Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | LOURENÇO MARTINS | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO ESTACIONAMENTO PRESCRIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ200302050027763 | ||
Data do Acordão: | 02/05/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 3987/02 | ||
Data: | 05/28/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | INST ÚNICA. | ||
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Sumário : | I - No caso do estacionamento em lugar proibido, aparece como circunstância com carácter probatório essencial a identificação da viatura que era usada pelo arguido; não se tendo provado que o arguido estivesse a conduzir o veículo da matrícula indicada no auto de notícia, falta o elemento de ligação do arguido à condução dessa viatura e, portanto, não é possível imputar-lhe a prática da contra-ordenação de que vem acusado, absolvendo-se da instância. II - Mas embora não se tenha provado que o veículo automóvel estacionado na passadeira de peões detivesse determinada matrícula, permanece imputada ao arguido a conduta de condução de uma viatura que estacionou indevidamente, existindo, assim, uma alteração substancial dos factos imputados - conduziria outra viatura que não a de matrícula mencionada no auto de notícia -, descritos na peça equivalente a acusação, a qual não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso. III - Nos termos do n.º 2 do artigo 359º do CPPenal, ordena-se a comunicação da alteração ao Ministério Público, para perseguição contraordenacional. IV - Não se verifica a prescrição do procedimento uma vez que a infracção imputada desde início ao arguido, a partir dos mesmos factos - estacionamento de uma viatura na passadeira de peões - é a mesma e o arguido o mesmo, continuando, porém, ainda por esclarecer se, não conduzindo embora o veículo cuja matrícula foi por lapso mencionado no auto de notícia, conduzia um outro que estacionou naquele mesmo dia, hora e local, e em relação ao qual foi aí identificado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I Por decisão do Chefe da 2.ª Divisão de Contra-Ordenações, da DRVL, de 13.11.01, e conforme auto de notícia levantado pela PSP, após notificação para pagamento voluntário, foi o arguido, Desembargador A, na situação de jubilado, portador do BI n.º ...., residente na Rua do ....., n.º ..., em Lisboa, condenado pela prática de uma contra-ordenação, pp. pelo artigo 49º, n.ºs 1, alínea d), e 3, do Código da Estrada, na coima de 7.500$00 - artigos 135º, 137º, 140º, 145º, 147º, 151º, do mesmo diploma -, em virtude de, no dia 12.01.2001, pelas 17.05H, na Rua Rosa Araújo, na cidade de Lisboa, conduzindo o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula .... HI, ter estacionado o mesmo na passadeira de peões. Recorreu o arguido, exercendo o patrocínio em causa própria, e invocando o seguinte (transcrição): 1°- O arguido vem acusado de, no dia 2001-01-12...conduzindo o veículo lig. passag., com matrícula .... HI, ter praticado a seguinte infracção: estacionou o mesmo na passadeira de peões. 2°- Tal facto não pode deixar de se mostrar rotundamente falso. Com efeito, 3°- Nunca o arguido possuiu ou conduziu tal veículo. 4°- O arguido limita-se a conduzir qualquer um dos dois veículos de que é proprietário os quais têm as seguintes matrículas: .... FJ , marca Rover, de cor preta e .....AQ, marca Citroen, de cor branca. Para prova do alegado: 1 - Apresenta dois documentos, fotocópias dos respectivos registos de propriedade. 2 - Solicita que seja requisitada informação sobre a identidade do proprietário do mencionado veículo de matrícula ....HI, bem como 3- Que o proprietário desse veículo seja notificado para prestar informação sobre se tal veículo alguma vez foi cedido ao arguido para efeitos de condução. Conclusão: O arguido não cometeu a infracção mencionada pois que nunca conduziu o veículo de matrícula .... HI". Termina pedindo a sua absolvição. 2. Após acórdão de 28.05.02, da Relação de Lisboa, subiram os autos a este STJ, dada a qualidade de magistrado do arguido, nos termos do n.º2 do artigo 15º do Estatuto dos Magistrados Judiciais - Lei 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei n.º 143/99, de 31 de Agosto. E ainda - acrescentamos - por virtude do estatuto de jubilado a que se refere o n.º 2 do artigo 67º do mesmo diploma. Colhidos alguns elementos de prova, na sequência do que o recorrente solicitava, bem como os vistos legais, procedeu-se à audiência, com observância das formalidades, em duas sessões, conforme consta das actas respectivas. 3. Após a audiência de discussão e julgamento, considerou este STJ provada a seguinte matéria de facto: 1. O Arguido é Juiz- Desembargador na situação de jubilado; 2. Tal como consta do auto de contra-ordenação de fls. 4, no dia 12 de Janeiro de 2001, pelas 17.05H, na Rua Rosa Araújo, nesta cidade de Lisboa, uma viatura automóvel foi encontrada estacionada na passadeira de peões. 3. Nessa mesma data, hora e local, o arguido foi identificado através das suas características pessoais e profissionais, mediante Bilhete de Identidade e Carta de Condução, como consta de fls.33, documento que se dá por reproduzido, como condutor do veículo de matrícula .... HI . 4. O veículo de matrícula .... HI, é propriedade da empresa ..., SA, com sede na R. Vale do Pereiro, n.º ..., desta cidade, e estava confiado nessa data a um seu empregado. Não provado: 1. Que naquela data, hora e local, o arguido estivesse a conduzir a viatura de matrícula .... HI; 2. Que a viatura estacionada na passadeira de peões detivesse aquela matrícula. Tendo o arguido usado do direito de não prestar declarações, fundamentou este STJ a sua convicção: 1. No depoimento da autuante, B, que na 2.ª sessão de audiência não teve dúvidas em afirmar, com verosimilhança, que a identificação do arguido foi efectuada no local da verificação da contra-ordenação registada, recordando-se da pessoa do arguido. Admitiu, porém, que a matrícula da viatura não correspondesse à que estava em contra-ordenação, nem a indicação da marca Peugeot. 2. No depoimento da representante legal da firma proprietária da viatura de matrícula .... HI. 3. Nos documentos de fls. 4, 11, 30, 33 e verso, 42. II Frisou o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, nas suas doutas alegações orais, que não sendo conhecido do lado da autuante qualquer preconceito contra a normal observância das regras por parte dos magistrados, nomeadamente do arguido como Desembargador, que não conhecia, e não detendo sinais exteriores de identificação, os que constam do auto só podiam ter sido recolhidos do próprio, e no local. Embora podendo estar-se perante um erro na indicação da viatura mal estacionada, os elementos de prova são suficientes, a seu ver, para dar como demonstrada a prática, pelo magistrado ora arguido, da contra-ordenação. A sua postura de silêncio se não o pode prejudicar, é certo que em nada contribuiu para o esclarecimento dos factos. Pela defesa foi alegado que para haver uma contra-ordenação deste tipo, tem de se estabelecer uma ligação entre um determinado veículo e a pessoa que o conduz. Tal relação entre a viatura estacionada e a sua condução pelo arguido não se estabeleceu, pelo que deve ser absolvido. O uso do princípio in dubio pro reo levará ao mesmo resultado. Cumpre decidir. 1. Em causa está a prática da contra-ordenação de estacionamento proibido "a menos de 5 metros antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões ou de velocípedes" - artigo 49º, n.ºs 1, alínea d) e n.º 3, do Código da Estrada, na versão anterior ao Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro (que, aliás, neste artigo apenas converteu a coima de escudos em euros). Embora o fundamento ético se pretenda afastado na prática das contra-ordenações, é evidente, e também por isso, que a ligação dos factos ao agente é inarredável, sem prejuízo de certa responsabilidade quase por "culpa presumida", como nos casos do comitentes, pais ou tutores, e outros a que se refere o artigo 134, n.º 5, do CEstrada e da extensão da responsabilidade às pessoas colectivas ou equiparadas, quando for o caso. Nos termos do n.º 1 deste preceito, a regra é a de que a responsabilidade (singular) pelas infracções relativas ao exercício da condução "recai no agente do facto constitutivo da infracção". O que se alinha com o princípio inserto no artigo 11º do CPenal - "Salvo disposição em contrário, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal". Princípio para que subsidiariamente remete o artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro. Ao encontro da natureza das coisas, está consagrada a regra de que todo o veículo deve ter um condutor - artigo 11º, n.º 1, do CEstrada, embora com a hipótese de excepções -, ao qual há-de corresponder uma habilitação legal para o conduzir. Isto para se afirmar a natural necessidade de ligar o agente infractor ao veículo que está em infracção. Esta é praticada pelo agente mas através daquele instrumento ou objecto. É certo que ao enumerarem-se os elementos a recolher no auto de notícia - artigo 151º do CEstrada - não se alude à necessidade de fazer constar expressamente a matrícula da viatura que, neste caso, esteja em estacionamento proibido. Todavia, fala-se na menção do dia, hora, local, identificação do agente da infracção, qualidade da autoridade que presenciou e quando possível, de uma testemunha, e ainda das "circunstâncias em que foi cometida" a infracção. No caso do estacionamento em lugar proibido, mostra-se como circunstância com carácter probatório essencial a identificação da viatura que foi usada pelo arguido. O mesmo não sucederá, por exemplo, num atropelamento, a despeito de sempre ter de se provar que o arguido estava a conduzir a viatura atropelante. Aqui, tem de se demonstrar a ligação com a viatura que se estaciona. Sendo assim, porque não se provou que o arguido estivesse a conduzir o veículo de matrícula .... HI, e por isso fosse responsável pelo seu estacionamento, falta aquele elemento de ligação do arguido à condução dessa viatura e, portanto, não é possível imputar-lhe a prática da contra-ordenação de que vem acusado. Por isso se revoga a decisão impugnada e se determina a sua absolvição da instância. III Mas não poderemos ficar-nos por aqui.1. Não ficou provado que o veículo automóvel estacionado na passadeira de peões detivesse aquela matrícula, tendo a Senhora agente autuante admitido que houve lapso da sua parte na identificação da viatura em contra-ordenação. Mas permanece imputada ao arguido a conduta de condução de uma viatura que estacionou indevidamente. Estamos, assim, confrontados com uma alteração substancial dos factos imputados - conduziria outra viatura que não a de matrícula .... HI -, descritos na peça equivalente a acusação, a qual não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso - artigo 359º do CPPenal, aplicável ex vi do artigo 150º, n.º 1, do CEstrada, e 41º, n.º 1, do citado RGCO. Não obstante a contra-ordenação não ser diversa em qualificação jurídica, parece-nos mais apropriado o seu tratamento como tal, com uma maior margem de defesa (1). Entendeu este Supremo Tribunal não efectuar a comunicação a que se refere o n.º 2 do mencionado artigo 359º, não só pela probabilidade da anuência do arguido à continuação do julgamento embater no muro de silêncio (legítimo) a que se remeteu, como também, e principalmente, pela carência de investigação complementar dos factos. Por isso se ordena a comunicação da alteração ao Ministério Público, nos termos daquele preceito. 2. Numa primeira análise, e atendendo à data da prática dos factos - 12.01.2001 - poderia pensar-se que estão abrangidos pela prescrição do procedimento, pois são decorridos mais de dois anos sobre essa data. No entanto, e sem prejuízo de outro entendimento, já que a decisão sobre este ponto não será definitiva, tal não sucede. Com efeito, a infracção foi imputada desde início ao arguido, a partir dos mesmos factos: estacionamento de uma viatura na passadeira de peões. A infracção que o Estado pretende punir, se verificados os respectivos pressupostos, é a mesma e o arguido o mesmo. O que continua ainda por esclarecer é se o arguido, não conduzindo embora o veículo de matrícula .... HI, por lapso mencionado no auto de notícia, conduzia um outro que estacionou naquele mesmo dia, hora e local. Quer isto dizer que a prescrição foi interrompida, de acordo com a redacção da lei vigente ao tempo - mais favorável ao presumível infractor - com a comunicação da decisão contra ele tomada, de aplicação da coima (de 12.01.01), e com a oportunidade de defesa, aliás por ele aproveitada - artigo 28.º do RGCO, na redacção anterior à Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro (2). Essa comunicação foi-lhe feita por carta registada com aviso de recepção de 10.12.2001. Nesse momento não havia decorrido um ano sobre a data da prática da infracção imputada (12.01.2001) - artigo 27º, alínea c) do RGCO. Com aquela notificação não só se interrompe a prescrição do procedimento contraordenacional (o prazo de 1 ano começa a contar de novo), como se inicia o período de suspensão - aplicação subsidiária do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 120º do CPenal (3). À mesma conclusão se chega, de não verificação da prescrição, mesmo aplicando, quanto à suspensão, a vigente redacção do artigo 27º-A, n.º 1, alínea c) e n.º 2, do RGCO, porventura, neste ponto mais benévola para o arguido. IV Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal em:a) Absolver o arguido, Desembargador A, na situação de jubilado, da presente instância; b) Nos termos do artigo 359º, n.º 2, do CPPenal, ordenar seja extraída certidão de todo o processado e entregue ao Ministério Público neste Supremo Tribunal para eventual procedimento, tendo em conta a aludida alteração substancial dos factos. Sem custas. Ao Ex.mo Advogado oficioso fixa-se de honorários o montante de 9 URs. Processado em computador pelo relator, que rubrica as restantes folhas. Lisboa, 5 de Fevereiro de 2003 Lourenço Martins Borges de Pinho Franco de Sá Armando Leandro ------------------------ (1) Sobre alteração substancial e não substancial - Assento n.º 3/2000, de 15.12.99, no DR n.º 35, SÉRIE I-A, de 11.02.00. Cfr. também os artigos, 1.º , 1, f), 303º, 1, 309º, 1, 311º, 2, b), e 379º, 1, b), todos do CPPenal. (2) Autonomizou-se na alínea d) da actual redacção a decisão da aplicação da coima, mas crê-se que a manutenção da alínea a) qua tale significa que as "decisões" aí referidas serão as anteriores à decisão de aplicação da coima. (3) Cfr. o AFJ, deste Supremo Tribunal, n.º 2/2001, de 17.01.02, no D.R. I-A, n.º 54, de 05-03-2002, onde se disse:" O regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal é extensivo, com as devidas adaptações, ao regime de suspensão prescricional das contra-ordenações, previsto no artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro". Cfr. também o AFJ, n.º 6/2001, de 8.03.01, no DR, I-A, n.º 76, de 30.03.01, do seguinte teor: "A regra do n.º 3 do art.º 121.º do Código Penal, que estatui a verificação da prescrição do procedimento quando, descontado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade, é aplicável, subsidiariamente, nos termos do art.º 32.º do regime geral das contra-ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro), ao regime prescricional do procedimento contraordenacional - D.R. I-A, n.º 76, de 30-03-2001. Em ambos se revelava a interpretação subsidiária do CPenal, ao que o legislador terá querido opor-se mediante a publicação da Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro. |