Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B294
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: DIONÍSIO CORREIA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS FUTUROS
INCAPACIDADE PARCIAL PERMANENTE
Nº do Documento: SJ200204040002947
Data do Acordão: 04/04/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 758/2001
Data: 09/21/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
A prova de ter resultado de acidente de viação incapacidade permanente para o lesado é suficiente para constituir o lesante na obrigação de indemnização por danos futuros, mesmo que não se prove uma diminuição da capacidade
actual de ganho.
N.S.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. A, propôs em 05.07.1999, com apoio judiciário, acção com processo sumário pedindo a condenação de "Companhia de Seguros B" no pagamento da quantia de 21565580 escudos e juros legais a contar da citação até integral pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, que discrimina, decorrentes de o motociclo ...-...-GD que conduzia, no sentido norte-sul, pela Rua Ribeiro Cambado, em Valongo, ter sido embatido, provocando a sua queda, pelo automóvel ligeiro de mercadorias OO-...-..., pertencente a C, seguro na R. e conduzido por D, por culpa deste que, provindo de um arruamento particular do lado direito, avançou para aquela Rua para circular no sentido sul-norte dando origem ao embate.
A R. defendeu-se deste modo: mal tomou conhecimento da forma por que ocorreu o acidente, nos termos narrados pelo A., prodigalizou assistência hospitalar ao lesado, em que despendeu 2190000 ecsudos, pagou-lhe 200000 escudos por conta dos salários perdidos; o lesado ficou curado sem qualquer desvalorização ou incapacidade para o trabalho, mas apenas com uma incapacidade genérica de 10%. Conclui pela improcedência da acção.

O tribunal de 1ª instância condenou a R. a pagar ao A. a quantia de 14366146 escudos - 760000 escudos de salários perdidos, 10606146 escudos de perda de ganho futuro e 3000000 escudos de danos não patrimoniais - e juros desde a citação até integral pagamento.

A Relação em acórdão de 24.09.2001 julgou improcedente o recurso de apelação da R., confirmando a sentença.

Inconformada a R. pede revista em que, invocando a violação do disposto nos art.º s 494º, 496º e 562º a 566º do CC, pretende a revogação do acórdão e fixação da indemnização global em 5260000 escudos, com estes fundamentos:
- A incapacidade permanente parcial (IPP) se afectasse a capacidade laboral do A., dado salário e a idade deste, implicaria indemnização de apenas 5500000 escudos; como não a afectou, constitui dano não patrimonial a indemnizar com a quantia de 3000000 escudos;
- A indemnização de 3000000 escudos atribuída pelas instâncias a título de danos não patrimoniais deve ser reduzida para 1500000 escudos, acrescendo à anterior (por IPP) e à de 760000 escudos, devida por perda de salários, fixada nas instâncias.
O A. sustenta a confirmação do julgado.

2. Remete-se para a matéria de facto fixada pelas instâncias - art.º s 726º e 713º, nº 5 do CPC.
Como não vem posto em causa que a colisão acontecida no dia 15.07.1996, entre o veiculo ligeiro de mercadorias seguro na R. e o motociclo conduzido pelo autor, ocorreu a culpa exclusiva do primeiro, importa reter, com relevo para a apreciação do recurso a seguinte:
- Em consequência da colisão o A. sofreu fractura da diáfise da tíbia esquerda.
- Deu entrada no serviço de urgência do Hospital de S. João do Porto, tendo-lhe sido imobilizado o pé com tala de gesso; no dia seguinte, foi transferido para o Hospital de Valongo, por ser o da sua área, onde ficou internado no serviço de ortopedia, durante dois dias, com dores, tendo sido medicado.
- Em 17 de Julho, após controlo radiográfico foi enviado para o domicílio para aí convalescer e orientado para a consulta externa de ortopedia.
- Em 30 de Julho, aquela unidade hospitalar, após novo controlo radiográfico decidiu proceder a intervenção cirúrgica com vista a corrigir um desvio da fractura posterior à alta, o que ocorreu em l de Agosto tendo, nessa ocasião, feito encavilhamento da tíbia esquerda.
- Por força dessa nova intervenção esteve internado naquela unidade, nove dias consecutivos tendo, obtido alta. em 8 de Agosto.
- Decorridos cerca de dois meses foi-lhe retirado o gesso e iniciou tratamentos de fisioterapia na "Clínica das Antas", já por ordens da ré.
- Sucede que em 29/01/1997 foi novamente internado desta feita no Hospital de Santa Maria no Porto, por apresentar pseudo-artrose da tíbia esquerda (defeito de consolidação da fractura) e submetido a nova intervenção cirúrgica, com encavilhamento da tíbia com vareta AO bloqueada.
- Teve alta dessa unidade hospitalar em 04/02/1997.
- Voltou a deslocar-se à Clínica das Antas, com vista a frequentar sessões de fisioterapia.
- Voltou a ser reinternado no Hospital de Santa-Maria em 18/06/1997 para extracção do material de síntese da tíbia esquerda tendo obtido alta em 21/06/1997.
- De 15 de Julho de 1996 até 9 de Julho de 1997, o autor esteve totalmente incapacitado para o trabalho.

- À data do acidente trabalhava sob as ordens e autoridade da firma "...", como empregado de balcão, auferindo a remuneração mensal líquida de 60000 escudos, com direito a férias e subsídio de férias e de Natal.
- Em virtude do acidente, esteve totalmente incapacitado para o trabalho durante 12 meses, durante os quais deixou de auferir a retribuição mensal correspondente ao trabalho que prestava para a sua entidade patronal
- Além disso não recebeu os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, relativos ao tempo em que esteve totalmente impossibilitado de trabalhar.
- Ficou também impedido do gozo de férias vencidas em 01/01/1996, que no seguimento de acordo com a sua entidade patronal estava previsto ocorrer durante o mês de Agosto.

- Actualmente o autor, a nível ortopédico, apresenta como sequelas definitivas do acidente:
a) Instabilidade articular do joelho;
b) Limitação da mobilidade articular do joelho esquerdo;
c) Limitação da mobilidade do joelho;
d) Limitação da mobilidade da perna.
- Em consequência das lesões sofridas, ficou com uma incapacidade permanente de 20%.
- As lesões com que ficou na perna e no joelho impedem-no, nomeadamente de praticar futebol, ginástica e kick-boxing.
- Em virtude dessas mesmas lesões foi considerado incapaz para o serviço militar.
- Custa-lhe subir e descer escadas, assim como caminhar em terrenos irregulares.
- O joelho esquerdo perdeu flexibilidade e mobilidade e apresenta uma grande instabilidade muscular.
- Em virtude das lesões sofridas, também não consegue conduzir um veiculo automóvel mais do que uma hora seguida.
- O acidente provocou no autor problemas psíquicos.
- O momento do acidente foi angustiante.
- Sentiu dores fortes no momento do acidente bem como após o mesmo, nos períodos pós-operatórios e durante os tratamentos.
- Esteve internado longe de casa, dos familiares e amigos.
- Andou, a seguir ao sinistro, em hospitais, numa clínica, de ambulância e foi obrigado a fazer algumas deslocações ao Porto (Hospital de Santa Maria e Clínica das Antas), para consultas, tratamentos, internamentos, operações e fisioterapia.
- Deslocações essas que o incomodavam face ao seu estado de incapacidade.
- Era um jovem cheio de saúde, vigoroso, sem qualquer incapacidade, atlético e desportista, cheio de alegria de viver e trabalhador .
- Era um assíduo praticante de futebol, ginástica e kick-boxing e um amante de sol e praia.
- Sente-se deprimido, incapacitado, traumatizado e complexado, em consequência do acidente.

- Toda esta situação causa desgosto ao autor e afecta-o psíquica e fisicamente .
- Sente complexos pelo defeito físico causado pelas lesões sofridas, já que mantém cicatrizes na perna, causando-lhe desgosto saber que as possui e ter que as exibir.
- O autor nasceu no dia 23/10/1979.
- A ré pagou ao A., por conta de salários perdidos, a quantia de 200000 escudos.

3. Enunciadas as questões a decidir, passa-se à sua apreciação.
1ª - Indemnização por prejuízo patrimonial futuro por incapacidade permanente parcial.
Sustenta a recorrente que a indemnização por IPP, se a ela houvesse lugar, seria do montante de 5500000 escudos, dado o salário, o grau de incapacidade e a idade do A. Contudo não tem justificação essa indemnização por se não ter provado que a IPP de que o A. ficou afectado constitua incapacidade laboral e muito menos que tenha diminuído ou venha a diminuir o seu salário.
Vem sendo orientação deste Supremo que a prova de ter resultado do acidente incapacidade permanente para o lesado é suficiente para constituir o lesante na obrigação de indemnização por danos futuros. Aquela incapacidade implica por si a atribuição do direito à indemnização por danos patrimoniais, mesmo que se não prove uma diminuição da capacidade actual de ganho do autor - cfr. Ac. de 05/02/87,BMJ 364º, 819, 11.02.1999, 484º, 352, entre outros.
O que se compreende pois o A. com a aptidão anterior ao acidente teria, naturalmente, possibilidades de obter maiores proventos na mesma ou em outra profissão, tratando-se de um jovem então com 17 anos. Ainda que no imediato não haja diminuição de ganho, isso é conseguido à custa de maior esforço e sacrifício pessoal para obter o resultado normal do trabalho anterior.
A incapacidade de 20% - salienta a Relação - foi fixada ao abrigo da Tabela Nacional de Incapacidades (fls.106 e segs.). Em concreto traduz-se em sequelas funcionais ao nível do joelho esquerdo, com manifestações de instabilidade e limitação da mobilidade articular e limitação da mobilidade do próprio joelho e da perna.
A indemnização deve reconstituir a situação que existiria se não fora a lesão -art.º 562º do CC; quando tenha de ser fixada em dinheiro tem por medida a diferença entre a situação actual e a situação que se verificaria se não fora a lesão- nº 2 do art.º 566º do mesmo diploma. Se não puder ser averiguado o valor exacto do dano o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados..
A uma perda de 20% de ganho, atendendo ao salário líquido do A., à sua idade de 17 anos e ao tempo de vida activa de 48 anos e a uma taxa de 3% - a TANL (taxa anual líquida) dos depósitos a prazo é de cerca de 3% e a dos certificados de aforro de 2,5 % -, de acordo com as tabelas financeiras usadas para determinar o capital financeiro necessário à formação de uma renda periódica correspondente à perda de ganho, corresponderia o montante de 4244807 escudos (14 x 60000 escudos x 20% x 25,26671). Este montante fica bem longe do de 10606146 escudos fixado nas instâncias.
Tendo em conta que o lesado recebe de uma vez esse montante, e por outro lado os salários se não manteriam inalterados no futuro, afigura-se-nos adequado, dado não poder ser calculado com exactidão o valor exacto do dano corporal do lesado com reflexos na sua capacidade geral de ganho futuro, fixar a indemnização a esse título em 4000000 escudos.

2ª A indemnização por dano não patrimonial.
Segundo o disposto no art.º 496º, nº 3, conjugado com o art.º 494º, ambos do CC, na fixação da indemnização ou compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à natureza e intensidade do dano causado ao lesado, ao grau de culpa do lesante, à situação económica do lesante e do lesado.
Ora tendo em conta a natureza das lesões produzidas, sofrimentos e tempo de internamento, deslocações, dores, problemas psíquicos e os prazeres de que fica privado, o montante de seguro, contrapartida do pagamento de prémios pelo segurado, entende-se adequada a quantia de 1500000 escudos como idónea para compensar o lesado.

Decisão:
- Concede-se parcialmente a revista e, em consequência, revogando-se em parte a decisão recorrida fixa-se a indemnização por dano patrimonial futuro em 4000000 escudos e por dano não patrimonial em 1500000 escudos, quantias que acrescem à de 760000 escudos de perda de salários.
- Custas neste Supremo a meias e nas instâncias na proporção do vencimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao A.

Lisboa, 4 de Abril de 2002
Dionísio Correia,
Araújo de Barros,
Oliveira Barros.