Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SOUSA GRANDÃO | ||
| Descritores: | PRESCRIÇÃO CADUCIDADE SANÇÃO DISCIPLINAR PERDA DE RETRIBUIÇÃO IMPUGNAÇÃO PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO LACUNA | ||
| Nº do Documento: | SJ200511290017034 | ||
| Apenso: | | ||
| Data do Acordão: | 11/29/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA | ||
| Sumário : | I - Tanto a prescrição como a caducidade são formas de extinção que o decurso do tempo provoca sobre direitos subjectivos: distinguem-se, além do mais, porque a primeira figura extingue esses direitos e a segunda torna-os inexigíveis. II - Não estabelece a lei qualquer critério para distinguir a prescrição da caducidade, de onde resulta que essa distinção há-de acobertar-se na interpretação das disposições normativas que fixam prazos para o exercício de direitos. III - É de caducidade o prazo de que os trabalhadores dispõem para impugnar judicialmente uma sanção disciplinar que lhes tenha sido aplicada pela sua entidade patronal, pois trata-se de um direito que deve ser exercido através de uma acção judicial, a intentar dentro de determinado prazo. IV - No domínio do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49 408, de 24-11-69 (LCT), entendia-se que o poder disciplinar do empregador se encontra sujeito a limitações legais, não só no que se refere ao tipo e medida das sanções (artigos 27.º, n.º 1, e 28.º), quanto também à própria qualificação das condutas do trabalhador como infracções disciplinares (artigos 32.º e segts) e ainda ao critério de graduação das próprias sanções disciplinares (artigo 27.º, n.º 2). V - No Código do Trabalho (CT), aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27-08, prevê-se, de forma expressa, a admissibilidade da acção judicial para impugnar as sanções disciplinares (artigo 371.º), bem como o prazo de um (1) ano, a contar da data do despedimento, para intentar a respectiva acção de impugnação. VI - Todavia, quer a LCT, quer o CT são omissos quanto ao prazo de que o trabalhador dispõe para proceder à impugnação judicial de sanção disciplinar distinta do despedimento. VII - Daí que se verifique uma lacuna jurídica, pois a lei não contém qualquer regra aplicável à situação referida, quando é certo que deveria conter essa regulamentação, de acordo com a teleologia do sistema e a coerência que o deve reger. VIII - Na vigência da LCT, inexiste qualquer preceito análogo que possa resolver a referida lacuna, sendo certo que a analogia com o artigo 38.º, n.º 1, apenas seria consentida relativamente à duração do prazo, mas nunca quanto ao início da sua contagem. IX - Por isso, afastada a analogia, o artigo 10.º do Código Civil só consente, para a integração das lacunas, a criação de norma que o próprio intérprete produziria se tivesse de legislar dentro do espírito do sistema. X - O espírito do sistema jurídico – em geral e, particularmente no domínio laboral -, exige a resolução rápida dos conflitos surgidos no âmbito do direito disciplinar laboral, ou seja, exige que o contencioso daí resultante deva ser integralmente resolvido em período que não se distancie demasiado da prática infraccional invocada, abstraindo sempre do ciclo de vida da relação laboral. XI - Atendendo ao descrito, e ainda que com a impugnação judicial de uma sanção disciplinar se visa obter a sua anulabilidade, estabelecendo a lei geral (art. 287.º do Código Civil) o prazo de um ano prazo para a impugnação das invalidades, e que é, também, esse o prazo que o art. 345.º do Código do Trabalho fixa para a sanção especifica do despedimento, as sanções disciplinares laborais, distintas do despedimento, na vigência da LCT, devem ser judicialmente impugnadas no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação ao infractor, sob pena de caducidade desse direito, incluindo o(s) afectado(s) pela própria sanção, como sucede com a perda de retribuição resultante da suspensão do trabalho. XII - Porém, em relação aos demais “direitos patrimoniais” (como sejam a não concessão de aumento salarial do trabalhador, ou a alteração das funções), uma vez que não se confundem com qualquer sanção disciplinar “qua tale” (desde logo porque estas implicam a observância de todo o formalismo inerente ao “procedimento disciplinar”, em que avultam a audiência prévia e a faculdade de reclamação hierárquica), o seu exercício não fica sujeito ao regime impugnatório das “sanções disciplinares”, aplicando-se, quanto a eles, e no domínio da LCT, o comando previsto no artigo 38.º, n.º 1. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1 – RELATÓRIO 1.1 AA intentou no Tribunal do Trabalho de Loures, acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho com processo comum, contra “Tintas BB S.A.”, pedindo que a Ré seja condenada a: — pagar ao Autor a quantia de 59.153.660$00; — declarar nulas as sanções que lhe foram aplicadas; — fixar o respectivo salário mensal em 422.045$00, a partir de 1/6/01; — atribuir-lhe posto de trabalho e tarefas compatíveis com a sua categoria profissional de Engenheiro Técnico de Grau IV e nível 3 da Estrutura Orgânica da Ré; — atribuir ao Autor viatura compatível com a sua categoria profissional, assegurando os respectivos custos de manutenção, combustível e óleo, pagando-lhe mensalmente a quantia de 140.000$00 até efectiva entrega; — abster-se de continuar a exercer sobre o Autor o comportamento que com ele tem tido desde Outubro de 1992; — declarar nulo e de nenhum efeito o anexo I à O.S. n.º 1/90 de 4/1/90 na parte em que exclui os aumentos gerais aos trabalhadores alvo de procedimento disciplinar e por razões de performance global; — pagar multa e uma indemnização de 1.000.000$00 ao Autor, como litigante de má-fé. Para o efeito e em síntese, alega que: em 1/2/93, na sequência de um processo disciplinar, a Ré aplicou-lhe a sanção de 3 dias de suspensão, com perda de retribuição; também como sanção e relativamente ao mesmo ano de 1993, não lhe concedeu o aumento de 9,5%, praticado na empresa, como igualmente lhe não concedeu, em 1994, o aumento geral de 5,5%, sendo que lhe comunicou, em 1/4/93, que deixava de ser responsável pela área de repintura automóvel; entretanto, o Autor esteve de baixa por doença e, quando se apresentou ao serviço em Dezembro de 2000, foi impedido de regressar ao seu posto de trabalho, sendo designado “Assistente de Gestão de Lojas”; como retaliação, o Autor tem vindo a ser excluído de aumentos especiais desde 1993 e, em 2002, foi excluído do aumento geral de 3,7%; em Maio de 2001, a Ré retirou-lhe o direito ao uso de viatura da empresa, que lhe era reconhecido há 20 anos, sendo que tal direito constitui uma regalia de todos os quadros de nível 3 e superior, quer para o serviço, quer para uso pessoal, incluindo férias. A Ré ajuizou atempada contestação, em cujo articulado começa por excepcionar a caducidade do direito de acção face à sanção disciplinar aplicada em 1993, sendo que a mesma não foi abusiva, impugnando, no mais, a factualidade aduzida na P.I. e referindo a final que a actuação do Autor ofendeu gravemente a imagem da Ré e dos seus companheiros de trabalho. Termina pedindo a improcedência da acção a condenação do Autor como litigante de má fé e, em sede reconvencional, a sua condenação na quantia de 10.000.000$00, a título de indemnização, a favor da Ré, por pretensos danos morais. O Autor respondeu à matéria exceptiva e reconvencional, sustentando a sua improcedência, do mesmo passo que reitera o pedido de condenação da Ré como litigante de má fé. 1.2 Foi lavrado o despacho saneador, onde se afirmou a validade e a regularidade da instância, após ter sido julgada procedente a excepção da caducidade, invocada pela Ré, na parte atinente à impugnação da sanção disciplinar aplicada ao Autor em 1993 e aos eventuais direitos patrimoniais daí decorrentes. Irresignado com este sequente decisório, dele interpôs o Autor oportuno recurso recebido como apelação e com subida a final. Prosseguindo, os autos na parte relativa às demais pretensões ajuizadas, operou-se a condensação da factualidade tida por pertinente, que passou irreclamada, como irreclamadas passaram também as respostas à “Base Instrutória”, após a audiência de discussão e julgamento a que entretanto se procedeu. O M.mo Juiz lavrou douta sentença em que, julgando, improcedentes a acção e a reconvenção absolveu a Ré e o Autor dos pedidos correspondentes. Inconformado também com esta decisão, dela apelou igualmente o Autor. Por douto Acórdão lavrado a fls. 594 e segs., o Tribunal da Relação de Lisboa: A- Concedeu provimento à apelação que o Autor tirara do despacho saneador, entendendo que não caducara qualquer dos direitos por si accionados; B- em conformidade, ordenou a ampliação da matéria de facto, anulando os actos processuais subsequentes à respectiva condenação e considerou prejudicado o conhecimento do recurso interposto da sentença final. 1.3 Desta feita foi a Ré a mostrar-se inconformada com o sobredito Acórdão, pedindo a respectiva revista e rematando as correspondentes alegações com o seguinte núcleo conclusivo: 1- está em causa a decisão do Tribunal da Relação que, revogando a decisão da 1ª instância, julgou improcedente a excepção da caducidade invocada pela ora recorrente; 2- a verificação ou não dessa excepção é matéria de direito, não estando vedado, por isso, o seu conhecimento pelo S.T.J. – art.º 722º n.º 1 do C.P.C.; 3- o dito Acórdão considerou não verificada a excepção de caducidade do direito de acção do ora recorrido porquanto considera aplicável o art.º 38º n.º 1 da L.C.T. no que concerne à tempestividade dessa acção; 4- Essa posição não poderá vingar, uma vez que o direito de acção do recorrido para impugnar a alegada sanção disciplinar abusiva (três dias de suspensão em 1993), que lhe foi aplicada, bem como das pretensas “sanções” que o recorrido alega ter sido “vítima”, há muito que havia decorrido; 5- face ao lapso de tempo decorrido entre a data da aplicação da sanção disciplinar (comunicada em 1/2/93) e das outras “sanções encaputadas” (alegadamente verificadas em 1993 e 1994), no dizer do Acórdão recorrido, e a data da propositura da acção – 15/6/01 – o recorrido já não tinha, relativamente a elas, o direito de acção; 6- não é de aplicar ao caso o art.º 38º n.º 1 da L.C.T., em cujos termos todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação prescrevem no prazo de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho; 7- e, se a jurisprudência é unânime no sentido de que a impugnação do despedimento tem o prazo de um ano, nos termos daquele preceito, tal entendimento não poderá ser estendido às situações em que a impugnação tem por objecto outras sanções disciplinares menos gravosas e em que o contrato de trabalho se mantém; 8- assim, ao contrário da decisão recorrida, não será de aplicar o prazo daquele artigo, ao caso vertente; 9- tratando-se da impugnação de uma sanção como a dos autos e mantendo-se o contrato de trabalho por um período superior a um ano (como ainda se mantém), por exemplo 10 ou 20 anos, teríamos que só após esse lapso de tempo poderia eventualmente ser impugnada a sanção pretensamente abusiva; 10- uma situação destas não abona em nada a certeza e segurança jurídicas, colocando ainda em causa a própria prova de que o trabalhador disporia; 11- o prazo para impugnar uma sanção disciplinar, que não seja o despedimento, apenas poderá ser o de um ano após a comunicação ao trabalhador da aplicação da sanção (cfr. S.T.J. de 13/5/98 in CJSTJ, Ano VI, pag. 278 e segs.); 12- esta solução é a que melhor se harmoniza com os princípios da estabilidade e certeza do direito disciplinar, evitando a incerteza da manutenção da sanção durante vários anos, e com a facilidade de prova inerente, sobretudo para o trabalhador; 13- o processo disciplinar dos autos decorreu entre Dezembro de 1992 e Fevereiro de 1993, tendo o recorrido sido notificado pessoalmente da decisão em 1/2/93; 14- assim, o prazo decorreu até 1/2/94; 15- com a acção foi intentada em 15/6/02, caducara há muito o direito de impugnação de tal sanção, bem como os eventuais direitos patrimoniais daí decorrentes; 16- na verdade, para além da punição de 3 dias, comunicada em 1/2/93, o recorrido alega que a recorrente ainda o puniu ao não lhe conceder os aumentos gerais de 1993 e 1994 e ao comunicar-lhe que deixaria de ser o responsável pela área de repintura automóvel, bem como outras sanções de que alega ter sido alvo; 17- do pedido global de € 295.057,21 (59.153.660$00), a quantia de € 292.962,26 reporta-se às invocadas “sanções” de que o recorrido teria sido alvo; 18- sendo de concluir que o direito de peticionar estas quantias se deve considerar há muito caducado. 1.4. Não foram apresentadas contra-alegações. 1.5 A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser negada a revista. 1.6. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.2- Factos As instâncias deram como provada a seguinte factualidade: 1- o A. foi admitido ao serviço da R., trabalhando sob a autoridade e direcção desta, em Maio de 1969, sendo Delegado Sindical desde 22/3/93; 2- à relação laboral entre A. e R. aplica-se o C.C.T. entre a Associação Portuguesa das Empresas Industriais de produtos Químicos e outros e a Federação Nacional de Sindicatos de Quadros e outros; 3- o A. esteve de baixa por doença de 25/10/00 a 17/11/00 e de 22/11/00 a 22/12/00; 4- o A. não teve qualquer aumento salarial em 2001; 5- o A. utilizava um veículo da R.; 6- o A. tem actualmente, e desde Junho de 1984, a categoria de Engenheiro Técnico de Grau IV; 7- ao regressar à empresa após a baixa referida em 3. o A. não voltou para o posto de trabalho de Gestor de Produto de Indústria, que tinha antes; 8- em 2001, a R. procedeu a um aumento de vencimentos que, em média, rondava os 3,7%; 9- pelo menos desde 1988, ininterruptamente, a R. atribuiu ao A. o uso de viatura da empresa; 10- em 5/3/01, a R. ordenou que o A. entregasse a viatura que lhe estava distribuída; 11- a R., estabeleceu o preço de 45,84 por Km aos seus profissionais sem direito a viatura da empresa; 12- antes de entrar de baixa em 2000, o A. estava na Área Comercial, como Gestor de Produtos de Indústria; 13- por razões de mercado, a função de “Gestor de Produto de Indústria” foi fundida com a de “Gestão de Produto de Automóveis”, tendo o posto de trabalho do A. sido extinto; 14- após regressar da baixa, o A. foi convidado para a área “Técnica Comercial” pelo seu superior hierárquico Sr. CC; 15- o A. recusou essa oferta; 16- foi-lhe então proposta uma função de gestão do Back-Office” da cadeia de lojas da empresa; 17- tratava-se de uma função da maior importância perante a reorganização e reestruturação que se estava a efectuar nessa área; 18- Nessa altura, o A. perguntou ao Sr. CC quanto é que lhe dariam no caso de rescisão do contrato por mútuo acordo; 19- na sequência disso, a R. entregou ao A. os docs. juntos a fla. 76 e 77 dos autos; 20- o A. não teve aumento salarial em 2001 porque não atingiu os objectivos necessários no campo criativo, de inovação e de iniciativa; 21- actualmente, o A. é o responsável pela gestão de tudo o que respeita a projectos e procedimentos concernentes à rede de lojas que a R. possui e que são da maior importância no desenvolvimento da sua actividade comercial; 22- estas funções estão adstritas a profissionais com formação de nível superior (bacharelato ou licenciatura); 23- a R. só concede “viatura de função” quando a actividade profissional do trabalhador evidencia a necessidade de tal instrumento de trabalho; 24- o que não acontece nas novas funções adstritas ao A.; 25- actualmente, o A. não faz regularmente deslocações em serviço; 26- e, quando as faz, são totalmente custeadas pela empreza. São estes os factos. 3- Direito 3.1 Evidencia-se da exposição supra que o Autor entendeu censurar duas decisões da 1ª instância: a decisão relativa à matéria exceptiva da caducidade, que foi lavrada no âmbito do despacho saneador, e a própria sentença final. Essa censura gerou dois processos de apelação, que subiram em conjunto e a final. O Tribunal da Relação deu integral provimento à 1ª apelação, anulando o julgamento e ordenando a ampliação da matéria de facto; de seguida, e em absoluta consonância com esse entendimento, considerou prejudicado o conhecimento da 2ª apelação. Foi, desta vez, a Ré a mostrar-se inconformada com a tese da Relação, recorrendo de revista para este Supremo Tribunal. Perante esta tramitação adjectiva operada nos autos, caber-nos-á apreciar, desde logo, a decisão da Relação que recaiu sobre a apelação do saneador: se essa decisão vier a ser confirmada o conhecimento da 2ª apelação continuará prejudicado; caso contrário, haverá que enfrentar este outro recurso, atento o disposto nos art.ºs 715º n.º 2 e 726º n.º 1 do Cod. Proc. Civil. 3.2.1. Conforme decorre da exposição incerta na rubrica “Relatório”, a 1ª instância julgou procedente a excepção da caducidade invocada pela Ré, na parte atinente à impugnação da sanção disciplinar aplicada ao Autor em 1993, considerando que tal excepção se estendia aos “... eventuais direitos patrimoniais disso decorrentes”. Em abono dessa solução — e ancorando-se no Acórdão deste S.T,J, de 13/5/98 (in C.J.S.T.J., 1998, II, 278) — entendeu-se que a impugnação das sanções disciplinares à míngua de disposição legal expressa sobre a questão, teria de ser feita no prazo de um (1) ano a contar da data em que a sua aplicação, fosse comunicada ao trabalhador. A Relação por seu turno, começou por operar neste âmbito, uma destrinça entre “sanções disciplinares” e “direitos de crédito”, dizendo que o Autor não se limitou a impugnar as sanções impostas, antes se arroga também direitos creditórios, sendo que, relativamente a estes, a figura que lhes corresponde é a da prescrição (do direito de crédito) e não a da caducidade (do direito de acção). Apesar dessa destrinça inicial, limitou-se contudo a Relação a repudiar a tese expendida pelo Supremo no assinalado Acórdão de 13/5/98, antes considerado aplicável ao caso o comando genérico do art.º 38º n.º 1 da L.C.T., segundo o qual todos os créditos resultantes do contrato de trabalho, e da sua violação ou cessação, se extinguem por prescrição decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho. Em consequência disso – e por ser evidente a inexistência de qualquer prescrição, certo que o Autor ajuizou a presente acção ainda na vigência do seu contrato de trabalho – considerou haver “... que apurar, em sede de julgamento, toda a matéria de facto alegada pelo Autor, relativamente ao carácter abusivo da aplicação, pela Ré, da sanção de 3 dias de suspensão com perda de retribuição, e o carácter unicamente sancionatório e abusivo da não concessão de aumentos ao Autor, em 1993 e 1994, e da retirada de funções ...”, sendo consequentemente de ampliar a matéria de facto nos sobreditos termos. 3.2.2 Tanto a prescrição como a caducidade são formas de extinção que o decurso do tempo provoca sobre direitos subjectivas: distinguem-se, além do mais, porque a primeira figura extingue esses direitos e a segunda torna-os inexigíveis. Não estabelece a lei qualquer critério para distinguir a prescrição da caducidade e de onde resulta que essa distinção há-de acobertar-se na interpretação das disposições normativas que fixam prazos para o exercício de direitos. No concreto dos autos, discute-se a questão de saber qual o prazo de que os trabalhadores dispõem para impugnar judicialmente uma sanção disciplinar que lhes tenha sido aplicada pela sua entidade patronal. Se esse direito tiver de ser exercido através de uma acção judicial, a intentar dentro de determinado prazo, estaremos, patentemente, no domínio da caducidade; se, ao invés, esse direito haver de ser exercido dentro de determinado prazo, a sua inobservância provoca a inexigibilidade do direito: falar-se-á, no caso, de prescrição. 3.2.3 A questão, no domínio específico das sanções disciplinares laborais, tem-se revelado controversa, anotando-se sensíveis divergências sobre ela, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência. Essa dissonância já vem do “Regime Jurídico do Contrato Individual de trabalho”, aprovado pelo D.L. n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (doravante denominada L.C.T., cuja disciplina é aplicável ao caso dos autos), sendo que a questão não se mostra minimamente resolvida pelo actual Código do Trabalho (como também iremos ver). Pedro Romano Martinez sustenta que esse prazo é de um ano após a data da cessação do contrato individual de trabalho, independentemente da data em que o trabalhador teve conhecimento da sanção, recorrendo-se, para o efeito, da prescrição contida no art.º 38º n.º 1 da L.C.T. (in “Direito do Trabalho”, pág. 599). Esse foi também o entendimento acolhido maioritariamente no Acórdão sindicando, como já referimos. Mota Veiga, por seu turno, entende que esse prazo é de três meses após a aplicação da sanção, invocando, nesse sentido o art.º 31º n.º 3 da L.C.T., de harmonia com o qual a execução da sanção disciplinar, sob pena de perder validade, só pode ocorrer nos três meses subsequentes à decisão (in “Lições”, pág. 345). Dessa tese comunga igualmente o Acórdão da Relação do Porto de 26/6/89 (in B.M.J. 388/602). A jurisprudência do S.T.J., nos dois únicos Acórdãos que se lhe conhecem sobre a matéria — o de 13/5/98, já acima referido e profusamente dissecado pelas instâncias nos presentes autos, e o de 4/7/90 (sumariado na Act. Jur,”, 10º, 11º, pág. 30) — vem seguindo a orientação de que o prazo em apreço será de um ano após a comunicação da sanção mesmo que o contrato de trabalho não haja cessado (anote-se que o referido Aresto de 13/5/98 foi tirado por maioria, contendo um voto de vencido, exarado pelo Cons. Sousa Lamas, para quem não existe sequer prazo legal para a impugnação de uma sanção disciplinar de suspensão de uma sanção disciplinar de suspensão do trabalho). Perspectivando a jurisprudência mais recente, também a Relação de Lisboa seguiu a orientação do Supremo nos Acórdãos de 23/2/05 (processo n.º 9991/2004-4, disponível na base de dados ITIJ) e de 5/5/05 (processo n.º 1602/2005-4, disponível no mesmo “site”). A nível doutrinário esta orientação colhe o aplauso de Albino Mendes Baptista (in “Jurisprudência de Trabalho Anotada”, 3ª ed., “Quid Juris”, pags. 268 e 269). 3.2.4. Caberá sublinhar, desde logo, que a controvérsia da questão — reflectida nas díspares soluções que sobre ela tem recaído — decorre da inexistência absoluta de qualquer norma legal que, directa ou indirectamente, a preveja e tutele. Essa omissão já vem do regime de pretérito L.C.T. — e mantém-se no regime actual — novo Código do Trabalho. Procuraremos reflectir sobre um e outro. No domínio da L.C.T., o trabalhador inconformado com a sanção disciplinar que lhe fosse aplicada pela entidade patronal — na execução do poder plasmado no art.º 26º daquele diploma — ficava seguramente sem saber de que prazo dispunha para a impugnar judicialmente. Essa lacuna era tanto mais evidente quanto é certo que ao tempo, a única disposição similar (art.º 164º do C.P.T. de 1983, correspondente ao art.º 170º do C.P.T. de 1999) era pacificamente entendida como reportada apenas à impugnação de sanções disciplinares em processo de contencioso das instituições da previdência abono de família e associações sindicais (aí se prevê um prazo de 15 dias a contar da notificação da decisão). Mais: até à publicação do novo Código do Trabalho, a própria possibilidade de impugnação judicial da sanção disciplinar carecia de previsão expressa. Neste âmbito, apenas se estatuía que o trabalhador pode “... reclamar para o escalão hierarquicamente superior na competência disciplinar àquele que aplicou a sanção, sempre que estejam instituídos na empresa comissões disciplinares de composição paritária e sem prejuízo de reclamação para a comissão corporativa, quando exista” (art.º 31º n.º4 da L.C.T.). Não obstante, vinha sendo consensualmente aceite, na doutrina e na jurisprudência, que a via reclamatória interna, prevista no transcrito preceito, não prejudicava a sindicabilidade das decisões disciplinares por via jurisdicional (cfr. Jorge Leite e Coutinho de Almeida in “Colectânea de Leis do Trabalho”, pág. 77, Mário Pinto, Furtado Martins e Nunes de Carvalho in “Comentário às Leis de trabalho”, pág. 132, Ac. Rel. Lisboa de 21/11/84 in “C.J., Tomo V, pág. 204” e Ac. do S.T.J. de 24/1/90 in “Ac. Doutrinais, 341º, págs. 701 e segs.). Entendia-se, nesse sentido, que o poder disciplinar do empregador se encontra sujeito a limitações legais, não só no que se refere ao tipo e medida das sanções (art.ºs 27º n.º 1 e 28º), quanto também à própria qualificação das condutas do trabalhador como infracções disciplinares (art.ºs 32º e segs.) e ainda ao critério de graduação das próprias sanções disciplinares (art.º 27º n.º 2 que, como os demais, pertence à L.C.T.). Compreende-se que assim seja pois, como salienta Alonso Olea, as limitações legais do poder disciplinar exigem a existência de uma instância exterior e superior ao empresário, perante a qual as sanções disciplinares possam ser revistas (in “Introdução ao Direito do Trabalho”, pag. 254). O novo Código do Trabalho trouxe novidades na matéria. Desde logo, nela se prevê já, de forma expressa, a admissibilidade da acção judicial para impugnar as sanções disciplinares. Com efeito, estabelece o seu art.º 371º que: “1- A sanção disciplinar não pode ser aplicada sem audiência prévia do trabalhador. 2- Sem prejuízo do correspondente direito de acção judicial, o trabalhador pode reclamar para o escalão hierarquicamente superior na competência disciplinar àquele que aplicou a sanção ou, sempre que existam, recorrer a mecanismos de composição de confeitos previstos em instrumento de regulação colectiva de trabalho ou na lei. 3- Iniciado o procedimento disciplinar, pode o empregador suspender o trabalhador, se a presença dele se mostrar inconveniente, mas não lhe é lícito suspender o pagamento da retribuição (sublinhado nosso). Do mesmo passo, também já queda expressamente regulado o prazo para intentar a acção de impugnação do despedimento. Assim, estabelece o art.º 435º, sob a epígrafe “Impugnação do despedimento”: “1- A ilicitude do despedimento só pode ser declarada pelo tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador. 2- A acção de impugnação teve de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento, excepto no caso despedimento colectivo em que a acção de impugnação teve de ser intentada no prazo de seis meses contados da data da cessação do contrato. 3- “...” (sublinhado nosso). Como se vê, este preceito veio definitivamente resolver a questão do prazo de impugnação da sanção disciplinar do despedimento que, no regime anterior, se considerava ser o prazo de um ano a contar da data da cessação do contrato individual de trabalho, previsto no art.º 38º da L.C.T.para a prescrição dos créditos laborais. Embora consagrando solução idêntica àquela que já era anteriormente acolhida, o Código actual teve um importante efeito clarificador: é que o despedimento pode ser inválido e, nessa hipótese, a data do despedimento proferido pela entidade patronal não coincide necessariamente com a data da cessação do contrato individual de trabalho (por isso se dizia, no âmbito da L.C.T., que a cessação contemplada no art.º 38º era a cessação da relação factual de trabalho, independentemente da validade do acto extintivo). Apesar das novidades trazidas pelo novo regime, a lei continua a ser completamente omissa no que concerne ao prazo de que o trabalhador dispõe para proceder à impugnação judicial de sanção disciplinar distinta do despedimento. 3.2.5. Mal se compreende essa continuada omissão, tanto quanto é certo que o complexo do ordenamento jurídico sentiu a necessidade de estabelecer, nos mais variados domínios, prazos concretos para o exercício de direitos. No plano do direito civil, essa necessidade corporiza-se nas regras gerais relativas no tempo daquele exercício e à sua repercussão ao nível das correspondentes relações jurídicas – art.ºs 296º e segs. do Código Civil. Concretiza-se também no direito criminal — que, à semelhança do direito disciplinar, se inscreve no plano do direito sancionatório — através dos institutos da prescrição do procedimento criminal (art.ºs 118º e segs. do Código Penal) e da prescrição das penas e medidas de segurança (art.ºs 122º e segs. do mesmo diploma). O próprio direito disciplinar laboral prevê a prescrição da infracção disciplinar — por entender que já não é razoável punir o infractor se tiver entretanto decorrido o prazo de um ano sobre a pretensa infracção — e a caducidade do procedimento disciplinar — se a entidade patronal não actuar disciplinarmente no prazo de 60 dias, entende-se que se conformou com a atitude indisciplinada do seu trabalhador. Deve dizer-se, por isso, que estamos perante uma óbvia lacuna jurídica, já que a lei não contém qualquer regra aplicável à situação vertente, quando é certo que deveria conter essa regulamentação, segundo a teleologia do sistema e a coerência que o deve reger (cfr. Baptista Machado in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 2ª reimp., págs. 192 e segs.). Ou dizer, como explica Karl Engish, que continua a existir, na matéria, uma falha de regulamentação jurídica para determinada situação de facto, sendo que essa falha — por ser de esperar tal regulamentação — postula e admite a sua remoção através de uma decisão jurídico--integradora (in “Introdução ao Pensamento Jurídico”, 6ª ed., pág. 276). Se essa remoção não for feita, estaremos necessariamente a admitir e a aceitar que a entidade empregadora fique indefinidamente na contingência de ver sindicada pelo tribunal e, eventualmente, anulada, qualquer decisão disciplinar que haja assumido. Caberá reconhecer que essa situação brigaria, de forma intolerável, com o regime previsto na lei vigente para o exercício dos mais variados direitos. Deste modo, propomo-nos assumir a referida decisão jurídico-integradora. 3.2.6. Para o efeito, importa reflectir sobre a especificidade da situação vertente e conferi-la, de seguida, com o regime legal atendível, emanado do art.º 10º do Código Civil. O Tribunal Constitucional — chamado a sindicar o já citado Acórdão do Supremo de 13/5/98 — pronunciou-se sobre a matéria em análise, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, decidindo maioritariamente “... não julgar inconstitucional a norma, que a decisão recorrida reportou ao artigo 38º n.º 1 do “Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho”, aprovado pelo D.L. n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, de acordo com a qual o prazo de impugnação judicial de decisão de sanção disciplinar de um dia de suspensão sem vencimento prescreve no prazo de um ano contado desde a data da comunicação da aplicação da sanção, mesmo que o contrato de trabalho não haja cessado”. A opção sufragada por este entendimento maioritário prende-se, essencialmente, com a existência de ponderosas razões de paz jurídica, a reclamar que não se protele excessivamente no tempo a resolução efectiva dos litígios associados à prática de uma infracção disciplinar e à aplicação da correspondente sanção por banda da entidade empregadora. Aliás, essas razões não foram indiferentes ao legislador que, motivado por elas, impôs apertados prazos à entidade empregadora no exercício do seu poder disciplinar: - o prazo de um ano para a prescrição da sanção disciplinar – art.º 27º; - o prazo (de caducidade) de 60 dias para o accionamento do procedimento disciplinar – art.º 31º n.º 1; - o prazo de 30 dias, após a conclusão da instrução, para a prolação da decisão punitiva (no processo disciplinar com vista ao despedimento) – art.º 10º n.º 8; - o prazo de 3 meses, subsequente a essa decisão, para a execução da sanção disciplinar – art.º 31º n.º 3 que, como os demais, pertence à L.C.T.. O estabelecimento de prazos curtos no âmbito do direito disciplinar laboral e, especificamente ao nível do processo disciplinar com vista ao despedimento, justifica-se plenamente se pensarmos na especial configuração do poder disciplinar nesta área, tendo sobretudo em conta as gravosas consequências que, para efeitos do contrato individual de trabalho, decorrem tanto do comportamento do trabalhador que pratica, uma infracção disciplinar, quanto da entidade patronal que a sanciona. Essas consequências aconselham vivamente que a entidade patronal seja célere e diligente na sua reacção disciplinar, por forma a impedir que o trabalhador fique indefinidamente à espera dessa eventual reacção e que uma sanção tardia se torne inadequada à sua finalidade preventiva. Como explica o Prof. Monteiro Fernandes, o poder disciplinar plasmado no art.º 26º n.º 1 da L.C.T. consiste na “... faculdade atribuída ao dador de trabalho de aplicar internamente sanções aos trabalhadores ao serviço, cuja conduta ponha em perigo a consistência da empresa ou se mostre inadequada à correcta efectivação do contrato” (in “Direito do Trabalho”, 12ª ed., pags. 256 e segs.). Com este poder que a lei lhe confere, o empregador dispõe de uma “singular” faculdade, (singular, porque se trata de relações entre particulares), qual seja a de reagir por via punitiva através de sanções reactivas, sempre que o trabalhador adopte uma conduta censurável e inadequada à correcta efectivação dos deveres contratuais, no âmbito da empresa e da permanência do contrato. A sanção disciplinar, com esta configuração, tem sobretudo um objectivo conservatório — o de manter o comportamento do trabalhador adequado ao interesse da empresa — e constitui uma reacção dirigida à pessoa do próprio trabalhador, tentando que ele proceda de harmonia com as regras da disciplina estabelecida, reintegrando-o no padrão de conduta visado. Sendo assim tão prementes as razões de paz jurídica nesta matéria, facilmente se compreende também que o prazo de impugnação da sanção disciplinar tenha de correr igualmente na vigência do contrato individual de trabalho. É que este contrato é de natureza “intuitus personae”: como a prestação do trabalhador se traduz, por definição, na sua própria actividade intelectual ou manual, as suas qualidades profissionais e pessoais são essenciais para a constituição e manutenção do vínculo, do mesmo passo que essa prestação se desenvolve num condicionalismo de subordinação jurídica a outrém, em cuja organização o trabalhador se integra. Nestas circunstâncias, a manutenção de um litígio latente — eventual indefinição quanto à persistência da sanção aplicada — não deixará de comportar gravosas consequências na estabilidade e desenvolvimento daquela especial relação. Por via disso, somos a concluir que o espírito do sistema jurídico — em geral e, particularmente no domínio laboral — reclama a necessidade de: - por um lado, estabelecer um prazo para a impugnação judicial das sanções disciplinares diversas do despedimento; - por outro, de fazer coincidir o “dies a quo” para a sua contagem com a data da comunicação da sanção, sendo de evitar a sua transferência para o momento incerto da cessação do contrato individual de trabalho. 3.2.7. É altura de conferir a previsão do art.º 10º do Código Civil: “1- Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos. 2- Há analogia sempre que no caso omisso procedem as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. 3- Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema”. Uma vez que ao caso dos autos é aplicável o regime anterior ao novo Código do Trabalho, a analogia prevista no preceito transcrito só poderá ser invocável no âmbito do ordenamento jurídico coevo da L.C.T.. Porém, não vemos que nos seja lícito socorrer de algum preceito análogo inserido nesse regime. Com o devido respeito, a referência que alguma jurisprudência tem vindo a fazer ao art.º 38º n.º 1 da L.C.T. — único que poderia ser eventualmente atendível — não passa, seguramente, pela sua aplicação analógica, pois nela se prevê expressamente que os créditos laborais prescrevem no prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho. A analogia só seria consentida relativamente à duração do prazo mas nunca quanto ao início da sua contagem: quanto a essa contagem, aquilo que a norma prevê é coisa diametralmente oposta ao que, para nós, o espírito do sistema aqui reclama. Afastada a analogia, o art.º 10º só consente, para a integração das lacunas a criação de norma que o próprio intérprete produziria se tivesse de legislar dentro do espírito do sistema. Já vimos que esse espírito exige a resolução rápida dos conflitos surgidos no âmbito do direito disciplinar laboral: é dizer que o contencioso daí resultante deve ser integralmente resolvido em período que não se distancie demasiado da prática infraccional invocada, abstraindo sempre do ciclo de vida da relação laboral. Resta proceder à fixação do prazo. Como a impugnação judicial de uma sanção disciplinar visa obter a sua anulabilidade, parece-nos adequado atender ao regime que a lei geral estipula para esse tipo de invalidade: o prazo de um ano, previsto no art.º 287º do Código Civil. De resto, é também esse prazo que o art.º 345º do actual Código de Trabalho veio expressamente fixar para uma das sanções disciplinares: a sanção específica do despedimento. Ainda que este preceito não seja analogicamente atendível no caso dos autos — como já referimos — é patente a similitude das situações, porque estamos no mesmo domínio do direito disciplinar laboral, e não devemos ignorar que o legislador acabou por consagrar agora, para o despedimento, uma solução que alguma doutrina e jurisprudência já vinha reclamando para a generalidade das sanções disciplinares. Tudo ponderado, entende-se fixar que as sanções disciplinares laborais, distintas do despedimento, devem ser impugnadas judicialmente no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação ao infractor. 3.2.8. Revertendo ao concreto dos autos — e na sequência do entendimento acabado de perfilhar — importa concluir, em consonância com a 1ª instância, que ao Autor está já vedado impugnar judicialmente a sanção disciplinar que lhe foi aplicada em 1993: suspensão de 3-três dias com perda de retribuição. Na verdade, tendo o Autor sido notificado da aplicação daquela sanção em 1/2/93 (art.º 24º da P.I. e docs. de fls. 52 a 56), dispunha de um ano para a impugnar contado dessa notificação, sendo que só veio ajuizar a presente acção em 15/6/01, ou seja, mais de seis anos depois. Todavia, a 1ª instância não se limitou a circunscrever à referenciada sanção o âmbito da afirmada caducidade, antes a alargou também “... aos eventuais direitos patrimoniais disso decorrentes”. Sendo de aceitar esse alargamento, sempre estará contudo bom de ver que ele só poderá cingir-se aos “direitos” afectados pela própria sanção: no caso, perda de vencimento durante três dias. Sucede que a 1ª instância não se quedou por aqui, antes considerou igualmente extintos os demais “direitos patrimoniais” reportados até Outubro de 2000, atendendo apenas aos que o Autor reclamou com data posterior. É aqui que reside a nossa discordância, à semelhança do que também se entendeu no douto voto de vencido do Acórdão censurado. Com efeito, esses invocados “direitos patrimoniais”, também eventualmente postergados pela Ré, em nada se confundem com qualquer sanção disciplinar “qua tale”, desde logo porque estas implicam a observância de todo o formalismo inerente ao “procedimento disciplinar”, em que avultam a audiência prévia e a faculdade de reclamação hierárquica. Pouco importa, neste particular, que o próprio Autor integre a violação desses “direito patrimoniais” na senda “punitiva” e “sancionatória” de que se acha ter sido vítima por banda da Ré, pois é certo que o julgador não se acha adstrito às alegações das partes, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – art.º 664º do Cod. Proc. Civil. Nessa medida o exercício de tais direitos não pode ficar sujeito ao regime impugnatório das “sanções disciplinares”. Relativamente a eles, aplica-se literalmente o comando do já citado art.º 38º n.º 1 da L.C.T., de onde decorre que o exercício desses direitos (consubstanciados na não concessão de aumentos e na alteração de funções) é tempestivo, certo que o Autor optou por reclamá-los durante a vigência do próprio contrato de trabalho. 3.2.9. Aqui chegados, restará dizer que a condensação factual não pode circunscrever-se à matéria vazada nos art.ºs 56º a 67º e 94º e segs. da P.I., como fez a 1ª instância, antes se impôs igualmente coligir toda a factualidade atinente à não concessão em 1993 e 1994, de aumentos laborais ao Autor, bem como a alteração que se operou nas respectivas funções. É dizer em suma, que subscrevemos o segmento decisório do Acórdão impugnado — ainda que com fundamento diverso — excepção feita à sanção disciplinar de 3 dias de suspensão com perda de retribuição. 3.3. A solução acabada de alcançar — ampliação da matéria de facto com anulação dos termos processuais ulteriores que com ela colidam — impede-nos de apreciar, por prejudicado o objecto da revista na parte atinente às questões que a 2ª instância também considerou prejudicadas e que aí integravam o 2º recurso de apelação. 4- Decisão Em face do exposto acordam: A- em conceder parcial provimento à revista, julgando extinto por caducidade, o direito à impugnação judicial da sanção disciplinar aplicada ao Autor em 1993 — suspensão de funções durante 3 (três) dias, com perda de vencimento — revogando-se, nessa parte, o Acórdão da 2ª instância; B- em confirmar, no mais, esse douto Acórdão, ainda que com fundamento diverso. Custas pela parte vencida a final.Lisboa, 29 de Novenbro de 2005 Sousa Grandão (Relator) Pinto Hespanhol Maria Laura Leonardo |