Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | FERREIRA GIRÃO | ||
| Descritores: | JUNÇÃO DE DOCUMENTO DOCUMENTO SUPERVENIENTE ACÇÃO DE DESPEJO RESOLUÇÃO DO CONTRATO ARRENDAMENTO SUB-ARRENDAMENTO RESPONSABILIDADE CIVIL ABUSO DE DIREITO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR | ||
| Nº do Documento: | SJ200310300025932 | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 3884/02 | ||
| Data: | 01/30/2003 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Sumário : | I - O instituto da responsabilidade civil e o instituto do enriquecimento sem causa podem concorrer na qualificação da mesma situação. II - Ainda que não se provem os pressupostos da responsabilidade civil, o interventor por ingerência em bens alheios está obrigado a restituir ao respectivo proprietário aquilo com se enriqueceu à custa do valor de uso desses bens. III - O senhorio proprietário do locado não tem direito, com base em enriquecimento sem causa do seu inquilino, aos excessos de rendas (por superiores ao limite legal estabelecido no artigo 1062º do Código Civil) que este tenha cobrado por sublocação, quando tais excessos são a contrapartida de uma maior rentabilização do locado por obras nele feitas a expensas exclusivas do próprio inquilino sublocador. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" e mulher B intentaram a presente acção de despejo, sob a forma ordinária, contra C e marido D - entretanto falecido, sendo seus sucessores habilitados, além da co-ré E, F, G, H, I e J - , pedindo a resolução do contrato de arrendamento urbano que celebraram, em 16/10/78, com o falecido réu, e ainda a condenação de todos os réus: a) a pagarem aos autores as quantias de 25.260.480$00 e 350.840$00, sendo esta por cada mês a correr até ao despejo, com juros de mora desde a citação até ao respectivo pagamento; b) quando não assim, ou subsidiariamente, a restituírem aos autores aquela quantia de 350.840$00 por cada mês dos últimos 36 - o que soma 16.630.240$00 - e ainda por cada um a correr até ao despejo e em ambos os casos acrescidos dos juros legais a contar desde o final de cada um desses meses até ao pagamento, sendo os já vencidos de 2.748.168$00, tudo com base no enriquecimento sem causa, ou a contar da citação se vier a entender-se que apenas desde aí são devidos; c) a pagarem a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença com vista a indemnizar os autores pelos danos indicados nos artigos 45º a 50º da p.i.; d) a demolirem as divisões mencionadas nos artigos 51º a 56º da p.i. e a reporem o locado no estado anterior à feitura das mesmas. Para tanto e em síntese alegam que: - por escrito particular de 16/10/78 deram de arrendamento ao réu pelo prazo de um ano, com início em 1/11/78, renovável por igual período, mediante a renda mensal de 4.500$00, entretanto actualizada para 61.800$00, o prédio urbano e seu quintal sito na rua ..., no Funchal com destino a escritórios e habitação; - porém, os réus nunca utilizaram o locado quer para instalação de escritórios, quer para nele dormirem, comerem, ou passarem os seus tempos livres; - os 10 quartos que tem o prédio são ocupados sem o consentimento dos autores por outras pessoas que pagam aos réus uma renda que totaliza a quantia média mensal de 425.000$00; - a utilização que está a ser dada ao prédio provoca-lhe um desgaste 10 ou 15 vezes superior ao que teria se estivesse a ser usado para o fim convencionado; - e tanto assim é que, quando foi arrendado, o prédio estava impecável e agora encontra-se sujo, com portas, janelas, tapassóis e soalhos partidos e com tectos e paredes divisórias a caírem; - para além disso, os réus construíram sobre o quintal duas ou três divisões com várias janelas e um janelão para o exterior, fazendo assim desaparecer o quintal, tudo sem consentimento escrito dos autores. Os réus contestaram e reconvieram, pedindo, para a hipótese de a acção vir a proceder, a condenação dos autores no pagamento da quantia de 33.150.000$00, sendo 10.150.000$00 a título de danos morais e materiais e 23.000.000$00 a título de indemnização pelas benfeitorias necessárias e úteis, realizadas para assegurar o uso normal do locado. Houve réplica e tréplica, sendo que, naquela, os autores ampliaram a causa de pedir por forma a abranger a alegação dos réus de que instalaram e têm a funcionar no locado uma residencial. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedentes a acção e a reconvenção, decretou a resolução do contrato de arrendamento com os fundamentos previstos nas als. d) e g) do nº. 1 do artigo 64º do RAU e condenou: - os réus no despejo imediato do prédio locado (com excepção da loja arrendada à sociedade "L, Lda.") e a entregá-lo aos autores no estado anterior à feitura das obras de transformação em 11 pequenos apartamentos, constituídos por um quarto de dormir, casa de banho e «kitchenete»; - os autores no pagamento aos réus de uma indemnização por benfeitorias necessárias e úteis, a liquidar em execução de sentença, tendo em conta os parâmetros definidos no texto desta. Apelaram ambas as partes e a Relação de Lisboa, concedendo parcial provimento ao recurso dos autores, revogou a sentença na parte em que os condenou a indemnizar os réus pelas benfeitorias, confirmando-a quanto ao demais. Pedem agora os autores revista do acórdão da Relação, formulando as seguintes e textuais conclusões: 1. A resolução do arrendamento tem eficácia retroactiva reportada ao tempo da violação do contrato e o que corresponde a dizer que daí em diante até ao despejo efectivo não assiste aos réus razão alguma não só para deter o locado como também para continuarem a cobrar as aludidas sub-rendas e integrá-las no seu património, pelo que a procedência da pedida indemnização se impõe graças aos princípios gerais e do abuso de direito consignados entre outros nos artigos 483º, 562º, 798º, 1.271º e 334º, todos do C.C. 2. Consequentemente, pagando como inquilino a renda mensal de 61.800$00 e recebendo por sublocação 561.000$00, ele não só não tem esse direito como está a ofender os dos autores, senhorios proprietários, e se o tivesse estaria a abusar do mesmo por receber uma sub-renda de 486.840$00, seja cerca de 40 vezes superior à renda acrescida de 20% no lugar dos devidos 12.360$00 e o que deveria originar a correspondente indemnização nos termos gerais ou e então do abuso de direito e naturalmente e no mínimo a coincidir com aqueles 486.840$00 por mês, seja a diferença existente aqueles dois valores (61.800+12.360=74.160) (561-74.160=486.840$00). 3. Porém, como na p.i. apenas foram pedidos 350.840$00 por cada mês desde os 6 anos anteriores e dali até à entrega efectiva do locado, é nesta medida que se deve verificar a real indemnização das duas primeiras conclusões e que até ao momento soma 56.134.400$00 (25.260.480$00+30.873.920$00), para além dos juros legais a partir da citação (e que até hoje são já de 15.297.460$00) e de ainda 350.840$00 por cada mês a decorrer para além dos seus juros legais a vencer até aquela entrega. 4. Quando não assim então da análise dos factos provados resulta claramente a verificação do invocado enriquecimento do réu, pois pagando de renda a quantia mensal de 61.800$00 e recebendo dos sublocatários a de 561.000$00, nada mais é preciso dizer para se concluir que usufrui de um enriquecimento de 486.640$00 mensais no mínimo, tendo em conta que lhe é permitido cobrar 20% ou os aludidos 12.360$00 por mês. 5. Assim, apesar da sublocação ter sido autorizada aquando da outorga do arrendamento, a sub-renda cobrada pelos réus no nosso caso e à luz dos princípios legais não poderia exceder 74.160$00, não havendo por isso relação ou facto que legitime o apontado seu enriquecimento e o que significa também que este não deriva de justa causa. 6. Depois, essa sublocação, que serviu de base àquela cobrança não consentida pelo locatário muitas vezes superior à devida pelo contrato de locação aumentado de 20%, foi o fundamento da sua resolução e corresponde à sua falta de cumprimento, sendo por isso acto ilícito e daí ser manifesto não só que a lei não proteja os réus, antes os sancione, mas também que a falta de justa causa se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que, á luz dos princípios lícitos, legitime o enriquecimento. 7. A não ser como se diz nas três conclusões anteriores, então o casal do réu inquilino locupletar-se-ia mensalmente à custa do senhorio-proprietário com a referida diferença de 486.640$00, porquanto sem qualquer razão a arrecada totalmente, retarda a restituição do locado e impede que semelhante quantia entre no património dos autores e o que corresponde ao enriquecimento daqueles e empobrecimento destes. 8. Consequentemente e com base no instituto do enriquecimento sem causa, os autores senhorios proprietários do locado têm o direito de haver para si a parte das sub-rendas cobradas pelo réu locatário que excedam o montante das rendas por este pagas acrescidas de 20%, uma vez que a sublocação apesar de autorizada no contrato nunca lhes foi comunicada e consequentemente não a consentiram. 9. E sendo ainda de realçar que está assente serem os autores proprietários da casa locada e o réu se comporta como se fosse ele enquanto este como locatário só fica com os direitos que lhe advém do arrendamento pois a locação não abrange a faculdade de sublocar por sub-renda superior a 20% da renda por ele paga, consequentemente não fica como tal com o direito de beneficiar dos frutos civis correspondentes ou que o locado produza em consequência daquela sublocação, pertencendo pelo contrário, como frutos civis, ao proprietário graças à plenitude e exclusividade do seu direito legal de fruição pelo que privado desses rendimentos por terem sido entregues ao locatário torna-se manifesto o empobrecimento dos autores. 10. O réu, ao nunca lhes ter comunicado alguma das tantas sublocações que fez por sub-rendas com aumento 40 vezes superiores ao legalmente permitido e que sempre recebeu e para mais arrogando-se e agindo como se fosse dono do prédio, está numa situação análoga à do possuidor de má fé no que respeita à restituição dos frutos que a coisa produziu até ao termo da posse integrada por aquela utilização de má fé pelo que o réu ao não o fazer privou os autores deles e consequentemente daí resulta como é manifesto, o empobrecimento destes, na medida em que são privados de tais frutos e a obrigação daquele fazer a estes a sua restituição por forma agravada nos termos do artigo 480º do CC.. 11. Chocante e incompreensível seria reconhecer o direito de apropriar-se de tais quantias a quem celebrou uma sublocação não consentida e portanto ilícita e tanto pior por quem se intitula falsamente de proprietário do imóvel e como tal agiu e daí que uma situação destas não possa ser protegida pelo Direito. 12. Tanto mais que apesar da sentença do ordenado despejo ter efeitos ex tunc, a verdade é que este não se mostra ser meio idóneo à obtenção da correspondente indemnização ou de sanção contra tal enriquecimento, como por maioria de razão não o seria a de uma indemnização ou retribuição correspondente ao dobro da renda ou coisa parecida. 13. Porém, não obstante o que vem dito e à semelhança do que já se disse na 3ª conclusão, na p.i. em vez daqueles 486.840$00 apenas se pediram 350.840$00 por cada mês desde os 3 anos anteriores e daí que até à entrega do locado seja nessa medida que se deve verificar a restituição das conclusões 4ª e seguintes e que até ao momento somam 43.504.160$00 (12.630.240$00+30.873.920$00) acrescidos dos juros legais a contar desde o final de cada um desses meses até ao pagamento, sendo os vencidos já de 10.342.902$00. 14. Face ao exposto, o douto acórdão em recurso ao julgar o pedido em apreço improcedente (e consequentemente ter confirmado a não menos douta sentença da 1ª instância) ele terá violado deixando de aplicar entre outros os artigos 483º, 562º, 798º e 334º ou então os artigos 473º, 474º, 479º e 480º e sempre ou em qualquer dos casos ainda o 1.062º, 1.037º, nº. 2 e 1271º, todos do C. Civil. Os recorridos não contra-alegaram. Corridos os vistos, cumpre decidir. Os factos provados são os seguintes: 1º- Por contrato formalizado em escrito particular de 16/10/78, os autores deram de arrendamento ao réu marido, pelo prazo de um ano com início em 1/11/78, sucessivamente renovável por igual período de tempo, o prédio urbano e seu quintal - com excepção da loja que se encontra arrendada e ocupada com a oficina de pintura de "L, Lda." - sito na rua ..., Funchal, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1032; 2º- A renda mensal, à data da propositura da acção, era de 61.800$00; 3º- Na cláusula 3ª do contrato estipulou-se que o locado se destinaria à instalação e funcionamento de escritórios e habitação; 4º- Foi o autor, dr. A, quem redigiu os termos e cláusulas do contrato e o mandou dactilografar e selar no seu próprio escritório de advogado; 5º- No mesmo contrato foi estipulado que os réus poderiam realizar no prédio as obras necessárias aos fins do arrendamento, mas, findo este, não haveria lugar a indemnização por tais obras; 6º- À data da celebração do contrato de arrendamento aqui em causa, o prédio locado tinha 10 quartos, cozinha e duas casas de banho e, depois das obras nele efectuadas pelo réu marido, ficou com 11 pequenos apartamentos constituídos por um quarto de dormir, uma «kitchenete» e uma casa de banho; 7º- Os réus não ocupam nem utilizam o locado para escritórios e nunca lá dormiram, comeram ou passaram os seu tempos livres; 8º- Os réus, sem pedirem autorização ou consentimento aos autores, proporcionam a quem se lhes dirija o gozo desses pequenos apartamentos, permitindo que essa pessoas, habitualmente, aí durmam, comam e passem os seus tempos livres; 9º- De vez em quando, há pessoas que saem e mudam e o réu marido admite outras para os seus lugares se e quando houver quem se lhes dirija; 10º- O réu marido cobra, mensalmente, dos ocupantes desses pequenos apartamentos quantias que, presentemente, são as seguintes: por dois dos apartamentos 75.000$00 cada um; por outros dois, 30.000$0 cada um; por um deles 45.000$00; pelos restantes 51.000$00 cada um; 11º- Actualmente, nenhuma das pessoas que ocupam os apartamentos é parente ou familiar dos réus, mas pouco tempo depois da celebração do contrato de arrendamento, um filho dos réus e a esposa habitaram o prédio durante alguns meses; 12º- Interiormente, tanto os acessos como os compartimentos, no que se refere a paredes, soalhos, tectos, portas e janelas estão em razoável estado de conservação, ao passo que, exteriormente, o prédio apresenta alguns sinais de degradação em tapassóis, rebocos e pinturas; 13º- Os réus construíram um anexo com estrutura em alvenaria de blocos de cimento e cobertura em laje de betão armado, constituído por uma sala comum com «kitchenete», quarto de dormir e uma casa de banho, ocupando uma área coberta de cerca de 36,00m2, anexo que tem duas portas para o exterior com 0,90mX2,20m, uma janela no quarto de dormir com cerca de 0,90mX1,20m, uma janela na sala comum com cerca de 1,70mX1,20m e uma gateira na casa de banho com cerca de 0,60mX0,50m, dando todos estes vãos para o logradouro do próprio prédio; 14º- Essas «divisões» são de cimento, blocos e ferro e têm alicerces, terraço e alpendre que lhe servem de cobertura e logradouro, respectivamente; 15º- Com esse anexo, os réus ampliaram a área coberta do prédio, fazendo diminuir a área do logradouro existente; 16º- Os réus integram no seu património o dinheiro que recebem dos ocupantes dos apartamentos; 17º- O autor, dr. A, conhece o réu D, pelo menos, desde a data da celebração do contrato; 18º- O autor, dr. A, tem conhecimento de que o réu é cônsul do Brasil na Região Autónoma da Madeira e explora pequenas unidades residenciais no Funchal; 19º- Na data em que foi celebrado o contrato de arrendamento em causa, o réu D explorava, e ainda explora, a «Residencial ...»; 20º- O autor, dr. A, sabia que o réu não ia habitar pessoalmente o prédio locado; 21º- À data da celebração do contrato o prédio locado era velho; 22º- O réu realizou no prédio as seguintes obras: - substituiu por novas todas as canalizações de águas e de esgotos que estavam decrépitas; - reconstruiu, retocou e pintou os tectos e as paredes interiores; - concertou portas e janelas; - construiu uma «kitchenete» e uma casa de banho em cada divisão da casa; 23º- Concluídas as obras, o prédio ficou dividido em 11 pequenos apartamentos, mobilados pelo réu; 24º- Além da estipulação da renda, o réu pagou aos autores, pelo menos, a quantia de 400.000$00 na ocasião da celebração do contrato; 25º- No ano de 1986, autor e réu acordaram num aumento de renda de 4.5000$00 para 30.000$00; 26º- Em Outubro de 1995, o autor, dr. A, quis que o réu passasse a pagar-lhe a renda mensal de 250.000$00; 27º- O réu recusou tal exigência e, então, o autor disse-lhe: «prepare-se para a acção de despejo»; 28º- Com a reparação de paredes, tectos, soalhos, portas e janelas do prédio locado, os réus gastaram a quantia de 8.000.000$00; 29º- Na readaptação do prédio, por forma a dotá-lo de 11 apartamentos com «kitchenete» e casas de banho privativas despenderam os réus a quantia de 10.0000$00; 30º- A substituição das instalações eléctrica, de água e esgotos custou aos réus o montante de 3.000.0000$00. Interessa ainda frisar que do escrito formalizador do contrato de arrendamento supra referido em 1º consta a cláusula QUINTA do seguinte teor: «A sublocação é permitida». Antes de entrarmos na apreciação do objecto do recurso, há que decidir sobre a admissibilidade da junção dos documentos de fls. 752 a 764, requerida pelos autores, ora recorrentes, com a apresentação das suas alegações da revista, com o fim de «auxiliar o Supremo Tribunal de Justiça» (sic) quanto à conclusão de que os requerentes são proprietários do locado. A parte contrária não se pronunciou. O artigo 727º do Código Processo Civil é expresso na limitação da admissibilidade da junção documental, no recurso para o Supremo, aos documentos supervenientes. Ora, por um lado, os documentos cuja junção se pretende - certidões da escritura da compra do prédio locado, do registo da sua aquisição a favor da autora e ainda do casamento dos autores entre si -, são todos de data muito anterior à propositura da acção e, pelo outro, o facto para cuja alegada comprovação se destinam (o direito de propriedade dos ora requerentes sobre o locado) foi alegado logo na petição inicial. Não são, por isso e manifestamente, documentos supervenientes, pelo que se decide não admitir a sua junção aos autos, com o subsequente desentranhamento, como a final se determinará. Os recorrentes circunscrevem o objecto do recurso à absolvição dos recorridos do pedido de serem condenados a restituírem àqueles a parte das sub-rendas, que cobraram aos sublocatários acima dos 20% (calculados sobre a renda) permitidos pelo artigo 1062º do Código Civil. Recordemos estar já definitivamente decidido que este facto de cobrança de sub-rendas superiores ao legalmente permitido integra a previsão da alínea g) do nº. 1 do artigo 64º do RAU, um dos dois comprovados fundamentos da decretada resolução do contrato de arrendamento em causa. No que concerne ao pedido indemnizatório, de discussão ainda em aberto, entenderam as instâncias que não ocorrem os pressupostos da indemnização com base no enriquecimento sem causa, dado que, a haver enriquecimento dos réus, ele não foi obtido à custa do correlativo empobrecimento dos autores e que, permitindo a lei o recurso à acção de despejo, não há lugar à restituição por enriquecimento, dado o carácter subsidiário deste instituto. Reagem os recorrentes contra este entendimento, alicerçando a sua argumentação nos princípios da responsabilidade civil (artigo 483º do Código Civil), do enriquecimento sem causa (artigo 473º do Código Civil) e do abuso de direito (artigo 334º do Código Civil). Ora, começando por este último instituto, é apodítica a sua inaplicabilidade ao caso, pois que, para haver abuso de direito é pressuposto necessário a existência do direito na titularidade do abusador, sendo certo que aos réus não assistia o direito de cobrarem, como cobraram, as sub-rendas acima do limite legal. Quanto aos outros dois institutos, tem vindo a ser entendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que o proprietário tem direito a ser indemnizado por quem se intromete na utilização dos seus bens, auferindo os réditos que a ele, proprietário, em exclusivo pertencem, por força do disposto no artigo 1305º do Código Civil. E isto mesmo quando não se tenham provado todos os pressupostos da obrigação de indemnizar previstos no artigo 483º do Código Civil, designadamente a verificação do dano. Efectivamente, «sempre que o interventor tenha tirado da coisa, objecto do direito real, certas vantagens, pode dizer-se que obteve um enriquecimento à custa do titular desse direito, na medida em que se apropriou de utilidades que a ordem jurídica, segundo o direito da ordenação dos bens, reservava exclusivamente a este último» - acórdão do STJ, de 23/3/99, CJSTJ, ano VII, tomo I, páginas 172-174, citando Pires de Lima e Antunes Varela, CCivil Anotado, 4ª ed., I-457, Henrique Mesquita, RLJ, 125º-158 e Menezes Leitão, «O Enriquecimento sem causa no Direito Civil», páginas 718, 895, 984 e 909/911. Nesta hipótese, tem-se entendido que se verificará sempre o chamado enriquecimento por intervenção, cujo elemento central é o enriquecimento à custa de outrem (o proprietário), ainda que se prove que este não estaria disposto a realizar os actos de onde procede tal vantagem. As regras aplicáveis serão as constantes do artigo 473º e seguintes do Código Civil relativas ao enriquecimento sem causa, instituto integrado pela verificação cumulativa dos seguintes requisitos: - enriquecimento de alguém; - inexistência de causa justificativa; - empobrecimento de outrem; - nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento. E nem será obstáculo à invocação deste instituto o seu cariz subsidiário, estabelecido no artigo 474º do Código Civil, pois que, conforme se lê no citado acórdão, os dois institutos - responsabilidade civil e enriquecimento sem causa - podem concorrer na qualificação da mesma situação, pelo que, provando-se o enriquecimento sem causa justificativa, mesmo que a intromissão não envolva responsabilidade civil, «o carácter subsidiário da obrigação de restituir nele fundada não impede, como é óbvio, a sua aplicabilidade». Dito isto, regressando ao caso que nos ocupa, logo se conclui que o recurso não pode proceder por razões de forma e de fundo. Efectivamente, como vimos, o direito de indemnização (ou de restituição) em apreço cabe a quem é proprietário dos bens. Ora, estamos perante uma acção de despejo com fundamento na violação do contrato de arrendamento firmado entre o autor e o réu, sendo certo que, na petição inicial, os recorrentes alegaram essencialmente os factos relativos à relação locatícia e à sua violação pelos recorridos, bem como ainda alegaram - embora a talhe de foice, seca e conclusivamente - serem eles os proprietários do prédio locado. Por alegada falta de prova documental deste invocado direito de propriedade, os réus excepcionaram a ilegitimidade dos autores, a que estes responderam na réplica que o que relevava, na presente acção, como em qualquer acção de despejo, era tão só a relação locatícia, ou seja, a sua qualidade de locadores. E foi com este argumento que se decidiu, no despacho saneador, pela improcedência da excepção dilatória da ilegitimidade activa. Ficou assim decidido - definitivamente, pois que dessa decisão não foi interposto qualquer recurso - que os direitos dos autores a apreciar e a definir, na presente acção, seriam só os atinentes à sua qualidade de locadores. Daqui, face ao caso julgado formal decorrente dessa decisão (artigo 672º do Código de Processo Civil), é óbvio que decorre um obstáculo intransponível à ampliação da matéria de facto, através da baixa do processo nos termos do nº. 3 do artigo 729º do Código de Processo Civil, com o fito de se comprovar o alegado direito de propriedade dos autores sobre o prédio - pressuposto indispensável, como se disse, ao direito indemnizatório (ou de restituição) a que se arrogam. Independentemente, porém, desta razão formal, mesmo a considerar-se provado o direito de propriedade dos recorrentes sobre o prédio locado, o pedido ora em análise - circunscrito, repete-se, ao enriquecimento dos recorridos com o excesso de sub-rendas que cobraram - não poderia deixar de improceder, uma vez que o enriquecimento dos recorridos não se deu à custa dos recorrentes. Na realidade, relembremos que a sublocação do prédio arrendado aos recorridos estava contratualmente autorizada (cláusula 5º, acima transcrita) e que, apesar de se processar sem o conhecimento dos recorrentes, o fundamento invocado para o despejo com base na sublocação - e como tal julgado procedente - foi tão só o da cobrança das sub-rendas em montante superior ao limite estabelecido no artigo 1062º do Código Civil. Acontece, porém, que os recorridos cobraram estas sub-rendas em excesso com a sublocação do arrendado, não tal como o receberam dos recorrentes, aquando da celebração do contrato de arrendamento, constituído por dez quartos, cozinha e duas casas de banho, mas depois de o terem transformado em onze pequenos apartamentos funcionalmente autónomos (cada um deles com «kitchenete» e quarto de banho privativos) e mobilados. E operaram esta transformação do locado a expensas suas, investindo no locado as dezenas de milhar de contos referidas na matéria de facto apurada e acima elencada. Esta é, portanto, uma situação diferente da tratada no acórdão deste Supremo, de 22/5/2001, CJSTJ, ano IX, Tomo II, página 95 - trazido à liça na alegação dos recorrentes em favor da sua tese -, pois que, aí, além de não estar contratualmente autorizada, a sublocação foi praticada pela arrendatária, com cobrança de sub-rendas acima do limite legal, sobre o armazém que locara, qua tale o recebera do locador, pelo que o enriquecimento daquela foi conseguido, exclusivamente, à custa deste. No caso dos autos o enriquecimento dos recorridos-arrendatários foi conseguido à sua própria custa. Não se verificou, por isso, qualquer empobrecimento dos recorrentes, pois que eles nunca deixaram de receber a renda acordada, correspondente ao valor de uso do locado com a configuração e as utilidades que tinha aquando da outorga do contrato de arrendamento (e que voltará a ter quando os recorridos, conforme se encontram condenados, o restituírem aos recorrentes). DECISÃO Pelo exposto decide-se:a)- não admitir a junção dos documentos de fls. 752-764, os quais deverão ser desentranhados e entregues à respectiva parte; b)- negar a revista, confirmando-se, com fundamentação diferente, o acórdão recorrido. Custas (incluindo as do incidente a que se reporta supra a)) pelos recorrentes. Lisboa, 30 de Outubro de 2003 Ferreira Girão Luís Fonseca Lucas Coelho |