Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
800/10.3TBOLH-8.E1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NULIDADE DA DECISÃO
ERRO DE JULGAMENTO
MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 09/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, p. 255.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 674.º, N.º 1, ALÍNEA B).
Sumário :

I -. Não há que confundir entre nulidades de decisão e erros de julgamento. As primeiras (errores in procedendo) são vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, isto é, trata-se de vícios que afetam a regularidade do silogismo judiciário) da peça processual que é a decisão, nada tendo a ver com supostos erros de julgamento (errores in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria jurídico-conclusiva (direito).

II - Em sede de recurso de revista não cabe ao Supremo (salvas as exceções legais) o poder de controlar o erro na apreciação das provas.

III – Se a Relação se pronuncia de forma que se afigura suficiente, fundamentada e clara sobre a impugnação da matéria de facto, não se pode concluir pela irregularidade processual do respetivo acórdão.

IV - Se tal pronúncia não foi porventura a devida em face dos meios de prova convocados pelos Recorrentes (ou em face de quaisquer outros disponibilizados no processo), isso já é assunto estranho quer à temática da violação ou errada aplicação da lei de processo, quer à temática das nulidades de decisão, quer aos poderes de intervenção do Supremo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

Por sentença de 24 de Maio de 2010, proferida no Tribunal Judicial de Olhão, foi declarada a insolvência de AA, S.A. e declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com caráter pleno.

Na sequência, veio a credora BB, Lda. alegar o que teve por conveniente para o efeito da qualificação da insolvência como culposa, indicando como pessoas afetáveis pela qualificação os administradores da Insolvente, CC e DD. Também os credores trabalhadores EE, FF e GG vieram alegar que a insolvência devia ser qualificada como culposa.

Disseram todos os alegantes que a sociedade Insolvente havia transferido (mediante destaque em operação de cisão-fusão societária) parte do seu património imobiliário para uma outra sociedade (HH, S.A.), sendo que os administradores de ambas as sociedades envolvidas (os referidos CC e DD) eram as mesmas precisas pessoas. De seguida esta HH, S.A. deu de arrendamento à Insolvente os bens para ela assim transferidos. Tal transferência prejudicou a situação financeira da sociedade Insolvente, levando-a á descapitalização e à situação de insolvência.

O Administrador da Insolvência apresentou parecer que culminou com proposta no sentido da qualificação da insolvência como fortuita.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido da qualificação da insolvência como culposa.

Os Administradores da Insolvente deduziram a oposição que tiveram por conveniente, concluindo pela natureza fortuita da insolvência.

Seguindo o incidente seus termos, veio, a final, a ser proferida sentença que qualificou a insolvência como culposa, atribuindo a responsabilidade aos supra indicados Administradores (CC e DD), tudo com as consequências na mesma sentença impostas.

Inconformados com o assim decidido, apelaram os afetados CC e DD.

Entre o mais, impugnaram o julgamento de parte dos factos.

A Relação de Évora julgou improcedente a apelação, mantendo a decisão da 1ª instância.

Pediram então os afetados revista, na sequência do que foi proferido acórdão neste Supremo Tribunal de Justiça (fls. 1485 e seguintes) que anulou o acórdão recorrido e determinou o conhecimento da impugnação da matéria de facto.

Na Relação de Évora veio depois a ser proferido novo acórdão que manteve inalterada a matéria de facto fixada pelo tribunal de 1ª instância e que negou provimento à apelação, confirmando a sentença.

Mantendo-se inconformados, pedem os mesmos afetados nova revista.

                                                           +

Da respetiva alegação extraem os Recorrentes as seguintes conclusões:

A) Ao apreciar o facto consistente em:

depois de obtido parecer jurídico independente relativo à operação da cisão-fusão e avaliação independente aos activos objecto daquela, os credores decidiram por unanimidade não resolver a operação de cisão-fusão a favor da massa insolvente. (F2 e F7),

tendo em conta os documentos constantes de fls. 933 a 936 e segs e 1061 a 1063 dos autos de insolvência, ao analisar concretamente o documento de fls. 1061 a 1063 dos autos de insolvência que corresponde à ata da reunião da comissão de credores de 12.11.2010, o acórdão recorrido considera o seguinte:

com relevância para o caso concreto apenas consta o seguinte sob o ponto 2 da ordem de trabalhos:

"Emissão de parecer relativamente à resolução cisão-fusão operada entre a sociedade AA, S.A. e a sociedade HH, S.A."

Quanto a tal questão o representante do II absteve-se, conforme da mesma consta.

(…)

Destarte, os documentos relevados pelos recorrentes não podem sustentar a sua pretensão.

B) Na análise deste documento, o Tribunal a quo de forma inexplicável. não deverá ter lido o documento todo porquanto do mesmo consta expressamente o seguinte:

(fls. 1061 e 1062) Seguidamente entrou-se no ponto dois da ordem de trabalhos. Foi analisado o parecer sobre a resolução da cisão-fusão operada entre as sociedades AA e HH, assim como a resposta às questões colocadas pelo Administrador da Insolvência à Sociedade de Advogados JJ. (Já juntos aos autos).

Tomou a palavra a representante da KK, SRL que emitiu o parecer pela não resolução da cisão-fusão operada entre as sociedades AA e HH.

O representante do Banco II absteve-se quanto a esta questão.

A representante dos trabalhadores, apesar de ausente, enviou o seu parecer por e-mail (em anexo).

Atento os pareceres dos elementos da Comissão, foi deliberado que o Administrador da Insolvência não deverá resolvera contrato de cisão-fusã06operada entre a sociedade AA SA e a sociedade HH, SA.

E não havendo mais nada a tratar foi encerrada a reunião pelas onze horas, tendo sido elaborada a presente acta que depois de lida vai ser assinada por todos os presentes.

(fls. 1063) No seguimento da abstenção do representante II e após pedido do AI e restantes membros da comissão para que adaptasse uma posição favorável ou desfavorável á resolução (em substituição à abstenção por mim inicialmente apresentada), venho por este meio anunciar o meu voto CONTRA à resolução da cisão-fusão fundamentado pelo mesmo motivo anteriormente indicado e porque tal opção iria deprimir e desajudar os ex-trabalhadores que represento.

C) Trata-se de conteúdo expresso em documento junto aos autos, que o Tribunal pura e simplesmente, não considerou na sua integralidade mas apenas parcialmente.

D) Sendo certo que da leitura mais atenta que ora se efetua de tal documento resulta que não se provaria que a decisão da comissão de credores de não resolver o negócio da cisão-fusão a favor da massa insolvente não havia sido tomada por unanimidade, provar-se-ia sem dúvida que a mesma deliberação havia sido tomada por maioria (face à abstenção de um dos intervenientes). E seria esta a resposta adequada que o Tribunal a quo deveria ter dado

E) Ora, a concreta análise dos documentos de fls. 1061 a 1063 realizada pelo Tribunal a quo que se acaba de explicar corresponde a uma análise tão deficiente e atabalhoada do seu conteúdo, que corresponde, na prática, a uma omissão de análise. Referir que se compulsou o documento mas não ter em consideração e ponderação todo o seu conteúdo, e no caso, não ter em consideração e ponderação a parte do conteúdo que era absolutamente fundamental que considerasse e ponderasse, segundo o objeto do recurso (e note-se que, tratando-se de uma reunião da comissão de credores com ordem de trabalhos sobre a qual houve deliberação o Tribunal nem sequer ponderou o sentido final da deliberação tomada, como seria o normal), constitui na prática uma não reapreciação do documento em causa (pois o documento não pode ser apenas valorado na parte inócua ou contrária à pretensão dos Recorrentes mas no seu todo e em especial na parte concretamente apontada pelos Recorrentes como impondo uma decisão diferente em matéria de facto).

F) A análise assim realizada pelo Tribunal recorrido viola frontalmente o art.° 662.°, n.º 1 do C.P.C . Por consequência, o acórdão recorrido é assim nos termos do disposto no art.º 615.°, n.º 1, al. b) e 666.° n.º 1 do C.P.C.). (sic)

G) Ao apreciar o facto consistente em:

O valor contabilístico dos activos transmitidos na cisão-fusão não correspondia ao valor real, ao valor de mercado dos mesmos. (F1).

o Tribunal recorrido tomou em consideração as alegações dos Recorrentes de que não foi produzida qualquer prova sobre o valor real ou de mercado de qualquer um dos ativos cindidos e nos excertos dos depoimentos das testemunhas LL e MM e do Sr. Perito transcritos pelos Recorrentes, que tomou como bons, acabando por concluir que aqueles concretos meios probatórios não impunham a prova pretendida.

H) Ou seja, estando em causa a questão (facto) de saber se o valor contabilístico dos ativos transmitidos na cisão-fusão não correspondia ao valor real, ao valor de mercado dos mesmos e resultando claramente daqueles depoimentos que existia discrepância entre o valor contabilístico e o valor real, não se sabendo (nem o próprio Perito) qual era o valor real ou de mercado daqueles ativos, a resposta do Tribunal foi, aliás, sem qualquer exame critico, precisamente contrária ao sentido das provas ponderadas.

I) Existe aqui uma anormal análise da matéria de facto. Anormal porque frontalmente oposta ao sentido unânime das provas. E ademais, sem qualquer exegese crítica das provas, sem indicar quaisquer ilações, sem especificar os fundamentos decisivos para a sua convicção, como estava obrigado por imposição dos art.ºs 607.°, n.º 4 e 663.°, n.º 2 do C.P.C ..

J) In casu, não estava em causa apurar se os ativos valiam mais ou menos que o seu valor contabilístico, mas apenas apurar que não existia identidade entre as duas dimensões (a contabilística e a real/mercado) e para tanto, as provas indicadas pelos Recorrentes e em parte consideradas pelo Tribunal impunham claramente que aquele facto fosse dado como provado.

K) Existe pois violação da lei processual, porque existe um exercício anormal do princípio da livre apreciação da prova (art.º 607.°, n.º 5 C.P.C.) e existe contradição clara entre os fundamentos de facto e a decisão adotada.

L) A livre apreciação da prova tem limites, não correspondendo nem se confundindo com arbitrariedade nem com a livre vontade de juiz, sujeita aos seus humores ou caprichos. Na livre apreciação da prova, o Tribunal não pode decidir a factologia em sentido diametralmente oposto ao da prova produzida.

M) Em face do exposto tem necessariamente de se admitir que o tribunal a quo incorreu, de facto, num erro ostensivo e grosseiro na apreciação da prova, numa apreciação totalmente arbitrária da prova e ignorou e contrariou diretamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios considerados pelo Tribunal e a decisão deste sobre este ponto concreto da matéria de facto.

N) O Tribunal a quo violou assim frontalmente o disposto nos art.ºs 607.° n.ºs 4 e 5, 662.° n.º 1 sendo por consequência nulo o acórdão recorrido nos termos do art.º 615.° n.º 1 als. b) e c) ex vi art.º 666.°, n.º 1, todos do C.P.C ..

O) Ao apreciar o facto consistente em:

as rendas estabelecidas por acordo entre a HH, SA e a AA encontravam-se sensivelmente abaixo dos valores de mercado. (F3)

a análise pelo Tribunal deste concreto ponto limitou-se à reprodução de parte da argumentação apresentada pelos Recorrentes relativamente a este ponto (que nada tem de surpreendente) e a colagem (em discurso indireto) de um excerto do depoimento da testemunha LL que os Recorrentes haviam indicado, não exatamente a propósito deste ponto concreto, mas de um outro, relativo ao estabelecimento dos valores das rendas que a AA, S.A. passou a pagar depois da cisão-fusão.

P) Mais uma vez o Tribunal recorrido não exerceu convenientemente os poderes que lhe competiam porquanto não apreciou todos os elementos probatórios que os Recorrentes expressamente indicaram em abono do facto que pretendem ter como provado, existindo assim ausência de pronúncia.

Q) Por outro lado, estando em causa saber se apesar daquilo que a testemunha LL afirmou (que em nada invalida o facto que se pretende ver provado), ainda assim as rendas concretamente estabelecidas se encontravam sensivelmente abaixo dos valores de mercado, a operação que se impunha que o Tribunal efetuasse não era esta, que nada analisa e nada resolve, nem se encontra fundamentada pois nem sequer refere, p. ex., em que medida o facto de a ROC ter afirmado o que afirmou impede ou impossibilita o concreto facto que se quer ver provado.

R) A operação que o Tribunal deveria ter efetuado é aquela que os Recorrentes indicam na sua alegação e conclusão NN), a saber: a análise comparativa dos factos provados 66.° a 75.°, pois se dos factos 66.° a 69.° constam os elementos (características imobiliárias e respetivos valores) recolhidos na consulta ao mercado efetuada pelos administradores e nos factos 70.° a 75.° as caraterísticas principais em confronto dos imóveis alugados, o que o Tribunal teria de fazer era uma comparação entre as características e valores de uns e outros para responder ao facto em causa. O que o Tribunal não fez.

S) No entender dos recorrentes verifica-se neste ponto concreto, uma deficiência grosseira na apreciação da matéria de facto, com omissão de pronúncia, pois não realiza a exegese crítica das provas que para aquele fim os Recorrentes expressamente indicaram, não indica as ilações retiradas dessa análise conjugada eventualmente com outra prova constante dos autos e não especifica em que medida a prova que considerou é impeditiva do facto perguntado, como estava obrigado por imposição dos art.ºs 607.°, n.º 4 e 663.°, n.º 2 do C.P.C.,

T) Existe pois violação da lei processual, porque existe um exercício anormal e grosseiro dos poderes do julgador e consequente violação do princípio da livre apreciação da prova (art.º 607.°, n.º 5 C.P.C.).

U) Em face do exposto tem necessariamente de se admitir que o tribunal a quo realizou uma apreciação totalmente arbitrária da prova e ignorou e contrariou diretamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer aqui também que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios considerados pelo Tribunal e a decisão deste sobre este ponto concreto da matéria de facto e violou assim frontalmente o disposto nos art.ºs 607.° n.ºs 4 e 5, 662.° n.º 1 sendo por consequência nulo o acórdão recorrido nos termos do art.º 615.° n.º 1 al. b) e c) ex vi art.º 666.°, n.º 1, todos do C.P.C.

V) Relativamente à apreciação do facto consistente em:

o acréscimo de despesa, bem assim como o acréscimo líquido de despesa verificado foi absolutamente irrelevante para a criação ou agravamento da situação da AA, SA (F6 e F11). os Recorrentes não se podem conformar com a afirmação de que não se descortina nem os apelantes identificam qual o meio probatório que impõe tal conclusão, porquanto tal afirmação não corresponde nem de perto nem de longe à realidade. Basta uma simples leitura das alegações e das conclusões da apelação apresentada para se chegar à conclusão contrária. Não só no quadro constante da conclusão O) constam os concretos depoimentos em que os Recorrentes se fundam para pugnarem por esta alteração à matéria de facto, assim como constam na alegação (vide págs. 19 e segs.) e na conclusão VV).

W) Relativamente a este ponto concreto, o Tribunal recorrido não reapreciou os concretos depoimentos das testemunhas LL e MM indicados pelos Recorrentes. Apenas tomou em consideração o depoimento do Sr. Perito. Ou seja, não tomou em consideração todas as provas cuja apreciação lhe foi solicitada e que no entender dos Recorrentes, no conjunto, eram essenciais para aquele fim e foi consequentemente parcial e violou o art.º 4.° do C.P.C.

X) Por outro lado, limita-se a reproduzir um excerto do depoimento do Sr. Perito, sem explicar em que medida o mesmo é decisivo para inculcar decisão diversa, não analisa a perspetiva histórica contida em tal depoimento [a crise mundial, a redução das vendas (fator que segundo o próprio Perito, se não tivesse ocorrido a medida implementada seria aliás fiscal mente melhor para a insolvente]. Em suma, sem fundamentar, em absoluto, a decisão tomada.

Y) O Tribunal a quo violou assim frontalmente o disposto nos art.ºs 607.° n.ºs 4 e 5, 662.° n.º 1 sendo por consequência nulo o acórdão recorrido nos termos do art.º 615.° n.º 1 al. b) ex vi art.º 666.°, n.º 1, todos do C.P.C.

Z) Por fim, o acórdão recorrido aprecia de uma penada os factos relativos aos:

alegados acréscimos das despesas verificados e as quantias a deduzir relativas ao pagamento dos respetivos impostos ou ainda a retenção na fonte consignados sob F4, F5, FB, F9 e F10

resolvendo a questão referindo por um lado que inexiste nos autos qualquer elemento de prova que revele o montante dos impostos liquidados ou retidos e por outro que, o valor dos acréscimos das despesas verificadas resulta da operação aritmética entre o valor das prestações pagas à data da Cisão-Fusão factos provados sob os n. Os 63. ° a) e b) e 64. o e o valor que passou a pagar após a celebração dos contratos de arrendamento que constam dos factos provados sob os n.ºs 12 e 13°, sem chegar a quantificar.

AA) Mais uma vez o Tribunal a quo nega-se a cumprir a sua função e a reapreciar devidamente a matéria de facto, desta feita, resolvendo todas aquelas questões num único parágrafo e com argumento não correspondente com a realidade, pois nos autos existem efetivamente elementos de prova que revelam os montantes dos impostos liquidados e retidos (nesse aspeto objetivo existe p. ex. o Relatório elaborado pela PJ, sem prejuízo das reservas que os Recorrentes lhe opuseram, mas que nessa vertente objetiva não colocaram em questão).

BB) Já quanto à interpretação desses dados objetivos, ou na falta deles, os conhecimentos exatos e diretos das testemunhas cujos concretos depoimentos os Recorrentes pretendem ver reapreciados (LL e MM, respetivamente ROC e TOC da empresa insolvente) são fundamentais para dar ao Tribunal, não só o conhecimento desses factos mas ainda a verdadeira perceção dinâmica da realidade. Trata-se de matéria que não se tem de provar apenas por documento.

CC) Igualmente quanto ao valor dos acréscimos das despesas verificadas após a operação de cisão-fusão, a reapreciação dos concretos depoimentos indicados pelos Recorrentes para o efeito são fundamentais para o Tribunal poder quantificar a real diferença e assim dar como provados os factos indicados em F4, F5, F8, F9 e F10.

DD) O Tribunal a quo violou assim frontalmente e uma vez mais o disposto nos art.ºs 607.º n.ºs 4 e 5, 662.º n.º 1 sendo por consequência nulo o acórdão recorrido nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) ex vi art.º 666.0, n.º 1, todos do C.P.C.

EE) Voltando ao acima concluído é claro que a Relação teria ainda de resolver a questão que se prende com a declaração de inexistência de produção de qualquer prova relativamente ao valor real dos bens imóveis transmitidos.

FF) Esta questão encontra-se expressamente abordada na conclusão S) da apelação apresentada, claramente incluída no âmbito da reapreciação da matéria de facto que a Relação terá de efetuar (vide conclusão G) da Revista conjugada com a respetiva decisão).

GG) Esta questão, que é matéria de facto, reveste-se de primordial importância, porquanto é complementar do facto F1 pugnado pelos Recorrentes e é vasta a prova testemunhal expressamente indicada pelos Recorrentes no sentido por estes pretendido, nomeadamente o depoimento do Sr. Perito.

HH) Ao não ter analisado esta a questão concreta o Tribunal recorrido violou o disposto nos art.ºs 662.0, n.º 1, 607.0, n.º 4 e 608.0, n.º 2, sendo por consequência nulo nos termos do disposto no art.° 615.0, n.º 1 als. b) e d) ex vi art.° 666.0 do C.P.C.

II) Em resumo, não obstante a aparência de reapreciação da matéria de facto, o Tribunal recorrido não realizou em bom rigor essa atividade, não o fez em sentido próprio e normal, não ponderou com normalidade e de forma séria ou empenhada os concretos meios probatórios indicados pelos Recorrentes relativamente a cada questão suscitada por estes, umas vezes decidiu arbitrariamente contra as provas que estava a considerar, outras vezes sem a análise integral de documentos para os quais olhou, e fez uma utilização grosseira dos poderes de julgar ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova.

JJ) A atuação do Tribunal recorrido não pode ser admitida porque contrário às garantias processualmente previstas de um efetivo duplo grau de apreciação da matéria de facto: a manobra de fundamentar de qualquer maneira a matéria de facto mas sem examinar efetivamente as provas pertinentes para a questão viola claramente aquele direito.

KK) A livre apreciação da prova não pode permitir tudo, i.e., que se admita como conforme as regras que o Tribunal cumpra a sua função de julgar e de apreciar a prova produzida quando, como parece ser aqui, propositadamente, para se escusar, na prática, a reapreciar efetivamente concretos pontos da matéria de facto que são essenciais para o correto desfecho do processo (e consequentemente para a vida dos Recorrentes, porque o desfecho deste processo terá inegáveis reflexos na vida real destes), pegue em provas mais ou menos desgarradas, mais ou menos a propósito das questões em apreciação, sem exame critico e sem fundamentação logico-racional, e se considere devidamente cumprida aquela função.

LL) Quando a argumentação lógico-racional não tem ligação estreita e profunda com a questão em apreciação não se pode considerar devidamente observado o princípio da livre apreciação da prova.

MM) A atuação descrita do Tribunal recorrido põe em causa o direito dos Recorrentes a um processo judicial equitativo e à tutela jurisdicional efetiva, que assim viola (art.º 1.° e 20.°, n.º 4 da CRP).

Terminam dizendo que “deve o acórdão recorrido ser anulado e consequentemente determinado o conhecimento da impugnação da matéria de facto suscitada pelos Recorrentes na sua apelação, seguindo-se os demais termos.”

                                                           +

Não se mostra oferecida qualquer contra alegação.

                                                           +

O tribunal recorrido pronunciou-se sobre as nulidades imputadas ao acórdão, indeferindo-as (fls. 1782 e seguintes).

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

É questão a conhecer:

- Violação ou errada aplicação da lei de processo e nulidades do acórdão.

                                                           +

II - FUNDAMENTAÇÃO

Não suscita dúvidas que não está defeso ao Supremo verificar em sede de recurso de revista se a Relação exerceu de forma processualmente conveniente os seus poderes em sede de facto (v. a propósito a alínea b) do nº 1 do art. 674º do CPCivil). Como nos diz Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., p. 255), citando a propósito jurisprudência vária, “(…) o Supremo reiteradamente vem assumindo o entendimento de que, embora não possa censurar o uso feito pela Relação dos poderes conferidos pelo art. 662º, nºs 1 e 2, já pode verificar se a Relação, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites traçados pela lei para os exercer”.

Os Recorrentes imputam ao acórdão recorrido a violação dos art.s 662.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPCivil, do que decorreria, conforme os casos, a existência das nulidades previstas nas alíneas b), c) e d) do mesmo Código.

Mas, quanto a nós, carecem de razão.

Diferentemente do que sustentam os Recorrentes, o tribunal recorrido ocupou-se de forma processualmente regular da impugnação dos factos, cumprindo com suficiência as exigências indicadas no n.º 4 do art. 607.º do CPCivil. O que se passa é, simplesmente, que não o fez de forma coincidente com o ponto de vista dos Recorrentes, mas isto não tem a propriedade de tornar ineficiente a atuação do tribunal recorrido e nulo o respetivo acórdão.

Na realidade, percorrendo a alegação produzida no presente recurso, verifica-se que o que está em boa parte em causa é, embora sob as vestes de pretensos desvalores processuais, a discordância acerca do juízo apreciativo das provas, que imporiam (na perspetiva dos Recorrentes) resultado diferente do que foi adotado no acórdão recorrido (a conclusão M) é eloquente quanto à bondade desta afirmação). Ocorre, porém (e como tem sido reiteradamente afirmado na doutrina e na jurisprudência), que não há que confundir entre nulidades de decisão e erros de julgamento. As primeiras (errores in procedendo) são vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, isto é, trata-se de vícios que afetam a regularidade do silogismo judiciário) da peça processual que é a decisão, nada tendo a ver com supostos erros de julgamento (errores in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria jurídico-conclusiva (direito). As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao direito aplicável ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico).

De outro lado, importa ter presente que em sede de recurso de revista não cabe ao Supremo (salvas as exceções legais) o poder de controlar o erro na apreciação das provas (art.s 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2 do CPCivil), mas, em parte, acaba por ser isso que os Recorrentes estão, indiretamente (ao significar que o julgamento dos factos não foi idóneo), a pretender que este Tribunal faça.

Ora, no seu recurso de apelação os Recorrentes entendiam que o tribunal recorrido havia de ter concluído pela comprovação das seguintes realidades:

F1 - o valor contabilístico dos ativos transmitidos na cisão-fusão não correspondia ao valor real, ao valor de mercado dos mesmos;

F2 e F7 - depois de obtido parecer jurídico independente relativo à operação da cisão-fusão e avaliação independente aos ativos objecto daquela, os credores decidiram por unanimidade não resolver a operação de cisão-fusão a favor da massa insolvente;

F3 - as rendas estabelecidas por acordo entre a HH, SA e a insolvente encontravam-se sensivelmente abaixo dos valores de mercado;

F4 - o acréscimo de despesa que se verificou foi de cerca de €31.000,00 em todo o período que mediou entre a cisão-fusão e a cessação dos arrendamentos;

F5 e F10 - a HH, S.A. suportou a quantia mensal de €315,00 e ainda a quantia mensal entre €4.000,00 e €5.000,00 anual relativa ao IMI dos dois imóveis (a descontar ao referido acréscimo de despesa);

F6 e F11 - o acréscimo de despesa não teve implicação para a criação ou agravamento da situação da insolvente;

F8 - o acréscimo de despesa que se verificou corresponde a €2.070,00 por mês (a multiplicar pelo número de meses do período que mediou ente a cisão -fusão e a cessação dos arrendamentos);

F9 - este acréscimo não era efetivamente recebido pela HH porque era retido pela insolvente a título de retenção na fonte de IRC.

A estas matérias deu o tribunal recorrido a resposta que entendeu dar, como resulta do texto do respetivo acórdão. E essa resposta afigura-se suficiente, fundamentada e clara, e daqui que o acórdão recorrido não padeça de qualquer das irregularidades apontadas pelos Recorrentes. Se tal resposta não foi porventura a cabida em face dos meios de prova convocados pelos Recorrentes (ou em face de quaisquer outros disponibilizados no processo), isso já é assunto estranho quer à temática da violação ou errada aplicação da lei de processo, quer à temática das nulidades de decisão, quer aos poderes de intervenção do Supremo.

Cumpre justificar a afirmação de que o tribunal recorrido se pronunciou de forma processualmente regular sobre a impugnação dos factos, o que se passa a fazer.

No que respeita aos factos identificados sob F2 e F7, e pegando nos meios de prova documentais a que aludiram os ora Recorrentes, disse o acórdão recorrido o seguinte:

«Compulsados os mesmos verifica-se que o documento constante de fls. 1061 a 1063 dos autos de insolvência corresponde à acta de reunião da comissão de credores de 12-11-2010 segundo a qual consta como ponto 2. da ordem de trabalhos, no que ora interessa:

“Emissão de parecer relativamente à resolução cisão-fusão operada entre a sociedade AA, S.A. e a sociedade HH, S.A.”

Quanto a tal questão o representante do II absteve-se, conforme da mesma consta.

Em relação aos docs. de fls. 933 a 936 e segs. trata-se da acta de reunião da comissão de credores de 21-9-2010 na qual foi deliberado, no que se reporta ao ponto três da ordem de trabalhos, o qual referia “Resolução do contrato de cisão-fusão das sociedades AA, SA. e HH, SA.”, “… encomendar um estudo económico/jurídico, a ser efectuado por um escritório de advogados, em que o mesmo indique a viabilidade, o tempo e os custos associados à resolução desse contrato.”

Destarte, os documentos relevados pelos recorrentes não podem sustentar a sua pretensão.»

Deste excerto resulta que se entendeu que os documentos em causa não provavam o facto em questão, qual seja, a existência de uma decisão unânime dos credores no sentido do administrador da insolvência não avançar com a resolução do ato de cisão-fusão.

E, contrariamente ao que pretendem os Recorrentes, não pode dizer-se de forma alguma que o tribunal a quo “não deverá ter lido o documento todo”. É que o que “o documento todo” revela é que a anunciada decisão unânime dos credores não existiu, por isso que o credor II se absteve. Observe-se que na perspetiva dos ora Recorrentes, tal como desponta da sua alegação na apelação (ver também as conclusões S), T) e X) desse recurso), radicar-se-ia no caráter unânime da deliberação de não resolução o aspeto relevante da questão, e terá sido por isso que o tribunal recorrido se limitou a aludir à parte do documento (a parte que se reporta à abstenção do II) que denega esse caráter unânime. Nesta medida, cremos que nada vale a argumentação, que se afigura ser já de remediação, que agora vem desenvolvida no presente recurso, tal como sintetizada na conclusão D).

Pelo que fica dito resulta que as ineficiências processuais mencionadas nas conclusões A) a F) não existem, de modo que improcedem tais conclusões.

No concernente ao facto identificado sob F1, pronunciou-se o acórdão recorrido nos seguintes termos:

«Defendem ainda os recorrentes que, face aos depoimentos das testemunhas LL, MM e do Perito deve considerar-se provado que “O valor contabilístico dos activos transmitidos na cisão-fusão não correspondia ao valor real, ao valor de mercado dos mesmos”.

Apesar disso, admitem expressa e reiteradamente, nas suas alegações que, e passa-se a reproduzir:

“Era pois fundamental neste incidente saber qual o valor real ou de mercado dos ativos já que o valor contabilístico dos mesmos não correspondia àquele. Porém, não foi efetuada qualquer prova do valor real dos ativos transmitidos através da Cisão-Fusão, nem tal facto foi sequer quesitado.

Repita-se, nos presentes autos não foi produzida qualquer prova sobre o valor real do “património imobiliário” da AA, S.A. rectius, dos ativos transmitidos pela Cisão-Fusão.

Em bom rigor também, só o imóvel de ... podia ser considerado património da AA, S.A.. O imóvel de … não era propriedade da insolvente. Em qualquer caso, não foi produzida qualquer prova sobre o valor real ou de mercado de qualquer um destes dois ativos.”

Parece pois inexistir desde logo termo de comparação fidedigno, como é expressamente reconhecido.

Ademais basta reproduzir os excertos dos depoimentos que os recorrentes relevam para se concluir que os mesmos jamais podem sustentar a prova pretendida.

Do depoimento da testemunha LL, resulta que “qualquer um dos dois imóveis foi inscrito na contabilidade da AA, S.A. pelo valor de aquisição por ser essa a regra base da contabilidade e depois foram desvalorizados anualmente por via das respetivas amortizações estabelecidas legalmente.

Estas amortizações nada têm a ver com o valor real de valorização ou desvalorização dos imóveis mas antes com o valor anualmente permitido tendo em conta a vida útil do respetivo bem, também estabelecido legalmente.

Fora destes casos, um bem só é desvalorizado contabilisticamente perante ...uma situação anormal, um incêndio e ele perde o valor.... Ou seja, as variações dos valores do mercado não têm influência no valor contabilístico dos bens.”

E do depoimento da testemunha MM resulta que. não obstante em termos meramente contabilísticos existir uma diferença positiva entre ativos e passivos transmitidos de € 151.568,1512, ou seja, em termos meramente contabilísticos, os ativos transmitidos valerem mais aquele valor do que os passivos transmitidos refere claramente e sem dúvidas de que o valor pelo qual foram transmitidos corresponde sempre ao "valor histórico dos edifícios " ou "registo contabilístico do bem " não refletindo de todo o valor real de mercado desses mesmos bens.”

Ora de tais depoimentos tão só se pode concluir sobre quais as regras base da contabilidade de uma sociedade no que se reporta à inscrição de activos.

Ademais importa destacar ainda, a transcrição do depoimento da Sr. Perito:

Advogado: E a outra questão que lhe queria colocar tem a ver, aqui quando se fala na cisão fusão que o que foi transmitido foram ativos e passivos, quando falamos em ativos estamos a falar no ativo pelo valor contabilístico, não tem nada a ver com o valor real do ativo. E verdade?

Perito: Sim.

Advogado: O passivo esse é certo?

Perito: Sim.

Advogado: O que lá está é exatamente aquilo que se deve. O ativo não. Na realidade pode ter valorizado ou desvalorizado?

Perito: Sim.

Advogado: Isto é verdade. Esta operação consubstancia um risco?

Perito: Sim, sim, sim.

Advogado. Portanto, se o ativo se desvalorizar muito, o risco neste caso foi para quem? Para o adquirente, para a nova sociedade?

Perito: E assim, analisado, não conheço o valor real certo? Continuo sem conhecer o valor real do imóvel mas só pelo conhecimento do mercado eu diria que, do ponto de vista daquilo que se veio a verificar, o risco foi cair em cima do adquirente, que à data é aqui uma questão de conjuntura. Efetivamente o mercado desvalorizou bastante. " (sublinhado nosso)

Temos assim por evidente que tais meios probatórios não impõem a prova pretendida.»

Deste excerto decorre que - a mais inclusivamente da existência de um reconhecimento dos Recorrentes no sentido da ausência de prova sobre o valor real ou de mercado dos bens imóveis (valor esse cujo conhecimento seria indispensável para se aferir da alegada falta de correspondência do valor contabilístico com o real ou de mercado - se entendeu que a prova pessoal (testemunhal e por declarações do perito) convocada pelos Recorrentes não era de molde a mostrar a realidade do facto em discussão. E o tribunal explicou porquê, aduzindo precisamente a inconsistência das provas em que os Recorrentes se apoiavam. De novo: não cabe a este Supremo controlar a bondade da apreciação que foi feita dessas provas.

Donde, de nenhuma irregularidade processual padece o acórdão recorrido, com o que improcede o que em contrário se sinaliza nas conclusões G) a N).

E pelo que fica dito, necessariamente que improcedem também as conclusões EE) a HH).

Relativamente ao facto identificado sob F3 pronunciou-se o acórdão recorrido nos seguintes termos:

«Sustentam ainda os apelantes que o tribunal deve considerar provado que “as rendas estabelecidas por acordo entre a HH, SA e a AA encontravam-se sensivelmente abaixo dos valores de mercado.”, pese embora argumentem e passa a reproduzir-se: “Quanto ao pós Cisão-Fusão e ao valor das rendas que a AA, S.A. passou a pagar à HH, S.A. após aquela operação e que são os montantes que se encontram provados nos factos 12.° e 13. ° provou-se que:

66.° - Para efeitos da fixação das rendas daqueles dois imóveis, foram tidos em conta os valores de mercado obtidos através de consultas verbais a agências imobiliárias.

67. ° - Nessas consultas resultou que os valores das rendas praticadas no concelho de ... e de ... eram semelhantes.

68.° - E que os valores das rendas para o comércio que se praticavam nos imóveis em ... situados na E. N. n.º 125 perto do imóvel locado à AA, S.A. eram os seguintes:

a) Loja com 460 m2 de r/c - Euros 3.600,00;

b) Loja com 900 m2 no r/c + 900 m2 no Io andar - Euros 12.000,00;

c) Loja com 900 m2 de r/c - Euros 8.000,00;

d) Loja com 1190 m2 de r/c - Euros 8.500,00.

69.° - Os imóveis cujos valores são referidos no quesito anterior não eram servidos por estacionamento privativo nem o imóvel de 2 pisos por elevador.

70.° - O imóvel de ... afeto à AA, S.A. tem 1150 m2 num só piso, tem estacionamento privativo.

71.°- O que o valoriza muito.

72.° - E situa-se também junto E. N. n. ° ….

73.° - O imóvel de ... afeto à AA, S.A. tem 1000 m2 dividido em dois pisos com elevador.

74.°- O que o valoriza muito.

75.° -E situa-se junto E. N. n. ° ….

Destes factos tem de se concluir, que os valores das rendas que foram estabelecidas para o arrendamento dos imóveis de ... e de ... à AA, S.A. estão de acordo com os valores do mercado, atenta as áreas, valências e localização dos mesmos, i.e., estão de acordo com os preços praticados nas respetivas zonas em arrendamentos similares, sendo de notar, numa análise comparativa com aqueles, que ainda assim são significativamente inferiores às rendas de referência.

Como resulta das normas (fiscais) aplicáveis, quando se estabelecem relações jurídicas entre sociedades detidas pelas mesmas pessoas ou com os seus sócios ou administradores, aquelas têm de ser estabelecidas por valores de mercado. Tal foi precisamente o que aconteceu neste caso.”

Mas para além da surpreendente argumentação dos apelantes, a verdade é que basta atentar nos excertos dos depoimentos relevados para que nenhum imponha a decisão pretendida, designadamente a testemunha LL, declarou ter sido ROC da empresa desde 2000 até à declaração de insolvência desta, começou por declarar que as regras aplicáveis determinam que quando há negócios entre sociedades e os seus sócios aqueles negócios têm de ser efetuados a valores de mercado; em conformidade aconselhou na altura que a administração procurasse saber junto do mercado e se documentasse relativamente aos valores de mercado para arrendamentos do género tendo a ideia de que tal veio a ser feito.»

Deste excerto retira-se - e a mais de uma apontada incoerência (rectius, trata-se na realidade de um reconhecimento do facto contrário) dos Recorrentes - que se entendeu que a prova pessoal convocada por estes não apoia o ponto de vista factual que vieram defender. Também aqui importa repetir que não cabe a este Supremo controlar a bondade da apreciação que foi feita das provas.

Não se subscreve, deste modo, a acusação de que estamos aqui perante ineficiências processuais. Da mesma forma que não se vislumbra que “análises comparativas”, que “exegese crítica das provas”, que “ilações retiradas dessa análise conjugada eventualmente com outra prova constante dos autos” e que especificação “em que medida a prova (…) é impeditiva do facto perguntado” é que deveriam ter tido lugar adicionalmente.

Donde, improcedem necessariamente as conclusões O) a U).

No que se refere à factualidade identificada sob F4, F5, F8, F9 e F10 é de dizer que o acórdão recorrido explicita que inexistem provas que revelem o montante dos alegados impostos liquidados ou retidos. Ou seja, no juízo apreciativo do tribunal recorrido os elementos probatórios disponibilizados no processo - entre estes, naturalmente, aqueles a que se reportaram os Recorrentes na sua apelação - não mostravam a existência de encargos não pagos pela insolvente (mas, ao invés, pela HH, SA). De novo aqui se deixa dito que não compete a este Supremo escrutinar a bondade desse juízo, que tem exclusivamente a ver com o entorno factual da causa.

E quanto à questão do valor dos acréscimos das despesas, o tribunal recorrido não deixa de responder a essa questão, aí onde significa que o valor é o que resulta da diferença entre os montantes que a insolvente passou a pagar a título de arrendamento e aqueles que suportava à data da cisão-fusão. Apenas sucede que não procedeu a qualquer quantificação dessa diferença (assunto que, porém, foi depois sopesado em sede jurídico-conclusiva).

Deste modo, cremos que o tribunal recorrido se ocupou com suficiência, e de forma fundamentada e clara, da matéria de facto em questão, com o que improcedem as conclusões Z) a DD).

No que tange à matéria identificada sob F6 e F11, é de referir que a mesma se resolve numa asserção complexa, cuja suscetibilidade de operacionalização como matéria de facto só seria possível se se conhecesse com um mínimo de rigor os custos que a insolvente deixou de suportar (a magnitude da eventual diferença entre estes custos e aqueles que a insolvente passou a suportar é que permitiria aferir da alegada irrelevância para a situação da insolvente). Foi dentro deste pressuposto que se entendeu no anterior acórdão deste Supremo proferido nos autos que nos movíamos ainda no contexto da matéria de facto, como se infere do que nele se mostra escrito na respetiva p. 12. De outra forma estar-se-ia claramente perante matéria jurídico-conclusiva, por ter a ver com o próprio objeto jurídico da causa.

Ocorre, porém, que tais custos não são conhecidos, e daqui que se compreende que o acórdão recorrido tenha como que desconsiderado (sob os dizeres de que “[n]ão se descortina nem os apelantes identificam qual o meio probatório que impõe tal conclusão”) a prova pessoal convocada pelos Recorrentes. É que, neste contexto, a questão acaba por se reconduzir a matéria jurídico-conclusiva, ficando afastada desse modo a possibilidade de receber tratamento como facto (ainda que complexo).

Ainda assim o tribunal recorrido atendeu às declarações do perito, e estas, na avaliação do mesmo tribunal (e que, repete-se mais uma vez, a este Supremo não compete controlar), eram adversas à tese dos Recorrentes. Disse, a propósito, o acórdão recorrido que:

«(…) o depoimento do Sr. Perito na parte transcrita inculca mesmo conclusão diversa como se pode constatar:

“Do ponto de vista da questão do valor das rendas, é assim: o valor das rendas efetivamente contribuíram para o prejuízo da empresa; têm uma relevância, mas uma relevância à luz daquilo que foi a quebra de vendas, não é assim, não havia muito mais, não havia muito mais a acontecer àquela empresa que não fosse o caminho da insolvência.

Juiz: Foi aqui dito que quanto a esta diferença, aquela era aparente e não real. Foi-nos dito que pese embora a AA, S.A. passasse a pagar valor superior em rendas relativamente ao valor que antes pagava pelos financiamentos, quer com a locação, quer com o empréstimo para aquisição dos outros imóveis, que ainda assim depois, em termos contabilísticos, não resultava diferença substancial, porque as rendas são dedutíveis de forma diferente, elas abatem ao lucro que a empresa ... não é ao lucro, é ao resultado, enquanto que o custo dos financiamentos não é considerado da mesma forma que temos estado (impercetível).

Perito: Nem todos os, ou seja, a empresa do ponto de vista do dinheiro, quando pagava uma renda, quando pagava uma renda ao banco, ao fim ao cabo, quando pagava o leasing, estava a pagar juros, uma componente de juros e uma componente de capital. A componente de juros ia a custos da empresa. A componente de capital não. Por outro lado tinha as amortizações do bem, que quando comprou não foi logo um custo, mas ao longo do tempo ia sendo custo por via das depreciações. Normalmente o que acontece é que existe uma desvantagem fiscal quando se compra um imóvel porque um imóvel tem um prazo de amortização de 20 anos, p. ex. e o empréstimo normalmente não é tão longo, ou seja, a cadência com que se paga e a cadência com que se pode levar esses pagamentos a custos está diferida no tempo. Isso não acontece com as rendas. Do ponto de vista fiscal, olhando para essa operação é vantajoso para a empresa a questão de ter uma renda em vez de uma amortização. Agora obviamente depois há outro aspeto patrimonial. Chegado ao final da vida útil, o bem também tem valor. Mas olhando para a operação, olhando para a comparação entre uma coisa e outra, se a empresa tivesse no seu funcionamento normal, i.e. se estivesse a dar lucros traria vantagens do ponto de vista económico acrescidas, esse aspeto de estar a funcionar dessa forma portanto acabava por sair beneficiada. Agora, para isso precisava de ter resultados positivos, de outra forma, o benefício acaba por se perder.“

Deste modo, de nenhuma ineficiência processual padece o acórdão recorrido ao não ter considerado provado que “o acréscimo de despesa, bem assim como o acréscimo líquido de despesa verificado foi absolutamente irrelevante para a criação ou agravamento da situação da AA, SA”. E, pelo que fica dito, não é de subscrever a afirmação dos Recorrentes de que tal decisão não contém fundamentação.

Improcedem pois as conclusões V) a Y).

De tudo o que vem sendo exposto resulta necessariamente a improcedência das conclusões II) a MM). Repete-se que o tribunal recorrido não deixou de proceder ao escrutínio dos factos cuja indagação lhe foi cometida na apelação, apenas sucede que o fez de forma que não vai ao encontro daquilo que os Recorrentes entendem que devia ter sido assumido. Mas esta última circunstância não tem a capacidade de afetar a regularidade processual da atuação do tribunal recorrido nem caracteriza uma situação de processo não equitativo ou de supressão de uma tutela jurisdicional efetiva. E o referido escrutínio apresenta-se suficiente, fundamentado e claro.

Não se encontra, deste modo, razão suficientemente válida para, como pretendem os Recorrentes, anular o acórdão recorrido e “determinar o conhecimento da impugnação da matéria de facto suscitada pelos Recorrentes na sua apelação”.

Improcede pois o recurso.

V – DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista.

Regime de custas

Os Recorrentes são condenados nas custas do recurso.

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Sumário

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Lisboa, 10 de setembro de 2019

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Henrique Araújo