Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO A.GONÇALVES | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA REEXAME DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA PRISÃO ILEGAL TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES | ||
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Data do Acordão: | 10/23/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | INDEFERIDO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / REVOGAÇÃO, ALTERAÇÃO E EXTINÇÃO DAS MEDIDAS. | ||
Doutrina: | - Eduardo Maia Costa, Habeas corpus: passado, presente, futuro, Revista Julgar, n.º 29, 2016, p. 223 ; Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça 2016. Almedina -2ª edição revista, p. 854; - J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4.ª ed., 2007, p. 480 e 510; - Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada I, 2010, p. 346; - Jorge Miranda, O constitucionalismo liberal luso-brasileiro, Lisboa, 2001, p. 51/52; - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.º ed., p. 638. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 213.º, N.º 1 E 215.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 27.º, N.ºS 1 E 3. LEGISLAÇÃO DE COMBATE À DROGA, APROVADA PELO DL N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGO 21.º. | ||
Legislação Comunitária: | CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA: - ARTIGO 6.º. | ||
Referências Internacionais: | PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS: - ARTIGO 9.º. CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGO 5.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 18-07-2014, PROCESSO N.º 211/12.6GAMDB-A.S1. IN WWW.DGSI.PT; - DE 11-02-2016, PROCESSO N.º 741/12.0TXPRT-F, IN WWW.DGSI.PT; - DE 20-09-2017, PROCESSO N.º 82/17.6YFLSB; - DE 20-09-2017, PROCESSO N.º 33/17.8ZFLSB-B.S1; - DE 11-10-2017, PROCESSO N.º 85/17.0YFLSB; - DE 10-08-2018, PROCESSO N.º 398/17.1PASXL-B.S1, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - ACÓRDÃO N.º 280/2008, IN DR N.º 141/2008, SÉRIE II DE 23-07-2008. | ||
Jurisprudência Internacional: | TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DE ESPANHA: - SENTENÇA 21/2018 DE 05-03-2018, RECURSO DE AMPARO N.º 3766-2016, IN BOE (BOLETIM OFICIAL DO ESTADO), N.º 90 DE 12-04-2018. -*- TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS (TEDH): - IRLANDA V. REINO UNIDO, 18 DE JANEIRO DE 1978, § 194, SÉRIE A N.º. 25, E A. E OTHERS V. O REINO UNIDO, CITADO ACIMA, §§ 162 E 163; - GRAND CHAMBER, CASE OF AL-JEDDA V. THE UNITED KINGDOM, (APPLICATION NO. 27021/08). JUDGMENT, IN 7 JULY 2011. | ||
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Sumário : | I. A drástica restrição ao direito fundamental à liberdade ambulatória que encerra, não permite que a prisão preventiva seja aplicada se não se revelar a única adequada a acautelar o normal desenvolvimento do procedimento (a finalidade primordial desta e de qualquer outra medida coativa) ou a obstar a que o arguido se exima à execução da fortemente previsível condenação. II. Só pode manter-se enquanto for justificada pelas exigências cautelares que a determinaram e não pode, em qualquer caso, exceder o tempo fixado na lei –art. 27º n.º 3 da Constituição da República. III. O termo final de cada prazo legalmente consignado à prisão preventiva é marcado pela prática de atos processuais determinados e não pela sua comunicação aos sujeitos processuais. IV. O decurso do respetivo prazo máximo da prisão preventiva extingue esta medida coativa, impondo a libertação do arguido à ordem do processo em que foi determinada. V. Para encurtar a privação preventiva da liberdade ao mínimo requerido pelas finalidades do procedimento penal, impõe-se controlar periodicamente se subsistem ou se, ao invés, se atenuaram ou cessaram as exigências cautelares que determinaram a sua aplicação. VI. A jurisprudência deste Supremo distingue os prazos da prisão preventiva, dos prazos de reexame dos pressupostos desta medida coativa, sustentado que “o prazo do n.º 1 do art. 213.º do CPP não é um prazo de prisão preventiva, mas de reexame dos seus pressupostos, pelo que a sua inobservância não implica ilegalidade da medida de coação por excesso de prazo”. VII. O habeas corpus visa proteger é o direito fundamental à liberdade pessoal, permitindo reagir imediata e expeditamente “contra o abuso de poder, por virtude de detenção ou prisão ilegal”. VIII. O habeas corpus contra a prisão ilegal é uma providência urgente que visa colocar perante o Supremo Tribunal de Justiça a questão da ilegalidade da prisão em que o requerente se encontra nesse momento ou do grave abuso com que foi imposta. IX. Na arquitetura traçada pela Constituição da República e na conformação normativa do CPP, a providência em apreço pressupõe a efetividade e atualidade da prisão ilegal. X. A prisão preventiva do arguido à ordem destes autos foi ordenada pela autoridade judiciária competente (JIC); por factos pelos quais a lei a permite (crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º do DL 15/93, de 22-01); foram tempestivamente reexaminados os respetivos pressupostos e então decidida a sua continuidade; e, manteve-se e mantém-se dentro dos prazos máximo de duração dessa medida coativa na fase em que o processo ora se encontra (1 ano e 6 meses, contado desde a data em que foi decretada até que venha a ser proferida condenação em 1ª instância). | ||
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Decisão Texto Integral: | O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, acorda: I. RELATÓRIO: AA, de 39 anos, com os demais elementos de identificação constantes dos autos, arguido no processo comum coletivo supra referenciado, apresentou a vertente providência de habeas corpus, invocando o disposto no artigo 222º, n.º 2 alínea c) do Código do Processo Penal, com fundamento em prisão ilegal 1. a petição: Motiva a pretensão aduzindo os fundamentos seguintes: 1. O Arguido, ora Requerente foi detido por haver suspeitas da prática em co-autoria, de crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art.º 21 n.º 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro; 2. O Arguido, encontra-se preso preventivamente desde 16 de Janeiro de 2019r - cfr despacho proferido em sede de primeiro interrogatório judicial de fls..; 3. O art.º 213 do CPP impõe que trimestralmente se proceda a uma apreciação das condições de fato e de direito que determinam a aplicação da prisão preventiva, de modo a verificar se existe ou não qualquer alteração das circunstâncias que estiveram na base da decisão de sujeição do arguido a essa medida de coação e, visa decidir se se justifica a sua manutenção ou se, pelo contrário, deve ser decretada a sua substituição ou cessação; 4. Tendo sido claramente ultrapassado esse prazo no caso em apreço, após a aplicação da medida de coação prisão preventiva ao arguido, atendendo a que já decorreram mais de 5h após ter sido decretada a sua prisão; 5. Além de que a aplicação da medida de coação prisão preventiva é uma medida de caráter excecional e, como excecional que é, não pode ser aplicada a situações comuns, mas apenas aquelas que ocorram circunstâncias extraordinárias; 6. E não é essa a situação; 7. Pelo que, o prazo de revisão da medida de coação prisão preventiva excedeu-se por ter sido ultrapassado o seu prazo pelo supra exposto; 8. Não obstante, ainda não foi dada ordem de libertação ao Requerente, conforme impõem o n.º 1 do art.º 217 do C.P.P.. Por todo o exposto, O REQUERENTE ENCONTRA-SE ILEGALMENTE PRESO nos termos do art.° 222 n.º 2 c) do C.P.P., EM CLARA VIOLAÇÃO DO DISPOSTO no art.° 27 e art.º 28 n.º 4 da C.R.P. e do art.º 215 e art.º 217 do C.P.P.. Conclui peticionando que seja DECLARADA ILEGAL A PRISÃO PREVENTIVA E, EM CONSEQUÊNCIA, que se ordene A SUA IMEDIATA LIBERTAÇÃO, nos termos do art.º 31 n.º 3 da C.R.P. e dos ART.° 222 n.° 1 e n.º 2 c) e art.° 223 n.° 4 D) do C.P.P.. * 2. informação judicial: A Sr.ª Juíza no Tribunal Judicial da comarca de Lisboa Norte, Juízo Central Criminal de … – Juiz …, onde o processo corre termos, elaborou informação, ao abrigo do disposto no artigo 223.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, sobre as condições em que foi determinada e se mantem a prisão preventiva do requerente, esclarecendo: - informação a que alude o n.° 1 do art. 223° do C.P.P: O arguido AA foi detido no dia 14 de Janeiro de 2019, pelas 19h53m (auto de notícia por detenção, de fls. 4252 e segs. do processo principal). Presente a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, no dia 16 de Janeiro de 2019, pelas 12h10m, por indícios da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21°, n.° 1 da Lei n.° 15/93, de 22-01, na mesma data foi aplicada ao arguido a medida de coação de prisão preventiva (auto de primeiro interrogatório de arguido detido, efetuado nos termos do art. 141° do C.P.P., de fls. 4317 a 4327 dos autos principais). A medida de coação de prisão preventiva aplicada foi mantida por despachos proferidos dentro dos prazos a que aludem as als. a) e b) do n.° 1 do art. 213° do C.P.P., respetivamente: - 09 de Abril de 2019 (fls. 4567 a 4569 dos autos principais); - 24 de Abril de 2019, na sequência de requerimento formulado pelo arguido (fls. 4620 a 4621 dos autos principais); - 05 de Julho de 2019 (fls. 4859 dos autos principais); - 17 de Julho de 2019 (fls. 5015 a 5018), na sequência da dedução de acusação a fls. 4949 a 4991 do processo principal, imputando ao arguido a prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21°, n.° 1 do DL n.° 15/93, de 22-01, com referência às Tabelas I-B- e I-C- anexas ao diploma mencionado; e, - 08 de Outubro de 2019, no âmbito do despacho de recebimento da acusação (fls. 5085 a 5086 dos autos principais), do qual foram expedidas as respetivas notificações em 17 de Outubro de 2019 (fls. 5088-5089 e 5099 dos aludidos autos). Tendo em conta o supra exposto, não se mostram ultrapassados os prazos de reexame dos pressupostos de aplicação da medida de coação de prisão preventiva, entendendo-se não assistir razão ao arguido. Refira-se todavia, em abstrato e por mera hipótese de raciocínio que, ainda que tal tivesse ocorrido, conforme jurisprudência constante do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, mencionando por todos, os Acórdãos de 18-10-2007, 05-01-2005, e 29-10-2003, a falta de reexame dos pressupostos da medida de coação de prisão preventiva no prazo a que alude o art. 213° do C.P.P., não é qualificada como causa da sua extinção, não constituindo uma nulidade, mas sim uma mera irregularidade processual, sanável oficiosamente ou a requerimento. * Convocada a Secção Criminal, notificado o Ministério Público e o Defensora do requerente, procedeu-se à audiência, de harmonia com as formalidades legais, após o que o Tribunal reuniu e deliberou como segue (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP): II. FUNDAMENTAÇÃO: a) os factos:
1. No âmbito da investigação criminal a que se procedeu nos autos, na fase de inquérito, e na sequência do cumprimento de mandados de busca emitidos pela Juíza no Juízo local criminal de … –Juiz …, a Polícia de Segurança Pública deteve o requerente pelas 19,53 horas de 14 de janeiro de 2019, tendo encontrada em seu poder e apreendido, entre outras coisas, 243 gramas de cocaína, três balanças digitais e saquetas e recortes de plásticos próprios para embalamento. 2. Apresentado detido à Juíza de Instrução, procedeu esta ao primeiro interrogatório judicial do arguido, que decorreu entre as 12,10 e as 14,20 horas de 16 de janeiro de 2018. 3. Diligência na qual o arguido se remeteu ao silêncio sobre os factos imputados. 4. Em despacho ditado para o auto, a Juíza de Instrução, em face dos elementos de prova apresentados no processo, conclui existirem fortes indícios de o arguido ter cometido um crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, punido com a pena de 4 a 12 anos de prisão. 5. Acolhendo a promoção do Ministério Público, concluiu concorrerem no caso alarme social, perigo de continuação da atividade criminosa e perigo de perturbação do decurso do inquérito. 6. Conclui também serem insuficientes para conter estes perigos outras medidas coativas incluindo as propostas pela Defensora do arguido, e também a obrigação de permanência na habitação. 7. Em consonância, concluindo ser a única medida adequada e suficiente e ainda proporcional à gravidade do crime indiciariamente cometido, aplicou ao arguido a medida de coação de prisão preventiva. 8. Em execução dessa decisão judicial foi o arguido conduzido ao Estabelecimento Prisional onde atualmente se encontra. 9. Continuando a investigação criminal dos factos e do crime imputado ao requerente, a Juíza de Instrução, mediante promoção de Ministério Público, em 9 de abril de 2015, procedeu ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva do arguido. 10. Julgando manterem-se as exigências cautelares que tinham determinado a sua aplicação, por despacho da mesma data, determinou que o arguido continuasse a aguardar os ulteriores termos do inquérito sujeito àquela mesma medida coativa. 11. Por requerimento que consta dos autos a fls. 4583/4593, o arguido requereu a substituição da prisão preventiva pela medida coativa de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica. 12. Pretensão que a Juíza de Instrução indeferiu, por despacho proferido em 24 de abril de 2019, por ter concluído que não sobrevieram factos que alterassem as exigências cautelares, determinando que o arguido continuasse em prisão preventiva. 13. Por despacho de 5 de julho de 2019, a Juíza de Instrução, reexaminando o estatuto coativo do arguido, concluindo manterem-se os pressupostos de facto e de direito que tinham determinado a sua adoção, determinou que o arguido continuasse a aguardar os termos do processo em prisão preventiva. 14. O Ministério Público deduziu acusação em 12 de julho de 2019, imputando ao arguido a prática dos factos aí narrados e a prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º n.º 1 do DL 15/93 de 22 de janeiro, com referência às Tabelas anexas I-A e I-B. 15. Promoveu que o arguido AA ora requerente, aguardasse os ulteriores termos do processo na situação coativa em que se encontrava. 16. Determinou que o processo fosse presente à Juíza de Instrução para reexame dos pressupostos da medida coativa em execução. 17. Em face da acusação, a Juíza de Instrução, por despacho de 17 de julho de 2019, concluindo que não só não se tinham alterado como até se reforçavam os pressupostos de facto e de direito em que se fundava o estatuto coativo, decidiu que o arguido AA, ora requerente, continuasse a aguardar os ulteriores termos processais em prisão preventiva. 18. Transitando o processo para a fase de julgamento, foi presente ao Juiz titular nos termos e para os efeitos dos arts. 311º e 312º do CPP. 19. O Juiz, por despacho de 8 de outubro de 2019 recebeu a acusação deduzida pelo Ministério Público, pelos factos e na qualificação jurídica dela constante, logo agendando as datas para a audiência de julgamento (10, 17 e 24 de março de 2020). 20. Apreciando a promoção do Ministério Público, o Juiz, concluindo manterem-se os pressupostos de facto e de direito que tinham determinado o estatuto coativo do arguido AA, decidiu que continuasse a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de prisão preventiva. 21. A Defensora do arguido foi notificada do despacho mencionado em 19 e 20, por comunicação expedida em 17 de outubro de 2019.
b) o Direito:
1. direito fundamental à liberdade pessoal: O direito à liberdade pessoal – liberdade ambulatória- é um direito fundamental da pessoa, proclamado em instrumentos legislativos internacionais e na generalidade dos regimes jurídicos dos países civilizados. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, “considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça …”, no artigo III (3º) proclama a validade universal do direito à liberdade individual. Proclama no artigo IX (9º) que ninguém pode ser arbitrariamente detido ou preso. No artigo XXIX (29º) admite que o direito à liberdade individual sofra as “limitações determinadas pela lei” visando assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da ordem pública. O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no artigo 9.º consagra; “todo o indivíduo tem direito à liberdade” pessoal. Proibindo a detenção ou prisão arbitrárias, estabelece que “ninguém poderá ser privado da sua liberdade, excepto pelos motivos fixados por lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos”. Estabelece também: “toda a pessoa que seja privada de liberdade em virtude de detenção ou prisão tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, com a brevidade possível, sobre a legalidade da sua prisão e ordene a sua liberdade, se a prisão for ilegal”. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem/CEDH (Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais), no art. 5º reconhece que “toda a pessoa tem direito à liberdade”. Ninguém podendo ser privado da liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente, de acordo com o procedimento legal. Reconhece que a pessoa privada da liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH/) “enfatiza desde logo que o artigo 5 consagra um direito humano fundamental, a saber, a proteção do indivíduo contra a interferência arbitrária do Estado no seu direito à liberdade. O texto do artigo 5º deixa claro que as garantias nele contidas se aplicam a “todos”. As alíneas (a) a (f) do Artigo 5 §1 contêm uma lista exaustiva de razões permissíveis sobre as quais as pessoas podem ser privadas de sua liberdade. Nenhuma privação de liberdade será compatível com o artigo 5.º, n.º 1, a menos que seja abrangida por um desses motivos ou que esteja prevista por uma derrogação legal nos termos do artigo 15.º da Convenção, (ver, inter alia, Irlanda v. Reino Unido, 18 de janeiro de 1978, § 194, série A n.º. 25, e A. e Others v. O Reino Unido, citado acima, §§ 162 e 163)[1]. Interpreta: “no que diz respeito à «“legalidade” da detenção, a Convenção refere-se essencialmente à legislação nacional e estabelece a obrigação de observar as suas normas substantivas e processuais. Este termo exige, em primeiro lugar, que qualquer prisão ou detenção tenha uma base legal no direito interno”. E que “a "regularidade" exigida pela Convenção pressupõe o respeito não só do direito interno, mas também - o artigo 18.º confirma - da finalidade da privação de liberdade autorizada pelo artigo 5.º, n.º 1, alínea a). (Bozano v. França , em 18 de dezembro de 1986, § 54, Série A n º 111, e Semanas v. Reino Unido, 2 de Março de 1987 § 42, Série A n º 114). No entanto, a preposição "depois" não implica, neste contexto, uma simples sequência cronológica de sucessão entre "condenação" e "detenção": a segunda também deve resultar da primeira, ocorrer "a seguir e como resultado "- ou" em virtude "-" desta ". Em suma, deve haver uma ligação causal suficiente entre elas (Van Droogenbroeck, citado acima, §§ 35 e 39, e Weeks , citado acima, § 42) [2]. Por sua vez a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reconhece, no art. 6º, o direito à liberdade pessoal. Não consagrando o habeas corpus, no art. 47º reconhece o direito de ação judicial contra a violação de direitos ou liberdades garantidas pelo direito da União. Todavia, assinala E. Maia Costa, os textos internacionais relativos aos direitos humanos preveem genericamente um recurso para os tribunais com carácter urgente contra a privação da liberdade ilegal, mas tal garantia não se confunde com o habeas corpus[3]. A Constituição da República, no artigo 27º n.º 1, reconhece e garante do direito à liberdade individual, à liberdade física, à liberdade de movimentos. O direito a não ser detido, preso ou total ou parcialmente privado da liberdade não é um direito absoluto. À semelhança da CEDH, a Constituição da República, no art. 27º n.º 2, admite expressamente que o direito à liberdade pessoal possa sofrer restrições. Entre estas sobressai, desde logo (n.º 2), a privação da liberdade decretada em sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão. No caso da prisão as restrições à liberdade “só podem decorrer de sanção penal”[4]. Sobressia também “a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar” (n.º 3), nos casos de (b) “prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos”. Das providências cautelares de natureza pessoal processualmente previstas, a prisão preventiva é a medida coativa mais restritiva da liberdade individual. Exige a concorrência em cada caso dos requisitos comuns às demais medidas de coação – sejam positivos (art. 191º n.º 1, 192º n.º 1, 193º n.ºs 1 e 2, 204º), sejam negativos (art. 192º n.º 6) -, e dos pressupostos específicos - positivos (art. 202º) e negativos (art. 193º n.º 3 e 194º n.º 3, todas as normas citadas do CPP). Ademais da reserva de lei, está também submetida à reserva de juiz (só pode ser aplicada em decisão judicial). A drástica restrição ao direito fundamental à liberdade ambulatória que encerra, não permite que seja aplicada se não se revelar a única adequada a acautelar o normal desenvolvimento do procedimento (a finalidade primordial desta e de qualquer outra medida coativa) ou a obstar a que o arguido se exima à execução da fortemente previsível condenação.
2. a providência da habeas corpus: A Constituição da República, em linha com CEDH, também de certo modo, na sequência das duas Constituições que a precedem (a de 1911 e a de 1933), aderindo à tradição anglo-saxónica[5], consagra no art. 31º, o habeas corpus como garantia extraordinária, expedita e privilegiada contra a prisão (e a detenção) arbitrária ou ilegal[6]. A privação do direito à liberdade por meio da prisão só não configura abuso de poder e, consequentemente, será legal se se contiver nos estritos parâmetros do art. 27º n.ºs 2 e 3 da Constituição. A prisão é ilegal quando não tenha sido decretada pelo tribunal competente em decisão judicial (fundamentada) que aplica medida de coação verificados os respetivos pressupostos ou em sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou com a aplicação de medida de segurança; tiver sido ordenada por autoridade incompetente; tiver sido efetuada por forma irregular; ultrapassar a duração da medida de coação aplicada ou da pena concretamente fixada pelo tribunal; ocorra em locais ou estabelecimentos que não sejam os oficialmente destinados à sua execução; não respeite o regime jurídico da execução das medidas de coação ou as penas ou medidas de segurança privativas da liberdade. “Não é qualquer abuso de poder que justifica habeas corpus”. A providência de habeas corpus exige a verificação “cumulativa de dois requisitos: o abuso de poder; a existência de prisão ou detenção ilegal”. O “abuso de poder exterioriza-se nomeadamente na existência de medidas ilegais de prisão e detenção decididas em condições especialmente arbitrária ou gravosas”[7]. Entre nós, é na Constituição Republica de 1911[8] que pela primeira vez surge consagrado o habeas corpus –no título II (Dos Direitos e Garantias Individuais), art. 3º n.º 31[9] –, por influência da Constituição brasileira de 1891[10], (transcrevendo o § 22º do artigo 72º[11]) que, por sua vez, se inspirou na constituição norte-americana[12] (se bem que o Código de Processo Penal do Brasil de 1832, já previa esta providência (artigo 340º)[13]. A Constituição de 1933 reafirmou o habeas corpus como providência excecional contra o abuso de poder, remetendo a sua regulamentação para lei especial[14] (remissão eliminada na revisão de 1971[15]). Observando a imposição constitucional, o Decreto-Lei nº 35.043, de 20 de Outubro de 1945[16], estabeleceu o regime jurídico do habeas corpus. Da exposição de motivos, pela consistência das justificações e da finalidade da providência transcreve-se: “(…) consiste na intervenção do poder judicial para fazer cessar as ofensas do direito de liberdade pelos abusos da autoridade. Providência de carácter extraordinário, só encontra oportunidade de aplicação, (…) quando o jogo normal dos meios legais ordinários deixa de poder garantir eficazmente a liberdade dos cidadãos. O habeas corpus não é um meio de reparação dos direitos individuais ofendidos (…). É antes um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade. (…) De outro modo tratar-se-ia de simples duplicação dos meios legais de recurso”. Instituiu-se o habeas corpus liberatório em duas modalidades, um contra a detenção abusiva e outro, diferenciado, para a prisão ilegal. Segundo Adriano Moreira “o habeas corpus não tem nenhuma característica substancial, mas é apenas como que, entre os vários processos normais de tutela da liberdade, um processo de reserva para os casos em que não existe esse processo normal, ou de facto o indivíduo está impossibilitado de a ele recorrer”. “O habeas corpus, na sua função normal, não é pois mais do que – um processo destinado a restituir a pessoa, ilegalmente privada da sua liberdade física pela autoridade, à tutela do processo comum”[17]. No entendimento de M. Cavaleiro de Ferreira, “diz-se providência extraordinária, porque os trâmites processuais e o mecanismo normal do funcionamento da administração devem, por si, ser salvaguarda suficiente para evitar a contingência de prisões ilegais[18]”. Regime que, mantendo a conceção e a arquitetura[19], transitou para o Código de Processo Penal de 1929 – artigos 312º a 324º. E transitou também para a atual Constituição da República, estabelecendo-se o prazo de 8 dias para a decisão da providência. Na alteração do CPP de 1929, - que se seguiu à proclamação da Constituição de 1976 -, operada pelo Decreto-Lei n.º 320/76 de 4 de maio, estatuiu-se que o esgotamento do prazo sem decisão, determinava a imediatamente restituição do detido ou preso à liberdade[20]. E, ainda que simplificado (concentrado em dois artigos substantivos, e outros dois procedimentais), o regime passou para o vigente Código de Processo Penal (de 1987), e que, na parte substantiva referente à prisão ilegal (art. 222º) não sofreu qualquer alteração. O habeas corpus é, pois, uma garantia (“direito-garantia”), não um direito fundamental autónomo (“direito-direito”). O bem jurídico-constitucional que o habeas corpus visa proteger é o direito fundamental à liberdade[21] pessoal, permitindo reagir imediata e expeditamente “contra o abuso de poder, por virtude de detenção ou prisão ilegal” . “No habeas corpus discute-se exclusivamente a legalidade da prisão à luz das normas que estabelecem o regime da sua admissibilidade”. “Procede-se necessariamente a uma avaliação essencialmente formal da situação, confrontando os factos apurados no âmbito da providência com a lei, em ordem a determinar se esta foi infringida. Não se avalia, pois, se a privação da liberdade é ou não justificada, mas sim e apenas se ela é inadmissível. Só essa é ilegal”. “De fora do âmbito da providência ficam todas as situações enquadráveis nas nulidades e noutros vícios processuais das decisões que decretaram a prisão” “Para essas situações estão reservados os recursos penais, (…). O habeas corpus não pode ser reconvertido num “recurso abreviado”, (…) O processamento acelerado do habeas corpus não se coaduna, aliás, com a análise de questões com alguma complexidade jurídica ou factual, antes se adequa apenas à apreciação de situações de evidente ilegalidade, diretamente constatáveis pelo confronto entre os factos sumariamente recolhidos e a lei[22].
3. regime legal e procedimento: Dando expressão legislativa ao texto constitucional [23], o art. 222º n.º 2 do CPP estabelece que a petição de habeas corpus “deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. Tem como denominador comum configurar situações extremas de detenção ou prisão determinadas com abuso de poder ou por erro grosseiro, patente, grave, isto é, erro qualificado na aplicação do direito. A jurisprudência deste Supremo Tribunal vai no sentido de “os fundamentos do «habeas corpus» são aqueles que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos susceptíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão”[24]. Tem sublinhado a jurisprudência deste Supremo Tribunal que a providência de habeas corpus constitui uma medida expedita perante ofensa grave à liberdade com abuso de poder, sem lei ou contra a lei. Não constitui um recurso sobre atos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais. Esta providência não se destina a apreciar erros de direito e a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes de privação da liberdade[25]. “Atento o carácter extraordinário da providência, para que se desencadeie exame da situação de detenção ou prisão em sede de habeas corpus, há que deparar com abuso de poder, consubstanciador de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável – integrando uma das hipóteses previstas no art. 222.º, n.º 2, do CPP”[26]. O habeas corpus contra a prisão ilegal por abuso de poder é um procedimento especial, no qual se requer ao tribunal competente o restabelecimento do direito constitucional à liberdade pessoal, vulnerado por uma prisão ordenada, autorizada ou executada fora das condições legais ou que sendo originariamente legal se mantém para além do tempo ou da medida judicialmente decretada ou em condições ilegais. É também um procedimento de cognição limitada e instância única no qual somente é possível valorar “a legitimidade de uma situação de privação de liberdade, a que [o Juiz] pode por fim ou modificar em razão das circunstâncias em que a prisão se produziu ou se está realizando, mas sem extrair destas -do que as mesmas têm de possíveis infracções ao ordenamento- mais consequências que a da necessária finalização ou modificação daquela situação da privação da liberdade”[27] . Não é um recurso, - ordinário ou extraordinário. É uma providência que visa colocar perante o Supremo Tribunal de Justiça a questão da ilegalidade da prisão em que o requerente se encontra nesse momento ou do grave abuso com que foi imposta. Visa apreciar se a prisão foi determinada pela entidade competente, se o foi por facto pelo qual a lei a admite, se se mantem pelo tempo decretado e nas condições legalmente previstas. Para o que pode ser necessário equacionar da legalidade formal ou intrínseca do ato decisório que determinou a privação de liberdade, mas não mais que isto. Não é uma via procedimental para submeter ao STJ a reapreciação da decisão da instância que determinou a prisão ou à ordem da qual o requerente está privado da liberdade. Não se destina a questionar o mérito do despacho judicial ou da sentença condenatória que impôs a prisão nem a sindicar eventuais nulidades ou irregularidades de que possam enfermar. Na conformação constitucional e no seu desenho normativo, o habeas corpos é uma providência judicial urgente. “Visa reagir, de modo imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal” decretada ou mantida com violação “patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação”[28]. O Juiz decide-a em 8 dias, em audiência contraditória –art. 31º n.º 3 da Constituição. Conhecendo da petição de habeas corpus, o STJ, nos termos do art. 223º (procedimento) n.º 4 do CPP, delibera no sentido de: a) Indeferir o pedido por falta de fundamento bastante; b) Mandar colocar imediatamente o preso à ordem do Supremo Tribunal de Justiça e no local por este indicado, nomeando um juiz para proceder a averiguações, dentro do prazo que lhe for fixado, sobre as condições de legalidade da prisão; c) Mandar apresentar o preso no tribunal competente e no prazo de vinte e quatro horas, sob pena de desobediência qualificada; ou d) Declarar ilegal a prisão e, se for caso disso, ordenar a libertação imediata. 4. pressuposto da atualidade: Na arquitetura traçada pela Constituição da República e na conformação normativa do CPP, a providência em apreço pressupõe a efetividade e atualidade da prisão ilegal. A doutrina vai maioritariamente neste sentido[29], havendo, contudo quem sustente que a nossa Magna Carta não exclui o denominado habeas corpus preventivo[30]. A Jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sido unanime[31] na exigência da verificação do pressuposto da atualidade da prisão ilegal. No Ac. de 18/07/2014[32] sustenta-se: “A procedência do pedido de habeas corpus pressupõe, além do mais, uma actualidade da ilegalidade da prisão aferida em relação ao tempo em que é apreciado aquele pedido”. E no Ac de 11/02/2016[33] entendeu-se que: “A viabilidade do habeas corpus, como meio direccionado exclusivamente para a tutela da liberdade, exige uma privação de liberdade actual, não servindo, por isso, como mecanismo declarativo de uma ultrapassada situação de prisão ilegal. Do mesmo modo, também o habeas corpus não pode ser utilizado como meio preventivo de uma eventual futura prisão ilegal. Só a efectiva privação de liberdade pode fundamentar aquela providência”. Entende-se que é esta a interpretação que melhor se conjuga com a evolução desta providência na nossa ordem constitucional. Como se referenciou, a Constituição de 1911 previa expressamente o habeas corpus preventivo, estabelecendo: “Dar-se-á o habeas corpus sempre que o individuo sofrer ou se encontrar em iminente perigo do sofrer violência, ou coacção, por ilegalidade, ou abuso de poder”. Modalidade que a Constituição de 1933 não manteve: E que a Constituição de 1976 também não adotou. Seguramente que o legislador constituinte não desconhecia o texto e, consequentemente, as modalidades daquela primeira inscrição constitucional do habeas corpus e também não ignorava a modificação conformada pela Constituição de 1933. Neste quadro histórico-constitucional certamente que se a sua vontade tivesse sido a de admitir o habeas corpus preventivo ter-se-ia servido de uma fórmula igual ou equivalente aquela que era dada à providência na Constituição da primeira República. Mas não adotou, nem na versão de 1976, nem nas quatro subsequentes alterações. pelo que não existe base constitucional, para sustentar o referido entendimento. É também essa a interpretação que o legislador ordinário fez daquele comando constitucional. Como alguns autores reconhecem, no regime do Código de Processo Penal, a providência dirige-se contra a prisão ilegal, isto é, a efetiva privação da liberdade, pois que somente a atualidade da prisão ilegal pode justificar qualquer dos atos que podem decorrer do seu deferimento: mandar colocar imediatamente o preso à ordem do STJ; mandar apresentar o preso ao juiz em 24 horas; ordenar a libertação imediata. Evidentemente que só pode libertar-se quem já está encarcerado, privado da liberdade ambulatória, seja porque a ilegalidade da prisão resulta de ter sido ordenada ou executada por entidade incompetente, seja porque o foi por facto que não admite essa medida de coação ou essa sanção, seja porque foi mantida para além do prazo legal ou judicialmente fixado ou fora das condições legalmente estabelecidas. A colocação do preso à ordem do Supremo Tribunal de Justiça, tal como a apresentação do preso ao juiz determinado, somente tem sentido (jurídico e prático) se a pessoa está efetivamente privada da liberdade ambulatória. Não sendo assim, o habeas corpus requerido em favor da conservação da sua liberdade era-lhe penosamente prejudicial. Nessa situação (se está em liberdade), deferida que fosse a providência – e estando fora de causa a libertação imediata pela simples razão de não estar encarcerado -, tinha de ser preso para, nessa situação, ser colocado à ordem do STJ ou para ser apresentado em 24 horas ao juiz determinado. A lei não prevê, nem teria qualquer sentido, que o requerente ou beneficiário da providência seja colocado em liberdade à ordem do STJ, ou que em liberdade se apresente perante o juiz em 24 horas. Consequentemente, se a pessoa não está presa, não se verifica um dos pressupostos nucleares da providência de habeas corpus. 5. a prisão preventiva: A Constituição da República, no art. 28º n.º 2 consagra a excecionalidade e subsidiariedade da prisão preventiva, estabelecendo que “tem natureza excecional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei”. Por sua vez, o Pacto internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no art. 9º dispõe: “a prisão preventiva não deve constituir regra geral, contudo, a liberdade deve estar condicionada por garantias que assegurem a comparência do acusado no acto de juízo ou em qualquer outro momento das diligências processuais, ou para a execução da sentença”. A prisão preventiva, se admitida e indispensável a assegurar a eficácia do processo penal (e nenhum outro), uma vez determinada só pode manter-se enquanto for justificada pelas necessidades de desenvolvimento regular do procedimento e/ou de assegurar a execução da condenação (futura ou já decretada mas que ainda não é definitiva) e não pode, em qualquer caso, exceder o tempo que a lei determinar –art. 27º n.º 3 da Constituição da República. Os prazos máximos da prisão preventiva estão firmados no artigo 215º do Código de Processo Penal, apresentando-se estabelecidos em função das fases e das incidências do processo em que foi determinada e se mantém. Também em razão da fenomenologia criminosa e da gravidade do crime (n.º 2). E, no limite, ainda da excecional complexidade do procedimento (n.ºs 3 e 4). O termo final de cada um dos prazos legalmente consignados é marcado pela prática de atos processuais determinados e não pela sua comunicação aos sujeitos processuais. Tem sido uniformemente sustentando na jurisprudência destes Supremo[34], com aval da conformidade à Constituição da República conferido pela jurisprudência também uniforme do Tribunal Constitucional[35] que “os efeitos da revisão dos pressupostos da prisão preventiva que tiverem que se produzir, produzem-se independentemente de qualquer notificação do despacho que procedeu a tal revisão”[36]. O decurso do respetivo prazo máximo da prisão preventiva extingue esta medida coativa, impondo a libertação do arguido à ordem do processo em que foi determinada, podendo, contudo, manter-se a privação da liberdade, incluindo a prisão preventiva, à ordem de outro processo e, necessariamente em função de condenação nele proferida ou das finalidades processuais que aí seja indispensável acautelar –art. 217º n.º 1 do CPP. Para encurtar a privação preventiva da liberdade – a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação -, ao mínimo requerido pelas finalidades do procedimento penal, impõe-se controlar periodicamente se subsistem ou se, ao invés, se atenuaram ou cessaram as exigências cautelares que determinaram a sua aplicação, devendo ser revogada ou substituída por outra medida de coação logo que se verifiquem circunstâncias que tal justifiquem, ou se as que a tinham determinado deixaram de subsistir ou simplesmente enfraqueceram ou se atenuaram. Os pressupostos da medida coativa de prisão preventiva (e da obrigação de permanência na habitação) aplicada num determinado processo podem ser reexaminados a todo o tempo, mediante requerimento ou oficiosamente –cfr. AUJ n.º 3/1996 -, e obrigatoriamente – art. 213º n.º 1 do CPP: a) No prazo máximo de três meses, a contar da data da sua aplicação ou do último reexame; e b) Quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça, a final, do objecto do processo e não determine a extinção da medida aplicada. No reexame dos pressupostos da prisão preventiva o juiz decide se ela se mantém ou decreta a sua substituição ou revogação. 6. no caso: i. prisão decretada pelo juiz competente: Resulta dos factos que, no primeiro interrogatório judicial a que foi apresentado detido, a Juíza de Instrução material e territorialmente competente, por decisão proferida em 16 de janeiro de 2019, julgando haver fortes indícios de que cometeu um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido (com pena de 4 a 12 anos de prisão) pelo art. 21º n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro, aplicou ao arguido e ora requerente a medida coativa de prisão preventiva, por ter concluído, conforme se enunciou, ser a única adequada e indispensabilidade para assegurar as finalidades do que o procedimento penal se desenvolvia sem perturbações graves para a investigação e a tempestiva e boa decisão da causa. O Requerente está assim, desde então e atualmente, privado da liberdade, em prisão preventiva, por decisão proferida nos autos pela juíza material e funcionalmente competente, motivada na verificação dos pressupostos de que depende a indispensabilidade do recurso à mais gravosa das medidas de coação legalmente previstas. ii. por facto que a lei permite: Integrando os factos imputados ao arguido o crime de tráfico de estupefacientes já mencionado, com a moldura penal de 4 a 12 anos de prisão, que o legislador processual penal define como criminalidade altamente organizada e que o levou a aumentar o prazo da prisão preventiva, é inquestionável que é um daqueles que permite a aplicação da medida coativa mais gravosamente restritiva da liberdade ambulatória do respetivo agente. iii. em prazo: No caso, em razão do crime imputado – tráfico de estupefacientes -, a prisão preventiva do arguido à ordem dos autos extinguia-se se não tivesse sido deduzida acusação no prazo máximo de 6 meses – art. 215º n.º 2 do CPP. Verifica-se que a acusação pública foi deduzida 4 dias antes (em 12/07/2019) de se completar o referido prazo, que sobreviria em 16 de julho de 2019. Consequentemente, este prazo da prisão preventiva na fase de inquérito (6 meses) não foi esgotado. Não tendo havido instrução, o prazo máximo da prisão preventiva do arguido passou a ser de 1 ano e 6 meses, que se extinguirá se até ao seu termo não vier a ser proferida condenação em 1ª instância (evidentemente que se for absolvido será imediatamente libertado). Está, pois, ainda temporalmente distante o termo final da prisão preventiva do arguido. O que vale por dizer que, atualmente, esta medida coativa está dentro do prazo determinado na lei. Quanto à sua legalidade substancial, a apreciação está fora do âmbito desta providência. É que, de acordo com o expendido supra, na providência de habeas corpus cabe apenas verificar, de forma expedita, se os pressupostos da prisão em que se encontra nesse momento um cidadão, constituem patologia desviante enquadrável em alguma das alíneas do n.º 2 do art. 222.º do CPP. Acresce por um lado que o requerente não invoca a norma da al.ª a), que manifestamente não tem cabimento no caso. E pelo outro lado e como se disse, o crime imputado ao arguido – tráfico de estupefacientes -, punido com a pena de 4 a 12 anos de prisão, manifestamente não permite convocar a norma da al.ª b) do n.º 1 do art. 222º citado, isto é, não fundamenta a alegação de que é motivada por facto pelo qual a lei a não permite. Resta a situação prevista na al.ª c), que é exatamente aquela que o requerente realmente invoca. Vejamos então se a prisão preventiva do requerente se mantém dentro dos prazos fixados pela lei. Resulta dos factos acima elencados que antes de terem decorrido três meses sobre a data daquela decisão, a Juíza de Instrução, em 9 de abril de 2019, reexaminou os pressupostos da prisão preventiva do arguido e, concluindo que se não se tinham alterado, decidiu que se mantivesse. Dezasseis dias volvidos, em 24 de abril de 2019, apreciando requerimento apresentado pelo arguido, reexaminou novamente os pressupostos daquela medida coativa e, concluindo que se mantinham inalterados, decidiu a continuação da prisão preventiva. Antes de terem transcorrido três meses sobre a data do último reexame, a Juíza de Instrução, em 5 de julho de 2019, reexaminou outra vez os pressupostos da prisão preventiva do arguido e, verificando que subsistiam as exigências cautelas que tinham justificado a aplicação, decidiu a sua continuação. O Ministério Público deduziu acusação imputando ao arguido os factos nessa peça processual descritos e a prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22/01, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo diploma legal. Promoveu o reexame dos pressupostos da prisão preventiva do arguido ora requerente, requerendo que se mantivesse com a justificação de se manterem e até se terem reforçado as exigências cautelares que tinham determinado a sua aplicação. Em face do que a Juíza de Instrução reexaminou (obrigatoriamente – art. 213º n.º 1 al.ª b) do CPP) -, a prisão preventiva do arguido e, em consonância com a fundamentação aduzida no requerimento do Ministério Público, decidiu que o arguido continuasse a aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva. Transitando o processo para a fase de julgamento, o Juiz titular (a quem foi distribuído), por despacho de 8 de outubro de 2019, recebeu a acusação pública, designou datas para a audiência de julgamento e reexaminou (também obrigatoriamente – art. 213º n.º 1 al. b) do CPP) -, o estatuto coativo do arguido ora requerente e, concluindo manterem-se inalteradas as exigências cautelares que tinham determinado a sua aplicação, decidiu que o arguido continuava submetido à medida de coação de prisão preventiva. A Defensora do arguido foi notificada desse despacho por comunicação expedida em 17 de outubro de 2019, ou seja, precisamente no dia em que se completavam três meses sobre a data do último reexame. Nesse mesmo dia 17 de outubro corrente, a Defensora apresentou no tribunal onde o processo corre termos a vertente providência de habeas corpus, invocando, sumariamente, que se excedera o prazo máximo do reexame trimestral da prisão preventiva do arguido, ora requerente. Como vem de evidenciar-se, carece de razão. A jurisprudência deste Supremo distingue os prazos da prisão preventiva dos prazos de reexame dos pressupostos desta medida coativa. Tem sustentado que “o prazo do n.º 1 do art. 213.º do CPP não é um prazo de prisão preventiva, mas de reexame dos seus pressupostos, pelo que a sua inobservância não implica ilegalidade da medida de coação por excesso de prazo”[37]. No caso verifica-se que entre o penúltimo (em 17/07/2019) e o último (em 8/10/2019) reexame dos pressupostos da prisão preventiva do arguido não decorreram três meses. Consequentemente, não foi inobservado o prazo de reexame em referência. Do que vem de dizer-se resulta que a prisão preventiva do arguido Hélder Pereira à ordem destes autos foi ordenada pela autoridade judiciária competente (JIC); por factos pelos quais a lei a permite (prática de factos integradores do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º do DL 15/93, de 22-01); foram tempestivamente reexaminados os respetivos pressupostos e então decidida a sua continuidade; e, manteve-se e mantém-se dentro dos prazos máximo de duração dessa medida coativa na fase em que o processo ora se encontra (1 ano e 6 meses, contado desde a data em que foi decretada até que venha a ser proferida condenação em 1ª instância). Assim, conclui-se que não se encontra o requerente em situação de prisão ilegal, inexistindo, por isso, qualquer ilegalidade, abuso de poder ou inconstitucionalidade, que seja suscetível de integrar alguma das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal que é a norma processual que delimita o âmbito de admissibilidade da providência contra a prisão ilegal e arbitrária. Não se verificando no caso situação fáctica ou jurídica que possa subsumir-se em qualquer daquelas previsões normativas conclui-se pelo indeferimento do habeas corpus em apreço por falta de fundamento bastante, sendo manifestamente infundada a petição - artigo 223.º, n.º 4, alínea a) e n.º 6, do Código de Processo Penal. III. DECISÃO:
Condenar o requerente na sanção processual cominada no art. 223º n.º 6 do Código de Processo Penal, fixando-a em 6UCs. Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 5UCs (art. 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Judiciais). Supremo Tribunal de Justiça, 23 de outubro de 2019. Nuno Gonçalves (Relator) Manuel Augusto de Matos Raul Borges __________
[1] GRAND CHAMBER, CASE OF AL-JEDDA v. THE UNITED KINGDOM, (Application no. 27021/08). JUDGMENT, in 7 July 2011 [2] GRANDE CHAMBRE, AFFAIRE KAFKARIS c. CHYPRE. (Requête n.º 21906/04), ARRÊT du 12 février 2008. [3] Habeas corpus: passado, presente, futuro, revista JULGAR - N.º 29 – 2016, pag. 223. [4] J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada (artigos 1º a 107º), Coimbra Editora, 4ª ed. Revista (2007), pag. 480. [5] Iniciada ou pelo menos desde o «Habeas corpus Act» de 1679. [6] Autores e obra citada, pag. 508. [7] Autores e obra citada, pag 508. [8] Aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte, na sessão do 19 de Junho do 1911. [9] 31.º Dar-se-á o habeas corpus sempre que o individuo sofrer ou se encontrar em iminente perigo do sofrer violência, ou coacção, por ilegalidade, ou abuso de poder. A garantia do habeas corpus só se suspende nos casos do estado do sitio por sedição, conspiração, rebelião ou invasão estrangeira. Uma lei especial regulará a extensão desta garantia e o seu processo. [10] Jorge Miranda, O constitucionalismo liberal luso-brasileiro, Lisboa, 2001, págs. 51/52. [11] § 22. Dar-se-ha o habeas-corpus sempre que o individuo soffrer ou se achar em imminente perigo de sofrer violencia, ou coacção, por illegalidade, ou abuso de poder. [12] Jorge Miranda, ob. cit. pág. 48/49; [13] E. Maia Costa, HABEAS CORPUS: PASSADO, PRESENTE, FUTURO, Revista Julgar, N.º 29 – 2016. [14] Artigo 8º, § 4º: “Poderá contra o abuso de poder usar-se da providência excepcional do habeas corpus, nas condições determinadas em lei especial” [15] Lei nº 3/71, de 16 de Agosto. [16] Diário do Govêrno n.º 233/1945, Série I de 1945-10-20. [17] Sobre o Habeas corpus, “Jornal do Fôro”, Ano 9º, nºs. 70/73, 1945, págs. 228/229. [18] Curso de Processo Penal, vol. II, reimpressão, Lisboa, 1981, págs. 477/478. [19] Na exposição de motivos do DL n.º 185/72 fez-se constar: “Em virtude de as garantias da legalidade da prisão deverem inserir-se no sistema do Código de Processo Penal, incluiu-se nele, substancialmente inalterada, a regulamentação do habeas corpus, a que procedera o Decreto-Lei n.º 35043, de 20 de Outubro de 1945, para dar cumprimento à parte final do § 4.º do artigo 8.º da Constituição. Quer dizer: realiza-se, neste ponto, uma pura e simples «codificação» de normas vigentes, e não qualquer mudança de conteúdo (…)”. [20] Funcionando a secção do STJ com todos os Juízes em exercício. [21] E. Maia Costa, publicação cit., pag. 236. [22] E. Maia Costa, publicação cit., pag. [23] Ao art. 31º da Constituição da República. [24] Ac. STJ de 19-05-2010, CJ (STJ), 2010, T2, pág.196 [25] Ac. STJ de 20/09/2017, Proc. 82/17.6YFLSB, e jurisprudência aí citada (máxime: por remissão para o Ac. de 4.02.2016, proc. 529/03.9TAAVR-E.S1), ECLI:PT:STJ:2017:82.17.6YFLSB.D4. [26] Ac. STJ de 10/08/2018, Proc. 398/17.1PASXL-B.S1, www.dgsi.pt/jstj. [27] Tribunal Constitucional de Espanha (Sala Primeira), Sentença 21/2018 de 5.03.2018 (recurso de amparo 3766-2016), in BOE (Boletim Oficial do Estado) n.º 90 de 12.04.2018 [28] Ac. STJ de 9/08(2017 cit. [29] Assim Maia Costa In Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça 2016. Almedina -2ª edição revista, pág. 854; Paulo Pinto de Albuquerque, inComentário do Código de Processo Penal, 4º ed., pág. 638. Também assim Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada I, 2010, pág. 346 para quem, “a providência de habeas corpus é, desde a sua efectiva introdução na nossa ordem jurídica, uma providência meramente conservatória, liberatória ou desconstitutiva e não também preventiva. Reage a uma detenção ou prisão efectiva e actual, e não ao simples perigo iminente de detenção ou de prisão” - [30] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada (artigos 1º a 107º), Coimbra Editora, 4ª ed. Revista (2007), pag. 510. [31] Cfr Ac. de 8/02/2017, proc. 404/11.3PULSB-A; Ac. de 7/11/2012, proc. 19996/97.1TDLSB-H.S1; Ac. de 11/11/2010, proc. 610/08.8PBSXL-B.S1, in www.dgsi.pt. [32] 211/12.6GAMDB-A.S1. in www. Dgsi.pr [33] Proc. 741/12.0TXPRT-F, in www. dgsi.pt [34] Acórdãos STJ de 20/09/2017, proc. 33/17.8ZFLSB-B.S1; de 11/10/2017, 85/17.0YFLSB; [35] Ac. 280/2008 in DRE n.º 141/2008, Série II de 2008-07-23. [36] Ac. de 18/10/2007, proc. 07P3890, in www. dgsi.pt [37] Ac. STJ de 4/02/2010, proc. 837/08.2JAPRT-A.S1. |