Procº nº 488/12.7TTTMR.E3-A.S1
4ª Secção
LR/JG/CM
Acordam em conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG notificados do despacho proferido pela Relatora em 2.2.2021 – despacho que indeferiu a reclamação que, ao abrigo do disposto no artigo 643º do Código de Processo Civil, deduziram para o Supremo Tribunal de Justiça, sobre despacho do Exmo. Desembargador Relator de 9.12.2020, que lhes não admitira o recurso de revista interposto contra o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 14.7.2020, vêm apresentar reclamação para a Conferência, ao abrigo do disposto no artigo 652º, nº 3, aqui aplicável por força do artº 679º, ambos do Código de Processo Civil.
2. O despacho proferido pela Relatora, ora reclamado, tem o seguinte teor:
“1. AA, BB, CC. DD, EE., FF e HH, inconformados com o despacho do Exmo. Desembargador Relator, de 9.12.2020, que não admitiu o recurso de revista que interpusera contra o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 14.7.2020, vêm dele reclamar para o Supremo Tribunal de Justiça.
2. O despacho reclamado tem o seguinte teor:
“O recurso de revista interposto pela ré já foi admitido.
***
Em relação ao recurso interposto por II, AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, cumprido o contraditório, importa proferir despacho sobre a sua admissão.
A decisão de primeira instância foi objeto de recurso de apelação por parte da ré empregadora e do autor interveniente II.
Os demais autores e intervenientes no processo não recorreram da sentença proferida em primeira instância, tendo figurado apenas como recorridas as apeladas/autoras iniciais LL, MM, NN e OO. Estas autoras iniciais não recorrem do acórdão proferido por esta Relação.
Decorre do exposto que a sentença transitou em julgado em relação aos autores/intervenientes que não recorreram da sentença proferida em primeira instância nem aí foram apelados.
As apeladas/autoras iniciais LL, MM, NN e OO não recorrem do acórdão proferido por esta Relação.
Em face do exposto, verifica-se que os recorrentes AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG não têm legitimidade para recorrer de revista do acórdão proferido.
Com efeito, prescreve o art.º 631.º do CPC que sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido (n.º 1).
As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias (n.º 2).
Nos termos do art.º 632.º n.º 2 do CPC não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida.
Os ora recorrentes AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG aceitaram a decisão proferida em primeira instância na parte que diz respeito ao seu direito.
O acórdão proferido por esta Relação não apreciou os direitos destes ora recorrentes em virtude de não terem recorrido.
Assim, não é admitido o recurso interposto por AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, por falta de legitimidade.
Custas por estes recorrentes”.
3. Na presente reclamação, que apresenta ao abrigo do disposto no artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil, formulam os reclamantes as seguintes conclusões:
“1. Os ora reclamantes e o recorrente II, a quem foi admitido o recurso de revista, pelo despacho exarado pelo Senhor Juiz Desembargador Relator, encontram-se coligados, por se mostrarem preenchidos os requisitos do artigo 36º, nº 1 do Código Processo civil;
2. Todos - reclamantes e recorrente - requereram a sua intervenção espontânea nestes autos, que foi admitida por despacho proferido em 04-12-2013;
3. Da decisão que veio a ser proferida pelo tribunal de 1ª instância, um dos intervenientes /autores - II - veio a interpor recurso para o tribunal da Relação de Évora;
4. Do acórdão que julgou a apelação, foi interposto recurso de revista para esse venerando Tribunal, pelo recorrente II, acompanhado agora, pelos restantes autores/intervenientes;
5. O despacho reclamado, rejeitou o recurso destes últimos, com o fundamento da sua falta de legitimidade, já que, não tendo recorrido da sentença da 1ª instância, esta transitou em julgado para estes;
6. Contudo - salvo melhor opinião - no que concerne aos reclamantes, nem a decisão da 1ª instância, nem a da segunda, transitaram em julgado;
7. De facto, todos litigam em coligação e no momento presente, ainda há um recurso para ser julgado e que foi admitido a uma comparte;
8. O artigo 634º, nº 2, al) b do Código Processo civil, diz-nos que "Fora do caso de litisconsórcio necessário, o recurso interposto aproveita ainda aos outros se tiverem um interesse que dependa essencialmente do interesse do recorrente".
9. Assim sendo, e tendo o recurso a capacidade de influenciar os direitos dos outros coligados, parece-nos que em relação a estes, a decisão proferida na 1^ instância não transitou em julgado, pois pode ser modificada por via de uma execução de sentença;
10. Também a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, da qual se recorre, só por ela - caso não se tivesse interposto recurso - iria modificar a decisão proferida na 1ª instância, no que respeita aos reclamantes, já que, o regime legal aplicado por este tribunal, ao caso concreto, foi diferente daquele que foi utilizado na 1ª instância, sendo este mais favorável.
11.. Julgamos, assim, que o douto despacho reclamado, fez uma errada interpretação das normas ínsitas nos artigos 36º, nº 1, 628º e 634º, nº 2 do Código Processo civil.
Nestes termos e com o douto suprimento de Vossa Excelência, deve ser dado provimento à presente reclamação, substituindo o despacho reclamado, por um outro, que admita o recurso de revista interposto pelos reclamantes, nos mesmos termos, em que foi admitido ao recorrente II.
4. A Ré” Astaq Técnica Empresa Intermunicipal” não apresentou resposta.
5. Cumpre decidir da admissibilidade do recurso em causa.
*
O despacho reclamado, invocando as disposições dos artigos 631º, nºs 1 e 2, e 632º, nº 2, do Código de Processo Civil, não admitiu o recurso de revista interposto pelos reclamantes com fundamento, em síntese, de que não tendo os mesmos interposto recurso contra a sentença de 1ª instância, aceitando-a, a sentença transitou, quanto a eles, em julgado, não tendo por isso o acórdão recorrido apreciado os direitos desses recorrentes, relativamente ao qual não são, assim, parte vencida, daí concluindo pela falta de legitimidade dos reclamantes para recorrer.
Os recorrentes/reclamantes contrapõem e invocam, também em síntese, que, por se mostrarem preenchidos os requisitos do artigo 36º, nº 1, do Código de Processo Civil, litigam coligados com o recorrente II a quem foi admitido o recurso de revista interposto, pelo que, tendo o recurso interposto a capacidade de influenciar os direitos dos outros coligados, os reclamantes, a sentença de 1ª instância não transitou em julgado, sendo o recurso admissível de conformidade com o disposto no artigo no artigo 634º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Civil.
Vejamos!
De acordo com o disposto no artigo 628º do Código de Processo Civil a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.
Por seu lado, para o que ora releva, o artigo 631º do mesmo Código estabelece no seu nº 1, que sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos, por quem sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido (nº 1), estabelecendo no nº 2 que as pessoas directamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.
O artigo 632º, nº 2, dispõe que não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida.
Por sua vez, o artigo 634º do Código de Processo Civil, que dispõe sobre a extensão do recurso aos compartes não recorrentes, estatui que:
1. O recurso interposto por uma das partes aproveita aos seus compartes no caso de litisconsórcio necessário.
2. Fora do caso de litisconsórcio necessário, o recurso interposto aproveita ainda aos outros:
a) Se estes, na parte em que o interesse seja comum, derem a sua adesão ao recurso;
b) Se tiverem um interesse que dependa essencialmente do interesse do recorrente;
c) Se tiverem sido condenados como devedores solidários, a não ser que o recurso pelos seus fundamentos, respeite unicamente à pessoa do recorrente;
3. A adesão ao recurso pode ter lugar, por meio de requerimento ou de subscrição das alegações do recorrente, até ao início do prazo referido no nº 1 do artigo 657º
(…)”.
E o artigo 657º, nº 1, que rege para o recurso de apelação, interposto para o Tribunal da Relação, aplicável ao recurso de revista por força do disposto no artigo 679 do C.P.C., estabelece que “decididas as questões que devam ser apreciadas antes do julgamento do objeto do recurso, se não se verificar o caso previsto no artigo anterior, o relator elabora o projeto de acórdão no prazo de 30 dias”.
Do regime consagrado nos preceitos legais citados decorre que está vedado recorrer a quem tiver aceitado a decisão, por um lado, e que só pode recorrer quem nela tiver ficado vencido, por outro, como foi considerado no despacho reclamado.
Os reclamantes, no entanto, invocam que os efeitos do recurso de apelação se estendem aos compartes não apelantes, por se verificar entre eles uma situação de coligação, por se verificarem os factores de conexão exigíveis, designadamente a unidade de causa de pedir, nexo de dependência entre os pedidos, aplicação das mesmas regras de direito e utilização da mesma forma de processo, sendo o recurso de admitir de conformidade com o disposto no artigo 634º, nº 2, al. b), do C.P.C.
A extensão do recurso aos compartes não recorrentes, prevista nesse preceito fora do caso de litisconsórcio necessário, depende da existência por parte dos não recorrentes de um interesse que dependa essencialmente do interesse do recorrente.
Comentando o artigo 683º, nº 2, do Código de Processo Civil de 1939, preceito de teor idêntico ao actual artigo 634º, nº 2, al. b), afirma José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 299, que “supõe o mesmo uma hierarquia de interesses: um interesse principal, o do recorrente, e um interesse subordinado, o do não recorrente. Por outras palavras, exerce a sua função quando entre o interesse do recorrente e o do outro comparte existe o chamado nexo de prejudicialidade; o interesse do recorrente é prejudicial em relação ao do não recorrente, no sentido de que este está dependente daquele”, sendo indicado como exemplo característico do tipo de interesse em causa, o do fiador perante o interesse do devedor principal, porque, decidido que não existe a obrigação do devedor principal a consequência necessária é a insubsistência da obrigação do fiador.
Não é deste tipo o interesse dos reclamantes relativamente ao interesse do autor interveniente II recorrente de revista como logo resulta da figura da coligação de que os reclamantes lançaram mão e ao abrigo da qual litigaram na acção.
Tal como é referenciado na doutrina “A coligação traduz-se praticamente na acumulação de várias acções conexas” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 99, “visto que os autores se juntam, não para fazerem valer a mesma pretensão ou para formularem um pedido único, mas para fazerem valer, cada um deles, uma pretensão distinta e diferenciada” (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 3º Vol., p. 146). E, assim, “na coligação à pluralidade das partes corresponde a pluralidade de relações materiais litigadas” (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1985, p. 161).
O recurso interposto pelo recorrente II não aproveita aos reclamantes, uma vez que não se verifica nem uma situação de litisconsórcio, nem estão preenchidos os pressupostos do artigo 634º, nº 2, do Código de Processo Civil, maxime o da alínea b) invocado pelos reclamantes.
Daqui se segue que o recurso de revista interposto pelos reclamantes não é admissível
Deste modo e com base em tudo quanto se deixa exposto, indefere-se a reclamação e mantém-se o despacho reclamado.
Custas a cargo dos Recorrentes/Reclamantes”.
3. Na presente reclamação, apresentada em 22 de Fevereiro de 2021, invocam os reclamantes que:
“3. Em decisão Singular a Sra. Juíza Relatora indeferiu a reclamação, sustentando designadamente, que não se verifica nem uma situação de litisconsórcio, nem estão preenchidos os pressupostos do art.º 634.º, n.º 2 do CPC, máxime o da al. b) invocado pelos reclamantes.
4. Ao decidir assim, extravasou o pedido, cometendo a nulidade insanável prevista no art.º 615.º, n.º 1 al. d) do CPC.
5. Devendo limitar a sua fundamentação, cremos nós, apenas à perda do direito de recorrer e renúncia ao recurso previsto no art.º 632.º do CPC.
6. Cerceando, sem mais, o direito de adesão dos intervenientes, ao recurso interposto pelo recorrente II (art.º 634.º do CPC).
7. Em clara violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional constante dos artigos 18.º n.º 2 e 3 e 20.º, n.º 1 e 5 da CRP.
8. Fazendo, também, salvo o merecido respeito “tábua rasa” da citação da R. para contestar e requer o chamamento para intervenção dos trabalhadores que, não sendo autores, foram abrangidos pelo despedimento e da jurisprudência assente do STJ, ignorando o interesse coletivo partilhado pelos mesmos (ilicitude dos despedimentos)”.
Seguidamente, citando diversos arestos do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação de Lisboa, em processos de impugnação de despedimento colectivo, que qualificaram a situação processual dos trabalhadores abrangidos como de litisconsórcio voluntário, prosseguem os reclamantes dizendo:
“14. A regra de que, o recurso dos recorrentes não se repercute na posição dos não recorrentes comporta exceções, desde logo se estes aderirem ao recurso na parte em que o seu interesse é comum (artigo 634º, nº 2, alínea a), do CPC).
15. A adesão que terá de ter lugar até ao início do prazo que o relator tem para a elaboração do acórdão (artigo 634º, nº 3, do CPC, por referência ao artigo 657º, nº 1).
(…)
16. O acórdão do STJ de 3 de abril de 2014 (relator Fernando Bento), de acordo com o qual os efeitos do recurso são absolutos e estendem-se a todos os compartes vencidos; logo o êxito do recurso aproveita a todos eles - princípio da realidade.
18. Um dos casos em que este princípio funciona, com a extensão automática dos efeitos do recurso aos não recorrentes é o da pré-existência de litisconsórcio voluntário a todos os cointeressados, independentemente do facto de todos os litisconsortes interporem recurso”.
E rematam a reclamação da seguinte forma:
“28. Estão preenchidos, os requisitos do artigo 634, n.º 2 al. a) do CPC, o núcleo essencial do ónus, por estarmos perante um caso de litisconsórcio voluntário, podendo os não recorrentes aderirem ao recurso na parte em que o seu interesse é comum nos termos do art.º 634.º, n.º 2 als. a) do CPC.
29. A não admissão da extensão do recurso aos mesmos constitui, como se disse, uma grave violação ao direito ao recurso previsto no artigo 20.º da CRP e uma "situação de profunda desigualdade".
30. Está em causa a violação de princípios fundamentais, tais com a justiça e a igualdade constitucionalmente consagrados (art.º 2.º, 13.º, da CRP)”.
4. A Ré ”Astaq Técnica Empresa Intermunicipal” em liquidação, apresentou resposta na qual suscita a questão da extemporaneidade da reclamação e sustenta a falta de fundamento da mesma, invocando, além do mais, que não obstante os quatro AA. iniciais tivessem intentado uma acção especial de impugnação de despedimento colectivo, na audiência preliminar de 19.2.2014, cuja cópia anexa, foi proferido despacho transitado em julgado que considerou procedente a excepção de erro na forma de processo, o qual passou a seguir a forma de processo comum..
II
Cumpre decidir.
Como resulta do precedente relatório os reclamantes alegam padecer o despacho reclamado de diversos vícios que vão desde a nulidade por excesso de pronúncia ao erro de julgamento, quanto a este alegando, em síntese, que estão preenchidos os requisitos do artº 634º, nº 2, al. a), do CPC, por estarmos perante um caso de litisconsórcio voluntario, podendo ou não os recorrentes aderir ao recurso na parte em que o seu interesse é comum, e que a não admissão da extensão do recurso aos mesmos constitui violação do direito ao recurso previsto no artº 20º da CRP.
Por sua banda a Ré “Astaq” na resposta que apresentou suscitou a questão da extemporaneidade da reclamação.
Vejamos:
a) Questão prévia – extemporaneidade da reclamação
O despacho sob reclamação, datado de 2.2.2021, foi levado ao conhecimento dos reclamantes por notificação elaborada em 3.2.2021 (Refª …), presumindo-se, nos termos do artº 248º, do CPC, notificado a 8.2.2021 (Segunda-feira), terminando o prazo, de 10 dias, fixado no artº 149º do CPC, para apresentação da reclamação a 18.2.2021 (Quinta-feira), pelo que a reclamação entrada a 22.2.2021 (Segunda-feira), a entender-se que os prazos não se encontram suspensos nos termos do artº 6-B, nº 1, do D.L. nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, foi apresentada no 2º dia útil seguinte, conforme o permite o artº 139º, nº 5, do CPC, sendo a mesma tempestiva.
b) Nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos do artº 615º, nº 1, al. d) do CPC
Na reclamação apresentada contra o despacho de não admissão do recurso de revista apresentado ao abrigo do disposto no artigo 643º do CPC invocaram os reclamantes que “o despacho reclamado, rejeitou o recurso destes últimos, com o fundamento da sua falta de legitimidade, já que, não tendo recorrido da sentença da 1ª instância, esta transitou em julgado para estes”.
Dissentido desse despacho os reclamantes sustentaram na reclamação que quanto a si nem a decisão da 1ª instância, nem a da segunda, transitaram em julgado, e isto porque, no entender dos reclamantes, dizendo o artigo 634º, nº 2, al. b), do CPC, que “fora do caso de litisconsórcio necessário, o recurso interposto aproveita ainda aos outros se tiverem um interesse que dependa essencialmente do interesse do recorrente”, pelo que, litigando eles em coligação, os efeitos do recurso interposto e admitido por um dos compartes lhes aproveita, daí que em relação a eles a decisão proferida na 1ª instância não transitou em julgado, tendo também aí invocado, genericamente, como normas jurídicas erradamente interpretadas pelo despacho reclamado os artigos 36º, nº 1, 628º, e 634º, nº 2, do CPC (pontos 7 a 9 e 11 das conclusões).
Tal como identificada pelos reclamantes a questão objecto e constituindo o thema decidendum da reclamação, consistia em saber se, apesar de os reclamantes não terem interposto recurso da sentença de 1ª instância, por litigarem coligados com um comparte recorrente, a sentença não transitou, quanto aos eles, em julgado, que, nesta ou em qualquer formulação que se dê à questão que vinha colocada pelos reclamantes, se reconduz à questão de fundo ou de mérito da extensão dos efeitos da sentença aos não recorrentes à luz do quadro normativo plasmado no artigo 634º, nº 2, do CPC.
E foi esta a questão, a questão suscitada pelos reclamantes, que o despacho reclamado, na liberdade de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito que assiste ao tribunal, apreciou e decidiu.
Não ocorre, pois, a invocada nulidade, por excesso de pronúncia.
c) Erro de julgamento
O despacho ora sob reclamação teve por objecto o despacho do Exmo. Desembargador Relator, de 9.12.2020, que não lhes admitiu o recurso de revista interposto que, juntamente com o autor interveniente II, interpuseram do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14.7.2020.
Sintéticamente, a situação, tal como descrita pelos reclamantes e resulta dos autos, era a seguinte:
Os reclamantes, autores intervenientes nos autos, não recorrerem da sentença de 1ª instância, não aderiram ao recurso de apelação interposto pelo autor interveniente II contra a sentença de 1ª instância e, proferido acórdão pelo Tribunal da Relação, vieram, em conjunto com aquele interveniente, interpor, como recorrentes principais, recurso de revista do mesmo.
Não tendo o recurso sido admitido, com fundamento na sua ilegitimidade, por terem aceite a decisão de 1ª instância e esta ter, quanto a si, transitado em julgado, do despacho proferido reclamaram os reclamantes invocando que litigam em coligação, a disposição do artigo 634º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil, nos termos do qual “fora do caso de litisconsórcio necessário, o recurso interposto aproveita ainda aos outros se tiverem um interesse que dependa essencialmente do interesse do recorrente”, pelo que, concluem, o despacho reclamado fez errada interpretação das normas ínsitas nos artigos 36º, nº 1, 628 e 634º, nº 2, do Código de Processo Civil.
O artigo 634º, nº 2, do Código de Processo Civil, que versa sobre a extensão do recurso interposto por uma das partes aos compartes não recorrentes fora da situação de litisconsórcio necessário, esta contemplada no nº 1 do mesmo preceito, contempla e abrange a situação de litisconsórcio voluntário, em que, por definição, a relação material controvertida respeita a várias pessoas e há uma simples acumulação de acções, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes (artºs 32º e 35º do NCPC).
No litisconsórcio voluntário a posição dos litisconsortes, uns para com os outros, é de independência, os litisconsortes gozam de liberdade de movimentos; cada um deles pode praticar os autos que entender e assumir as atitudes que lhe aprouver, mas os seus actos e atitudes não exercem, em princípio, influência favorável ou desfavorável em relação aos outros, por isso que o recurso interposto por um apenas aproveita aos outros nos casos especiais previstos no nº 2 do artigo 634º do CPC.
Dispõe esse preceito, para o que ora releva, excluída a situação, de condenação de devedores solidários, contemplada na sua alínea c) que aqui não está em causa, que, o recurso interposto por uma das partes aproveita ainda aos seus compartes:
a) Se estes na parte em que o interesse seja comum, derem a sua adesão ao recurso;
b) Se tiverem um interesse que dependa essencialmente do interesse do recorrente.
Os reclamantes na reclamação que deduziram contra o despacho de não admissão do recurso invocaram expressamente litigar em coligação - assim afastando na sua alegação a figura do litisconsórcio- e sustentaram que o recurso interposto pelo autor interveniente II se lhes aproveita por lhes ser aplicável o normativo da alínea b) do nº 2 do preceito citado, i.e.., nos termos do preceito, por terem um interesse que depende essencialmente do interesse do recorrente.
Na coligação, que se caracteriza por se traduzir na acumulação de acções conexas, em que os autores se juntam não para fazerem valer a mesma pretensão ou para formularem um pedido único, mas para fazerem valer, cada um deles, uma pretensão distinta e diferenciada, não existe qualquer nexo de dependência ou prejudicialidade entre os interesses dos compartes coligados. Por isso se afirmou, no despacho ora reclamado, que não é desse tipo o interesse dos reclamantes relativamente ao interesse do autor interveniente II como logo resulta da figura da coligação.
A pretensão revogatória dos reclamantes não podia assim proceder ao abrigo da disposição legal invocada, nem do disposto na alínea a) do mesmo preceito, aqui desde logo por não ter existido adesão à apelação do recorrente, ou seja, em suma, por não se verificar uma situação de litisconsórcio nem estarem preenchidos os pressupostos do artigo 634º, nº 2, do Código de Processo Civil, como se decidiu no despacho reclamado.
Na reclamação contra o despacho da Relatora vêm os reclamantes sustentar que a situação que aqui se verifica entre os compartes, recorrente e não recorrentes, é de litisconsórcio voluntário.
Começando por afirmar que a decisão reclamada faz “tábua rasa” da citação da R. para contestar e requerer o chamamento para intervenção dos trabalhadores que, não sendo autores foram abrangidos pelo despedimento e da jurisprudência assento do STJ, ignorando o interesse colectivo partilhado pelos mesmos (ilicitude dos despedimentos), insurgem-se os reclamantes contra a decisão proferida alegando que, contrariamente ao decidido, os efeitos do recurso interposto pelo comparte recorrente se estendem aos não recorrentes por se verificar entre eles uma situação de litisconsórcio voluntário, suportada num interesse comum, sustentando que estão in casu preenchidos os requisitos do artigo 634º, nº 2, al. a), do CPC.
Fundamentam os reclamantes tal asserção em jurisprudência que citam, deste Supremo Tribunal, sufragada nos acórdãos de 27.6.2012, Procº nº 938/06.1TTVFR.P1.S1 e de 20.12.2017, Procº 660/14.5TTBCL-Q.S2, e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23.10.2013, Procº nº 4842/12.6TTLSB.L1-4., segundo a qual, no processo para impugnação de despedimento colectivo a situação processual dos trabalhadores abrangidos, chamados à acção por imposição legal, visando garantir a uniformidade de julgados e que a decisão que vier a ser proferida produza o seu efeito útil normal relativamente a todos, é uma situação de litisconsórcio voluntário, que não sendo litisconsórcio necessário dele se aproxima.
É efectivamente assim na acção especial para impugnação de despedimento colectivo prevista no artigo 156º e segts. do Código de Processo do Trabalho, a que se refere a jurisprudência citada pelos reclamantes, com a ressalva, no entanto, da especialidade de que, nessas acções, o litisconsórcio vale apenas até ao despacho saneador, já que, nos termos do artigo 161º do Código de Processo do trabalho, podem julgar-se separadamente as acções respeitantes a cada um dos trabalhadores.
Essa não é, porém, a situação dos reclamantes, porquanto tendo-se iniciado a acção sob essa forma, acção para impugnação de despedimento colectivo, e tendo sido nessa fase inicial que ocorreu a intervenção dos reclamantes, na audiência preliminar realizada nos autos em 10.2.2014, a que com excepção de GG, estiveram presentes os reclamantes, acompanhados pela sua ilustra mandatária, foi proferido despacho que julgou procedente a excepção de erro na forma de processo invocada pela Ré na sua contestação, considerando que não foi operado pela Ré um despedimento colectivo, e determinou que os autos passassem a seguir forma de processo comum previsto nos artigos 51.° e seguintes do C.P.T..
A jurisprudência invocada, não estando em causa um despedimento colectivo, por assim ter sido decidido por despacho transitado em julgado, não é transponível para o caso dos autos, nem neles a intervenção dos reclamantes tem subjacente e como suporte um interesse comum, colectivo, mas, como é típico da figura da coligação ao abrigo da qual invocaram estar a litigar, um interesse próprio, individual, autónomo e individualizado, de cada um deles.
De notar, em breve parêntesis, que paradoxalmente, e contra a posição que os reclamantes vêm sustentar, no acórdão de 27.6.2012 citado, em que verdadeiramente estava em causa uma situação de despedimento colectivo, se afirmou que no litisconsórcio voluntario existe uma mera cumulação de acções, “conservando cada litigante uma posição de autonomia e independência em relação aos seus compartes, conforme consagra o artigo 29º do CPC”, e neste encadeamento, se sublinhou, que “o que aliás decorre dos autos, pois duas autoras iniciais (a 5ª e a 6ª) aceitaram a decisão da 1ª instância, deixado-a transitar ao não terem recorrido para a Relação” (Sublinhados nossos), vindo a concluir pelo não conhecimento do recurso quanto a vários autores por, quanto a eles, o valor da causa se situar abaixo da alçada da Relação, não sendo o acórdão da relação recorrível.
Isto dito e prosseguindo,
A situação em apreço não é, assim, subsumível à previsão do normativo do artigo 634º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil, entendimento que terá sido o dos reclamantes quando na reclamação vieram invocar que se estava perante uma situação de coligação, com expressa referência à disposição do artigo 36º do CPC, mas que agora, sem questionar que a coligação não se enquadra na alínea b), como então sustentaram, abandonam e acabam por não perfilhar
A conclusão que se impõe é a de que, como se decidiu no despacho reclamado, o recurso interposto pelo recorrente II não aproveita aos reclamantes, uma vez que não se verifica uma situação de litisconsórcio nem estão preenchidos os pressupostos do artigo 634º, nº 2, do Código de Processo Civil, maxime o da sua alínea b).
Ao contrário do que referem os reclamantes, o entendimento perfilhado não acarreta uma qualquer violação do direito ao recurso e tão pouco constitui uma “situação de profunda desigualdade”.
O direito ao recurso, como tem sido sublinhado na jurisprudência do Tribunal Constitucional, não é um direito absoluto, irrestringível e ilimitado, cabendo ao legislador ordinário traçar, com maior ou menor amplitude, o seu preciso conteúdo, sob reserva, exclusivamente, de não abolir o sistema de recursos in toto ou de o afectar substancialmente.
No caso o direito ao recurso encontrava-se e encontra-se previsto e regulado no regime geral estabelecido no Código Processo Civil, que aos reclamantes fornecia, como a todos os demais intervenientes nos autos e aos cidadãos em geral, sob determinados pressupostos, os instrumentos e meios necessários para o exercício de tal direito. A circunstância de os reclamantes, por opção própria e da sua exclusiva responsabilidade, e/ou por estratégia processual que lhes cabe delinear, o não terem exercido, não se confunde e nada tem que ver com o direito ao recurso. Os reclamantes não o exerceram, por opção voluntariamente assumida, da sua exclusiva responsabilidade.
III
Face ao exposto, indefere-se a presente reclamação e confirma-se a decisão singular reclamada.
Custas pelos reclamantes.
Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de março (aditado pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de maio) consigna-se que o presente acórdão foi aprovado por unanimidade, sendo assinado apenas pela relatora.
Lisboa, 24 de Março de 2021
Leonor Maria da Conceição Cruz Rodrigues (Relatora)