Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
256/10.0GARMR.E1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: RECURSO PENAL
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
DUPLA CONFORME
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Data do Acordão: 09/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSOS DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / REVISTA EXCEPCIONAL – PROCESSO DE EXECUÇÃO / PAGAMENTO DE QUANTIAS DEVIDAS AO AGENTE DE EXECUÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO / ADMISSÃO DO RECURSO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 671.º, N.º 3 E 721.º, N.º 3 E 672.º;
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 1.º, ALÍNEA F), 400.º, N.º 2 E 3, 671.º, N.º 4 E 721.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 30-11-2011, PROCESSO N.° 401/06. OG TSTR.E1. S1;
- DE 15-12-2011, PROCESSO N.º 53/04.2IDAVR.P1.S1;
- DE 25-01-2012, PROCESSO N.° 360/06.0PTSTB.E1.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

- DE 22-06-2011, PROCESSO N.º 444/06.4TASEI.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 442/2012, IN DR N.º 222. SÉRIE II, DE 16-11-2012.
Sumário :
I - O regime processual civil constante do anterior n.º 3 do art. 721.º do CPC e do actual n.º 3 do art. 671.º do CPC, tem aplicação ao processo penal, por força do disposto no art. 4.º do CPP, relativamente aos pressupostos de admissibilidade de recurso para o STJ que tenha por objecto o pedido de indemnização civil.
II - O legislador ao aditar a norma do n.º 3 do art. 400.º do CPP, no sentido de que “mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”, não exclui os pressupostos processuais de admissibilidade do recurso relativa à indemnização civil, que vêm condicionados por regras processuais de natureza cível, como é o caso do n.º 2 do art. 400.º do CPP, que faz depender essa admissibilidade de recurso, da interligação entre o valor da alçada e o valor da sucumbência.
III - A dupla conforme do regime processual civil surge como complemento do n.º 2 do art. 400.º do CPP, como que o reverso em termos cíveis, da al. f) do n.º 1 deste artigo em termos penais.
IV - A autonomia dos recursos em processo penal, face aos recursos em processo civil, apenas significa que a sua tramitação unitária obedece imediatamente às disposições processuais penais, mas não exclui, por força do art. 4.º do CPP, em casos omissos, a aplicação subsidiária das regras do processo civil que se harmonizem com o processo penal.
V - A intervenção dos pressupostos dos recursos em processo civil transporta o regime para área diferente dos pressupostos dos recursos em processo penal: a alçada, o valor e a sucumbência são noções estranhas ao processo penal e aos pressupostos do seu regime de recursos.
VI - O processo penal inicia-se com um acto do MP, em regra, a abertura do inquérito. Já o processo ou acção cível tem início com a dedução do pedido de indemnização civil. O equivalente à petição inicial do processo civil não está na notícia do crime, na participação ou queixa, mas sim no requerimento em que é deduzido o pedido de indemnização. VII – O sistema da “dupla conforme” entrou em vigor em 01-01-2008, aplicando-se apenas aos processos iniciados após essa data, como se prevê nos arts. 11.º, n.º 1 e 12.º, n.º 1, do DL 303/2007, de 24-08.
VIII - Como o pedido de indemnização civil foi apresentado posteriormente a 01-01-2008 e como o acórdão da Relação decidiu sem voto de vencido confirmar na sua integralidade a sentença do tribunal de 1.ª instância, e porque não está em causa a aplicação do regime excepcional do art. 672.º do CPC não é admissível recurso para o STJ, nos termos dos arts. 414.º, n.º 2, do CPP e 671.º, n.º 3, do CPC, ex vi art. 4.º do CPP.
Decisão Texto Integral:

  Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


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            Como consta do relatório do acórdão recorrido:

 “No Processo Comum Singular nº 256/1O.0GARMR, do Núcleo de ..., na sequência de recurso interposto da sentença proferida em ...ª Instância, o Tribunal da Relação de Lisboa, então o competente, decidiu o seguinte:

"Face ao exposto, acordam os Juízes da ...ª secção deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso interposto pelos assistentes AA e BB, decidindo:

- Alterar a matéria de facto nos termos indicados no ponto 9 deste acórdão;

- Condenar a arguida CC pela prática de um crime de homicídio por negligência, conduta p. e p. pelo artigo 137°, nº 1, do Código Penal, na pena que vier a ser fixada pela 1 a Instância;

- Condenar a sociedade "DD, SA" no pagamento aos demandantes AA e BB da indemnização civil que vier a ser fixada pela 1ª Instância;

- Manter em tudo o mais a decisão recorrida.

Portanto, e como expressamente o refere o aludido acórdão da Relação de Lisboa, apenas foi relegado para a 1 a Instância a determinação da concreta pena a aplicar à arguida e do concreto valor da indemnização devida - fis. 978.

Este acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa transitou em julgado, já que não foi admitido o recurso interposto do mesmo pela demandada "DD, SA, v. fls. 996 dos autos, posição esta mantida pelo Supremo Tribunal de Justiça, em sede de reclamação.

Em obediência ao determinado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a ...ª Instância proferiu a sentença constante de fis. 1014 a 1065, esta elaborada de acordo com o que já havia sido decidido, com transito em julgado, no aresto daquele Tribunal de 2ª Instância.

Daí, ter sido decidido o seguinte:

- Condenar a arguida CC pela prática do crime de homicídio negligente, p. e p. pelo artigo 137° do Código Penal, na pena de um ano e meio de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do disposto no artigo 50°, nº     5, do Código Penal

- Condenar a demandada "DD, SA" no pagamento aos demandantes AA e BB da quantia de 180.000,00 € (cento e oitenta mil euros) acrescida de juros legais desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até efetivo e integral pagamento.

A arguida conformou-se com o teor desta decisão.

A demandada "DD, SA" interpôs recurso da mesma, nos termos que constam de fis. 1072 a 1085, concluindo nos seguintes termos:

1 - Os factos que na douta sentença recorrida se declararam provados sobre os nºs 5 e 11 devem declarar-se não provados.

2 - O que ocorreu foi que no dia 7 de Maio de 2012, um veículo conduzido por EE, despistou-se e capotou, tendo nele embatido, cerca de 10 minutos depois, um automóvel conduzido pela arguida CC.

3 - Logo depois do capotamento referido, o EE telefonou para um colega de trabalho e disse-lhe que tinha tido um acidente à saída do Outeiro, nada mais tendo dito, apesar da insistência com que o seu colega lhe perguntou se estava bem.

4 - No Acórdão desta Relação de 13 de Fevereiro de 2013 proferido nestes autos presumiu-se que o EE não morreu como consequência do capotamento do seu carro (como sugere o facto de de repente ter deixado de falar com o colega a que ligara) mas em resultado do embate nesse carro do automóvel conduzido pela arguida CC.

 5 - Mas a culpa não se presume.

6 - E a livre convicção do julgador sobre a culpa dos acusados "só existirá quando e só o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida

razoável".

7 - Portanto só poderia dar-se por provado que foi a arguida que matou o sinistrado se o sinistrado, para além de toda a dúvida razoável, não tivesse morrido quando o seu carro se despistou e capotou e que não morreria por causa das lesões geradas pelo dito capotamento.

8 - Mas o senhor perito médico que fez a autópsia do cadáver do sinistrado reconheceu que a morte do sinistrado poder ter resultado do capotamento referido.

9 - Logo não pode excluir-se que o sinistrado não estivesse morto quando o carro conduzido pela arguida bateu no carro do sinistrado e/ou que não tenha morrido em consequência das lesões que lhe causou o capotamento do seu carro, ocorrido cerca de 10 minutos antes do embate do carro da arguida no do sinistrado.

10 - Por isso, a Ma Juíza de ..., que, com redobrada atenção, fez o Julgamento do processo, ao longo de várias sessões, absolveu a arguida - como não poderia deixar de ser.

11 - Não obstante, neste Venerando Tribunal, em 13 de Fevereiro de 2013, revogou-se a douta sentença da 1ª instância, sem se possibilitar à recorrente que se defendesse, que contra¬alegasse.

12 - A recorrente arguiu a nulidade decorrente desse facto. Foi atendida e contra-alegou, mas o processo foi entregue ao mesmo Relator - que desprezou totalmente os argumentos da recorrente apesar do voto de vencida da Exma Srª Desembargadora ..., vencida por ter considerado pertinentes os fundamentos da decisão recorrida - a sentença de I a instância que absolvera a arguida e a recorrente.

13 - Mas com o Senhor Perito médico a afirmar que a morte do sinistrado EE pode ter resultado do primeiro acidente (o despiste e capotamento do carro que conduzia), que, portanto, não pode excluir-se que aquele sinistrado já estivesse morto quando o automóvel da arguida embateu no dele, não poderá, de modo nenhum, afirmar-se o contrário disso para além de toda a dúvida razoável.

14 - Logo, tendo-se baseado a condenação da recorrente na culpa da arguida, e não podendo manter-se tal afirmação de culpa deve absolver-se a recorrente.

15 - Os montantes indemnizatórios fixados na douta sentença recorrida consideração que só se faz por dever de ofício, porque não se concebe que a recorrente não seja absolvida, esses montantes ultrapassam largamente os que têm praticado os nossos Tribunais Superiores em casos idênticos; quase quadriplicou as verbas da Portaria nº 67912009, parecendo, porém que nunca deveriam ultrapassar, no todo, 120/130.000,00€

16 - A douta decisão recorrida violou o disposto no art° 127° do CPC, no art° 32° - 2 da Constituição da República Portuguesa e no artº 562° do CC.

17 - Devendo por isso ser revogada e substituída por decisão que absolva a recorrente.

Os assistentes responderam pronunciando-se pela manutenção do decidido.”


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           O Tribunal da Relação, por acórdão de 16 de Fevereiro de 2016, decidiu, “negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra, a decisão recorrida“ e condenou a recorrente nas custas cíveis

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Inconformada com o acórdão, dele vem a mesma recorrente DD, S.A., interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso:

1 – No dia 7 de Maio de 2012, um veículo conduzido por EE, despistou-se e capotou, tendo nele embatido, cerca de 10 minutos depois, um automóvel conduzido pela arguida CC.

2 – Logo depois do capotamento referido, o EE telefonou para um colega de trabalho e disse-lhe que tinha tido um acidente à saída do Outeiro, nada mais tendo dito, apesar da insistência com que o seu colega lhe perguntou se estava bem.

3 – No Acórdão condenatório de 13 de Fevereiro de 2013 proferido nestes autos presumiu-se que o EE não morreu como consequência do capotamento do seu carro (como sugere o facto de de repente ter deixado de falar com o colega a que ligara) mas em resultado do embate nesse carro do automóvel conduzido pela arguida CC.

4 – Mas a culpa não se presume.

5 – E a livre convicção do julgador sobre a culpa dos acusados “só existirá quando e só o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável”.

6 – Portanto só poderia dar-se por provado que foi a arguida que matou o sinistrado se o sinistrado, para além de toda a dúvida razoável, não tivesse morrido quando o seu carro se despistou e capotou e que não morreria por causa das lesões geradas pelo dito capotamento – que provocou marcado afundamento do tejadilho do carro sobre a cabeça do condutor – como se vê em várias fotos dos autos.

7 – Mas o perito médico que fez a autópsia do cadáver do sinistrado reconheceu que a morte do sinistrado poder ter resultado do capotamento referido.

8 – Logo não pode excluir-se que o sinistrado não estivesse morto quando o carro conduzido pela arguida bateu no do sinistrado e/ou que não tenha morrido em consequência das lesões que lhe causou o capotamento do seu carro, ocorrido cerca de 10 minutos antes do embate do carro da arguida no do sinistrado.

9- Por isso, a Mª Juíza de ..., que, com redobrada atenção, fez o Julgamento do processo, ao longo de várias sessões, absolveu a arguida – como não poderia deixar de ser.

10 - Não obstante, no referido Acórdão da Relação de Lisboa, revogou-se a douta sentença da 1ª instância, sem se possibilitar à recorrente que se defendesse, que contra-alegasse.

11 - A recorrente arguiu a nulidade decorrente desse facto. Foi atendida e contra-alegou, mas o processo foi entregue ao mesmo Relator – que desprezou totalmente os argumentos da recorrente apesar do voto de vencida da Exma Srª Desembargadora Drª ..., vencida por ter considerado pertinentes os fundamentos da decisão recorrida – a sentença de 1ª instância que absolvera a arguida e a recorrente.

12 – E o Ministério Público junto da Relação de Lisboa sustentara que se deveria confirmar a Sentença da 1ª instância.

13 - E o Perito médico afirmou que a morte do sinistrado EE pode ter resultado do primeiro acidente (o despiste e capotamento do carro que conduzia), que, portanto, não pode excluir-se que aquele sinistrado já estivesse morto quando o automóvel da arguida embateu no dele, não podendo assim, de modo nenhum, afirmar-se o contrário disso para além de toda a dúvida razoável.

14 – Logo, tendo-se baseado a condenação da recorrente na culpa da arguida, e não podendo manter-se tal afirmação de culpa deve absolver-se a recorrente.

15 - O Tribunal da Relação de Évora não se pronunciou sobre a culpa ou inocência da arguida por ter julgado que transitara o Acórdão condenatório da Relação de Lisboa – coisa que não se verificou pelas razões que se indicaram.

16 – Os montantes indemnizatórios fixados no douto Acórdão recorrido ultrapassam largamente os que têm praticado os nossos Tribunais Superiores em casos idênticos; quase quadriplicaram as verbas da Portaria nº 679/2009, parecendo, porém que nunca deveriam ultrapassar, no todo, 120/130.000,00€ - alegação que só se faz por dever de ofício, porque não se concebe que a recorrente  não seja absolvida.

17 – A douta decisão recorrida violou o disposto no artº 32º - 2 da Constituição da República Portuguesa, no artº 127º do CPP e nos artºs 483º e 562º do CC,

18 – Devendo por isso ser revogada e substituída por decisão que absolva a recorrente.

Termos em que se deve prover este recurso, absolvendo-se a recorrente.


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          AA e BB, Assistentes, Demandantes Cíveis e Recorridos nos Autos, apresentaram resposta, no sentido de que deverá o recurso “ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de ÉVORA nos seus precisos termos.

POIS SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA”


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           Neste Supremo, o Digmo Magistrado do Ministério Público emitiu douto Parecer  sintetizando:

3 – EM CONCLUSÃO:

            3.1 Nos termos do disposto quer no art. 721.º, n.º 1, referido ao art. 691.º, n.º 1, do CPC (versão do DL 303/2007, de 24-08), quer no art. 671.º, n.º 1 do CPC vigente (versão da Lei n.º 41/2013, de 26-06), cabe recurso de revista para o STJ do acórdão da Relação que tenha incidido sobre uma decisão de 1.ª instância que tenha conhecido do mérito da causa ou posto termo ao processo. Mas, de acordo com o n.º 3 do mesmo preceito, «sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte»: é o chamado sistema da “dupla conforme”.

           3.2 Qualquer das sobreditas normas é subsidiariamente aplicável aos pedidos de indemnização civil julgados no processo penal, por força do disposto no art. 4.º do CPP.

3.3 – Sendo este o caso dos autos, e porque não está aqui em equação a possibilidade de aplicação do regime excecional do art. 672.º do CPC [anterior art. 721.º-A), o recurso não é admissível, também neste segmento, por via da “dupla conforme” verificada, sendo que, como é sabido e decorre do disposto nos art. 414.º, n.ºs 2 e 3 e 420.º, n.º 1/b) do CPP, a decisão que, na Relação, o admitiu não vincula o tribunal superior.

3.4 – Pelo que, por inadmissibilidade legal, nos termos do art. 420.º, n.º 1/b), com referência ao art. 414.º, n.ºs 2 e 3, ambos do CPP, deve o recurso ser agora liminarmente rejeitado, por mera decisão sumária do relator [art. 417.º, n.º 6/b) do CPP]”

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Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP., tendo a recorrente "DD, SA apresentado resposta no sentido de que “Deve admitir-se o recurso interposto pela Recorrente.”


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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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Como explicitou o acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Évora:

“[…], atento o teor do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, transitado, e dado que a arguida se conformou com a pena que lhe foi aplicada, apenas pode constituir objeto do presente recurso, este interposto pela demandada "DD, SA", os montantes indemnizatórios fixados pela lª Instância a favor dos demandantes, os assistentes AA e BB, estes da responsabilidade daquela.

A demandada, porém, põe em causa, de novo, a matéria de facto apurada e não apurada. Porém, dessa questão, já conheceu o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo alterado, aliás, a matéria de facto que havia sido fixada na primeira sentença da 1ª Instância, como se pode ler a fls. 977 do acórdão que proferiu, pelo que, em consequência dessa alteração foi fixada na segunda sentença proferida na 1ª Instância a matéria constante dos pontos 10. e 11.

Tudo o mais constante da primeira sentença foi mantido, excetuando-se, consequentemente, a decisão final, tendo sido ordenada a fixação de uma pena a aplicar à arguida, bem como dos montantes indemnizatórios atribuídos aos assistentes e demandantes, estes da responsabilidade da demandada.

Por isso mesmo, para além desses montantes indemnizatórios, de nada mais cumpre, ou se pode, conhecer.

A sentença de novo proferida pela 1ª Instância pronuncia-se à saciedade sobre a obrigação de indemnizar, sendo que esta obrigação já estava estabelecida, por decisão transitada em julgado.

Portanto, a Relação pronunciou-se, “tão só, sobre os montantes fixados, a título de indemnização civil a favor dos demandantes, aos quais a recorrente só se refere, achando-os excessivos, no ponto 15. das conclusões da sua motivação de recurso, limitando-se nas demais conclusões a discordar da matéria dada como apurada, por decisão transitada em julgado. “

           Na verdade como se respiga dos autos, e foi alegado pelos demandantes

•          foi proferida sentença, no dia 23 de março de 2012 (cfr. fls. 659 e 698 dos presentes autos) a qual foi depositada no mesmo dia (fls. 701), que absolveu a arguida CC do crime de homicídio na forma negligente, previsto e punido pelo art.º 137º do CP e absolveu a Demandada Civil DD, S.A. do pedido de indemnização civil contra si deduzido, no valor global de 180.000,00€ (cento e oitenta mil euros), acrescido de juros legais desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até efetivo e integral pagamento;

•         na sequência do recurso interposto pelos assistentes e demandantes civis AA e BB foi proferido pela 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em 13 de fevereiro de 2013, o douto acórdão melhor constante de fls. 809 a 850 dos presentes autos, que entre o mais o julgou procedente;

•        Por despacho de fls. 862 dos presentes autos, em virtude da preterição da notificação da sua interposição à Demandada Zurich, veio todavia o mencionado acórdão a ser anulado;

•         Após a Demandada DD ter respondido ao recurso penal apresentado pelos assistentes e demandantes civis foi a sentença de 23 de março de 2012, proferida em ...ª Instância pelo extinto ...º Juízo do Tribunal Judicial de ... parcialmente revogada por douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Novembro de 2013 – o qual, julgando procedente o recurso interposto pelos referidos assistentes decidiu:

“a) -Alterar a matéria de facto nos termos indicados no ponto 9 do mesmo acórdão,

b) - condenar a arguida CC pela prática de um crime de homicídio por negligência, conduta p. e p. pelo art.º 137º n.º1 do Código Penal, na pena que vier a ser fixada pela 1ª Instância;

c) - condenar a sociedade “DD, S.A.” no pagamento aos demandantes AA e BB da indemnização civil que vier a ser fixada pela 1ª instância;

            d) Manter em tudo o mais a decisão recorrida:

            e) Condenar a sociedade “DD, S.A” – nas custas cíveis deste recurso.”

•         este acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 27.11.2013, transitou em julgado, uma vez que não foi admitido o recurso interposto do mesmo pela Demandada Civil – vide fls. 996 dos presentes autos – posição esta mantida pelo Supremo Tribunal de Justiça em sede de reclamação, pois que esta foi indeferida resultando da mesma que “A questão de recorribilidade sa decisão apenas deverá ser suscitada quando for eventualmente fixada a indemnização, sendo então esta decisão que, processualmente constitui a decisão integral sobre o objecto do processo, e que permitirá então determinar a recorribilidade ou a irrecorribilidade da decisão, relativamente à ora reclamante DD, S.A.”

-         Neste conspecto, a sentença de 04.07.2014, propalada pelo extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial de ... limitou-se a incorporar/obedecer aos ditames, já transitados em julgado, inscritos no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.11.2013, “inovando” apenas no que tange à «determinação concreta da pena a aplicar e do concreto valor da indemnização devida».

–         Destarte, os factos dados como provados e constantes da sentença ora recorrida identificados sob os pontos 1) a 101) já se encontram assentes no nosso ordenamento jurídico, tal como a culpa da arguida, a sua condenação pela prática do crime de homicídio na forma negligente, p. e p. pelo art.º 137º do CP e a condenação da demandada cível no pagamento de uma indemnização aos Assistentes, pelo que tais determinações não são passíveis de recurso

–          Com efeito, da decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância em 04.07.2014, incorporada com as determinações do douto acórdão da Relação de Lisboa de fls. 938 e ss, apenas caberia recurso da determinação concreta da pena aplicada e do concreto valor da indemnização devida.

            È assim e só, a questão “sobre os dos montantes fixados, a título de indemnização civil a favor dos demandantes” que está em causa como objecto válido de recurso, e a que o Tribunal da Relação deu resposta, sem voto de vencido, “em negar provimento ao recurso, mantendo, na íntegra, a decisão recorrida.”


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Daí que,, atenta a decisão do Tribunal da Relação uma questão prévia surge, a da inadmissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Como se sabe, o artº 129º do C. Penal, ao referir-se à responsabilidade civil emergente de crime, dispõe: “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.

Isto significa que a indemnização é regulada, quantitativamente e nos seus pressupostos, pela lei civil, mas não tratando de questões processuais, que são reguladas na lei adjectiva.

Embora o processo civil defina vários aspectos do regime da acção enxertada, como da definição da legitimidade das partes, é a acção penal que verdadeiramente suporta,

orienta e conforma todo o rito processual, marcando definitivamente a cadência de intervenção dos demandantes civis na causa e os principais aspectos de forma a observar no seu desenrolar, sem esquecer a diligência para que conflui todo o processo: a audiência de julgamento

Na verdade, por força do princípio da adesão, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (artº 71º do C.P.P. quer antes quer depois da revisão operada pela Lei nº 59/98 de 25 de Agosto).

           A dedução do pedido cível em processo penal é a regra e a dedução em separado a excepção (v. artºs 71º, 72 e 75 do C. Processo Penal), sem prejuízo de quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal, o tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis. – nº 3 do artº 72º.

Aliás, nos termos do artº 400º nº 3, do CPP. mesmo que não seja admissível recurso quanto á matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.

Porém, o nº 2 deste preceito dispõe: Sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

Esta norma era idêntica ao artigo 678.º do CPC, na versão anterior à vigente, que versando sobre decisões que admitem recurso, dispunha no seu nº 1:

1 - O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência somente ao valor da causa.

            Actualmente, o art º 629º nº 1 do CPC, sobre Decisões que admitem recurso, continua a dispor:

1 — O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo--se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.

Assim, a decisão recorrida ao manter a decisão da 1ª instância, por conseguinte, manteve a condenação da demandada "DD, SA" no pagamento aos demandantes AA e BB da quantia de 180.000,00 € (cento e oitenta mil euros) acrescida de juros legais desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até efetivo e integral pagamento.

Uma vez que o pedido cível deduzido tinha o valor de 180000 € e a alçada da Relação é de 30.000€ conforme art 24º da Lei nº 52/2008 de 28-08-2008 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais na redacção actualizada, dada por Decreto-Lei nº 303/2007 de 24-08-2007), que, aliás, o artº 44º da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto manteve,  verifica-se que a decisão recorrida  foi desfavorável para a recorrente em valor superior a mais de metade da referida alçada.

Contudo, a viabilidade de recurso de decisão de pedido cível, para o Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da lei processual civil, encontrava-se ainda subordinada às regras do artº 721.º do C. Proc. Civil (CPC) na versão anterior à vigente, que se refere às decisões que comportam revista.

Dispunha este preceito no seu nº 3 que: “Não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”

           

O artigo seguinte era o Artigo 721.º-A que permite a revista excepcional, dispondo:

1 - Excepcionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:

a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) Estejam em causa interesses de particular relevância social;

c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

2 - O requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição:

a) As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social;

c) Os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.

            Actualmente o artº 671º do CPC dispõe no seu nº 1 que cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos

Mas, também actualmente, o artº 671.º do CPC, dispõe no seu nº 3 que:

3 — Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

O Artº 672.º, dispõe sobre a “Revista excecional”

“1 — Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:

a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) Estejam em causa interesses de particular relevância social;

c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

2 — O requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição:

a) As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social;

c) Os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão -fundamento como qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.”

           Tal regime processual civil constante do anterior nº3 do artº 721º, e do actual nº 3 do artº 671, do CPC, deve aplicar-se ao processo penal, por força do disposto no artº 4º do CPP. relativamente aos pressupostos de admissibilidade de recurso para o Supremo que tenha por objecto o pedido de indemnização civil.

           

Na verdade, enquanto o artº 400º nº 1 al f) estabelece a chamada dupla conforme, em que não é admissível recurso: “De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”, nada se encontra dito para as situações de dupla conforme supra assinaladas quanto ao processo civil.

O legislador ao aditar a norma do nº 3 ao artº 400º do CPP, no sentido de que “Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil” não excluiu os pressupostos processuais de admissibilidade do recurso relativa à indemnização civil, que vêm condicionados por regras processuais de natureza cível, como é o caso do disposto no nº 2 do artº 400º do CPP, - v. identicamente citado artº 678º nº 1 do CPC - que faz depender essa admissibilidade de recurso, da interligação entre o valor da alçada, ali definida e o valor da sucumbência.

A dupla conforme prevista no regime processual civil surge como complemento do nº 2 do artº 400º do CPP., como que o reverso em termos cíveis, da alínea f) do mesmo artigo em termos penais.

            Está-se perante um lacuna em processo penal que por aplicação do disposto no citado artº 4º, importa suprir, e que a harmonia do sistema jurídico e o aludido princípio da igualdade reclamam.

            Com efeito, a autonomia dos recursos em processo penal, face aos recursos em processo civil, apenas significa que a sua tramitação unitária obedece imediatamente às disposições processuais penais, mas não exclui, por força do artº 4º do CPP, em casos omissos, a aplicação subsidiária das regras do processo civil que se harmonizem com o processo penal, nomeadamente quando em processo penal o objecto do recurso é de natureza cível.

           

            Escrevia Maia Gonçalves em anotação ao artº 400º do CPP, Código de Processo Penal Anotado – Legislação Complementar, 17ª edição, 2009, p. 913:

            “3. A norma do nº 2 foi decalcada em disposição semelhante prevista para ser introduzida no CPC pela Comissão que, aquando do funcionamento da CRCPP, estava a preparar a revisão daquele diploma. A disposição representa limitação do direito de recorrer

relativamente ao regime do artº 626º, nº 6, do CPP de 1929, na redacção introduzida pelo Dec-Lei nº 402/82, de 23 de Setembro; perante esse regime podia haver lugar a recurso sempre que o montante do pedido excedesse a alçada do tribunal recorrido.”

           O Assento n.º 1/2002, de 14 de Março de 2001, deste Supremo, DR 117 SÉRIE I-A, de

2002-05-21, tinha fixado que: “No regime do Código de Processo Penal vigente - n.º 2 do artigo 400.º, na versão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto - não cabe recurso ordinário da decisão final do Tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal.”    

            O nº 3 do artº 400º do CPP, veio contrariar essa jurisprudência fixada, mas como salientava Maia Gonçalves, ibidem, p. 913, nota 4: “Haja ou não lugar a recurso da matéria penal, pode haver lugar a recurso da parte relativa à indemnização civil, se o puder ser perante a lei civil, e conforme se estabelece no nº 3 “ (negrito nosso),  e posteriormente ao Dec-Lei nº 303/2007, de 24 de Setembro,  também como estabelece o nº 2 do artº 721º do CPC.

            Aliás, a aplicação subsidiária do disposto no nº 3 do artº 721º do CPC, já vinha sendo afirmada por este Supremo, como consta dos seus acórdãos de 25 de Janeiro de 2012, Proc. n.°360/06.0PTSTB.E1.S1, de 30.11.2011, Proc. n.° 401/06. OG TSTR.E1. S1. de 29-09-2010, Proc. 343/05.7TAVFN.P1.S1 e de 22-06-2011, Proc. 444/06.4TASEI citados pelo Ministério Público junto da Relação de Évora.

Como referiu o Acórdão deste Supremo, de 29-09-2010, Proc. 343/05.7TAVFN.P1.S1:

O legislador penal, em 2007, entendeu alterar o regime recursório em matéria de decisões proferidas sobre o pedido de indemnização civil, pondo em causa o princípio da adesão consagrado no art. 71.º do CPP, e estabelecendo posição contrária à assumida pelo STJ no Ac. n.º 1/2002, publicado no DR., I Série -A, de 02-05-2002. Com a introdução do n.º 3 daquele preceito o legislador subtraiu ao regime de recursos da lei adjectiva penal as decisões relativas à indemnização civil, submetendo-as integralmente ao regime da lei adjectiva civil, o que fez conforme afirmação consignada na motivação da Proposta de Lei 109/X, a bem da “igualdade” entre todos os recorrentes em matéria civil, dentro e fora do processo penal.

          Daqui resulta, necessariamente, que o n.º 3 do art. 400.º veio submeter a impugnação de todas as decisões civis proferidas em processo penal ao regime previsto na lei adjectiva civil, no sentido de que às decisões (finais) relativas à indemnização civil proferidas em processo penal é integralmente aplicável o regime dos recursos estabelecido no CPC.

Na verdade, como se considerou no acórdão de 25 de Janeiro de 2012, Proc. n.°360/06.0PTSTB.E1.S1: A separação dos regimes de recurso, tornando autónomo o recurso da questão cível, e chamando os pressupostos – valor; alçada; sucumbência – do processo civil, revela que o legislador quis claramente alinhar o regime de recurso da questão cível com o regime do processo civil, estabelecendo que as possibilidades de recurso do pedido de indemnização civil são as mesmas, independentemente da acção civil aderir ao processo penal ou de ser proposta e seguir autonomamente como processo civil.

A intervenção dos pressupostos dos recursos em processo civil transporta o regime para área diferente dos pressupostos e do regime dos recursos em processo penal: a alçada, o valor e a sucumbência são noções estranhas ao processo penal e aos pressupostos do respectivo regime de recursos. A referência a tais elementos que conformam verdadeiramente o regime do recurso relativo à questão civil, que não têm qualquer correspondência no processo penal, determina que o recurso sobre a questão civil em processo penal, tendo autonomia, não tenha, em medida relevante, regulação no processo penal, ficando incompleto; a completude tem de ser encontrada, como determina o art. 4.° do CPP, no regime dos recursos em processo civil.

Desta incompletude já se tinha dado conta o Acórdão de 30.11.2011, Proc. n.° 401/06. OG TSTR.E1. S1 ao considerar que:

A norma do art. 400.º, n.º 3, do CPP, deixa em aberto, por carência enunciativa de conteúdo, a admissibilidade do recurso relativamente à indemnização cível fixada em processo penal pela via do enxerto cível sempre que, a tal respeito, se registe a confirmação em recurso, da decisão de 1.ª instância, à semelhança do que sucede, em certas condições, quanto à medida da pena, em se realizando a chamada dupla conforme.

Estamos em presença de uma lacuna de regulamentação sustentada e sugerida, desde logo, porque não se vê qualquer razão para os intervenientes processuais penais pleitando no enxerto cível usufruam de uma perspectiva de favor.

Se em matéria penal, onde se colocam questões de onde pode derivar a privação de liberdade individual, por estar em causa a ofensa a valores fundamentais de subsistência comunitária, reclamando intervenção vigorosa do direito penal, impera a regra da dupla conforme, por maioria de razão, estando em causa a ressarcibilidade do prejuízo, mediante a atribuição de uma soma reparadora em dinheiro, a solução não deve ser divergente.

Com a alteração ao CPP através do DL 48/07, de 29-08, teve-se o propósito de estabelecer a igualdade entre quem pretenda impugnar decisão cível proferida em processo penal ou cível no que respeita a matérias de indemnização.

           A preocupação com o princípio da igualdade já vinha da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 109/X que explicitou: “Para restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal, substitui-se, no artigo 400.º, a previsão de limites máximos superiores a 5 e 8 anos de prisão por uma referência a penas concretas com essas medidas. Prescreve-se ainda que quando a Relação, em recurso, não conhecer a final do objecto do processo, não cabe recurso para o Supremo. Para garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal.”

            Aliás, como salienta o Ac. deste Supremo e desta Secção, de 30-11-2011, Proc. n.º 401/06.0GTSTR.E1.S1 - 3. Se em matéria penal, onde se colocam questões de onde pode derivar a privação de liberdade individual, por estar em causa a ofensa a valores fundamentais de subsistência comunitária, reclamando intervenção vigorosa do direito penal, impera a regra da dupla conforme, por maioria de razão, estando em causa a ressarcibilidade do prejuízo, mediante a atribuição de uma soma reparadora em dinheiro, a solução não deve ser divergente.

Como decidiu o TC no Ac. n.º 39/88, “o princípio da igualdade não proíbe (…) que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais.”.

Em regra, como supra se referiu, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, como estabelece o art. 71.º do CPP, que consagra o denominado processo de adesão. Nestes casos, no mesmo processo em sentido material, coexistem duas acções, uma penal e outra cível, autónomas entre si. O processo penal inicia-se com um acto do MP, em regra, a abertura do inquérito. Já o processo ou acção cível tem início com a dedução do pedido de indemnização civil. O equivalente à petição inicial do processo civil não está na notícia do crime, na participação ou na queixa, figuras alheias à acção civil, mas sim no requerimento em que é deduzido o pedido de indemnização.

A consideração da data da apresentação do pedido de indemnização civil enxertado no processo penal como o início do processo em matéria cível, em si, não coloca qualquer questão de desigualdade. Está no mesmo plano que a consideração da petição inicial como o início do comum processo civil.

Acresce que a limitação das possibilidades de recurso em matéria civil, obedecendo a um critério racional e objectivo, não tem sido considerada pelo TC violadora do princípio da igualdade, como no caso de alteração do valor das alçadas (cf. v.g. Ac. n.º 239/97) – v. Como referiu o Acórdão deste Supremo, de 15-12-2011, proc. 53/04.2IDAVR.P1.S1.

Em suma e parafraseando o acórdão deste Supremo de 22-06-2011, Proc. 444/06.4TASEI 

Se o legislador do CPP quis consagrar a solução de serem as mesmas as possibilidades de recurso, quanto à indemnização civil, no processo penal e em processo civil, há que daí tirar as devidas consequências, concluindo-se que uma norma processual civil, como a do n.º 3 do art. 721.º, que subsiste na actual redacção do nº 3 do artº 671º do CPC, que condiciona, nesta matéria, o recurso dos acórdãos da Relação, nada se dizendo sobre o assunto no CPP, é aplicável ao processo penal, havendo neste, em relação a ela, caso omisso.

Até porque o legislador do CPP, na versão da Lei 48/2007, afirmou a igualdade de oportunidades de recurso em processo civil e em processo penal, no que se refere ao pedido de indemnização, numa altura em que já conhecia a norma do referido n.º 3 do art. 721.º do CPC (a publicação do DL 303/2007 é anterior à da Lei 48/2007).

Por outro lado, a aplicação do anterior n.º 3 desse art. 721.º e hoje nº 3 do art 671º do COC, ao pedido de indemnização civil deduzido no processo penal não cria qualquer desarmonia; não existe, efectivamente, qualquer razão para que em relação a duas acções civis idênticas haja diferentes graus de recurso apenas em função da natureza civil ou penal do processo usado, quando é certo que neste último caso a acção civil conserva a sua autonomia.

Pode mesmo dizer-se que outro entendimento que não o aqui defendido conduziria ao inquinamento da decisão a tomar pelo lesado nos casos em que a lei lhe permite deduzir em separado, perante os tribunais civis, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime.

Este sistema da “dupla conforme” entrou em vigor em 01-01-2008, aplicando-se apenas aos processos iniciados após essa data, como se prevê nos arts. 11.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, do referido DL 303/2007.

Por sua vez, o art Artigo 7.º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, determina

“1 — Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica -se o regime de recursos decorrente do Decreto -Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de  Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.”

 Como o presente pedido de indemnização civil foi apresentado em 9 de Maio de 2011, aplicando-se-lhe por isso a lei nova, e, uma vez que o acórdão da Relação confirmou, sem voto de vencido, a decisão da 1ª instância, quanto ao pedido de indemnização civil, e, porque não está em causa a aplicação do regime excepcional do art. 672º do CPC não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artºs 414.º, n.º 2, doCPP e 671º nº 3 do CPC, ex vi do artº 4º do CPP.

            Note-se, aliás, que já o acórdão do TC nº 442/2012, in D.R. nº 222. série II, de 16 de Novembro de 2012, não julgou inconstitucional a interpretação normativa extraída da conjugação entre os artigos 400º, nº 3 do Código de Processo Penal, e 721º, nº 3, do Código de Processo Civil.

A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior (artº 414º nº 3 do CPP)

            O recurso é pois, de rejeitar, nos termos do artºs  400º, nºs 2 e 3; 420º, nº 1, alínea b) do CPP, e 721º nº 3 do CPC, ex vi do artº 4º do CPP.


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            Termos em que, decidindo:

            Acordam os deste Supremo – 3ª secção – em rejeitar o recurso, por inadmissível, nos termos do artºs  400º, nºs 2 e 3; 420º, nº 1, alínea b) do CPP, e 721º nº 3 do CPC, ex vi do artº 4º do CPP

           

Custas pela recorrente, na proporção do pedido

            De harmonia com o nº 4 do artº 420º do CPP, condenam a recorrente na importância de 5 UCs

            Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Setembro de 2016

                                               Elaborado e revisto pelo relator.

                                               Pires da Graça

                                               Raul Borges