Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DO ROSÁRIO MORGADO | ||
Descritores: | INTERDIÇÃO INABILITAÇÃO ANOMALIA PSÍQUICA CONVOLAÇÃO CURADOR CONSELHO DE FAMÍLIA APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO MAIOR ACOMPANHADO | ||
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Data do Acordão: | 03/21/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSOS ESPECIAIS / INTERDIÇÕES E INABILITAÇÕES. DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS / PESSOAS SINGULARES / INCAPACIDADES / INTERDIÇÕES / INABILITAÇÕES. | ||
Doutrina: | - Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, 1972, V. II., p. 82; - Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, IV, Parte Geral, Pessoas, 3.ª edição, p.495; - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, p. 92. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 905.º, N.º 3. CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 143.º, N.º 1, ALÍNEA D), 153.º, 154.º, N.º 2 E 156.º. LEI N.º 49/2018, DE 14-08: - ARTIGO 26.º. | ||
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Sumário : | I - Se à data da prolação do acórdão recorrido – 28-11-2018 – ainda não se encontrava em vigor o novo regime jurídico do maior acompanhado, aprovado pela Lei n.º 49/2018, de 14-08, que revogou a disciplina civil das interdições e inabilitações, não obstante o disposto no art. 26.º do citado diploma, será à luz das normas do CC, na sua redação anterior, que as questões objeto da revista têm de ser analisadas. II - A anomalia psíquica, enquanto causa incapacitante que fundamenta a interdição, abrange todas as deficiências, não apenas do intelecto, mas também da vontade, afetividade e sensibilidade, devendo ser atual (e não passada ou futura) e permanente (e não meramente acidental ou transitória) e assumir uma gravidade tal que interfira com as faculdades do indivíduo, de modo a tolher a sua capacidade de reger a sua pessoa e bens. III - Quando essas patologias, embora permanentes, não revistam gravidade que permita declarar a interdição, é de aplicar a inabilitação, tal como sucede quando se constate que as capacidades da pessoa se encontram diminuídas mas que a interferência no seu discernimento, vontade e querer não a tornam completamente inapta para governar a sua pessoa e bens. IV - Resultando da factualidade provada que o requerido apresenta deterioração de alguns aspetos cognitivos, que o tornam dependente da ajuda de terceiros para realizar certas tarefas que exijam níveis de abstração e complexidade superiores, mas que o quadro clínico apurado não o impede, atualmente, de fazer a gestão diária da sua pessoa e bens, ficando apenas comprometidas as atividades ou tarefas mais complexas ou exigentes, é adequada a convolação levada a cabo pela Relação que, ao abrigo do art. 905.º, n.º 3, do CPC, decretou a inabilitação, ao invés da interdição. V - Aplicando-se ao instituto da inabilitação o regime da interdição, com as necessárias adaptações, deve a curatela ser deferida ao filho maior, preferindo o mais velho (arts. 143.º, n.º 1, al. d), e 156.º do CC). VI - Não se demonstrando a necessidade de indicar quais os actos sujeitos a autorização do curador, não está o tribunal obrigado a fazer essa discriminação na sentença que decretou a inabilitação (art. 153.º do CC). VI - Não tendo o tribunal entregue a administração do património do inabilitado, no todo ou em parte, ao curador, não há lugar à constituição do conselho de família (art. 154.º, n.º 2, do CC). | ||
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Decisão Texto Integral: |
I – Relatório
1. AA requereu que fosse decretada a interdição por anomalia psíquica de BB alegando, em síntese, que o requerido padece de demência vascular, encontrando-se incapacitado para gerir a sua pessoa e bens. 2. Publicitada a ação nos termos do art.º 892º do CPC, o requerido foi citado, não tendo apresentado contestação. 3. Foi proferida decisão provisória que decretou a interdição e nomeou tutor e curador provisórios – cf. fls. 48-49. 4. Realizado exame pericial, nos termos do art.º 896 do CPC, foi ainda realizado segundo exame, nos termos previstos no art.º 898, nº 2, do mesmo diploma. 5. Foi depois proferida sentença a declarar o requerido definitivamente interdito por anomalia psíquica, fixando-se o início da incapacidade em 14 de Julho de 2016, nomeando-se como tutor AA e designando-se os membros do Conselho de Família e o protutor. 6. Inconformado com esta decisão, o requerido dela interpôs recurso, para o Tribunal da Relação de Coimbra que, revogando a sentença, declarou a inabilitação do Requerido e nomeou curador a sua filha CC. 7. Irresignado, veio agora o requerente interpor a presente revista, formulando as seguintes conclusões: 1. O douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra ao convolar a “declaração de interdição para inabilitação, servindo de curadora a filha do requerido identificada a fls. 238 (CC), de acordo com a vontade por ele expressa, curadora à qual competirá a prestação de assistência para efeitos do nº 1 do artigo 153º do Código Civil, na redação ainda aplicável.”, fez errada interpretação das normas contidas nos arts. 138º, nº 1, 143, nº 1 d) e nº 2, 152º, 1ª parte, 153º, nº 1, 154, nº 1 e nº 2, 156º, 1 948º a) e b), 1 949º do Código Civil e 901º, nº 2 do Código de Processo Civil, porquanto: 2. O ora recorrido é incapaz de gerir a sua pessoa e os seus bens por anomalia psíquica (qualquer perturbação das faculdades intelectuais ou intelectivas (afetando a inteligência, a perceção ou a memória) ou das faculdades volitivas (atinente quer à formação da vontade, quer à sua manifestação); 3. A anomalia psíquica, no caso concreto, traduz-se em: “Perturbação neurocognitiva por demência vascular, de evolução crónica, lentamente progressiva e com agravamento significativo desde o primeiro trimestre de 2016”; 4. Sendo a incapacidade causa da referida perturbação; 5. A perturbação é grave, atual, persistente e mesmo irreversível; 6. A capacidade do requerido encontra-se comprometida não só no que toca à gestão do seu património mas também a nível das atividades de vida diária nomeadamente quanto à medicação e à higiene; 7. A anomalia psíquica incapacitante de reger a pessoa e os bens, não carece de se traduzir numa total desordem intelectual, num estado de absoluta imbecilidade ou demência, numa total inadequação às exigências da vida em relação, terá é que ficar demonstrada uma atual inaptidão do interdicendo, no sentido de as condições mentais do sujeito estarem perduravelmente alteradas ou afetadas, não sendo previsível a sua normalização; 8. Face à legislação ainda aplicável, a decisão de interdição é a que melhor protege os interesses do recorrido, assim se cumprindo o disposto no art. 138º do Código Civil. 9. A não se manter a interdição, a decisão recorrida que convola a interdição em inabilitação, não poderia deixar de especificar os atos a serem autorizados ou praticados pelo curador nos termos do disposto no art. 901º, nº 2 do C.P.C. 10. Ao limitar-se a remeter para o disposto no art. 153º, nº 1 do C. Civil, o Tribunal a quo faz errada interpretação da norma nele contida e errada aplicação do disposto no art. 901º, nº 2 do C.P.C., deixando desprotegidos os direitos e interesses do interditando manifestamente incapaz de gerir o seu património e a sua pessoa, conforme em 1ª instância se demonstrou. 11. A inabilitação, nos moldes decididos no douto Acórdão do Tribunal da Relação, pode levar à dissipação do património mobiliário pelo requerido ou à sua não administração mais adequada. 12. O património do requerido é comum ao seu cônjuge com quem se encontra casado na comunhão geral de bens. 13. A aceitar-se que a inabilitação seria adequada a proteger os interesses do inabilitado, impunha-se constituir conselho de família, com designação de subcurador com as funções que, na tutela, cabem ao protutor, isto é, a fiscalização, com caráter permanente, da atuação do curador (n.º 2 do art.º 154.º, 1955.º). 14. Reconhecendo-se que, no plano pessoal, carece de adequada assistência/supervisão quanto às atividades de vida diária; acompanhamento médico e na toma de medicação e de outras intervenções não farmacológicas de que possa carecer; e no plano patrimonial que a gestão do seu património mobiliário e imobiliário seja entregue ao curador, incluindo-se a movimentação das contas bancárias ou gestão de aplicações financeiras; assistência nos atos de disposição de bens e atos negociais para contrair obrigações, mantendo-se autonomia para gerir dinheiro de bolso de molde a fomentar as faculdades do requerido nesse domínio, como já vem acontecendo. 15. E, quanto à nomeação da filha mais nova para o cargo de curadora: 16. À inabilitação aplica-se, subsidiariamente, o regime da tutela (art.º 156.º). Assim, nos termos do art.º 143.º, a curadoria deverá ser atribuída, por esta ordem, ao cônjuge do incapacitado, à pessoa indicada pelos pais pela forma prevista, a qualquer dos pais que o tribunal designar de acordo com o interesse deste, aos filhos maiores, preferindo o mais velho, a não ser que o tribunal, ouvido o conselho de família, entender que alguns dos outros dá maiores garantias de bom desempenho do cargo; quando não seja possível ou razões ponderosas desaconselhem o deferimento da tutela nos termos anteriores, cabe ao tribunal designar o tutor, ouvido o conselho de família. 17. Bem se decidiu na sentença da 1ª instância ao afirmar: Por outro lado, e não obstante o alegado pelo requerido, no seu requerimento com a refª 000000-000000, nada resulta dos autos que permita pôr em causa a atuação do tutor provisório nomeado. Assim, entende-se que deve ser nomeado tutor AA.” 18. Mal decidiu o Acórdão recorrido ao bastar-se para afastar o disposto no art. 143, nº 1 d) do Código Civil, com a vontade manifestada pela Ilustre Mandatária, no sentido de ser a filha mais nova a acompanhar o pai. 19. Tal aconteceu em peça processual no contexto da tentativa de afastar o tutor do exercício do seu cargo. 20. Essa peça processual cinge-se ao acompanhamento pessoal e em questões de saúde, nada dizendo quanto à capacidade da filha mais nova para gerir o património do interditando, património avultado e de complexa gestão, quer do imobiliário, quer do mobiliário. 21. E, de qualquer forma, como tem sido entendido pela Jurisprudência, não seria suficiente, em matéria tão sensível, delicada e complexa, a simples tomada em consideração da vontade formalmente expressa (que não foi) pelo requerido que se encontra incapaz de tomar decisões livres e esclarecidas. 22. A decisão a quo omite qualquer valoração da incidência da incapacidade do interditando na sua vida: qualidade dos seus interesses e necessidade de a ele provir. 23. Viola-se assim o princípio de que na nomeação de tutor ou de curador o Tribunal deve imperiosamente colocar, sempre, em primeiro lugar o interesse do próprio interditado a uma eficaz proteção do seu património e ao restabelecimento, na medida do possível, do equilíbrio da sua situação pessoal. 24. O afastamento do critério da preferência estabelecido na al. d) do nº 1 do art. 143º, do CC, para a nomeação como tutor, do filho mais velho do interditado, apenas pode ocorrer perante um demonstrado concreto conjunto de situações graves e relevantes que a isso aconselhem, pois só ponderosas razões, do ponto de vista fático e jurídico, poderão levar ao afastamento daquela ordem de preferência. 25. É que, substituir ou remover o tutor pressupõe que esteja demonstrado nos autos: - ou a sua incapacidade para o cargo, por falta de cumprimento adequado dos deveres próprios do cargo; - ou a revelação da sua inaptidão para o cargo; - ou, ainda, a ocorrência de factos supervenientes à investidura do cargo que o coloquem em situação de impedimento da sua nomeação, como resulta claro do disposto no Art. 1948º, ex vi do art. 1960º do C. Civil. 26. E deve ter lugar em sede própria (art. 1949º do C. Civil), em ação em que se discutam tais questões e na qual o tutor nomeado possa exercer o seu direito ao contraditório, rebatendo os argumentos que visam a sua substituição ou remoção e apresentando os meios de prova correspondentes à sua defesa. 27. Tal não aconteceu e por, isso não podia o Tribunal a quo decidir como decidiu ao arrepio das disposições legais aplicáveis e do que tem sido a interpretação desses mesmos normativos pela Jurisprudência. 28. Nem sequer são quaisquer circunstâncias adicionais ou meras garantias dadas por outros filhos (o que nem sequer aconteceu no caso em apreço), que não o mais velho, que darão lugar à preterição da ordem preferencial legalmente estabelecida. 29. A lei exige, para a preterição da regra da preferência do filho mais velho, que as garantias dadas por outro filho mais novo sejam efetivamente maiores. 30. É o que resulta inequivocamente do disposto no art. 143º do C. Civil. 31. Não se encontrando demonstrada nem a sua incapacidade para o cargo, por falta de cumprimento adequado dos deveres próprios do cargo, ou por ter revelado inaptidão para o mesmo ou, ainda, pela ocorrência de factos supervenientes à investidura do cargo que o coloquem em situação de impedimento da sua nomeação, não existem razões para revogar a decisão de nomeação de tutor; 32. Bem decidiu o Tribunal da 1ª instância ao atribuir a tutela ao filho mais velho nos termos do disposto no art. 143º, nº 1 d), 1ª parte, do Código Civil. E por isso devia ter sido mantida e não revogada. 33. Além do mais, inexistem fundamentos para entender que a filha mais nova daria maiores garantias de bom desempenho do cargo (2ª parte da mesma alínea d), ou que razões ponderosas apontavam em sentido diverso (nº 2 do mesmo art. 143º do C.C. 34. E, mesmo que tais fundamentos existissem não foram os mesmos ponderados na decisão a quo. 35. E não existem pois a filha mais nova não tem nem habilitações, nem experiência, nem tempo para assumir a tutela ou a curatela de seu pai. 36. É assim de manter não só a decisão de interdição como também a nomeação do filho mais velho como tutor. 37. Ou se se entender que é de proceder à convolação em inabilitação então o curador, por todas as razões acima expostas, deverá ser o atual tutor, uma vez que, nos termos do disposto no art. 156º do C. Civil o regime das interdições se aplica às inabilitações. 38. E a sentença que vier a decretar a inabilitação terá que especificar, nos termos do art.º 901.º, n.º 2 do C.P.C., os atos a serem ser autorizados ou praticados pelo curador. Nestes termos, deve o presente recurso de revista ser julgado procedente com todas as legais consequências, revogando-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra e mantendo-se a douta sentença proferida na 1ª instância. A entender-se ser de manter a convolação, deverá o tutor manter-se como curador e com especificação dos atos a serem por si autorizados ou praticados. 8. Nas suas contra-alegações, o requerido pugnou pela confirmação do acórdão recorrido. Por sua vez, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da confirmação da decisão quanto à declaração de inabilitação e da sua revogação no que respeita à nomeação de curador por entender que essas funções devem ser atribuídas ao requerente (e não à outra filha do Requerido). *** 9. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608.º, n.º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas. Por sua vez – como vem sendo repetidamente afirmado – os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal que proferiu a decisão impugnada, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal a quo. Sendo assim, as únicas questões de que cumpre conhecer consistem em saber se: a) – Deve ser decretada a interdição do requerido; b) – O requerente deve ser nomeado curador. *** II – Fundamentação de facto
10. As instâncias deram como provado que: a) O Requerido nasceu em --------, na freguesia e concelho de ............. filho de DD e DD; b) O Requerido apresenta perturbação neurocognitiva por demência vascular, de evolução crónica, lentamente progressiva e com agravamento significativo desde o primeiro trimestre de 2016; c) O Requerido apresenta défice cognitivo moderado; d) O Requerido apresenta uma pobreza formal de pensamento e perseveração ideativa; e) O pensamento do Requerido apresenta um curso de ritmo com aparente e ligeira lentificação, formalmente sem alterações de contiguidade mas com dificuldades de organização formal e empobrecimento; f) O Requerido apresenta desconfiança aumentada; g) O Requerido não é capaz de especificar, mesmo a nível básico, as diversas etapas de confeção de uma refeição; h) O Requerido reconhece o dinheiro, mas não é capaz de indicar o preço de produtos, conseguindo fazer pequenos trocos com a ajuda de papel e caneta; i) O Requerido não demonstra aceitação do seu estado psicopatológico; j) O Requerido não consegue gerir de forma autónoma a sua medicação, não conseguindo reproduzir qual a medicação que lhe foi prescrita e desvalorizando o acompanhamento médico; k) O Requerido não tem capacidade para governar globalmente o seu património, devendo ser treinado para gerir “dinheiro de bolso” diário, e em pequenas quantidades; l) Em 14 de Julho de 2016 foi proferida decisão decretando a interdição provisória do Requerido. *** III – Fundamentação de direito 11. Da interdição/inabilitação por anomalia psíquica No acórdão recorrido considerou-se que a situação do requerido não preenche os requisitos da anomalia psíquica para a interdição, tendo antes, atenta a factualidade provada, declarado a inabilitação, ao abrigo do disposto no art. 90º5º, nº3, do CPC. O Tribunal da Relação fundamentou a sua decisão nos seguintes termos: “Dispõe o art.º 138, nº 1, do C. Civil, na redação ainda aplicável, que “podem ser interditos dos seus direitos todos aqueles que por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar a sua pessoa e bens”.
(…)
Afigura-se-nos, todavia, que a situação descrita não implica que se possa asseverar que o Requerido não está capaz de governar a sua pessoa e bens e, por essa razão, deva ser declarado, como foi, interdito.
É que, como decorre do parecer do perito médico junto aos autos a fls.176 e ss, o Requerido conhece o valor do dinheiro e efetua pagamentos (corretos) por transferência e cheque.
O défice cognitivo moderado não é, assim, impeditivo do governo dos respectivos bens. O pensamento dito “lentificado” não é sinónimo de que o Requerido não esteja capaz de tomar as decisões adequadas, embora num tempo diferente.
Por outro lado, no que concerne ao exercício de autocrítica pelo Requerido, o Relatório da Perícia Médico-Legal de fls. 117 e ss. diz o seguinte: Este enquadramento da doença do Requerido implica que não se possa dizer que, na vida quotidiana, o mesmo não pode governar a sua pessoa e bens. Como adverte Manuel de Andrade[1] é indispensável concluir que o interditando não consegue ““gestionar por si só os interesses pessoais e patrimoniais” tendo presente que “o conceito jurídico de demência não coincide portanto com o conceito psiquiátrico. Define-se segundo um critério prático-social (…)”. Ou seja, o Requerido não preenche os requisitos de que depende a declaração de interdição nos termos do art.º 138, nº 1, do CPC.”.
Como procuraremos demonstrar, a decisão impugnada não merece qualquer censura. Antes, porém, há que referir que à data em que foi proferido o acórdão recorrido (28.11.2018) ainda não se encontrava em vigor o novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, aprovado pela Lei nº 49/2018 de 14/08 e que revogou a disciplina civil das interdições e inabilitações, pelo que, não obstante o disposto no art. 26º daquele diploma, será à luz das normas do Código Civil, na sua redação anterior, que as questões objeto da presente revista serão analisadas. Ora bem. O Código Civil dedica às “interdições” e às “inabilitações” os arts. 138º e ss. Muito embora não defina a interdição, dos arts. 138º e 139º, do Código Civil “pode extrair-se a ideia de que se trata do instituto aplicável a maiores que, por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens (…).”[2] Com referência à anomalia psíquica, que é o fundamento invocado nesta ação, há que ter presente que essa causa incapacitante abrange todas as deficiências, não apenas do intelecto, mas também da vontade, afetividade e sensibilidade e deve ser atual (ou seja, não passada ou futura) e permanente (e não meramente acidental ou transitória) e assumir uma gravidade tal que interfira com as faculdades do indivíduo, de modo a tolher-se a sua capacidade de reger a sua pessoa e bens.[3] Por sua vez, a inabilitação é de aplicar quando as patologias, embora permanentes, não revistam gravidade que permita decretar a interdição (cf. art. 152º, do CC). Quer dizer: ainda que se constate que as capacidades da pessoa se encontram diminuídas, a interferência no seu discernimento, vontade e querer não torna o portador completamente inapto para governar a sua pessoa e bens, como exigido para a interdição. Ora, no caso dos autos, resulta da factualidade provada que o requerido apresenta deterioração de alguns aspetos cognitivos, que o tornam dependente da ajuda de terceiros para realizar certas tarefas que exijam níveis de abstração e complexidade superiores. Não obstante, o quadro clínico apurado (de evolução lenta e paulatina - como se afirma no relatório pericial) não o impede, atualmente, de fazer a gestão diária da sua pessoa e bens, ficando apenas comprometidas as atividades ou tarefas mais complexas ou exigentes.[4] Neste contexto, temos por adequada a convolação levada a cabo pelo Tribunal da Relação que, ao abrigo do disposto no art. 905º, nº3, do CPC, decretou a inabilitação, ao invés da interdição. Improcede, pois, a revista nesta parte. *** 12. No que concerne à nomeação do curador, afigura-se-nos, todavia, que a razão está do lado do recorrente. Com efeito, sendo aplicável ao instituto da inabilitação o regime da interdição, com as necessárias adaptações (cf. art. 156º, do CC), não se vislumbra qualquer razão para afastar a norma contida no art. 143º, nº, al. d), do mesmo Código que defere a curatela ao filho maior, preferindo o mais velho, como é o caso do recorrente. Por outro lado, ao curador nomeado cabe, em princípio, nos termos do art. 153º, do CC, autorizar o inabilitado a alienar bens por atos entre vivos e quaisquer outros atos que tenham sido especificados na decisão que decretou a inabilitação. No acórdão recorrido não se especificaram quaisquer outros atos sujeitos a autorização do curador, entendimento que se acompanha, por não se ter por demonstrada a necessidade de fazer essa discriminação. De igual modo, e ao contrário do que defende o recorrente, não há lugar à constituição do conselho de família, nos termos previstos no art. 154º, nº2, do CC, pois tal só se justifica quando o tribunal – excecionalmente - entregue a administração do património do inabilitado, no todo ou em parte, ao curador, situação que, como vimos, não se verifica no caso em apreço. *** IV – Decisão 13. Nestes termos, concedendo parcialmente a revista, acorda-se em nomear o requerente curador do inabilitado, no mais se confirmando o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente e recorrido, na proporção de 5/6 e 1/6, respetivamente.
Lisboa, 21 de Março de 2019
Maria do Rosário Morgado (Relatora) José Sousa Lameira Hélder Almeida __________________ |