

K – Quanto à quantificação e extensão dos danos, o Tribunal recorrido considera apenas os verificados entre 2010 e 2011 e mantém a decisão quanto aos factos assentes sobre os danos reportados em 2014 no processo que correu termos no Julgado de Paz ..., bem como a documentação dos mesmos danos pela testemunha BB e nada mais porque, ao arrepio das mais elementares regras substantivas e processuais sobre produção de prova, menosprezou completamente todo o acervo documental junto com o recurso de apelação, mais concretamente, os docs. Nos ... a ...5, dando mais valor à prova testemunhal produzida em audiência de julgamento que considerou como única.

L – Entendendo a recorrente que, atento o mau uso dos poderes da 2ª instância e sua a violação grosseira de regras de produção e valoração de prova, este Venerando Tribunal superior deve alterar a decisão em conformidade e pronunciar-se sobre a continuidade do facto ilícito não anteriormente apreciada e fundamental para a boa decisão da causa.

M – Por outro lado, da leitura do douto acórdão recorrido, mais uma vez, por remissão para o acórdão conferencial de 8.10.2020, no que concerne à fundamentação jurídica, sugere que o direito por parte da recorrente a ser indemnizada, com base na verificação de um facto ilícito continuado de não realização das necessárias obras no terraço de cobertura do prédio e dos demais pressupostos da responsabilidade civil foi reconhecido pelo Tribunal, usando expressões como «(…) Como qualificar uma conduta de um condóminos (…) porque sofre danos na sua propriedade (sublinhado nosso), vem exigir que todos os condóminos assumam os danos e prejuízos que teve? (sublinhado nosso) Sem sombra de dúvida como abuso do direito (…).»

N – Mas, o certo é que, independentemente da redacção da decisão recorrida, o instituto do abuso do direito pressupõe, em termos lógicos, a existência desse mesmo direito, ainda que o titular se exceda – o que não se admite suceder neste caso – no exercício dos poderes compreendidos nesse direito, sendo esse o entendimento da doutrina (vide para tanto Castanheira Neves, Questão de facto – questão de direito, I, pags. 454 e ss. Citado em anotação ao art. 334º do Código Civil por Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Limitada, 4ª edição revista e actualizada, p. 300).

O – No que respeita à verificação de um facto ilícito continuado, consubstanciado na omissão por parte do recorrido de fazer as necessárias obras de impermeabilização do terraço, ela mantém-se enquanto as obras de impermeabilização do terraço não forem realizadas e, como tal, não se extingue, podendo o condómino lesado pela falta de realização dessas obras exigir essa realização a todo o tempo, enquanto esse incumprimento se mantiver e, nesse mesmo sentido decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Março de 2019 – Proc. Nº 2446/15.0T8BRG.G2.S1 – publicado em www.dgsi.pt.

P – Contrariamente ao que decidiu o douto Tribunal da Relação, por remissão para o acórdão conferencial de 8.10.2020, o pedido respeitante a essa realização foi claro e inequívoco, podendo, quanto muito, haver alguma dúvida quanto ao prazo em que o Tribunal deve determinar a realização da obra em causa, não estando sequer o Tribunal limitado ao prazo indicado pelo autor na p.i. e podendo fixá-lo equitativamente.

Q – No que se refere ao ressarcimento pecuniário dos danos concretamente peticionados pela recorrente, mais concretamente, com os custos das reparações suportadas e a suportar, com a perda de rendas que deixou de poder receber, pela impossibilidade de habitar o imóvel e no que respeita aos danos não patrimoniais, importa valorar os meios de prova apresentados com as alegações de recurso que não foram valorados no douto acórdão recorrido, ou seja, os documentos Nos ... a 55, de acordo com as determinações legais sobre valoração de prova documental.

R – No que respeita à imputação de abuso de direito que lhe é feita no douto acórdão recorrido, a recorrente não pode conformar-se com esse entendimento, uma vez que, o que veio pedir nos presentes autos foi a reparação de danos efectivamente sofridos, quer pela eliminação da causa desses danos – a realização das necessárias obras no terraço de cobertura do prédio – para que estes não continuem a verificar-se, quer pelo ressarcimento pecuniário de danos já sofridos, mais concretamente:

- Com as reparações no interior da fracção que já fez e que vai ter de voltar a fazer, de montante entre € 1.287,40 do orçamento do relatório de peritagem cuja junção se requereu com as alegações de recurso, como doc. Nº... e foi aceite e € 1.340,00 do orçamento mais barato junto pela Recorrente com a p.i.
- Com a perda de rendas que deixou de poder receber, pela impossibilidade de arrendar o imóvel, num montante a apurar em sede própria, face à matéria de facto oportunamente impugnada e aos meios de prova juntos com as alegações de recurso.
- Com o desgaste físico e psicológico que sofre devido ao facto de ter de permanecer num imóvel que fica distante do seu local de trabalho, uma vez que, devido aos danos resultantes das infiltrações provenientes do terraço de cobertura do prédio não consegue arrendar e uma vez que, pelo seu escasso rendimento, sem a possibilidade de arrendar o seu imóvel não consegue suportar os encargos de outro imóvel mais perto do seu local de trabalho. Danos a indemnizar em termos equitativamente fixados pelo Tribunal, atento o montante inicialmente pedido para a totalidade dos danos não patrimoniais e a prova feita.

S – No que concerne às obras, trata-se de uma intervenção num terraço que é parte comum de um edifício com vinte fracções, entre as quais, a da recorrente, sendo todos os 20 condóminos prejudicados pela não realização da obra e beneficiados se a mesma se fizer, sendo da responsabilidade de todos e não apenas da recorrente, suportar os respectivos custos.

T – Por seu turno, os montantes peticionados a título de indemnização, nos termos expressos na p.i. da presente acção deveram-se a danos já sofridos e contabilizados pela recorrente, determinados pela conduta dos restantes 19 condóminos do mesmo prédio, entre Abril de 2009 e a data da presente revista – 11 de Novembro de 2020.

U – Pelo que se existe injustiça e desproporção é para a recorrente e não para os demais condóminos que, ao longo dos anos, apenas se limitaram a cobrar um dívida que nem sequer existia na sua totalidade à data do julgamento em 1ª instância (e que não existe à presente data – docs. ... a ...) e, conforme se demonstrou, ao longo dos anos e, no caso do anos de 2009, mesmo antes da existência da dívida que o recorrido invoca, mesmo discutindo em Assembleia de Condóminos a realização de obras no terraço, nunca, até Outubro de 2018 (depois da insaturação da presente acção) decidiram aprovar a obra e, só decidiram fazê-lo, na condição de a recorrente pagar tudo o que alegadamente dizem que deve à data da deliberação em causa.

V – Aprovação essa que, nos termos em que foi feita, a depender do pagamento da dívida que o recorrido imputa à recorrente, podia ter ocorrido muito antes, ainda que apenas na Assembleia Geral extraordinária realizada em Setembro de 2014.

X – Não existe, pois, qualquer abuso do direito da parte da recorrente e, salvo o devido respeito pelo Tribunal da Relação, mesmo que se verificasse esse abuso de direito – o que não se concede -, não se justifica a supressão total do direito da recorrente a ser indemnizada nos termos reclamados.

Y – São também fundamentos do presente recurso de revista, a violação de normas de direito substantivo, a violação de normas de direito processual e nulidades, nos termos do art. 674º do CPC.

Z – No que respeita ao direito substantivo está em causa a violação de normas sobre presunções legais, mais concretamente do art. 493º do CC que prevê uma presunção de culpa do condomínio como proprietários das partes comuns do edifício, na falta de vigilância (conservação) dessas partes, a violação de normas que estabelecem o valor probatório de determinados meios de prova, como é o caso dos documentos.

AA – Na verdade, para o afastamento da presunção de culpa do art. 493º Nº CC, o recorrido teria de ter demonstrado que não houve culpa sua, o que não aconteceu.

BB – A presunção de culpa do recorrido de que a recorrente beneficia afasta, inclusivamente, a necessidade de provar o facto ilícito gerador da responsabilidade civil por parte do condomínio recorrido, conforme resulta da própria Jurisprudência deste Supremo Tribunal, no acórdão de 14/03/2019 – Proc. Nº 2446/15.0T8BRG.G2.S1 já referido supra.

CC – Não podendo ser os montantes reclamados pelo condomínio recorrido, maioritariamente indevidos pela recorrente mesmo à data do julgamento em 1ª instância, como já foi alegado e demonstrado por esta, que afastam a culpa do recorrido.

DD – Culpa que aliás se pode considerar demonstrado que o recorrido assumiu, nos termos dos pontos 25) e 28) dos factos provados, com a realização da Assembleia Extraordinária de condóminos em Setembro de 2018, já na pendência destes autos, onde finalmente, independentemente da dívida que reclama, decidiu aprovar a necessária obra.

EE – Acrescendo ainda que, face à presunção de culpa do condomínio em causa, a recorrente nem sequer tem de provar a causa dos danos – cfr. Acórdão do STJ de 22/01/2015 – Proc. N.º 355/12.4T8SJM.P1 (…), o que apesar de tudo fez, quer mediante a admissão desse facto por acordo do recorrido na sua contestação, como adiante melhor se verá, quer através dos depoimentos das testemunhas e mediante o relatório de peritagem de seguro junto às alegções de recurso como doc. N.º ....

FF – Sendo certo que o próprio Tribunal recorrido considerou provado que, durante o Inverno de 2010-211 entrou água pelo tecto do imóvel da recorrente e que, por cima desse imóvel fica o terraço de cobertura do prédio.

GG – Nos termos dos arts. 368º Nº1 e 371º Nº1 do CC têm força probatória plena os documentos autênticos e as fotografias, mais concretamente, a certidão do processo de execução junta ao apenso do recurso de apelação em 13/01/2020 e as certidões dos respectivos apensos de embargos de executado que em último caso, teriam sempre o valor dos documentos originais (art. 383º CC) e as fotografias anexas ao relatório de peritagem, junto como doc. Nº... com as alegações de recurso de apelação, em relação às quais não foi arguida a falsidade pelo recorrido, susceptível de afastar aquela força probatória que assim se mantém.

HH – Assim, podem considerar-se provados os seguintes factos:

- Valor pago ainda que coercivamente pela recorrente no processo de execução instaurado pelo recorrido;
- A absolvição da recorrente do pagamento de todas as despesas processuais no âmbito do supracitado processo;
- O local em que foram tiradas as fotografias – imóvel da recorrente e terraço de cobertura do prédio;
- A data em que foram tiradas e a sua autoria – foram tiradas em 06/08/2019 pelo perito da Companhia de seguros que elaborou o relatório a que foram anexas, na mesma data;
- Os danos visíveis nos tectos paredes e chão do imóvel, ainda nessa data, com extensas manchas de humidade, bolor, fungos e ferrugem, em todas as divisões da casa, não obstante as reparações feitas pela recorrente;
- Os danos no pavimento do terraço e da sua falta de manutenção/impermeabilização, com desenvolvimento de fungos em toda a sua extensão;
- O deficiente sistema de escoamento de águas pluviais existente no terraço;
- Do confronto das fotografias anexas ao relatório de peritagem – doc. Nº... junto com o recurso de apelação - com as que foram juntas aos autos com a p.i. resulta a evolução dos danos e sucessivas reparações parciais, pelo menos entre 2013 e 2019.

II – Sendo de acrescentar que as capturas de écran que a recorrente juntou às alegações de recurso de apelação, para confrontar com as fotografias que tinha junto aos autos até ao julgamento em 1ª instância, também não foram, em si, impugnadas pelo recorrido, na mesma senda dos restantes documentos, limitando-se a pugnar pela sua não admissão.

JJ – Pelo que essas capturas de ecrã fazem também prova plena dos mesmos factos, além dos que foram alegados pela recorrente em primeira instância, demonstrada que está a sua autoria, data em que as fotografias foram tiradas (pela recorrente) e da sua correspondência como as fotografias originais juntas com a p.i., afastando, assim, todas as dúvidas que sobre as mesmas pudessem existir.

KK – Por outro lado, são susceptíveis de criar no julgador uma convicção probatória bastante dos factos deles constantes, o relatório de peritagem e os documentos Nos ...2 e ...3 juntos com as alegações de recurso de apelação da recorrente, nos termos do art. 376º do CC, podendo apenas esse valor probatório ceder com a contraprova [Vide para tanto Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manuel de Processo Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, 1985, p. 472 e ss.] oferecida pelo recorrido que, neste caso não aconteceu, como resulta de todo o acervo probatório constante dos autos, além de não ter sido arguida a sua falsidade.

LL – Devendo assim considerar-se provados os seguintes factos que se extraem do teor do relatório de peritagem junto ao recurso de apelação como doc. Nº...:

- Quanto à descrição da ocorrência/sinistro:

“(…) No local, verificou-se a existência de danos nos tetos e nas paredes das divisões da fração segura, em consequência de infiltrações de água provenientes da cobertura (sublinhado nosso).

Verificou-se ainda o acentuado desenvolvimento de fungos.

Observou-se que a habitação já teve várias pinturas no interior por iniciativa da segurada (sublinhado nosso).

Tivemos acesso à cobertura, onde se observa que a mesma apresenta várias zonas de infiltração de água para a fração segura.

Na zona que se localiza por cima da fração segura, a cobertura encontra-se em mau estado de conservação (…) – sublinhado nosso”


Verifica-se ainda que a saída de águas pluviais se encontra parcialmente obstruída, sendo única para aquela área de cobertura” – resulta do documento Nº... cuja junção ora se requereu com as alegações de recurso de apelação.

            - Quanto à causa das infiltrações, refere ainda o supracitado relatório o seguinte:

Infiltração de água através da cobertura plana do edifício, a provocar danos nas divisões da fração segura (sublinhado nosso) - cfr. o mesmo documento Nº..., cuja junção se requereu com as alegações de recurso.

- Conclusão:

O evento decorreu de infiltração de água através da cobertura plana do edifício e desenvolvimento de fungos, a provocar danos nas divisões da fração segura (…)

Em nosso entender, os danos não colhem enquadramento nas coberturas da apólice” – cfr. o já supracitado documento Nº... cuja junção se requereu com as alegações de recurso de apelação e foi aceite, embora não valorado pelo Tribunal recorrido.

MM – Do relatório de peritagem em causa resulta ainda um valor orçamentado para a reparação e pintura das paredes e dos tectos de todas as divisões, bem como para a substituição do soalho do escritório.

NN – Atendendo a que, na p.i. apenas foram reclamados os danos das divisões que na altura estavam mais afectadas – a sala e o escritório – considerando as áreas e os custos de reparação por metro quadrado constantes do relatório, a recorrente teria de suportar com as reparações em causa os seguintes custos:

- Tecto e paredes da escritório: o montante de € € 434,74 (€ 35,06 x12,4 m2);
- Tecto e paredes da sala: € 497,16 (€ 35,06 x 14,18 m2);
- Substituição do soalho do escritório: € 355,50.
Perfazendo o valor global de € 1.287,40.

OO – Por seu turno, os documentos Nos ...2 e ...3 são susceptíveis de formar no julgador a convicção bastante dos factos deles constantes, respectivamente, de que a recorrente não detém outros imóveis e de que no ano anterior ao da propositura da acção (2017), o rendimento médio mensal que auferiu foi de € 580,13 (€ 6961,50: 12 meses), equivalente portanto ao salário mínimo de então e que, como tal, não lhe permite arrendar um imóvel mais próximo do seu local de trabalho, atentas as rendas praticadas no mercado.

PP – Em termos de violação de normas processuais está em causa, além de todo o exposto sobre os poderes do Tribunal recorrido, previstos nos termos do art. 662º Nº1 e 2 b) do CPC e que aqui se dá por reproduzido, sem necessidade de mais desenvolvimentos, a violação de normas atinentes ao valor probatório dos factos assumidos por acordo e aos factos notórios.

QQ – Assim, no que respeita aos factos admitidos por acordo, não atendeu o Tribunal recorrido, pelo confronto dos articulados que foram admitidos os seguintes factos pelo recorrido:

- A recorrente e a mãe vieram habitar a fracção em causa, durante o verão de 2013 – ponto 46º da contestação;
- Reconhecimento das infiltrações existentes na fracção da recorrente desde (pelo menos) Abril de 2014 – ponto 77º da contestação
- O recorrido sustenta que, antes da realização das obras, era a recorrente que tinha de cumprir primeiro a sua obrigação de pagar as prestações de condomínio – art. 82º da sua contestação – o que significa que reconhece que o condomínio tinha o dever de realizar a obra para eliminar o problema das infiltrações, independentemente da prioridade estabelecida pelo recorrido.

RR – Ou seja, o recorrido admitiu na sua contestação que, pelo menos desde 2014, tinha conhecimento das infiltrações de água na fracção da recorrente, provenientes do terraço de cobertura do prédio e que, como tal, era necessário fazer a obra de impermeabilização do terraço.

SS – Pelo que este factos devem considerar-se provados por não impugnados, nos termos do art. 574º do CPC e, por consequência, revogar-se também nesta medida a decisão recorrida.

TT – Existem também alguns factos notórios que o Tribunal recorrido devia ter reconhecido como provados, relacionados com o valor locativo do imóvel da recorrente (que de qualquer forma já resultava do documento Nº... junto com a p.i. e o ponto 1) da matéria de facto provada), por comparação com o valor locativo de um imóvel no Concelho ..., da mesma tipologia e características do da recorrente e também relacionados com distância que a separa do seu local de trabalho e do tempo necessário para a percorrer.

UU – Na realidade, mesmo que o Tribunal ignorasse que o imóvel já esteve arrendado por € 350,00 – o que não se concede, porque foi demonstrado o contrato de arrendamento e cláusula sobre a renda – o Tribunal recorrido tem acesso a informação do domínio público sobre os valores de imóveis com as mesmas características, localização e tipologia, em bom estado de conservação, bem como ao programa do arrendamento acessível para concluir que o valor peticionado pela Recorrente, a título de perda de renda mensal - € 300,00 - é muito inferior ao valor actual do mercado, tendo tido em consideração que é o mesmo pedido desde 2014, altura em que o país se encontrava ao abrigo de um programa de assistência financeira que o Tribunal tem obrigação de conhecer.

VV – Sem prejuízo dos documentos nos ...5 a ...8 que a recorrente juntou com a apelação.

XX – Os locais onde a recorrente exerce a sua actividade, mais concretamente, o Conselho de ..., são públicos e notórios, dispensando quaisquer meios de prova, incluindo os documentos Nos ...9 a ...1 que juntou com as alegações do recurso de apelação, porquanto, essas informações constam da pesquisa de advogados, através do portal da Ordem dos Advogados que é de acesso público.

Além de que,

YY – Foi considerado provado (e bem), desde logo na 1ª instância que, na plataforma CITIUS, a recorrente tem registado o endereço profissional de ..., usado nos presentes autos, facto esse que é do conhecimento de todas as instâncias, sem necessidade de mais prova.

ZZ – Finalmente, devem considerar-se públicos e notórios a distância e o tempo médio de percurso de automóvel entre ... e ... e a diferença dessa distância e tempo de percurso se a recorrente morasse na sua antiga residência em ..., sendo os docs Nos ... e ... resultantes de uma pesquisa acessível ao público em geral, independentemente da indicação dos links em causa e dos documentos em causa, juntos com as alegações de recurso de apelação, bem como se deve considerar provado o valor locativo de um imóvel em ..., com a mesma tipologia e características do da recorrente, com base nas mesmas fontes de informação supracitadas (sítios imobiliários acessíveis online e programa do arrendamento acessível).

i) Face ao exposto, deve considerar-se provado, também sem necessidade de remessa dos autos quanto a esta parte ao Tribunal recorrido:

- O valor locativo do imóvel da recorrente, se em bom estado de conservação, como não inferior a € 300,00, face ao valor pelo qual já esteve arrendado, ao valor actual do mercado e ao valor estabelecido no programa do arrendamento acessível;
- O valor locativo de um imóvel idêntico no Conselho de ..., entre € 800,00 e € 1.000,00 mensais e, como tal, muito superior ao rendimento mensal da recorrente que assim tem de poder arrendar o seu imóvel para mudar de casa
- Que a recorrente e a mãe começaram a habitar o imóvel no Verão de 2013 e que na impossibilidade de fixar o mês em causa, o fizeram a partir de Abril de 2014, altura em que se demonstrou (factos assentes) que a Administração do condomínio foi contactada para reportar o problema das infiltrações – podendo assim calcular-se uma perda de rendas não inferior a € 18.600,00 (€ 300,00 x 62 meses entre o início da residência no imóvel e o mês anterior ao da ampliação do pedido em Junho de 2019;
- Os locais do domicílio profissional da recorrente, mormente, no Concelho ...
- A distância e o necessário tempo de percurso entre a sua actual residência e o seu local de trabalho, por comparação com a distância e o tempo de percurso entre as localidades de ... (onde anteriormente morava (docs. Nos ... e ... juntos com a alegação do recurso de apelação) e ....

ii) Por outro lado, encontra-se o douto acórdão recorrido ferido da nulidade prevista na alínea c) do art. 615º do CPC, na medida em que, existe uma contradição entre a fundamentação e a decisão do Tribunal da Relação ou uma obscuridade ou ambiguidade que torna a decisão em causa ininteligível.

iii) Isto porque, o douto Tribunal a quo não considerou provados todos os pressupostos da responsabilidade civil de que poderia resultar o direito da recorrente a ser indemnizada, mas, o mesmo Tribunal reconhece, ainda que tacitamente o direito da recorrente a ser indemnizada, uma vez que acaba por concluir que esse direito deve ser afastado pelo que considera ser o seu abuso do direito, conclusão com a qual a recorrente já se pronunciou no sentido de não se conformar.

iv) Além disso, enferma ainda a decisão recorrida da nulidade prevista na alínea d), 2ª parte do art. 615º do CPC, uma vez que, a propósito da motivação probatória e, por remissão para a sentença de 1ª instância que transcreve, fazendo sua essa motivação, salvo o devido respeito, no entender da recorrente, o Tribunal recorrido pronuncia-se sobre questões que não devia conhecer, mais concretamente, sobre hipotéticas avarias de máquinas de lavar e rupturas de canalização como causas frequentes de infiltrações e que constitui matéria de facto nunca alegada pelas partes e como tal, subtraída ao conhecimento do Tribunal, em obediência ao princípio do dispositivo.

v) De qualquer modo, a hipotetização dos factos relacionados com avarias de máquinas de lavar ou rupturas de canalizações, com a conclusão de que as infiltrações no tecto não serem a única causa de danos no chão é contraditória com a factualidade dada como provada em que se consigna a prova de infiltrações de água no tecto – ponto 3, da não realização da obra no terraço de cobertura – pontos 10 a 17 – e com os factos assentes de a testemunha BB ter desentupido o algeroz em 01.04.2014, a pedido da recorrente e ter tirado fotografias do interior da sua fracção.

vi) Pelo que devem as nulidades em causa ser conhecidas e sanadas por esse Venerando Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 684º Nº1 do CPC.

(…)”

Rematou as Conclusões em sede de procedência da revista normal:

“a) Se determine seja revogada ou anulada a parte do acórdão recorrido que desvaloriza os docs. Nos ...55 juntos com o recurso de apelação e as certidões do processo executivo e respectivos embargos, conhecendo o Tribunal ad quem todos os meios probatórios a que a lei atribui um determinado valor e toda a matéria que através dos mesmos se pode considerar provada, atentas as violações da lei substantiva e processual alegadas e se substitua, nesta parte, a decisão revogada por outra, com a alteração da matéria de facto provada e não provada, em conformidade, ao abrigo do disposto no art. 674º Nº3 e 682º Nº2 do CPC.

b) Se determine a revogação do acórdão recorrido quanto às questões de mérito deste recurso e a toda a matéria de Direito, para além das disposições de direito substantivo e processual sobre a prova que foram violadas.

c) Deverão ser conhecidas e sanadas as nulidades invocadas.”
 
*

Veio ainda a Recorrente instruir o seu recurso com o pedido de junção aos autos de certidões relativas aos apensos “A” e “B” do processo de execução n.º 9037/16.... e mais três documentos.
*


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS


1. Admissibilidade e objecto do recurso

1.1. Entende-se que o acórdão agora recorrido em segunda revista consiste no acórdão proferido pelo TRL em 8/10/2020, integrado pela reforma levada a cabo pelo acórdão proferido em 29/9/2022, tendo em conta a aplicação analógica do art. 617º, 2, do CPC, e a determinação do art. 684º, 3, do CPC («A nova decisão que vier a ser proferida de harmonia com o disposto no número anterior admite recurso de revista nos mesmos termos que a primeira.»).

1.2. Entende-se novamente, tal como se fundamentou no anterior acórdão proferido em 16/12/2021, que não se aplica ao caso o art. 671º, 3, do CPC: tanto a sentença como o acórdão recorrido foram desfavoráveis à Autora Recorrente na apreciação jurídica do mérito relativo à “responsabilidade civil do condomínio pelos danos” alegados pela Autora, mas com fundamentação essencialmente diferente e matéria de facto integralmente confirmada (cfr. supra, pontos 5. e 6. do Relatório); por outro lado, a dupla conformidade, no que é pertinente para o efeito de sindicação junto do STJ, sempre estaria descaracterizada pela submissão em revista da sindicação do art. 662º do CPC, visto como fundamento prioritário da revista.
Tal conduz ao conhecimento do objecto como revista normal, assim como das nulidades arguidas como seu fundamento acessório e dependente.
 
1.3. Vistas as Conclusões, que delimitam esse objecto recursivo (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), a revista visa agora a apreciação das seguintes questões:

(i) Uso deficiente dos poderes atribuídos pelo art. 662º, 1 e 2, na reapreciação da matéria de facto impugnada (em especial, factos provados 8) e 21) e factos não provados a) a aa)) e, para esse efeito, consideração da (i) certidão relativa ao processo n.º 9037/16.... e documentos ... a ...5 juntos com a apelação e (ii) certidões e documentos ... a ... juntos com a revista (nos termos dos arts. 651º e 680º do CPC);

(ii) Desconsideração e desrespeito do valor probatório das certidões exaradas do processo n.º 9037/16...., e seus apensos no apuramento dos valores em dívida pela Autora ao condomínio, assim como do valor probatório das reproduções fotográficas anexas ao relatório de peritagem (arts. 363º, 2, 368º, 369º, 371º, 372º, 376º, 383º, CCiv.; 374º, 3, 2ª parte, CPC);

(iii) Nulidade do acórdão recorrido por “contradição” ou “obscuridade/ambiguidade” (art. 615º, 1, c), CPC);

(iv) Nulidade do acórdão recorrido por “excesso de pronúncia” (art. 615º, 1, d), 1.ª parte, CPC);

(v) Responsabilidade civil do Réu condomínio e direito indemnizatório da Autora;

(vi) Abuso do direito indemnizatório peticionado pela Autora.


2. Factualidade

Foram considerados pelas instâncias os seguintes factos, que não mereceram qualquer alteração por força da reforma operada no acórdão por último proferido no TRL:


2.1. Factos assentes

A) A autora é dona da fração autónoma designada pela letra “P”, correspondente ao segundo andar esquerdo/frente do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., ... ....
B) O prédio acima identificado dispõe de um terraço de cobertura para uso de todos os condóminos, onde se situam as arrecadações de cada uma das frações e um estendal para secar roupa.
C) A “ADMGlobal – Administração de Condomínios de F..., Unipessoal, Lda.” é a administradora do condomínio réu, tendo sido reeleita por deliberação da assembleia do condomínio de 16 de maio de 2018.
D) A autora contactou a administração do condomínio em 1/4/2014 para que enviassem alguém com urgência para desentupir o algeroz do terraço.
E) O técnico BB deslocou-se ao prédio onde desentupiu o algeroz e tirou fotografias do interior da fração da autora.
F) Correu termos no Julgado de Paz ... um processo com o número 408/2014-JPSXL, sendo ali demandante o ora réu, e ali demandada a ora autora, a qual apresentou a contestação com reconvenção de 21 de agosto de 2014 cujo texto consta da certidão de fls. 163 verso a 179 verso, na qual pede que se opere a compensação de créditos no valor de 13.600,00€ respeitantes à impossibilidade de arrendamento e cobrança de rendas.
G) No processo referido na alínea anterior, foi proferida sentença homologatória do acordo de mediação celebrado entre as partes, cujo texto consta da certidão acima identificada, que foi celebrado em 22 de setembro de 2014, tendo transitado em julgado na mesma data.


2.2. Factos provados

1) A autora, representada pela sua mãe, arrendou a fração em 1 de outubro de 2010, tendo ficado acordado com a sua inquilina e marido o seguinte: “Assim sendo, e considerando que a fração necessita de alguns arranjos, mais concretamente, a reparação do canto esquerdo do tecto, da parede do lado da janela de um dos quartos, do afagamento e envernizamento dos soalhos dos quartos e pintura das paredes, fica estabelecido que, na data do início do contrato, a arrendatária pagará apenas uma renda, do montante de €350,00 aquela que vulgarmente é designada por caução, por ser paga no primeiro dia útil do mês anterior ao que diz respeito, ficando a do próprio mês por conta dos arranjos referidos no presente número.”.
2) Enquanto permaneceram no imóvel arrendado, os inquilinos da autora repararam o teto de uma das divisões e pintaram toda a fração.
3) Apesar das reparações efetuadas pelos inquilinos da autora, e posteriormente a estas, durante o inverno de 2010/2011, entrou água pelo teto da fração, escorrendo pelas paredes, danificando tetos e paredes.
4) Em data não concretamente apurada, a autora e a sua mãe passaram a habitar na fração autónoma acima identificada.
5) A autora mandou substituir o soalho de uma divisão da fração, tendo pago 280,00€.
6) A reparação e pintura dos tetos da fração da autora tem um custo não concretamente apurado.
7) A autora pediu um orçamento para as obras de reparação/impermeabilização do terraço, no valor de 10.418,10€, contemplando, além da impermeabilização, substituir todo o pavimento do terraço.
8) Desde maio de 2009 que os proprietários da fração autónoma correspondente ao 2º andar Esquerdo Frente do prédio sito na Rua ..., em ... não mais pagaram qualquer valor referente à identificada fração, para comparticipação nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, e nem nada foi pelos mesmos pago para o Fundo Comum de Reserva do prédio, pelo que, aquando da comunicação de 1 de abril de 2014, feita pela autora à Administração do Condomínio tal dívida ascendia a cerca de de 1.600,00€.
9) Em abril de 2014 não existia fundo de maneio do condomínio para levar a cabo obras na cobertura do prédio.
10) Em cumprimento do acordo celebrado no Julgado de Paz, foi convocada e realizada no dia 22 de setembro de 2014 uma Assembleia Extraordinária de Condóminos, tendo na ordem de trabalhos os seguintes pontos:
1 – Apresentação de Orçamentos, debate e votação da quota extraordinária para reparação do terraço;
2 – Apresentação de Orçamentos, debate e votação da quota extraordinária para Impermeabilização e Pintura da Fachada traseira do edifício;
3 – Debate e aprovação de quota extraordinária para a reparação do interior da fração do 2º Frt/Esq.;
4 – Debate e aprovação sobre a compensação de créditos da fração do 2º Frt/Esq pelos danos causados.
11) A autora esteve presente na Assembleia de Condóminos de 22 de setembro de 2014.
12) Entrando na análise do ponto número 1 da Ordem de Trabalhos, a Administração do Condomínio apresentou os três novos orçamentos para a reparação do telhado, conforme o estabelecido no Acordo de Mediação do Julgado de Paz, sendo que após a análise feita aos orçamentos, os condóminos presentes deliberaram por unanimidade (incluindo, pois, o voto da aqui Autora), não adjudicar nenhum orçamento.
13) Entrando na análise do ponto número 2 da Ordem de Trabalhos, foi apresentado o orçamento para a impermeabilização e pintura da fachada traseira da empresa L..., sendo que após a análise feita a esse orçamento, os condóminos presentes, deliberaram por unanimidade, não adjudicar o orçamento.
14) Mais foi deliberado que a decisão sobre os pontos números 1 e 2 da ordem de trabalhos ficaria para ser debatido numa próxima assembleia, por votação da maioria dos presentes, com dois votos contra das frações do R/C Trás/Esq. E do 2º Frt/Esq.
15) Entrando no ponto número 3 da Ordem de Trabalhos, os condóminos decidiram não avançar com a reparação do interior da fração da autora, uma vez que os pontos um e dois não foram aprovados.
16) No ponto número 4 da Ordem de Trabalhos, e após uma breve explicação por parte da Condómina ora autora, os condóminos presentes deliberaram por unanimidade não debater este assunto uma vez que os pontos anteriores também não foram debatidos.
17) Ainda no âmbito deste ponto, a Administração e os Condóminos presentes apresentaram propostas para chegar a acordo com a proprietária da fração 2º Frt/Esq., nomeadamente o faseamento do pagamento das quotas em atraso, comprometendo-se a Assembleia a dar prioridade às obras do terraço, mas estas propostas não foram aceites pela proprietária da fração 2º Frt/Esq., pelo que este assunto ficou também encerrado até á assembleia seguinte.
18) Na Assembleia de Condóminos Ordinária realizada no ano seguinte, em 4 de junho de 2015, a que a autora já não compareceu, deliberaram os Condóminos por unanimidade avançar com a instauração de ação executiva, judicial, contra a proprietária do 2º Frente/Esquerdo, devido ao valor já então em dívida ao condomínio.
19) Até à presente data, nenhum valor de quotização foi pago pela autora ao Condomínio, sendo que só a dívida em singelo da autora vencida até ao 3º trimestre de 2018 ascende ao montante de 4.517,40€ (quatro mil, quinhentos e dezassete euros e quarenta cêntimos).
20) Este Condomínio é maioritariamente composto por pessoas idosas, que vivem de pensões e reformas de valores muito baixos, pelo que não existia em 2014, e continua a não existir fundo de maneio que permita avançar com a obra de impermeabilização do terraço.
21) O motivo pelo qual os condóminos não aprovaram nas sucessivas Assembleias anuais, a partir da assembleia extraordinária de 22 de setembro de 2014, a realização de obras de reparação e impermeabilização do terraço, ficou a dever-se, em grande parte, ao incumprimento da autora do pagamento da quotização em dívida vencida desde maio de 2009.
22) Os condóminos decidiram avançar com a obra de isolamento das fissuras e pintura impermeabilizante das fachadas frente e traseira do prédio porque causavam infiltrações para o interior das frações autónomas dos demais condóminos.
23) Desde 2008 que o terraço que serve de cobertura a este prédio bem como os algerozes e ralos sumidores do terraço foram sempre periodicamente obecto de vistoria, limpeza, manutenção e desentupimentos pelo técnico Sr. BB.
24) A fachada traseira foi intervencionada no final do ano de 2017, por ter sido considerada prioritária pela maioria dos condóminos, devido às acentuadas fissurações existentes ao longo de toda essa fachada e ás infiltrações que ocorriam a partir das mesmas para o interior de todas as frações com paredes viradas para a mesma.
25) Na sequência da citação do réu para a presente ação, a Administração do Condomínio convocou de imediato uma assembleia geral extraordinária para o passado dia 2 de outubro de 2018, com dois pontos de Ordem de Trabalhos:
1 – Tomada de Posição referente à ação do Processo nº 6132/18.... interposto pela proprietária da fração “P”, correspondente ao 2º Frt./Esq, a Srª AA;
2 – Apresentação, debate e votação de Orçamentos para a impermeabilização do terraço de cobertura por cima das habitações e respetiva quotização extraordinária.
26) Essa Assembleia Extraordinária de Condóminos realizou-se na data designada, no átrio da entrada do prédio, sendo que a Autora não compareceu nem interveio na mesma, tendo porém permanecido na parte exterior do prédio, próxima da respetiva porta de entrada do prédio, durante todo o tempo de duração dessa Assembleia, e só após a conclusão da mesma e quando os funcionários da empresa administradora se encontravam a arrumar os equipamentos de apoio à realização da Assembleia é que a Autora entrou no prédio.
27) Nesta Assembleia Extraordinária foi deliberado, relativamente ao Ponto nº 1 da Ordem de Trabalhos o seguinte:
Na Assembleia datada de vinte e oito de setembro de dois mil e catorze, tanto os Condóminos presentes como a Administração apresentaram propostas para a resolução do problema, solicitando que se a proprietária lesada liquidasse parte da quotização em atraso, a Assembleia dava prioridade à obra no terraço. As propostas não foram aceites pela proprietária da fração lesada. Neste sentido os Condóminos presentes deliberaram por unanimidade, conferir plenos poderes á Administração do Condomínio para contestar a ação a que se refere o Processo 6132/18...., interposto pela proprietária da fração “P”, sem prejuízo de se estabelecerem contactos com a mesma para se tentar chegar à resolução consensual deste assunto, sendo para o efeito também conferidos poderes à Administração para transigir no referido processo”.
28) E relativamente ao Ponto nº 2 da Ordem de Trabalhos, foi deliberado o seguinte:
Após análise dos orçamentos apresentados, os Condóminos deliberaram por maioria com um voto contra da fração “F” Cave Tras Drt, aprovar o orçamento à empresa “M..., Unipessoal, Lda”, no valor de €: 9.716,65 (nove mil, setecentos e dezasseis euros e sessenta e cinco cêntimos). Face ao exposto os Condóminos presentes deliberaram criar uma quota extraordinária no valor de €: 9.716,65 (nove mil, setecentos e dezasseis euros e sessenta e cinco cêntimos), para a realização da obra. Feita a respectiva repartição, com base na permilagem foram atribuídas a casa fração os seguintes valores de quotização extraordinária, divididos em 24 prestações com inicio em Outubro de 2018 e o seu termo em Setembro de 2020. (…) Esta decisão foi tomada, uma vez que vários condóminos não têm possibilidade de liquidar esta quota no imediato derivado ao grau etário dos mesmos, derivado aos rendimentos das respetivas obras. (…)”.


2.3. Factos não provados

a) Que desde data anterior a 16 de novembro de 2009 exista um permanente problema de infiltrações no imóvel pertencente à autora, infiltrações essas provenientes do terraço que serve de cobertura do prédio e que persiste até à presente data, com um progressivo agravamento ao longo dos anos.
b) Que já no tempo em que os avós da autora habitaram a fração, os mesmos pintavam os tetos e paredes da fração mais de uma vez por ano porque, devido à falta de impermeabilização do terraço que serve de cobertura a todo o edifício, entrava água por todas as divisões, danificando todos os tetos e paredes, com o consequente desenvolvimento de efizema pulmonar por parte da avó da autora e doença reumática, por parte do seu avô, devido à acumulação de humidade.
c) Que a autora não se tenha apercebido inicialmente da extensão e consequências das infiltrações que, inicialmente após a sua aquisição da fração se manifestavam mais numa das divisões, com a queda de estuque da parede e teto, manchas de humidade nas paredes e no teto e poças de água no chão que, ao longo do tempo e sucessivos invernos, sem as necessárias obras de conservação no referido terraço se foram alastrando a toda a casa.
d) Que os inquilinos da autora tenham reparado uma parede e tenham reparado o teto mais do que uma vez.
e) Que os inquilinos da autora se tenham recusado a pagar as todas as rendas, no valor total de 2.800,00€ e que a filha dos inquilinos tenha desenvolvido bronquite asmática na fração, passando a fazer medicação que deixou de fazer quando saíram da fração.
f) Que em várias deslocações ao imóvel enquanto esteve arrendado, a autora e a sua mãe constataram que um dos quartos estava completamente inutilizado, com uma parede em cimento/massa que estava sistematicamente a ser reparada.
g) Que os inquilinos da autora se tenham visto obrigados a colocar a cama na sala, que alguns eletrodomésticos tenham entrado em curto-circuito e que eram visíveis bolsas de água no teto, em várias divisões da casa.
h) Que os inquilinos tenham saído da fração arrendada pela autora a pedido desta, em maio de 2011.
i) Que a autora tenha efetuado vários contactos telefónicos para a Administração do condomínio, e que tenha sido agendada, através da funcionária CC, uma visita do técnico BB à fração para o dia 27/11/2011.
j) Que o técnico BB tenha estado na fração da autora em 27/11/2011, tendo tirado fotografias, e informado a autora e a sua mãe que iriam ser contactadas pela Administração do condomínio para resolver o problema das infiltrações.
k) Que a autora e a sua mãe tenham vindo habitar a fração em agosto de 2013, e o tenham feito para tentar solucionar o problema da falta de obras de reparação e impermeabilização do terraço e dos consequentes danos da fração, tendo constatado o agravamento da extensão das infiltrações e suas consequências, sobretudo, ao longo do inverno de 2013/2014.
l) Que a entrada de água dentro da fração da autora é de tal ordem que tiveram de tapar grande parte do recheio da fração com plásticos e usar recipientes para conter a água, sob pena de inundação total, que tenham estourado lâmpadas, que os pontos de iluminação tenham ficado completamente encharcados, que tenham ficado sem eletricidade devido a danos na instalação elétrica provocados pela acumulação de água.
m) Que o técnico BB tenha dito à autora para aguardar um contacto da Administração para resolver os problemas, não só das infiltrações no interior da sua fração, como também da necessidade de obras de reparação e impermeabilização do terraço.
n) Que, quer no verão de 2013, quer na primavera de 2014, assim que deixou de chover, a autora tenha mandado reparar e pintar parcialmente a fração, devido aos danos que então se verificavam nas paredes e no teto do imóvel, com o objetivo de tentar melhorar a higiene e salubridade da habitação, devido à acumulação de bolor.
o) Que todos os anos haja infiltrações de águas na fração da autora.
p) Que entre o inverno de 2014 e a primavera de 2015, voltou a entrar água proveniente do terraço, que escorreu pelo teto e paredes de toda a fração da autora até ao chão, danificando os mesmos, pela queda de estuque e tinta e acumulação de manchas de humidade.
q) Que o soalho de um dos quartos tenha ficado de tal modo encharcado que levou a que alguns móveis ficassem danificados, e que, devido às infiltrações, o soalho do outro quarto já tinha apodrecido.
r) Que as infiltrações tenham chegado ao interior dos roupeiros, danificando vestuário e calçado, obrigando não só a lavar e pintar as paredes, mas também a esvaziar os armários do seu conteúdo, espalhando roupa por toda a casa, por falta de condições para o seu acondicionamento.
s) Que no Verão de 2015 a autora tenha mandado fazer reparações e pinturas parciais da fração.
t) Que no inverno de 2015-2016 tenha voltado a entrar água pelos tetos de todas as divisões, estragando tetos e paredes e as calhas das portas de um roupeiro, que enferrujaram devido à humidade.
u) Que logo após a pintura da fachada do prédio em setembro/outubro de 2013, começou a cair a tinta por baixo do terraço.
v) Que o terraço nunca é limpo, que o algeroz passe por dentro do prédio, não tenha saída para a rua, e não tenha nenhuma grelha que permita conter o lixo que assim, facilmente o entope.
w) Que a autora nunca tenha sido contactada pela ré.
x) Que o condómino da fração “Q” tenha na sua fração o mesmo problema de entrada de água proveniente do terraço, e tenha acabado por decidir fazer, a expensas próprias, uma impermeabilização parcial do terraço que, justamente por ser parcial, acabou por não resolver a situação.
y) Que, como consequência direta da falta de realização de obras de conservação, reparação e impermeabilização do terraço, a fração da autora sofreu e continua a sofrer danos nos tetos, paredes e chão, na instalação elétrica, além de causar danos em vestuário, calçado e mobiliário.
z) Que a reparação e pintura dos tetos e paredes da fração da autora tenha, em concreto, um custo entre 710,00€ e 904,05€.
aa) Que a reparação do chão danificado na fração da autora tenha um custo de 630,00€.
bb) Que o valor locativo da fração em causa, em bom estado de conservação, é de 300,00€.
cc) Que a autora e a sua mãe tenham vindo habitar a fração com o intuito de convencer todos os restantes condóminos a aprovar as necessárias obras do terraço para, pôr cobro às infiltrações.
dd) Que a autora precise, por razões pessoais e profissionais, de habitar fora de ..., em ... ou ..., de onde deixou de residir e que não o consegue fazer porque, para tanto, precisa arrendar a casa.
ee) Que a autora gaste muito mais em combustível e portagens por mês do que seria necessário, porque, para conseguir trabalhar onde tem trabalhado, há cerca de 17 anos na sua profissão de Advogada, maioritariamente nas ... (...) e ...
Oeste (... e ...), cada vez que se desloca, tem de fazer uma média de 100 quilómetros de ida e volta, em vez dos anteriormente habituais 30 ou 40 quilómetros, antes de vir residir para ....
ff) Que a autora sofra de ansiedade e de desgaste psicológico porque a ré se recusa a fazer obras no terraço.
gg) Que a autora sofra desgaste físico inerente à distância que a separa do seu local de trabalho, que a obriga a dispor em média de três a quatro horas para as deslocações.
hh) Que a [autora] tenha problemas alérgicos e esqueléticos que se têm agravado desde que veio habitar a fração identificada nos autos, devido à acumulação de humidade e bolor dentro de casa, que tornam o ar irrespirável e as dores esqueléticas e articulares insuportáveis.

3. Fundamentação de direito


3.1. Uso dos poderes do art. 662º, 1 e 2, do CPC

3.1.1. O art. 662º constitui a norma central de atribuição de autonomia decisória à Relação em sede de reapreciação da matéria de facto, traduzida numa convicção própria de análise dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se encontrem disponíveis no processo.
Começa tal atribuição por estar plasmada na prescrição-matriz da competência de reavaliação factual do n.º 1, sem dependência de provocação pelas partes em sede de recurso para esse efeito:
«A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»
Depois, o n.º 2 do art. 662º, 2, do CPC estabelece verdadeiros poderes-deveres funcionais e qualificados (a lei diz «deve ainda, mesmo que oficiosamente») sempre que, aquando da reapreciação da prova sujeita à livre apreciação, não resulte uma convicção segura e fundamentada sobre os factos, uma vez confrontada com a motivação e a decisão reflectidas na 1.ª instância.
Nomeadamente quanto às als. a) e b) (ordenar a renovação de certos meios de prova sempre que haja dúvidas sérias sobre a credibilidade de algum depoimento ou sobre o respectivo sentido; ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em 1.ª instância relativamente a determinado ou determinados factos controvertidos, a produção de novos meios de prova), consagram-se poderes claramente ordenados a possibilitar à Relação a resolução de dúvidas que se afiguram perceptíveis quanto ao apuramento da verdade de certos e determinados factos alegados pelas partes, criando, dessa forma, condições de igualdade com a 1.ª instância na observação directa da fonte de prova ou no acesso a novos meios de prova[1] e, assim, fazer verdadeira e autónoma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados e formar a sua própria convicção, em resultado, se for o caso, das provas que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa[2]. Com isso, evita-se, ademais, que a Relação parta para a construção de presunções judiciais para a dedução desses factos sobre cuja verificação teve dúvidas, sem uma adequada base dedutiva para a elaboração lógica dos factos desconhecidos, quando tem ao seu dispor, antes disso, uma competência probatória idónea a ultrapassar dúvidas relevantes.
Em acrescento, vislumbram-se ainda competências habilitadas a, em confronto com a decisão de 1.ª instância, sanar deficiências, obscuridades, contradições e incompletudes, mesmo de fundamentação, nos termos das als. c) e d) do art. 662º, 2.
Acrescente-se que as diligências complementares e extraordinárias a fazer pela Relação, tendo como foco nomeadamente as als. a) e b) do art. 662º, 2, devem ser ajuizadas como fundamentais para o apuramento da verdade material condicionante da resolução do mérito do litigio. Para isso, tais poderes-deveres não dependem de iniciativa das partes (nem são direito potestativo que lhes assista)[3]. São (ou podem-devem ser) exercidos oficiosamente e aspiram à formulação de um resultado judicativo próprio, destinado a “superar dúvidas fundadas sobre o alcance da prova já realizada”[4]. Estamos verdadeiramente perante deveres processuais de carácter vinculado, impostos para “proceder a um (verdadeiro) novo julgamento da matéria de facto, em ordem à formação da sua própria convicção, designadamente verificando se a convicção expressa pelo tribunal a quo possuía razoáveis tradução e suporte no material fáctico emergente da gravação da prova (em conjugação com os mais elementos probatórios constantes do processo)”[5]. Logo, é de sustentar que (também) esse poder deve ser exercitado oficiosamente sempre que, objectivamente, as diligências probatórias a fazer têm uma relação instrumental decisiva para a afinação dos factos essenciais alegados como causa de pedir (ou dos factos  complementares e/ou concretizadores aludidos no art. 5º, 2, do CPC) e que conferem um possível enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal de 1.ª instância, crucial para a correcta decisão de mérito da causa, desde logo por imposição do art. 411º do CPC, sob pena da sua violação[6].
Esta é uma intervenção que está de acordo com uma filosofia clara do CPC de 2013, em que, sem abdicar do princípio do dispositivo, “o tribunal também está comprometido com a verdade dos factos e daí que, por força do princípio do inquisitório, alguns desses factos possam vir a ser provados por mor da sua intervenção”, no contexto de um processo “trialógico”, “um processo de partes perante um juiz activo”[7].         
Assim sendo.

O art. 662º do CPC, consagrando o duplo grau de jurisdição no âmbito da motivação e do julgamento da matéria de facto, estabiliza os poderes da Relação enquanto verdadeiro tribunal de instância, proporcionando a reapreciação do juízo decisório da 1.ª instância para um efectivo e próprio apuramento da verdade material e subsequente decisão de mérito. Por isso a doutrina tem acentuado que, nesse segundo grau de jurisdição, se opera um verdadeiro recurso de reponderação ou de reexame, sempre que do processo constem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da matéria de facto em causa (em especial os depoimentos gravados), que conduzirá a uma decisão de substituição, uma vez decidido que o novo julgamento feito modifica ou altera ou adita a decisão recorrida.[8] Sempre – e este é o ponto – com a mesma amplitude de poderes de julgamento que se atribui à 1.ª instância (é perfeitamente elucidativa a aludida remissão feita pelo art. 663º, 2, para o art. 607º, que abrange os seus n.os 4 e 5) e, destarte, sem qualquer subalternização – inerente a uma alegada relação hierárquica entre instâncias de supra e infra-ordenação no julgamento – da 2.ª instância ao decidido pela 1.ª instância quanto ao controlo sobre uma decisão relativa ao julgamento de uma determinada matéria de facto, precipitado numa convicção verdadeira e justificada, dialecticamente construída e, acima de tudo, independente da convicção de 1.ª instância[9].
             
Ora.
O STJ não pode sindicar, em princípio, o uso feito das competências probatórias atribuídas pelo art. 662º, 1 e 2, tendo em conta a regra de insindicabilidade do n.º 4 do art. 662º.
Porém, esta solução não impede, abrigado no fundamento da revista previsto no art. 674º, 1, b), do CPC, que se verifique se a Relação, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites configurados pela lei para esse exercício e/ou verificar se a Relação omitiu o exercício de tais poderes, que se impunham relativamente a aspectos relevantes para a decisão. Isto é, por um lado, a verificação-censura do mau uso (deficiente ou patológico) desses poderes; por outro lado, a verificação-censura ao não uso dos poderes[10].
Serão sempre situações manifestas e objectivas de vício processual; mas são situações que, mesmo que residuais e muito limitadas, atentos os poderes do STJ, não podem ser ignorados, se assim for, na sindicabilidade da revista.

3.1.2. Nesta frente, mesmo depois de o tribunal recorrido ter reformado o acórdão quanto à matéria de facto cuja impugnação da Apelante não merecera pronúncia expressa no primeiro dos acórdãos da Relação, a Recorrente insurge-se – agora como antes – contra a omissão de exercício dos poderes da Relação.
Em crise, de acordo com a sua visão, está a circunstância de o Tribunal da Relação não ter lançado mão da certidão do processo executivo e dos documentos ... a ...5 que juntou com a apelação, ao abrigo do art. 651º, para efeitos do art. 662º, 1 e 2, b), do CPC; sendo que tais documentos não foram impugnados em sede de contra-alegações (ainda que constestada a sua admissibilidade).
Neste encalce, a Recorrente entende que, sem prejuízo do ónus de alegação e prova que sobre si incidiria, a ponderação e a consideração de tal prova, uma vez superveniente à tomada de decisão em 1.ª instância, constituía poder-dever da Relação para a necessária reapreciação da matéria de facto, tal como suscitada nessa apelação. Acrescenta agora, ademais, as certidões dos apensos desse processo executivo, que a envolveu com a Ré Administração do Condomínio, assim como nota discriminativa e notificação do agente de execução relativamente a esse processo executivo, documento de transferência bancária e recibo emitido pela Ré.
Assim, v. em particular as Conclusões D), K), L), Q), R), T), EE), HH), II), JJ), KK) e LL).

O que dizer agora?

3.1.3. Dizer – melhor, reafirmar – que a norma do art. 662º do CPC, como norma central de atribuição de autonomia decisória à Relação em sede de reapreciação da matéria de facto, começa por ser uma tarefa de reponderação da decisão sobre a decisão proferida sobre a factualidade em face dos factos assentes, da prova já produzida e plasmada nos autos e, bem assim, por documentos supervenientes que imponham ou (extensivamente) sejam susceptíveis (pela sua aptidão probatória) de impor uma decisão diversa da obtida em 1.ª instância – este é o parâmetro de actuação imposto pelo n.º 1 do art. 662º.
Pode acontecer, também em termos de complementaridade, que essa reponderação acarrete a convicção da existência de vícios “simples” ou “amplos” na decisão da Relação, que levem à mobilização dos poderes-deveres funcionais do art. 662º, 2, do CPC e suas consequências em ordem à estabilização da matéria de facto[11].

3.1.4. No caso, surpreende-se que a referida (primeira) certidão do processo executivo bem como os documentos, em especial reproduções fotográficas (Docs. ...0 a ...3), juntos antes e aquando da Apelação, foram considerados pelo acórdão recorrido, aquando da reapreciação dos factos provados 8) e não provados a) a c), l), o), p) a r), t) u) e y) no último acórdão proferido pela Relação.
É verdade que não houve despacho em 2.ª instância a admitir tal certidão e documentos à luz do art. 651º, 1, do CPC – e deveria ter havido[12], como foi aliás referido no acórdão antes proferido neste STJ.
Mas é igualmente verdade que, ainda que com fundamentação simples e breve, a convicção de 2.ª instância foi feita também com base na análise dessa prova superveniente e carreada com a apelação: menção à certidão na motivação do facto provado 8): “Os documentos juntos reportam-se a duas penhoras e a concessão de apoio judiciário …”;  menção às fotografias na motivação dos factos não provados: “De realçar que as fotos, cuja data se desconhece, como já se referiu, … . Ou seja, não sendo as infiltrações no teto a única explicação plausível para os danos que resultam das fotos … .”).
Acontece é que, no que toca ao ponto basilar da origem e causa das infiltrações de água na fracção habitacional e dos prejuízos causados por tais infiltrações, a fundamentação de facto do acórdão recorrido em nenhum momento se refere expressamente ao conteúdo do relatório documental da seguradora (“peritagem patrimonial”), relativamente ao seguro subscrito “Caixa Seguro Lar”, Apólice n.º ...82, junto supervenientemente como Doc. ..., assim como ao documento de envio desse relatório, junto supervenientemente como Doc. ... (v. ainda Doc. ...: pagamento do prémio, relativo ao período de cobertura de 16/11/2017 a 16/11/2018; e Doc. ...: Condições gerais e especiais do contrato de seguro).
Vejamos em particular.

Nesse Doc. ... – no capítulo de “descrição” – poderia (e poderá) verificar-se expressamente que tal origem e causa – dos “danos nos tetos e paredes das divisões da fração segura” – é imputada a “infiltrações de água proveniente da cobertura” do edifício, cobertura esta onde se observou que (i) “a mesma apresenta várias zonas de infiltração de água para a fração segura” e que, (ii) “[n]a zona que se localiza por cima da fração segura, a cobertura encontra-se em mau estado de conservação” e (iii) “a saída das águas pluviais se encontra parcialmente obstruída, sendo única para aquela área de cobertura”. E – no capítulo das “causas” – tal relatório conclui: “Infiltração de água através da cobertura plana do edifício e desenvolvimento de fungos, a provocar danos nas divisões da fração segura.” Por fim – no capítulo dos “danos” e “enquadramento” – assevera: “Danos nas paredes e tetos das divisões da habitação, provocados por desenvolvimento de fungos e infiltração de água a partir da cobertura.”; “No escritório, verificou-se ainda danos no pavimento de madeira, em consequência das infiltrações de água a partir do exterior do edifício.”; “O evento decorreu de infiltração de água através da cobertura plana do edifício e desenvolvimento de fungos, a provocar danos nas divisões da fração segura.”
Assim como resulta desse relatório a valorização dos prejuízos em € 2.227,86, sendo € 1.872,36 para “Reparação dos danos visíveis” e € 355,50 para “Danos estéticos no pavimento do escritório”.
Como anexos, para efeitos de “Análise e caracterização do local do risco/Sinistro”, o relatório junta 40 reproduções fotográficas, com data, e “Relatório de operações técnicas e medições – Construção civil”, que fundamentou a orçamentação, e ainda uma “Ata técnica”.

Quanto ao Doc. ..., encontra-se a seguinte informação da seguradora:
“Concluímos que os danos têm origem em infiltrações decorrentes de deficiente impermeabilização, situação que não se encontra garantida nas condições da apólice.”

Logo, em sede de fundamentação de factos não provados, quando se afirma “não sendo as infiltrações no teto a única explicação plausível para os danos que resultam das fotos, e não havendo qualquer outra prova quanto à origem desses danos, não se podem dar os mesmos como provados, quanto à origem alegada”, tal evidencia que a Relação não ponderou essa prova documental carreada a título superveniente, nem a usou para, consequencialmente, conjugar tal prova de 2019 com a prova existente nos autos (nomeadamente a documental oferecida na petição inicial) e ordenar a produção de meios de prova adicionais aos existentes, de acordo com o art. 662º, 2, b), do CPC, desde que facilmente alcançáveis e objectivamente apreensíveis como exigíveis e imprescindíveis para indagar da veracidade factual (nomeadamente: solicitar ou aproveitar documentos sobre orçamentos e/ou obras feitas na fracção, desde Setembro de 2015[13], com indicação do seu fundamento técnico, custo e autenticidade), para o esclarecimento da manutenção da patologia construtiva coincidente temporalmente com essa data e do montante de prejuízos ocorridos desde essa data – tendo por fim consolidar em definitivo tal “tema da prova”, decorrente da petição inicial da Autora[14] (art. 596º, 1, CPC), e estabilizar a matéria de facto não provada impugnada no que respeita a essas questões (v., em esp., factos não provados p) a t) e y) a aa)), enquanto matéria pertinente à factualidade essencial para a procedência ou não da pretensão da Autora e aqui Recorrente (sem obstar a ampliar/aditar matéria de facto conexa), ou seja, para a decisão de direito a tomar em sede de responsabilidade civil indemnizatória.

Por isso, julgamos que assiste nesta parte razão à Recorrente – ainda que sempre no âmbito muito restrito de sindicação por parte do STJ –, que – não esqueçamos – parte do princípio de irrecorribilidade do art. 662º, 4, do CPC.
Se é decisivo para a sorte do pleito, vista a causa de pedir e o pedido indemnizatório da Autora, identificar a origem e a causa de tais infiltrações, bem como o montante de danos provocados na fracção habitacional, justificar-se-ia que tivesse atendido a essa prova documental (Docs. .... a 5.) trazida à 2.ª instância pela Recorrente – desde que ajuizada previamente a sua admissibilidade e superveniência à luz dos arts. 651º, 1, e 662º, 1, do CPC – para daí resultar essa convicção segura sobre factos que podem divergir do decidido em 1.ª instância (também em referência aos factos ainda susceptíveis de atender nos termos do art. 5º, 2, do CPC: v. Conclusões QQ) e RR)).
No entanto, ressalve-se e reitere-se um ponto que também é decisivo para o que sustenta em sede do art. 662º: essa atendibilidade e seu efeito processual em termos recursivos terá que ser delimitada no tempo, uma vez que só será relevante para danos ocorridos desde Setembro de 2015, uma vez que, salvo melhor, se estabilizou como caso julgado, na falta de impugnação pela Apelante e aqui Recorrente de revista, a argumentação de 1.ª instância e a respectiva decisão nesse segmento da regra e prazo da prescrição aplicável ao direito indemnizatório alegado pela Autora.

Para este resultado, temos que:

(i) As partes podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º [«Depois do encerramento da discussão [v. arts. 605º, 3, e), e 611º, 1, do CPC)] só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.»] ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.» (art. 651º, 1, do CPC); tal abrange, entre o primeiro lote de situações, os documentos de formação superveniente ou de conhecimento superveniente pela parte[15]; a última sessão da audiência final foi realizada em 3 de Junho de 2019 e o relatório de “peritagem patrimonial” da seguradora foi elaborado em 6 de Agosto de 2019;

(ii) Os documentos supervenientes a que se referem o art. 662º, 1, são aqueles que beneficiam de força probatória plena, mas igualmente aqueles que constituem meios de prova sujeitos a livre apreciação do julgador e com aptidão, ainda que nesse contexto, para obter na convicção sobre os factos um resultado diverso do atingido pela 1.ª instância[16]; integrando-se o documento oferecido, como sendo proveniente de entidade terceira ao litígio (seguradora), neste último regime, por força do art. 366º do CCiv.[17], é de entender que o tribunal da Relação deveria ter assumido tal poder-dever uma vez confrontado com o “relatório de peritagem” da seguradora;

(iii) O n.º 2 do art. 662º, em esp. nas als. a) a c), estabelece um leque de decisões que à Relação cabe adoptar, mesmo oficiosamente, em sede de reapreciação da prova sujeita a livre apreciação, quando não resulte uma convicção segura sobre os factos que seja diversa da 1.ª instância; tal circunstância processual pode surgir da reapreciação de todos os meios de prova disponíveis nos autos, mesmo que não tenham sido considerados pelo tribunal recorrido[18], o que inclui os meios de prova supervenientes, como é o caso dos referidos Docs. ... a ..., ou outros ainda disponíveis por solicitação ou aproveitamento processual.

Não tendo feito o que urgia fazer tal como predito e fundamentado, incorreu o acórdão recorrido em erro procedimental probatório (error in procedendo) à luz do art. 662º, 1, e 2, b), do CPC, após sindicação (aqui legítima em revista) de acordo com o art. 674º, 1, b), do CPC, enquanto violação do dever de reapreciação da matéria de facto pertinente e invocada.
             
Surge assim como curial que se ordene que a Relação sane tal vício nos termos vistos e seja solicitada e, se for o caso, carreada e/ou aproveitada nova prova para o processo nessa mesma reapreciação.

3.1.5. Neste contexto, porém, não podemos ignorar o que motivou a prolação deste segundo acórdão da Relação: a nulidade decretada por “omissão de pronúncia” e a injunção para reforma do primeiro acórdão, tendo em conta a – transcrevemos o anterior acórdão deste STJ – ausência de pronúncia (e necessária conjugação sobre a instrução das alegações ao abrigo do art. 651º, 1, do CPC, assim como a valoração probatória que subjaz ao recurso em matéria de facto) sobre a reapreciação pedida” relativamente aos factos provados e não provados então elencados e considerando a “sua relevância para a aferição do(s) pedido(s) feito(s) na acção pela Autora”.
E não podemos igualmente ignorar a relação de prejudicialidade-conexão entre tal necessidade de sanar a “omissão de pronúncia” com o exercício dos poderes-deveres consagrados no art. 662º, 1 e 2, do CPC – pois também para este exercício foi devolvido o processo à Relação, tendo em vista a mobilização de tal regime na tarefa judicativa própria de sindicação da matéria de facto provada e não provada.
Sendo assim, julgamos que o vício procedimental probatório que aqui deixamos como assente ainda se encontra no âmbito da actuação que deveria ter sido adoptada pela Relação ao proferir novo acórdão com julgamento integral e completo da matéria de facto (provada e não provada) impugnada pela Recorrente, em cumprimento do acórdão antes proferido neste STJ.
Por outras palavras, o erro procedimental apontado em sede de art. 662º, 1 e 2, ainda se encontra no perímetro de actuação processual devida e vinculada ao cumprimento do acórdão anterior do STJ:
- a pronúncia feita em sede de fundamentação dos factos provados e não provados não cumpriu integralmente a injunção de reforma decretada quanto à integralidade dos documentos atendíveis para actuação do art. 662º, 1 e 2, b) (veja-se como se tiveram em conta alguns dos documentos que instruíram a apelação e não se teve em conta os documentos supervenientes remetidos pela seguradora enquanto prova crítica para a valoração da prova pertinente);
- a pronúncia feita olvidou o despacho preliminar de admissão referido e prescrito no art. 651º, 1, do CPC;
- não foi julgada novamente a apelação subsumindo o direito em conformidade com a reapreciação da factualidade impugnada.
             
Em suma.

Conclui-se que a procedência dos vícios apontados constituem incumprimento parcial do ordenado e transitado pelo acórdão proferido em 16/12/2021, pelo que se determina, por tal causa, novo reenvio dos autos à Relação para conhecimento da reapreciação da matéria de facto, devidamente fundamentada e subtraída de contradições, nomeadamente a não provada tal como antes identificada nos pontos relevantes, com consideração e exercício dos poderes-deveres atribuídos pelo art. 662º, 1, e 2, b), também nos termos e procedimentos aludidos e indicados no ponto 3.1.4., tendo em vista a factualidade impugnada e pertinente ao exercício de tais poderes-deveres.
Atento o assim decidido, após despacho de admissão de prova superveniente e a consideração e exercício pleno de tais poderes em sede probatória, deverá o tribunal recorrido proferir nova decisão sobre a matéria de facto e julgar novamente o objecto do recurso de apelação em conformidade.


3.2. O restante objecto e questões recursivas

Sendo esta a solução a dar à impugnação do Recorrente, fica inviabilizada a apreciação das restantes questões, que fundamentavam subsidiariamente e adicionalmente a pretensão recursiva da Recorrente, em aplicação do art. 608º, 2, 2ª parte, do CPC, incluindo as nulidades que, arguidas à luz do art. 615º, 1, c) e d), do CPC, se referem à matéria de facto e à sua motivação, uma vez que nova decisão será proferida pela Relação em sede de apelação.        
Em especial, fica prejudicado o conhecimento dos vícios alegados na previsão do art. 674º, 3, 2ª parte, do CPC, o que inviabiliza, por inútil (art. 130º do CPC), a apreciação do requerimento de junção das certidões e demais documentos que são juntos nas alegações da presente revista. Sem prejuízo, julgamos que deverá a Relação, ainda no âmbito de aplicação e actuação do art. 662º, 2, b), do CPC, ponderar oficiosamente a admissibilidade e utilidade da incorporação de tais meios de prova, nomeadamente tendo em conta a respectiva fundamentação de direito, à luz do facto provado 19) e à delimitação temporal dos danos indemnizáveis sentenciada em 1.ª instância, em alusão ao correspondente “tema da prova”[19].


III) DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a revista pelo fundamento parcial e prioritariamente invocado, determinando-se a baixa dos autos à Relação para ser apreciada a impugnação da matéria de facto com observância dos poderes-deveres legais previstos no art. 662º, 1 e 2, b), do CPC, em cumprimento integral dos termos ordenados no acórdão anteriormente proferido em 16 de Dezembro de 2021 e que não se encontraram cumpridos, sendo o acórdão recorrido substituído por outro que profira nova decisão sobre a matéria de facto impugnada e pertinente ao exercício de tais poderes-deveres e julgada novamente a apelação com aplicação do direito à materialidade apurada, nos termos invocados e pedidos pela Autora, aí Apelante.
 
Revista sem custas.  



STJ/Lisboa, 15 de Junho de 2023



Ricardo Costa (Relator)

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia (em substituição: arts. 661º, 2, 679º, CPC)

SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).


______________________________________________________


[1] JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º, Artigos 627.º a 877.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, sub art. 662º, págs. 170-171, 174-175.
[2] V. Ac. do STJ de 7/9/2017, Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1, Rel. TOMÉ GOMES, in www.dgsi.pt.
[3] Por todos, v. ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 640º, pág. 166, sub art. 662º, págs. 294-295, FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, págs. 536-537.
[4] ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 662º, pág. 298.
[5] FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume II cit., pág. 537, completando: “Foi, assim, arredada a conceção segundo a qual a atividade cognitiva da Relação se deveria confinar, tão-somente, a um mero controlo formal da motivação/fundamentação efetuada em 1ª instância”.
[6] V. Acs. do STJ de 5/7/2022, processo n.º 400/180.0T8PVZ.P1.S1, com referência aos pontos II. e III do Sumário, e de 15/3/2023, processo n.º 2755/20.7T8FAR.E1.S1, sempre como Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt.
[7] URBANO LOPES DIAS, “Limites do poder cognitivo do juiz – nas instâncias e no STJ”, Blog do IPPC, 3/4/2017, https://blogippc.blogspot.com/2017/04/limites-do-poder-cognitivo-do-juiz-nas.html, pág. 5.
[8] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “A impugnação das decisões judiciais”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 395-396, 399-400, 400, 402-403. 
[9] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia”, CDP n.º 44, 2013, págs. 33-34, 36; na jurisprudência, v., exemplificativamente, os Acs. do STJ de 10/7/2012, processo n.º 3817/05.6TBGDM-B.P1.S1, Rel. FERNANDES DO VALE, e 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, Rel. AZEVEDO RAMOS, in www.dgsi.pt
[10] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.9.2013”, CDP n.º 44, 2013, págs. 33-34, ID., “Dupla conforme e vícios na formação do acórdão da Relação”, de 1/4/2015, in https://blogippc.blogspot.com/2015/04/dupla-conforme-e-vicios-na-formacao-do.html; ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 662º, págs. 312-313, sub art. 682º, págs. 435-436; JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º cit., sub art. 662º, pág. 177, sub art. 674º, pág. 232.
                   Na jurisprudência do STJ, v. Acs. de 11/2/2016, Processo n.º 907/13.5TBPTG.E1.S1, Rel. ABRANTES GERALDES; 26/11/2019, processo n.º 431/14.9TVPRT.P1.S1, Rel. PEDRO LIMA GONÇALVES (“(…) das decisões da Relação incidentes sobre renovação da produção de prova ou sobre a produção de novos meios de prova, bem como dos restantes procedimentos afirmados nas alíneas c) e d) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, não cabe recurso para o STJ, ou seja, este recurso está vedado sempre que a Relação na valoração que faça dos meios de prova a cuja reponderação tenha procedido não encontre dúvidas sobre a credibilidade do depoente ou o sentido com que deve valer o conteúdo do respetivo depoimento, nem sobre a prova realizada na 1ª instância. Assim, o recurso poderá ter lugar apenas quando, reconhecida uma situação de dúvida como a prevista nas alíneas a) e b), e com as deficiências constantes das alíneas c) e d), e confrontado, o Tribunal da Relação, em vez de cumprir o dever de a ultrapassar, lançando mão dos meios postos ao seu dispor para perseguir a descoberta da verdade, se remete à passividade, incumprindo a lei processual que lhe cominava esse poder-dever.”: sublinhado nosso); e 6/9/2022, processo n.º 3714/15.7T8LRA.C1.S1, Rel. GRAÇA AMARAL (“(…) estando em causa a apreciação de aditamento de matéria de facto relevante, uma vez que o acórdão recorrido entendeu não ser de conhecer da referida matéria, de acordo com os termos acima concluídos quanto à melhor interpretação do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do CPC, há que considerar que o tribunal a quo não logrou utilizar todos poderes que a lei lhe confere para o efeito (nomeadamente o poder/dever previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC). Consequentemente, não pode deixar de se considerar que a decisão de afastar a possibilidade de aditamento da matéria de facto indicada pelo Recorrente reconduz-se na violação do dever de reapreciação da referida matéria.”); sempre in www.dgsi.pt.
[11] V. o Ac. do STJ de 5/7/2022 cit. (supra, nt. (6)), em referência aos pontos IV. e VI. do Sumário.
[12] Sobre esta necessidade de admissão na instância de recurso, v. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º cit., sub art. 662º, pág. 169.
[13] Recorde-se o decidido em sede de 1.ª instância, quanto ao início relevante da produção de danos em função da regra de prescrição aplicada – cfr. supra, Relatório, ponto 5.
[14] No despacho saneador, foi elencado como “tema da prova” sob 1.: “Infiltrações e danos – artigos 4º a 20º, 23º a 31º, 35º, 38º a 55º da p.i.”.
Sobre o ponto, v. Ac. do STJ de 30/3/2023, processo n.º 4068/19.8T8AVR.P1.S1, Rel. AMÉLIA ALVES RIBEIRO: “Os temas de prova (NCPC 2013), transcendendo os constrangimentos da formulação da precedente base instrutória, não constituem factos em sentido próprio. Embora podendo assumir diversos graus de concretização, como decorre da própria qualificação, traduzem-se, antes, em enunciados que balizam o objeto do litígio a ser submetido à instrução da causa (art. 596.º, n.º 1).” (ponto II. do Sumário; in www.dgsi.pt).
[15] JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º cit., sub art. 651º, pág. 141.
[16] Assim defendendo, JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º cit., sub art. 662º, pág. 170.
[17] V. LUÍS FILIPE SOUSA, Direito probatório material comentado, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 166, podendo este tipo de documentos ser “idóneos a integrar factos-base de presunções judiciais”.
[18] Neste sentido, JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º cit., sub art. 662º, pág. 171.
[19] Ainda no despacho saneador, foi elencado como “tema da prova” sob 2.: “Atuação do réu – artigos 54º a 56º, 62º a 72º, 79º a 81º, 83º, 85º, 90º, 97º a 100º da contestação”.