Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ROSA TCHING | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO REAPRECIAÇÃO DA PROVA ÓNUS DE ALEGAÇÃO CASO JULGADO MATÉRIA DE FACTO GRAVAÇÃO DA PROVA TRANSCRIÇÃO DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO CONCLUSÕES PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO | ||
| Data do Acordão: | 10/03/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO. | ||
| Doutrina: | - Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5.ª ed., p. 169 a 175; - Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, p. 697; - Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1974, p. 19; - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 580; - Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, p. 447; - Vaz Serra, RLJ, Ano 97º, p. 57. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 640.º, N.ºS 1, ALÍNEAS A), B) E C) E 2, ALÍNEA A), 652.º, N.º 1, ALÍNEA A) E 662.º, N.º 1. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 19-02-2015, PROCESSO N.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 19-02-2015, PROCESSO N.º 99/05.6TBMGD.P2.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 22-10-2015, PROCESSO N.º 212/06.3TBSBG.C2.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 29-10-2015, PROCESSO N.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 28-04-2016, PROCESSO N.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1; - DE 17-05-2018, PROCESSO N.º 3811/13.3TBPRD.P1.S1; - DE 08-10-2018, PROCESSO N.º 478/08.4TBASL.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 21-03-2019, PROCESSO N.º 3683/16.6T8CBR.C1.S2, IN WWW.DGSI.PT. | ||
| Sumário : | I. Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
II. Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
III. Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.
IV. Tendo os recorrentes indicado, nas suas alegações de recurso, apenas o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte, sem acompanhar essa indicação de qualquer transcrição dos excertos das declarações e depoimentos tidos pelos recorrentes como relevantes para o julgamento do objeto do recurso, impõe-se concluir que os recorrentes não cumpriram o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos nº art. 640º, nº 2, al. a) do CPC, na medida em que, nestas circunstâncias, a falta de indicação das passagens concretas de tais excertos torna extramente difícil, quer a respetiva localização por parte do Tribunal da Relação, quer o exercício do contraditório pelos recorridos.
V. Relativamente ao recurso da decisão da matéria de facto, está vedada ao relator a possibilidade de proferir despacho de aperfeiçoamento, na medida em que, em matéria de recursos, o artigo 652º, nº1, al. a), do Código de Processo Civil, limita essa possibilidade às «conclusões das alegações, nos termos do nº 3 do artigo 639º».
VI. O caso julgado resultante do trânsito em julgado da sentença proferida num primeiro processo, não se estende aos factos aí dados como provados para efeito desses mesmos factos poderem ser invocados, isoladamente, da decisão a que serviram de base, num outro processo. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2ª SECÇÃO CÍVEL I. Relatório 1. AA e BB intentaram a presente ação declarativa, que corre termos sob a forma ordinária, contra CC e DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ, KK, LL, MM e NN e OO, pedindo que: a) se declare e os réus reconheçam que entre os prédios identificados nos artigos 13º a 17º da petição inicial existe um pátio ou reduto com a área, configuração e situação descritas no artigo 6º da petição inicial; b) se declare e os réus reconheçam que esse pátio ou reduto pertence à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de PP e mulher QQ, por ter sido por eles adquirido por usucapião e não ter sido alienado ou partilhado por qualquer título válido e eficaz; c) se declare e os réus reconheçam que tal pátio ou reduto deve ser relacionado no processo de inventário nº 466/03.7TBGVA, instaurado por óbito dos seus titulares e bem assim que os autores são sucessores ou herdeiros dos inventariados PP e mulher QQ; d) sejam os réus MM e NN condenados a reconhecer que não têm qualquer título que legitime a sua ocupação exclusiva desse pátio, devendo restituí-lo aos autores e demais herdeiros no estado em que o ocuparam, ou seja, sem qualquer construção nele implantada; e) em alternativa, sejam os réus condenados a demolir toda a construção situada a nível superior à cobertura da garagem, designadamente toda a obra identificada no artigo 37º da petição inicial, transformando essa cobertura em terraço e permitindo aos autores a sua utilização sem qualquer restrição. Alegaram, para tanto e em síntese, que autores e réus são herdeiros legítimos de PP e QQ, por óbito dos quais corre termos processo de inventário, no qual a ré CC omitiu o relacionamento de um pátio ou releixo que, em anterior ação que correu termos nesse mesmo Tribunal, as três instâncias judiciais declararam existir. Esse pátio foi adquirido pelos inventariados por usucapião, interpondo-se entre três casas de habitação, atualmente pertencentes aos autores, a primeira, ao réu EE, a segunda, e aos réus MM e NN, a terceira. O dito pátio não foi objeto de qualquer doação por parte dos inventariados, fazendo, por isso, parte do acervo hereditário a partilhar no referido inventário. Porém, os réus MM e NN arrogam-se seus exclusivos proprietários, tanto assim que o ocuparam em quase toda a sua extensão com uma construção que autores e restantes réus não autorizaram, nele edificando uma garagem com piso superior, sendo que os autores apenas autorizaram uma construção em que a cobertura da garagem continuaria a servir os autores para ser usado como terraço ou espaço comum a que todos podiam aceder. 2. Citados, apenas os réus MM e NN contestaram, excecionando a ilegitimidade passiva, por não terem sido demandados todos os herdeiros. Invocaram a aquisição do reduto/pátio por usucapião e, subsidiariamente, alegaram que o valor do terreno no qual a garagem e o piso superior foram construídos, com a área de 70 m2, não era superior a € 2,50 por m2, sendo o valor da dita construção superior a € 20 000,00, alegando ainda que atuaram de boa-fé. Concluíram pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido e, em reconvenção, pediram: 1. A condenação dos autores a reconhecer que os réus reconvintes são donos e legítimos possuidores do prédio identificado no artigo 53º da contestação; 2. A declaração e condenação dos autores a reconhecer que o terreno designado por reduto ou quintal, e que os autores também denominam por pátio, é pertença exclusiva dos réus reconvintes, fazendo parte integrante do prédio urbano identificado no artigo 53º da contestação; 3. Subsidiariamente, devem os autores ser condenados a reconhecer que os réus reconvintes também adquiriram a propriedade do referido reduto ou quintal por acessão industrial imobiliária, nos termos do artigo 1340º do Código Civil. 3. Os autores replicaram, sustentando a não verificação da exceção de ilegitimidade e excecionando o caso julgado quanto aos dois primeiros pedidos reconvencionais. E, quanto ao último pedido reconvencional, alegaram não estarem verificados os requisitos da aquisição pela acessão, concluindo pela improcedência da reconvenção. 4. Os réus reconvintes treplicaram, alegando não estarem verificados os requisitos do caso julgado. 5. Admitida a reconvenção e proferido despacho saneador, nele julgou-se improcedente a exceção de ilegitimidade passiva e procedente a exceção de caso julgado quanto aos 1º e 2º pedidos principais, absolvendo-se os autores da instância quanto ao pedido subsidiário. 6. Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença. 7. Na sequência do recurso de agravo interposto pelos réus reconvintes, foi proferido acórdão que declarou a nulidade do despacho que conheceu da matéria de exceção sem cumprimento prévio do contraditório. 8. Cumprido o decidido pelo Tribunal da Relação, foram chamados a intervir terceiros ao lado dos reconvindos, superando-se, assim, a invocada preterição do litisconsórcio passivo. 9. Teve lugar a habilitação de herdeiros. 10. Na sequência da alteração do Código de Processo Civil, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 5º, nº 4, da Lei nº 41/2013, de 26/06, por despacho fundamentado proferido em 07.02.2016. 11. Proferido despacho saneador, nele julgou-se, quanto ao pedido reconvencional principal, procedente a exceção de caso julgado e, no que concerne ao pedido reconvencional subsidiário, procedente a invocada exceção de ilegitimidade passiva, absolvendo-se, nesta parte, os reconvindos da instância. Foram fixados o objeto do litígio e temas da prova. 12. Em sede de recurso e no que concerne ao pedido reconvencional subsidiário, foi revogada a decisão de absolvição da instância, baixando os autos à primeira instância para cumprimento do contraditório. Cumprido o decidido no acórdão e chamados os terceiros em falta, determinou-se o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido reconvencional subsidiário, caso fosse procedente a ação. 13. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu: 1. Julgar procedente a ação e, consequentemente: i) Declarar e condenar os réus CC e DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ, KK, LL, MM e NN, e OO, a reconhecerem, que entre os prédios identificados em B. dos factos provados existe um pátio ou reduto; ii) Declarar e condenar os réus a reconhecerem que esse pátio ou reduto pertence à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de PP e mulher QQ, por ter sido por eles adquirido por usucapião e não ter sido alienado ou partilhado por qualquer título válido e eficaz; iii) Declarar e condenar os réus a reconhecerem que tal pátio ou reduto deve ser relacionado no processo de inventário nº 466/03.7TBGVA, instaurado por óbito dos seus titulares e bem assim que os autores são sucessores ou herdeiros dos inventariados PP e mulher QQ; iv) Condenar os réus MM e NN a reconhecerem que não têm qualquer título que legitime a sua ocupação exclusiva desse pátio, devendo, por via disso, restituí-lo aos autores e demais herdeiros no estado em que o ocuparam, sem qualquer construção nele implantada. 2. Julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional, e, em consequência, absolver os reconvindos do pedido. 14. Inconformados com esta decisão, dela apelaram os réus para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão proferido em 19.03.2019, julgou improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos. 15. Inconformados com esta decisão, os réus MM e NN dela interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações cm as seguintes conclusões, que se transcrevem: «I – Os recorrentes indicaram com exatidão as passagens dos depoimentos gravados, sob pena de assim não se entender cair-se em excesso de formalismo e rigor que a dogmática processual, hoje mais agilizada e célere, pretende evitar. II – Deve revogar-se o despacho que indeferiu a requerida alteração da matéria de facto. III – Caso assim não se entenda deve revogar-se o despacho de indeferimento e substitui-lo por outro que convide os R.R. recorrentes a aperfeiçoarem tais passagens com exatidão. IV – Para boa decisão da causa devem aproveitar-se e ser considerados os factos provados na Acção 39/99, designadamente nos números em romano do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/01/2001 da mesma Acção. V – O Tribunal da Relação de Coimbra buscando e selecionando matéria de facto provada na Acção 39/99, procedeu de forma discriminatória e desigual, ofendendo os princípios da equidade, igualdade, proporcionalidade, não discriminação, igualdade de armas e direito à igualdade de posições processuais, previstos na Constituição da República Portuguesa nos Artigos 2º, 13º, 18º, nº 2 e 20º, n.ºs 1, 4 e 5. VI – Deverá revogar-se a decisão de não consideração dos factos provados na Acção 39/99 e anular-se todo o processado posterior e ser substituído por outro que aprecie a matéria de facto indicada no Artigo 37.º destas Alegações, ou mesmo toda a matéria de facto provada no dito Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. VII – O prédio dos R.R. está registado como consta da Alínea M. do Factos Provados, designadamente composto de casa de habitação de rés-do-chão, 1.º e 2º andares, com garagem e quintal, pelo que nos termos do Artigo 7º do Código do Registo Predial faz presumir a existência e titularidade dos R.R. sobre o seu imóvel e respectiva garagem.
VIII – Não foi pedido pelos A.A. o cancelamento do registo predial do prédio dos R.R. reconvintes nem existem pedidos de cancelamento pendentes, pelo que devem ser julgados procedentes os pedidos formulados em 1 e 2 da Reconvenção. IX – Deverá revogar-se o despacho que retira força jurídica a tal registo, substituindo-se por outro que respeito o Art.º 7º do Código do Registo Predial. IX – Não foi pedido pelos A.A. o cancelamento do registo predial do prédio dos R.R. reconvintes nem existem pedidos de cancelamento pendentes, pelo que devem ser julgados procedentes os pedidos formulados em 1 e 2 da Reconvenção. X – Caso assim não se entenda, subsidiariamente também os R.R. adquiriram o seu prédio e respectiva garagem em causa por acessão industrial imobiliária. XI- Estão provados todos os elementos integradores deste meio aquisitivo, designadamente a boa fé dos R.R.. XII – Os R.R. recorrentes têm a seu favor a presunção do registo predial pelo que não lhes cabe o ónus da prova que se inverte por efeito do Artigo 344º, n.º 1 do Código Civil. XIII – Aliás, apreciando os factos provados e referidos nos Artigos 62º e 63º destas Alegações claramente resulta a boa fé dos R.R. na aquisição por acessão industrial imobiliária da referida garagem. XIV - O Venerando Tribunal da Relação de Coimbra violou ou interpretou erradamente o disposto nos Artigos 4º, 344º, n.º 1, 1340Q e 1341º do Código Civil, Artigos 411º, 639º, n.º 3, 640º e 641º do C. P. Civil, Artigo 7.º do Código do Registo Predial, Artigos 2º, 13º, 18º, n.º 2 e 20º, n.ºs 1, 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa, disposições legais e constitucionais que devem ser interpretadas e aplicadas no sentido acima exposto» . Termos em que requerem a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que julgue a ação improcedente, absolvendo-se os R.R. dos pedidos e julgue a Reconvenção procedente condenando-se os A.A. nos pedidos reconvencionais. 16. Os autores responderam, sustentando a inadmissibilidade do recurso de revista e pugnando pela sua rejeição. 17. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. *** II. Delimitação do objeto do recurso Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1]. Assim, decidida a questão da admissibilidade do presente recurso, posto que o art. 7º, nº1 da Lei nº 42/2013, de 26 de junho, exclui a aplicação do disposto no nº 3 do art. 671º do CPC, as questões a decidir consistem em saber se: 1ª- no acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Coimbra, ao não tomar conhecimento dos segmentos da decisão de facto impugnados, com fundamento na inobservância do requisito formal do ónus impugnativo previsto na alínea a) do nº 2 do art. 640º, violou o disposto neste artigo, em conjugação com os artigos 639º, nº1 e 662º, todos do C. P. Civil; 2ª- há lugar à ampliação da decisão sobre a matéria de facto, por forma a dar como provados factos dados como assentes em decisão transitada em julgado e proferida em ação anterior; 3ª- estão verificados os pressupostos da aquisição por acessão industrial imobiliária. *** III. Fundamentação 3.1. Fundamentação de facto As instâncias deram como provados os seguintes Factos: «A. PP e sua mulher, QQ, por escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de … em 29/05/1971, adquiriram a RR e mulher, SS e mulher e TT, viúva, os seguintes prédios urbanos: a. Uma casa de altos e baixos com seus logradouros, cocheira, casas de arrecadação e jardim, sita ao “Outeiro de …”, freguesia de …, concelho de …, inscrita na matriz urbana sob o artigo 172 e descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 17727 a folhas 7 do Livro do Livro B 42, a confrontar de norte, nascente e sul com estrada e poente com o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º 179 da mesma freguesia; b. Uma casa de altos e baixos com seus redutos, sita no “Outeiro de …”, em …, concelho de …, inscrita na matriz urbana sob o artigo n.º 179 e descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 3880 a folhas 163 do Livro B 12, a confrontar de nascente com o prédio urbano com o artigo n.º 172, norte com estrada, poente com caminho público e sul com largo público.» B. Em 07/04/1989, no Cartório Notarial de …, PP e mulher, QQ, declararam perante notário, que reduziu a escrito as suas declarações, que, por conta da quota disponível, doavam à autora Irene, ao réu EE e à ré MM que, por sua vez, declararam aceitar a doação sendo que a autora AA o fez através do seu procurador o aqui réu EE, respectivamente as verbas n.ºs 4, 5 e 6 com a seguinte composição: a. N.º 4: Uma casa que serve de lagar, pocilga e palheira, com a área de 90 m2, e quintal com a área de 130 m2, sita ao “Outeiro de …”, em …, a confrontar de norte e sul com PP, norte com Largo de … e sul com PP, inscrita na matriz predial respectiva sob o artigo n.º 537; b. N.º 5: Uma casa que serve de garagem, com a área de 90 m2, e quintal, com a área de 100 m2, sita ao “Outeiro de …”, em …, a confrontar de poente com a estrada e pelos restantes lados com PP, inscrita na matriz predial respectiva sob o artigo n.º 538; c. N.º 6: Uma casa de habitação, com a área de 49 m2, uma palheira com a área de 32 m2 e quintal com a área de 170 m2, sita ao “Outeiro de …”, em …, a confrontar de nascente com servidão particular e pelos restantes lados com PP, descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 28/280486, inscrita na matriz predial respectiva sob o artigo número n.º 179, conforme documento junto a folhas 176 a 184, cujo teor se dá por reproduzido; C. Por óbito de PP e de QQ, falecidos em 30/11/1990 e 09/09/1993, foi instaurado processo de inventário autuado sob o n.º 466/03.7TBGVA, deste Tribunal; D. Nesses autos de inventário foram tomadas declarações à cabeça de casal nomeada, CC, a qual declarou que os inventariados foram casados em primeiras núpcias de ambos, sob o regime da comunhão geral de bens, sem deixarem testamento, doação ou qualquer outra disposição de sua vontade, deixando a suceder-lhe os seguintes filhos: a. CC casada com DD, sob o regime da comunhão geral de bens; b. HH casado com UU, sob o regime da comunhão de adquiridos; c. AA casada com BB, sob o regime da comunhão geral de bens; d. II casada com JJ sob o regime da comunhão geral de bens; e. KK casada com VV, sob o regime da comunhão de adquiridos; f. LL casado com XX, sob o regime da comunhão de adquiridos; g. MM casada com NN, sob o regime da comunhão de adquiridos; h. OO casada com ZZ sob o regime da comunhão de adquiridos; i. EE casado com AAA, sob o regime da comunhão geral de bens, tendo esta falecido em 2002 e deixado a suceder-lhe além do cônjuge, dois filhos, netos dos inventariados e que são: FF casado com BBB, sob o regime da comunhão de adquiridos e GG casada com CCC sob o regime da comunhão de adquiridos; E. Nesses autos de inventário a cabeça de casal apresentou relação de bens informando a inexistência de bens a relacionar; F. A interessada AA reclamou da relação de bens apresentada requerendo a relacionação de um pátio de 100 m2, sito no Outeiro de …, …, …, a confrontar do norte com a Estrada, do nascente com EE, do sul com os autores e do poente com MM, omisso na matriz e na Conservatória do Registo Predial de …; G. Nesses autos de inventário, em 23 de Maio de 2005, foi proferido despacho, transitado em julgado, a relegar os interessados para os meios comuns no tocante à existência daquele pátio e respectivo direito de propriedade, nos termos do artigo 1336.º, do Código de Processo Civil, suspendendo-se os termos do inventário até à resolução dessa questão; H. O prédio correspondente à verba n.º 4, referida em B. a., foi adaptado a habitação; I. Os réus MM e marido, NN, arrogam-se donos exclusivos do pátio referido em F. e impediram os autores de lá entrar e vedaram todas as possíveis entradas; J. Em 1999 os autores intentaram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra os réus NN e sua mulher, MM, que correu termos neste Tribunal sob o n.º 39/1999, com vista a ser-lhes reconhecido que são comproprietários com os réus, em quotas iguais do pátio que se interpunha entre as duas casas, onde construíram a garagem e o anexo posterior, e a demolir toda a construção situada a nível superior à cobertura da garagem; K. Na acção aludida em J., em reconvenção, os réus NN e sua mulher, MM pediram, entre o mais, a condenação dos autores a reconhecer que são donos do questionado pátio ou releixo; L. Os pedidos referidos em J. e K. não tiveram provimento, tendo, nessa acção, sido dado como provado, nomeadamente que: a. Os autores são donos e legítimos possuidores do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 002…9/13…93, inscrito na matriz sob o artigo 537 e registado a seu favor pela inscrição G1-Ap. 02/13…93 – Alínea A) dos factos considerados assentes findos os articulados; b. É o seguinte o teor da descrição: casa que serve de lagar, pocilga e palheira, com 90 m2, quintal com 130 m2, a confrontar de norte, sul e poente com PP, nascente com Largo de …, sita no …, freguesia de …, concelho de … – Alínea B) dos factos considerados assentes findos os articulados; c. Essa casa, que antes estava afecta a lagar, pocilga e palheira, destina-se agora a habitação, pois foi reconstruída e adaptada para isso pelos autores – alínea C) dos factos considerados assentes findos os articulados; d. Foi-lhes doada pelos pais da autora, PP e QQ, através de escritura celebrada no Cartório Notarial de … em 7/4/89 – alínea D) dos factos considerados assentes findos os articulados; e. Os réus, por seu turno, são donos e possuidores de uma casa de habitação inscrita na matriz sob o artigo 179 e registada sob o n.º 0002…/28…86 a seu favor – alínea E) dos factos considerados assentes findos os articulados; f. Também a adquiriram pela mesma escritura de doação (...) – alínea F) dos factos considerados assentes findos os articulados; g. Essa casa dos réus também foi recentemente ampliada e aumentada, tendo presentemente uma área coberta muito superior aos 49 m2 indicados quer no registo quer na escritura que lhe serviu de base – – alínea G) dos factos considerados assentes findos os articulados; h. Até à escritura de doação mencionada (…) o pátio ou reduto situado entre as casas, hoje de autores e réus, pertencia aos donos dessas casas, os já referidos PP e mulher – alínea H) dos factos considerados assentes findos os articulados; i. O irmão da Autora assinou a seguinte declaração que lhe foi apresentada já impressa pela Ré: “Declara-se para efeitos de justificativo solicitado pela Câmara Municipal de … referente ao processo n.º 1326 de 20/09/20 e n.º 1374 de 95/11/03 de construção de habitação em …, que EE, procurador de AA legítima dona da propriedade referenciada em planta com o n.º 1, concorda com a implantação da garagem apresentada para a aprovação por MM. Lisboa, 5 de Dezembro de 1995 – alínea I) dos factos considerados assentes findos os articulados; j. As primitivas casas de autores e réus foram compradas pelos pais das autoras e rés mulheres, por escritura de 1971/05/29, outorgada no Cartório Notarial de … e exarada a fls. 10 do Livro B/37 – alínea J) dos factos considerados assentes findos os articulados; (…) 20. Entre as antigas casas de autores e réus interpunha-se um pátio ou releixo[2] com cerca de 300m2 – resposta ao artigo 1º da base instrutória; 21. Esse pátio começava junto à estrada municipal que liga Moimenta à E.N. 17, acompanhava toda a parede nascente da primitiva casa dos réus (no sentido norte-sul) e terminava na parede norte da casa dos autores – resposta ao artigo 2º da base instrutória; 22. Através dele fazia-se a entrada para casa dos réus – resposta ao artigo 3º da base instrutória; 23. Do lagar, antes de ser transformado na casa de habitação dos autores, era descarregado para esse pátio ou reduto o “cachiço” das uvas e estrume, por uma porta com 2,20m de altura e 1m de largura existente na parede norte – resposta aos artigos 5º e 6º da base instrutória; 24. Essa porta dava acesso directo do pátio à zona do lagar e prensas antes existentes na casa dos autores e também a uma divisão onde esteve durante alguns anos um cavalo pertencente a LL, irmão da autora e ré – resposta ao artigo 7º da base instrutória; 25. O referido cavalo morreu no interior do chamado lagar e hoje casa dos autores há cerca de 6 anos e foi removido da porta localizada na parede norte com o braço de uma retroescavadora que atravessou parte do pátio em questão, depois de desfazer um morro para poder passar a máquina – resposta ao artigo 8º da base instrutória; 26. O pátio, até à data da reconstrução da casa dos autores, foi utilizado durante mais de 20 anos nos termos referidos em 22. a 25. – resposta ao artigo 9º da base instrutória; 27. Como se constata pela escritura quer pelos registos o pátio aqui em questão não aparece em qualquer título como fazendo parte de uma ou outra casa – resposta ao artigo 10º da base instrutória; 28. Os pais da autora e ré não afectaram esse pátio ao uso exclusivo de uma das casas – resposta ao artigo 11º da base instrutória; 29. Em Dezembro de 1995, a Autora foi contactada na …, onde está emigrada, pelo seu irmão e procurador EE, no sentido de conceder por escrito o seu consentimento à implantação de uma garagem – resposta ao artigo 18º da base instrutória; 30. Segundo lhe foi dito por esse irmão, tratava-se de uma exigência da Câmara Municipal de … para poder aprovar o projecto de reconstrução da casa dos Réus – resposta ao artigo 19º da base instrutória; 31. A autora deu instruções ao seu irmão para dar por escrito autorização para os Réus construírem uma garagem no pátio ou logradouro – resposta ao artigo 20º da base instrutória; 32. Desse projecto consta não só a garagem como também um piso com outras modalidades e edificar sobre a cobertura dessa garagem – resposta ao artigo 25º da base instrutória; 33. No mês de Agosto seguinte, quando vieram de férias, já os autores encontram esse piso quase acabado, com paredes deitas, balaústres e corrimão no alçado principal e lateral esquerdo colocados, tecto concluído, bancos e mesas corridas em cimento e tijoleira e um grill construído – resposta ao artigo 30º da base instrutória; 34. Tudo isso para uso exclusivo dos Réus e sem acesso para os autores – resposta ao artigo 31º da base instrutória; (…) 37. Nem os Autores nem o seu procurador autorizaram ou quiseram autorizar a construção do referido piso posterior, que nunca lhes foi falado pelos réus – resposta ao artigo 34º da base instrutória; 38. Esse procurador assinou e os autores deram-lhe instruções para assinar uma autorização para a construção de uma garagem – resposta ao artigo 35º da base instrutória; (…) 75. [Os réus] Por si e antepossuidores utilizaram a parte habitacional (habitando-a, arrendando-a, emprestando-a para lá viverem empregados de irmãos da Ré, para lá guardarem produtos ou frutos agrícolas, etc), granjeando o quintal, limpando o reduto de silvas e outras infestantes, colhendo frutos do pessegueiro que nesse reduto existia, por ele fazendo acesso às duas portas de entrada da casa – resposta ao artigo 81º da base instrutória; 76. E isto há mais de 20 e 30 anos – resposta ao artigo 82º da base instrutória; 76. Continuadamente (…); 77. À vista e com o conhecimento de toda a gente (…); 78. Sem oposição de ninguém (…); 79. Sempre na convicção e na consciência de utilizarem coisa própria e de sua exclusiva propriedade (…); (…) – decisão de folhas 236 a 246, cujo teor se dá integralmente por reproduzido; M. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o artigo 28, freguesia de …, …, a favor de MM e NN, o prédio urbano sito no “Outeiro de …”, Rua …, 2 D, “Casa de habitação de r/c, 1.º e 2.º andares e garagem – S.C.: 129 m2 – quintal – 122 m2 – norte, Estrada Municipal; Sul Largo de … e caminho público; nascente AA e EE e poente, caminho público (…) artigo: 660”, sob a apresentação 01/031212, com anterior descrição de “casa de habitação – 49 m2 – palheira – 32 m2 e quintal – 170 m2 – norte, sul e poente, PP; e nascente servidão particular (…) artigo 179”, sob a apresentação 07/210993 – certidão predial de folhas 153 a 155, cujo teor se dá integralmente por reproduzido; N. O pátio ou releixo referido em F. interpõe-se entre as três casas mencionadas B.; O. Esse pátio ou releixo confronta com a estrada, com os autores, com MM e com EE; P. Era para esse pátio e através dele que do lagar, actualmente correspondente à casa mencionada em B. a., verba n.º 4, que os inventariados PP e QQ descarregavam o “cachiço” das uvas e o estrume que ali era produzido; Q. O que faziam através de uma abertura, a cerca de pelo menos 1,89 metros do solo, de altura e largura não concretamente apuradas, que esse lagar tinha na sua parede norte, especificando-se que a abertura seria da dimensão próxima da abertura actualmente existente, com uma largura de 1,53 metros; R. E que dava acesso directo quer à zona das prensas quer a uma divisão onde os inventariados tinham um cavalo; S. Descarregado o “cachiço” e o estrume, era depois retirado do pátio; T. Foram sempre aqueles antecessores dos autores e réus que limparam as silvas que iam florescendo em tal pátio ou reduto; U. Todos esses actos sobre aquele pátio foram praticados pelos antecessores dos autores e réus de forma consecutiva e ininterrupta; V. Desde a sua aquisição no ano de 1971 até à morte de PP; W. À vista de toda a gente; X. Sem oposição de ninguém; Y. Com a convicção de que utilizavam e usavam coisa própria; Z. Em 1998, os réus MM e marido, NN, edificaram no pátio ou releixo referido em F. uma garagem com um piso posterior para lazer e arrumos a que só eles têm acesso; AA. Esse piso tem balaústres e corrimão no alçado principal e lateral esquerdo, bancos e mesas corridas em cimento e tijoleira e anexos com paredes e tecto que servem de grill; BB. Os autores só autorizaram que os réus construíssem naquele pátio uma garagem; CC. O terreno onde a garagem e o piso superior foram construídos tem a área de 78,95 m2; DD. À data da construção, o valor do terreno era de € 700,00; EE. A construção tinha e tem valor o global de € 5.000,00, sendo o valor da construção da garagem de € 2.106,58.» * Factos “não provados”: «1. As confrontações referidas em O. sejam do poente, do nascente, do sul e do norte, respectivamente; 2. Era através de tal pátio ou releixo que PP e QQ, durante mais de 20, 30 e 40 anos e pelo menos até 1989, acediam a pé desde a Rua Pública, situada a norte até à casa identificada na alínea B), sob a verba n.º 6; 3. A abertura mencionada em Q. estivesse exactamente a 2,50 metros do solo, tenha 2,20 m de altura e 1 metro de largura, na sua parede norte; 4. No descrito em T. e que iam colhendo os frutos de um pessegueiro que lá cresceu, durante mais de 30 e 40 anos e até 1989; 5. No descrito em S. fosse exactamente em carroças puxadas por animais que ali subiam desde a estrada Moimenta – Lagarinhos; 6. Em Z. tenha sido exactamente em Abril desse ano; 7. E deram essa autorização no pressuposto de que a cobertura dessa garagem continuaria a servir os autores para ser usada como terraço ou espaço comum a que todos podiam aceder; 8. Todos os bens deixados pelos inventariados PP e mulher QQ foram partilhados ainda em vida deles a favor dos seus filhos; 9. Os réus MM e marido fizeram as obras de construção na convicção de estarem a utilizar um terreno que lhes pertencia e pertence; 10. E que não ofendiam o direito ou posses legítimas de quem quer que fosse; 11. Os autores e restantes réus autorizaram construção mencionada em Z. e AA. piso superior; 12. No descrito em CC. tenha a área de 70 m2 e no descrito em DD. o valor não era superior a € 2,50 o metro quadrado; 13. Desde Outubro de 1983 que, com autorização de PP e QQ e seus filhos, os reconvintes começaram a possuir os bens que lhes couberam em partilhas verbais e que, por si e por intermédio da reconvinda OO a pedido daqueles, que limparam silvas e outras ervas daninhas que cresceram no pátio e que desde a referida data colheram os frutos do pessegueiro que aí existia; 14. Numa dessas limpezas e corte de silvas do pátio ou reduto, a reconvinda OO encontrou uma armação de óculos que pensava ser de ouro e entregou-a à ré MM dizendo-lhe que o lote dela, da reconvinte, já estava a render; 15. O pátio ou reduto foi partilha verbalmente em 30 de Outubro de 1983 e escriturado por doação em 1989 em conjunto com o prédio urbano de que os reconvintes alegam ser proprietários e acima identificado; 16. Existe uma declaração da autora/reconvinda AA, assinada pelo seu procurador EE, que resultou de um pedido para efeitos justificativo solicitado pela Câmara Municipal; 17. O referido procurador assinou a referida declaração sem qualquer hesitação após os reconvintes lhe terem exibido a carta da Câmara Municipal de … e até a planta do alçado principal da casa do qual constava também o aproveitamento do piso situado por cima da garagem. As demais alegações não vertidas na decisão de facto revelaram-se conclusivas ou matéria de direito.» *** 3.2. Fundamentação de direito Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se com as questões de saber se: 1ª- no acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Coimbra, ao não tomar conhecimento dos segmentos da decisão de facto impugnados, com fundamento na inobservância do requisito formal do ónus impugnativo previsto na alínea a) do nº 2 do art. 640º, violou o disposto neste artigo, em conjugação com os artigos 639º, nº1 e 662º, todos do C. P. Civil; 2ª- há lugar à ampliação da decisão sobre a matéria de facto, por forma a considerar como provados factos dados como assentes em decisão transitada em julgado e proferida em ação anterior; 3ª- estão verificados os pressupostos da aquisição por acessão industrial imobiliária. * 3.2.1. Começando por apreciar a primeira das questões supra enunciadas, importa sublinhar, por um lado, que, não obstante estarmos perante uma ação instaurada no ano de 2006, está a mesma sujeita ao regime do novo Código de Processo Civil, nos termos do disposto no art. 5º, nºs 1 e 4 da Lei nº 41/2013, de 26 de junho. E, por outro lado, que, como já se afirmou no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 21.03.2019 (processo nº 3683/16.6T8CBR.C1.S2)[3], o exercício efetivo pelo Tribunal da Relação do duplo grau de jurisdição quanto à decisão da matéria de facto, incluindo a eventual reapreciação de depoimentos gravados, prestados oralmente na audiência de discussão e julgamento, à luz do critério da sua livre e prudente convição, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, tem como contrapartida a imposição aos recorrentes de um rigoroso ónus de impugnação por forma a impedir que «a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo [4]. Daí dispor o art.º 640.º do C. P. Civil que: « 1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (…)».
Na expressão do Acórdão do STJ, de 29.10.2015 (processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1)[5], consagra este regime processual um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. Assim, nesta conformidade, integram um ónus primário, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas als. a), b) e c) do nº1 do citado art.640º, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto[6]. Mas, já constituirá um ónus secundário, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na al. a) do nº 2 do mesmo art. 640º, pois tem, sobretudo, por função facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência. E se é certo cominar a lei o incumprimento do ónus primário e do ónus secundário de igual forma, ou seja, com a sanção da rejeição imediata do recurso [cfr. art 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do mesmo artigo], não sendo consentida a formulação ao recorrente de um convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, a verdade é que, tal como se afirma no citado Acórdão do STJ, de 29.10.2015, «não poderá deixar de ser avaliada diferentemente a falha da parte consoante ocorra num ou noutro âmbito». Dito de outro modo e nas palavras do Acórdão do STJ, de 19.02.2015 (processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1)[7], enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1 do referido art. 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, al. a) do mesmo artigo, tal sanção deverá ser aplicada com algum tempero, só se justificando nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame por banda do tribunal de recurso. Desde que não exista essa dificuldade, apesar da indicação pelo recorrente da localização dos depoimentos não ser totalmente exata e precisa, não se justifica a rejeição do recurso. É que, como adverte o Acórdão do STJ, de 28.04.2016 (processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1), dando voz à jurisprudência cada vez mais consolidada neste Supremo Tribunal[8], «é necessário que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640 do CPC seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material», por forma a não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no mesmo artigo, havendo, por isso, que extrair do texto legal soluções conformes com estes princípios. Assim, nesta linha de entendimento, salienta-se, no já citado Acórdão do STJ, de 29.10.2015, que na interpretação da norma do art. 640º, « não pode deixar de se ter em consideração a filosofia subjacente ao actual CPC, acentuando a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências puramente formais, carecidos de uma interpretação funcionalmente adequada e compaginável com as exigências resultantes do princípio da proporcionalidade e da adequação - evitando que deficiências ou irregularidades puramente adjectivas impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais». Também na defesa da orientação de que não deve adotar-se uma interpretação rígida e desproporcionadamente exigente deste ónus de impugnação, sublinha o Acórdão do STJ, de 22.10.2015 (processo nº 212/06.3TBSBG.C2.S1) [9] que «o sentido e alcance dos requisitos formais de impugnação da decisão de facto previstos no nº1 do art. 640º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhe estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto». E, quanto à problemática de saber se tais requisitos do ónus impugnativo devem constar, formalmente, das conclusões recursórias ou bastará incluí-los no corpo alegatório, refere o Acórdão do STJ, de 19.02.2015 (processo nº 99/05.6TBMGD.P2.S1)[10] que a resposta a dar a esta questão depende da função que está subjacente a cada um dos referidos ónus. Deste modo, «constituindo a especificação dos pontos concretos de facto um fator de delimitação do objeto de recurso, nessa parte, pelo menos a sua especificação deverá constar das conclusões recursórias [11], por força do disposto no artigo 635º, nº4, conjugadamente com o art. 640º, nº1, alínea a), aplicando-se, subsidiariamente, o preceituado no nº1 do art. 639º, todos do CPC». Mas, já assim não acontece com a especificação dos meios concretos de prova nem com a indicação das passagens das gravações visto que « não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, traduzindo-se antes em elementos de apoio à argumentação probatória».
* No caso dos autos verifica-se que os réus interpuseram recurso de apelação da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância e impugnaram, para além do mais, a decisão sobre a matéria de facto, sustentando que os pontos “27.”, “37.” e “38.” reproduzidos no elenco constante sob “L.” dos factos “provados” e os constantes sob “N.”, “O.”, “T.”, “U.”, “V.”, “W.”, “X.” e “Y.” deste mesmo elenco devem ser considerados como “não provados” e que os factos dados como “não provados” sob os números “2.”, “4.”, “8.”, “9.”, “10.”, “13.”, “15.”, “16.” e “17.”, devem ser considerados como “provados”. Pronunciando-se sobre este segmento do recurso, o Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão ora recorrido, considerou que os apelantes não respeitaram os requisitos formais do ónus de impugnação da decisão de facto exigidos pelo art. 640º, nº2, al. a) do CPC, afirmando, para além do mais, que: « fundando-se o recurso, essencialmente, em prova gravada – depoimentos das testemunhas e declarações das partes –, cabia também aos impugnantes, “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere importantes” ». (…) « Verifica-se, contudo, que os RR./recorrentes nas suas alegações de recurso, quanto às testemunhas e declarações de parte que invocam, se aludem aos tempos da respetiva gravação, é apenas para referir os momentos de início e terminus da gravação e o tempo total de duração dessa gravação (quanto a cada um deles). Ora, isto, em rigor, era desnecessário, pois já se retirava das menções exaradas nas atas das sessões da audiência final. Por outro lado, não procederam os RR./recorrentes a qualquer transcrição dos depoimentos/declarações de parte que invocam… Quer dizer, os RR./recorrentes nem indicam – com a exatidão imposta – quaisquer passagens da gravação, em concreto, em que se fundasse a impugnação, não sinalizando, assim, pela via legalmente imposta, as partes/passagens dos depoimentos a atender, nem apresentam transcrição de quaisquer excertos (muito menos de precisos ou segmentos relevantes). Ao invés, invocam as gravações em bloco e sem proceder a qualquer transcrição (nem global, nem parcial) … Tal invocação em bloco (global) de prova gravada não corresponde ao ónus legal de indicação com exatidão das passagens da gravação, o que nem sequer pode ter-se de algum modo por compensado com uma eventual transcrição de excertos (segmentos selecionados) relevantes! Ora, uma tal impugnação, a ser admitida, obrigaria à audição integral da gravação daqueles depoimentos/declarações de parte, como se a Relação houvesse de proceder a um novo julgamento integral, mediante a apreensão da totalidade da gravação da prova convocada. Mas não foi nesse sentido a solução consagrada na nossa vigente lei processual civil.» (…) « De referir que, como vem entendendo a jurisprudência dominante do mesmo STJ, «no âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das respectivas alegações».[12] Assim, ao não ter correspondido ao ónus – decorrente de preceito legal imperativo – de indicação exata das passagens da gravação em que se funda[13], para o que a lei concedia um prazo recursivo acrescido de dez dias à parte recorrente (citado art. 638º, nº7, do n.C.P.Civil), esta incorreu em vício determinante da “imediata rejeição do recurso na respetiva parte”, como dispõe a norma imperativa do nº 2, al. a), do art. 640º do n.C.P.Civil ». Contra este entendimento, insurgem-se os recorrentes, persistindo na defesa de que indicaram com exatidão as passagens dos depoimentos gravados e que a não entender-se, assim, está-se a cair « num excesso de formalismo e rigor que a dogmática processual, hoje mais agilizada e célere, pretende evitar ». Mais sustenta que, para o caso de assim não ser entendido, deve revogar-se o despacho de rejeição do recurso e determinar-se a sua substituição por outro que convide os recorrentes a aperfeiçoarem a indicação destas passagens com exatidão.
Mas, a nosso ver, não lhes assiste qualquer razão. É que se é certo, tal como já se deixou dito, não ter o ónus contemplado na al. a) do nº 2 do citado art. 640º por função a delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação, destinando-se, antes, a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, a verdade é que, nas circunstâncias dos autos, a indicação dos tempos em que os excertos dos depoimentos das testemunhas tidas por relevantes se encontram gravados no suporte técnico que contém a gravação da prova produzida na audiência de julgamento, revela-se essencial, sob pena de fazer-se recair sobre o tribunal e os recorridos o ónus de procederem à audição de toda a prova gravada. Isto porque os recorrentes, no caso dos autos, limitaram-se apenas e tão só a indicar, nas suas alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte, alterando o dia e as horas conforme os casos, (cfr. fls. 1481, 1484 a 1494), o que, desacompanhado de qualquer transcrição dos excertos das declarações e depoimentos tidos pelos recorrentes como relevantes para o julgamento do objeto do recurso, torna extramente difícil, quer a respetiva localização por parte do Tribunal da Relação, quer o exercício do contraditório pelos recorridos. Acresce que, contrariamente ao pretendido pelos recorrentes, está vedado ao relator a possibilidade de proferir despacho de aperfeiçoamento relativamente ao recurso da decisão da matéria de facto, na medida em que, em matéria de recursos, o art. 652º, nº1, al. a), do CPC, limita essa possibilidade às « conclusões das alegações, nos termos do nº 3 do artigo 639º ». Daí que, em conformidade com o entendimento acima perfilhado, se considere que a recorrente não cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no art. 640º, nº 2, al. a) do CPC, pelo que nenhuma censura merece o acórdão recorrido ao rejeitar, nesta parte, o recurso.
* 3.2.2. Insurgem-se os recorrentes contra o acórdão recorrido na parte em que indeferiu a peticionada ampliação da decisão sobre a matéria de facto, por forma a incluir nos factos dados como provados sob a alínea “L”, os demais factos dados como provados na ação nº 39/99, designadamente os constantes do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nesta mesma ação (junto a fls. 1169 a 1193 dos autos) e assinalados com os números romanos xiii), xiv), xv) xvi), xvii), xix), ixl), xl), xlii), lxi), lxv), lxvii), lxviii), lxix), xciii), xciv) e xcv). Vejamos. Trata-se de matéria que tem a ver com a questão de saber se os factos dados como provados na ação declarativa de condenação, com processo ordinário, que, em 1999, os ora autores instauraram contra os réus NN e mulher, MM, e que correu termos no extinto Juízo de Competência Genérica de … sob o n.º 39/1999, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem imporem-se extraprocessualmente e se, por via disso, tal como sustentam os recorrentes, sobre o Tribunal da Relação impendia o dever de, com base no conteúdo do Acórdão do STJ aí proferido, determinar o seu aditamento aos demais factos dados como provados na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância nos presentes autos. Neste contexto impõe-se, desde logo, realçar, tal como já se afirmou nos Acórdãos do STJ, de 17.05.2018 (processo nº 3811/13.3TBPRD.P1.S1)[14] e de 21.03.2019 (processo nº 3683/16.6T8CBR.C1.S2)[15] , ser unânime na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que os fundamentos de facto, por si só, não formam caso julgado. Com efeito, pronunciando-se expressamente sobre esta matéria, afirma Remédio Marques[16], que o caso julgado « não se estende, em princípio, aos fundamentos de facto da sentença final». No mesmo sentido, refere Antunes Varela[17] que « os factos considerados provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final». Dito de outro modo e ainda nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa[18], « os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado», porquanto «esses fundamentos não valem por si mesmos, isto é, não são vinculativos quando desligados da respectiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta». É também este o entendimento seguido pela nossa jurisprudência, conforme se vê do Acórdão do STJ, de 02.03.2010 (revista nº 690/09.9YFLSB), onde se afirma que « a problemática do respeito pelo caso julgado coloca-se, sobretudo, a nível da decisão, da sentença propriamente dita e, quando muito, dos fundamentos que a determinaram, quando acoplados àquela», pelo que « os fundamentos de facto, nunca por nunca, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente». Nesta mesma linha, afirmou o Acórdão do STJ, de 08.10.2018 (processo nº 478/08.4TBASL.E1.S1)[19] que « Os juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram» e, « nessa medida, embora tais juízos probatórios relevem como limites objetivos do caso julgado material nos termos do artigo 621.º do CPC, sobre eles não se forma qualquer efeito de caso julgado autónomo, mormente que lhes confira, enquanto factos provados ou não provados, autoridade de caso julgado no âmbito de outro processo». Pode, assim, concluir-se de tudo o que se deixou dito que os factos dados como provados na referida ação, só por si, não valem com autoridade de caso julgado para efeito de poderem ser dados como provados na presente ação, sob pena de se estar a conferir à decisão sobre a matéria de facto um valor de caso julgado que, manifestamente, a mesma não tem, pois, como é consabido, a consistência dos juízos de facto depende das contingências dos mecanismos da prova inerentes a cada processo a que respeitam, não sendo, por isso, tais juízos transponíveis para o âmbito de outra ação. E nem se diga, como o fazem os recorrentes, que o Tribunal da Relação de Coimbra ao indeferir o requerido aditamento, mas mantendo na referida alínea L), matéria de facto dada como provada na referida ação 39/99, procedeu de forma discriminatória e desigual, ofendendo os princípios da equidade, igualdade, proporcionalidade, não discriminação, igualdade de armas e direito à igualdade de posições processuais, previstos na Constituição da República Portuguesa nos artigos 2º, 13º, 18º, nº 2 e 20º, n.ºs 1, 4 e 5. Isto porque, não obstante os factos constantes da referida alínea “L” decorrerem da certidão judicial de folhas 208 a 259, extraída do processo n.º 39/1999, basta atentar na motivação da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância para facilmente se constatar, tal como aí se afirma, que a convicção formada pelo tribunal sobre a realidade destes factos « assentou na ponderação crítica e conjugada de todos os meios de prova produzidos ao longo do processo, tendo em conta, igualmente, a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento», sendo que a « inspecção judicial ao local permitiu ao Tribunal percepcionar a configuração do dos prédios e espaço em litígio e suas características físicas, garantindo, em conjunto com a prova testemunhal e documental produzidas, dar como demonstrados e não demonstrados os factos como acima se elencaram e como melhor se explicitará infra. (…)». Não se vislumbra, assim, que, ao manter a dita factualidade, o Tribunal da Relação tenha violado, por qualquer forma, os princípios da igualdade consagrado no art. 13º da CRP nem o direito de acesso aos tribunais, previsto no art. 20º, nºs 1 e 4, do mesmo diploma, que garante às partes a participação num momento constitutivo da decisão da causa e assegura às mesmas o direito a um processo justo e equitativo, colocando-as em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça Por tudo isto e porque não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar a apreciação livre da prova feita pelo Tribunal da Relação, nada há a censurar, neste conspecto, ao acórdão recorrido. * 3.2.3. Persistem os recorrentes em defender que estando provado que o prédio deles está registado como sendo composto de casa de habitação de rés-do-chão, 1.º e 2º andares, com garagem e quintal, de harmonia com o disposto no art. 7º do Código do Registo Predial, é de presumir a existência e titularidade dos réus sobre o seu imóvel e respetiva garagem, pelo que impõe-se revogar o acórdão recorrido por violação deste mesmo artigo. Mas, em nosso entender, continuam a carece de razão. Senão vejamos. De harmonia com o disposto no art. 7º do C. Registo Predial[20], “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. Esta norma contém uma presunção “juris tantum”[21] de que o direito registado existe, emerge do facto registado, pertence ao titular inscrito e tem determinada substância (aquela que o registo define). Mas dela, extrai-se, também, que o registo predial não tem função constitutiva, mas simplesmente declarativa. Tal como refere Manuel de Andrade[22], “o registo não dá direitos, mas apenas os conserva”. A função do registo predial, no dizer de Vaz Serra[23], « é assegurar a quem adquire direitos de certa pessoa sobre um prédio que esta não realizou em relação a eles actos susceptíveis de prejudicar o mesmo adquirente (por ex. assegurar ao comprador de prédio que o vendedor não o transmitiu já a outrem ou não constituiu direitos sobre ele a favor de outrem); não é sua função assegurar ao adquirente a inexistência de quaisquer outros direitos sobre o prédio (não lhe garante, por ex., que o prédio pertença ao transmitente e não a outrem) «[24]. Aliás, tal entendimento é o que resulta do disposto no art. 1º do C. Registo Predial, segundo o qual, “o registo destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário”. Consequentemente, o registo predial não tem por fim garantir os elementos de identificação ou constituição dos prédios descritos e nem tão pouco a sua extensão. Quando muito assegura que relativamente a determinado prédio se verificou certo facto jurídico. Neste mesmo sentido se firmou a orientação maioritária da jurisprudência, segundo a qual a presunção derivada do artº 7º do C.R.P. não garante os limites prediais que constam da descrição, mas tão só o facto jurídico em si [25]. Daqui decorre que, sempre que exista desconformidade entre a descrição e a realidade material do imóvel descrito, a presunção estabelecida no citado artigo 7º do C. R. Predial não funciona em relação aos elementos da descrição e extensão do prédio a que respeita a inscrição, limitando-se ao direito inscrito. Sendo assim, fácil se torna concluir, no caso dos autos, que réus nem sequer gozam da presunção de que o pátio ou releixo referido em F. e onde edificaram uma garagem [cfr. factos dados como provados na alínea Z)] faz parte do seu prédio, pois conforme já se deixou dito, a presunção derivada do artº 7º do C.R.P. não funciona em relação da descrição e extensão do prédio a que respeita a inscrição. E porque os autores lograram provar (tal como resulta claramente dos factos dados como provados e supra descritos nas alíneas F. e N a Y) que esse mesmo pátio ou releixo são propriedade dos inventariados PP e mulher, QQ, carece de total fundamento a pretensão dos recorrentes em verem alterado, neste segmento, o acórdão recorrido. De resto sempre se dirá mal se compreender a insistência dos réus em pugnarem pela procedência dos pedidos formulados em 1 e 2 da Reconvenção, quando é certo que, relativamente a estes pedidos, já foi proferida, nos presentes autos, decisão, transitada em julgado, que, julgando procedente a exceção de caso julgado, absolveu os reconvintes da instância.
* 3.2.4. Finalmente e no concerne ao pedido reconvencional formulado subsidiariamente, argumentam os recorrentes que, contrariamente ao decidido pelas instâncias, os factos provados e referidos nos artigos 62º e 63º das suas alegações de recurso evidenciam a boa fé dos réus, estando, por isso, preenchidos os pressupostos da aquisição por acessão industrial imobiliária do referido pátio.
Que dizer ?
Desde logo, que, contrariamente ao afirmado, os factos referidos no art. 62º, ou seja, os factos assinalados no ponto 3.2.2. com os números romanos xiii), xiv), xv) xvi), xvii), xix), ixl), xl), xlii), lxi), lxv), lxvii), lxviii), lxix), xciii), xciv) e xcv), não foram dados como provados. E, por outro lado, que os factos provados e supra descritos nas alíneas I. K. M. e AA. não são suficientes para, por si só, preencherem o requisito da boa fé imprescindível à aquisição da propriedade do pátio em causa por acessão industrial imobiliária. Com efeito, para que se verifique a boa fé do autor da obra, exige o nº 4 do artigo 1340.º do C. Civil o desconhecimento, por parte do mesmo, de que o terreno era alheio ou que a obra foi autorizada pelo dono do terreno. Ora, demonstrado que ficou, no caso dos autos, que o pátio ou releixo onde os recorrentes edificaram a garagem pertence à herança ilíquida e indivisa dos inventariados PP e mulher, QQ (cfr. factos provados e supra descritos nas alíneas F. e N a Y), irrelevante se torna, para efeitos do preenchimento do referido conceito de boa fé, que os autores tivessem autorizado os reconvintes a construírem a dita garagem (cfr. factos dados como provados e supra descritos na alínea BB). E porque os réus reconvintes também não lograram provar que fizeram as obras de construção na convicção de estarem a utilizar um terreno que lhes pertencia e pertence, que não ofendiam o direito ou posses legítimas de quem quer que fosse nem que os autores e restantes réus autorizaram a construção da garagem com um piso superior (cfr. factos dados como não provados sob os nºs 9 a 11), nenhuma censura merece o acórdão recorrido ao concluir, tal como decidiu a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pela improcedência do pedido reconvencional subsidiário.
Termos em que, por todo o exposto, improcedem todas as razões dos recorrentes.
*** IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido. As custas da revista ficam a cargo dos recorrentes. *** Supremo Tribunal de Justiça, 3 de outubro de 2019
Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)
Rosa Maria Ribeiro Coelho
Catarina Serra ___________ [1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente. |