Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | VÍTOR MESQUITA | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS GERENTE ADMINISTRADOR COOPERATIVA DIRECTOR SUBORDINAÇÃO JURÍDICA NULIDADE DO CONTRATO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ200409300020534 | ||
Data do Acordão: | 09/30/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 2646/02 | ||
Data: | 01/23/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I – Para determinar a natureza e conteúdo das relações contratuais estabelecidas entre as partes qualificando-as como contrato individual de trabalho ou contrato de prestação de serviços, recorre-se geralmente a indícios que, todavia, têm um valor relativo se individualmente considerados e têm sempre que reconduzir-se ao único critério incontroversamente diferenciador e verdadeiramente típico do contrato de trabalho, ou seja, a subordinação jurídica pressuposta no art.º 1 da LCT. II - A subordinação jurídica caracterizadora do contrato de trabalho apenas exige a possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo muitas vezes a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador. III - Quanto aos administradores das sociedades anónimas, o art. 398º, n.º 1 do CSC estabelece um obstáculo ao estabelecimento e manutenção de relações laborais entre a sociedade e o administrador societário (titular de um órgão social com funções administrativas). IV – Este obstáculo legal também se verifica quanto aos directores das cooperativas uma vez que, quer o CCoop aprovado pelo DL n.º 103/80 de 9 de Maio, quer o CCoop aprovado pela Lei n.º 51/96 de 7 de Setembro, (alterado pelos DL n.ºs 343/98 de 6 de Novembro, 131/99 de 21 de Abril, 108/01 de 6 de Abril e 204/2004 de 19 de Agosto) não regulam especificamente a matéria e eregem como direito subsidiário o direito comercial, nomeadamente a legislação referente a sociedades anónimas (art. 8º do CCoop de 1980) ou o CSC, nomeadamente os preceitos aplicáveis às sociedades anónimas (art. 9º do CCoop de 1996). V - Nos casos em que não concorre na mesma pessoa a qualidade de sócio ou membro da pessoa colectiva, a titularidade da gerência pode exercer-se, quer na posição do mandatário, quer na posição do trabalhador subordinado, havendo que averiguar os termos em que o contrato foi celebrado e é executado para lhe conferir a qualificação, ou de contrato de trabalho, ou de mandato. VI – Nos casos da pessoa nomeada no pacto social como gerente de uma sociedade por quotas, designada como administradora de uma sociedade anónima ou eleita como tal pela respectiva assembleia geral (arts. 391º do CSC), ou eleita em assembleia geral como membro da direcção de uma cooperativa (arts. 46º do CCoop. de 1980 e 49º do CCoop. de 1996), que actua com autonomia e em representação da pessoa colectiva, não estão preenchidas, em princípio, as características do contrato de trabalho. É dificilmente conciliável com a subordinação jurídica que o contrato de trabalho supõe a actividade daqueles que não se apresentam normalmente adstritos às ordens de quem quer que seja, só tendo que prestar contas dos seus actos de gestão à própria sociedade cujos órgãos directivos integram, pelo que o vínculo entre a pessoa colectiva e o gestor (gerente, administrador ou director), que actua com autonomia, sem controle ou superintendência de outrem, e em representação da pessoa colectiva, reveste geralmente a natureza jurídica do “mandato”, embora possa ser retribuído, ou, mais especificamente, de “contrato de administração”. VII- Caso eventualmente, após analisado todo o circunstancialismo do caso, seja de concluir que o modo de execução das funções do gerente administrador ou director se processou num contexto de subordinação jurídica à pessoa colectiva, deverá afirmar-se a existência de um contrato de natureza laboral, mas há que distinguir em termos de consequências jurídicas. VIII - Na hipótese de se tratar do sócio gerente de uma sociedade por quotas, este contrato de trabalho será plenamente válido e eficaz, pois que inexiste impedimento legal à coexistência do exercício da gerência neste tipo de sociedades com a execução de um contrato individual de trabalho subordinado. IX - Na hipótese do administrador da sociedade anónima e do director da cooperativa, os administradores não podem exercer na pessoa colectiva “quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, subordinado ou autónomo”, por tal lhes estar vedado pelo art. 398º do CSC, aplicável directamente quanto às sociedades anónimas e por remissão do C. Cooperativo quanto às cooperativas, pelo que nestes casos, para além de ser igualmente muito difícil detectar em termos fácticos uma situação de subordinação jurídica, a eventual coexistência desta com a aludida qualidade social implica a nulidade do contrato de trabalho por violação da proibição constante do art. 398º do CSC (art. 280º do CC). X - Não pode afirmar-se que o autor exercia as suas funções de forma juridicamente subordinada provando-se que foi fundador da ré, que enquanto tomou decisões autónomas relativamente à gestão dos assuntos administrativos e comerciais da cooperativa, esteve sempre investido no cargo de Presidente da Direcção da mesma, que em representação desta geria e administrava os negócios sociais da ré, representava-a perante terceiros e exerceu o poder disciplinar laboral, sendo que não estava sujeito a ordens ou instruções de qualquer superior hierárquico, sem prejuízo das orientações gerais previamente definidos pela Direcção e pela Assembleia Geral. XI - O facto de a partir de certa altura auferir da ré uma remuneração não tem qualquer relevo na medida em que, quer nas sociedades anónimas, quer nas cooperativas, os administradores são geralmente remunerados pelo seu exercício. XII - A circunstância de o autor estar sujeito às deliberações da assembleia geral e às resoluções do órgão a que presidia não consubstancia o dever de obediência às ordens dadas pela entidade patronal (art. 20º, n.º1, al. c) da LCT), pois que estas resoluções e deliberações sempre obrigam todas e cada uma das pessoas que constituem o elemento pessoal do substracto de qualquer ente colectivo, porque representam a vontade deste através dos seus órgãos competentes para tal, pelo que o autor devia cumprir as deliberações da Assembleia Geral e proceder em conformidade com as decisões da Direcção, decisões em cujo processo formativo participava na qualidade de presidente deste órgão. XIII - Apesar de em deliberação da Direcção ocorrida em 1991 se referir que o autor era admitido para o lugar de “director executivo” e se fixar a sua remuneração por referência a um nível fixado em IRC, tal não significa que se verifique desde então um contrato de trabalho uma vez que o desenho da execução contratual que se verificava desde 1985 se manteve após 1991, continuando o autor a desempenhar, nos mesmos moldes e na qualidade de presidente da Direcção da R., as funções de gestão que desempenhava desde a data da respectiva constituição em 1985. XIV - Apenas em relação aos sujeitos que com uma entidade empregadora tenham estabelecido um vínculo contratual de natureza laboral podem ser reconhecidos os direitos estabelecidos no ACT (arts. 1º, 5º e 7º do D.L. n.º 519-C1/79 de 29 de Dezembro), pelo que o facto de este prever um descritivo funcional de categoria profissional em que aluda a uma actuação laboral de forma “autónoma” não pode pura e simplesmente desvirtuar a noção legal de contrato individual de trabalho e despi-la da característica essencial que resulta da definição legal constante, quer da LCT (art. 1º), quer da lei civil (art. 1152º do CC), e que é commumente aceite como o traço caracterizador do contrato individual de trabalho: a subordinação jurídica do trabalhador à entidade patronal. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório "A", intentou a presente acção declarativa emergente de contrato de trabalho contra Caixa de Crédito de Agrícola de Mútuo ....... pedindo a condenação da R.: 1 - a reconhecer-lhe o direito à pensão de reforma por velhice (invalidez presumível), calculada nos termos das cláusulas 113ª e ss. do ACT para os trabalhadores ao serviço das Instituições de Crédito Agrícola Mútuo, devida desde 1 de Junho de 1999; 2 - a pagar-lhe as correspondentes mensalidades, as vencidas até 12 de Setembro de 2001 no valor global de 8.273.274$00 e as vencidas depois dessa data, até Novembro de 2001, no valor mensal de 200.075$00 e depois no valor mensal de 178.774$00, anualmente actualizável, até ao último mês da vida do A; 3 - a pagar-lhe juros, à taxa legal, desde a citação. Para tanto alegou, em síntese: que foi admitido ao serviço da R. em 14 de Maio de 1984 com a qualidade de director executivo, trabalhando desde então sob as ordens, direcção e fiscalização da R. até 30 de Maio de 1999, data em que o vínculo laboral cessou pela sua passagem à situação de reforma por velhice e que, de acordo com o CCTV aplicável publicado no BTE, 1ª série, n.º 45 de 8 de Dezembro de 1987, tem direito a um complemento de reforma a ser pago pela Ré, pagamento este a que ela nunca procedeu. A Ré apresentou contestação sustentando que o tribunal é absolutamente incompetente em razão da matéria para conhecer da acção, devendo ser absolvida da instância, porque nunca o A. exerceu funções na R. com base em vínculo laboral. Alegou ainda, em suma: que nunca existiu entre si e o A. um contrato individual de trabalho; que este exerceu desde sempre as funções de presidente da direcção da R., pelo que não é aplicável o CCTV em causa ou qualquer outro instrumento de regulamentação colectiva; que os factos alegados pelo A. não correspondem à verdade e que não se verificam os requisitos de que o instrumento de regulamentação colectiva faz depender o reconhecimento do direito que o A. pretende ver declarado. O A. respondeu à contestação da R. nos termos de fls. 170 e ss. Foi proferido despacho saneador que considerou improcedente a excepção suscitada declarando competente o Tribunal do Trabalho de Viseu. Procedeu-se à audiência de julgamento, no final da qual foi proferida sentença que absolveu a R. do pedido. Inconformado com o decidido, o A. recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 23 de Novembro de 2003, decidiu negar provimento à apelação interposta e confirmou a decisão sob censura. Novamente inconformado o A. interpôs recurso de revista e terminou as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. Na economia da convenção colectiva aplicável, - Contrato Colectivo de Trabalho Vertical das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, publicado no BTE 1ª Série nº45 de 8/12/1987, objecto de Portaria de Extensão a todos os trabalhadores do sector e publicada no BTE 1ª Série nº11 de 22/03/1988 – as funções de Gerente e de Director Executivo (as funções atribuídas ao Recorrente em Assembleia Geral da CCAM de .......) – estão tratadas de forma substancialmente diferente daquela que conceitualmente está consagrada para Gerentes e Administradores quer no Código das Sociedades Comercias quer no Código Cooperativo. 2. Foi vontade quer da Assembleia Geral, quer da Direcção da CCAM recorrida, reconhecer ao recorrente a qualidade de trabalhador da instituição e, retribui-lo, por isso, nos termos da convenção colectiva. 3. A decisão de considerar e Recorrente como trabalhador da CCAM de ......, foi decidida nos órgãos competentes da Recorrida, não tendo estas decisões sido impugnadas nos termos legais, o que se traduziu até na efectivação dos correspondentes descontos para a segurança social e, a inclusão do recorrente nos respectivos Mapas de Pessoal. 4. A Recorrida iniciou e, manteve, por cerca de dois anos, o “pagamento de um complemento – reforma do Recorrente recebia da segurança social – complemento este que, posteriormente, foi retirado, sem qualquer justificação e é o objectivo nuclear do petitório dos presentes autos. 5. Estão reunidos, no caso sub iudice, os pressupostos da existência de um contrato de trabalho, pelo menos desde a data do início dos descontos para a segurança social, na medida em que se verificou a vontade de assim o considerar por parte dos órgãos com legitimidade para assim o decidir, decisões estas que não foram impugnadas e que, inclusive, proporcionaram o pagamento do correspondente complemento da reforma ao recorrente por um período de dois anos. 6. Até à passagem à situação de reforma do Recorrente, o contrato que existia entre este e a Recorrida, e que ambas as partes consideravam ser de trabalho, esteve em execução, pelo que, naturalmente, sendo as mensalidades de reforma benefícios sociais emergentes dele, estas são devidas para além da sua cessação, na medida em que emergiram da sua execução. 7. O Recorrente perfez mais do que os exigíveis dez anos ao serviço na CCAM de ......, o que lhe garante o acesso ao direito peticionado. 8. As exigências da vida e, da economia contemporâneas, vêm exigindo “o alargamento do critério de subordinação jurídica de forma a evitar que a autonomia com que alguns assalariados executam o seu trabalho seja de molde a excluí-los do âmbito de aplicação do Direito do Trabalho” 9. “A construção jurisprudencial conduziu a uma evolução da noção jurídica de subordinação (…) que já não resulta apenas da submissão às ordens para a execução do trabalho propriamente dito, mas também da integração do trabalhador numa organização colectiva de trabalho, concebida por e para outrem” (…). 10. “Se o trabalhador tem uma determinada autonomia na execução do seu trabalho, é necessário para classificar o respectivo contrato, verificar a existência de outros indicadores – um feixe de indícios – que revelem uma eventual relação de subordinação”. 11. Na medida em foram dados como provados indícios como a execução pessoal e autónoma do trabalho, a sua disponibilidade, continuidade e exclusividade ao longo de mais de 14 anos ao serviço da CCAM, a sua sujeição ao controlo da direcção e da assembleia geral da CCAM, o local na empresa ou a duração do trabalho nos limites por ela praticados, os meios de trabalho sempre fornecidos pela CCAM, bem como os respectivos encargos profissionais serem assumidos pela recorrida, o facto de existir remuneração para este trabalho, consubstancia-se o “feixe de indícios” constitutivos do contrato de trabalho. 12. Sem prejuízo disto, a inexistência de subordinação hierárquica não significa que não exista subordinação jurídica, entendida esta, como uma dependência face às decisões colectivas do executivo ou da assembleia geral da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo. 13. O recorrente insere-se na previsão da norma da convenção colectiva que institui o leque de funções atribuíveis ao trabalhador que detenha a categoria profissional de director executivo de uma Caixa de Crédito Agrícola Mútuo. 14. Falece o argumento da nulidade do contrato porque não se trata de uma lacuna que exija ser integrada com o recurso ao art. 598º do Código das Sociedades Comerciais, isto é não se trata de um caso que a lei não preveja (art. 10º do CC) uma vez que a norma da Convenção Colectiva prevê o exercício das funções e tarefas exercidas pelo recorrido, em regime de contrato de trabalho e, de forma livre e independente, isto é, com autonomia, pelo que a relação contratual como de trabalho não está ferida de nulidade. 15. O Decreto Lei n.º 321/1982 de 17 de Junho operou uma profunda revisão da legislação reguladora do crédito agrícola mútuo pelo que este normativo se passou a aplicar em detrimento do Código Cooperativo. 16. Neste diploma (Decreto Lei n.º 321/1982 de 17 de Junho) não se estabelece qualquer limitação à possibilidade de os trabalhadores ao serviço da CCAM serem admitidos como Associados nem o facto de serem trabalhadores é fundamento de inelegibilidade para os seus órgãos sociais. 17. Com o Decreto-Lei n.º 24/91 de 11 de Janeiro que dotou as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo de um novo regime jurídico, a situação manteve-se, continuando a não haver qualquer impedimento à admissão dos trabalhadores à qualidade de associados das CCAM, como se manteve a inexistência, como causa de inelegibilidade para os órgãos sociais de qualquer limitação aos trabalhadores da instituição. 18. O Decreto-Lei n.º 230/95 de 12 de Setembro, que estabeleceu algumas alterações ao regime jurídico do crédito agrícola mútuo, também não trouxe alterações significativas a esta situação. 19. Até à passagem à situação de reforma do recorrente, este contrato não foi declarado nulo, pelo que, naturalmente, sendo as mensalidades de reforma benefícios sociais emergentes de uma convenção colectiva de trabalho, estes são devidos para além da vigência do contrato de trabalho e por efeitos dele. 20. Por tudo o exposto, a douta sentença, ora apelada, não faz uma aplicação de acordo com os princípios que enformam o direito do trabalho, ao caso vertente e, designadamente, as normas aplicáveis da clª 113ª e seguintes do CCTV para as Instituições de Crédito Agrícola Mútuo, publicado no B.T.E. 1ª série, nº45 de 8/12/1987. A Ré CCAMM apresentou resposta às alegações do recorrente. O Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se pronuncia no sentido de que, a não se entender que se impõe a volta do processo ao tribunal recorrido, por existir contradição na decisão proferida sobre a matéria de facto, é de julgar improcedente a revista. 2. Fundamentação de facto As instâncias deram como provada a seguinte factualidade: 2.1. Desde o início da constituição da CCAM de ...... (9.8.83) que o Autor procedeu à gestão dos assuntos administrativos e comerciais da Caixa, de acordo com os objectivos e orientações gerais previamente fixados pela Direcção (da qual fazia parte) e pela Assembleia Geral. 2.2. A Ré fornecia o material e os instrumentos de trabalho necessários à execução daquelas funções. 2.3. A partir de data não determinada (compreendida entre 9.8.83 e 24.4.84), o Autor desempenhou as funções referidas em 2.1. a tempo inteiro na sede da CCAM de ......., trabalhando, pelo menos, durante o horário a que os funcionários da mesma instituição se encontravam sujeitos. 2.4. Em 26 de Julho de 1991, a Direcção deliberou admitir o Autor para o lugar de “director executivo”. 2.5. Com efeito, em reunião ocorrida naquela data, a Direcção da Ré decidiu: “criar o lugar de director executivo, no quadro de pessoal desta CCAM com remuneração equivalente ao nível 17 da tabela de remuneração constante do contrato colectivo” e, ainda, “admitir de imediato para esse lugar, o Sr. A que, na prática, vem exercendo tais funções desde o início de actividade desta mesma CCAM deliberando que para efeitos de reforma esta admissão se reporta, pelo menos, à data do início dos descontos para a segurança social ( ... )”. 2.6. Nesta deliberação participou o próprio Autor que assinou a respectiva acta. 2.7. Enquanto “director executivo” o Autor continuou a desempenhar as funções referidas em 2.1. 2.8. Em 11 de Agosto de 1992, a Direcção deliberou por unanimidade atribuir ao Autor (que designou por “colaborador”) e com efeitos a partir daquela data, a remuneração correspondente ao nível 18 da tabela referida em 2.5. 2.9. No desempenho das funções referidas em 2.1. o Autor tomava decisões autónomas da direcção relativamente à gestão dos assuntos administrativos e comerciais da Caixa, no quadro dos objectivos e orientações gerais previamente definidos pela Direcção e pela Assembleia Geral. 2.10. O Autor desempenhou essas funções apenas até Fevereiro de 1997 (inclusive). 2.11. A Ré outorgou o contrato colectivo de trabalho vertical para as instituições do crédito agrícola mútuo, publicado no BTE 1ª série nº 45 de 8.12.87. 2.12. O CCTV foi objecto de uma portaria de extensão publicada no BTE 1ª série, nº 11 de 22 de Março de 1988. 2.13. O Autor passou à reforma por velhice, com efeitos a partir de 9.9.1996, o que lhe garantiu direito, na altura, a uma pensão da segurança social de 70.780$00. 2.14. O Autor foi Presidente da Direcção da CCAM de ....... desde a sua constituição em 9 de Agosto de 1983, tendo sido, na sequência da inibição que lhe foi aplicada pelo Banco de Portugal de exercer funções directivas, substituído na Direcção pelo primeiro substituto desta em 29 de Março de 1999. 2.15. Enquanto Presidente e em representação da Direcção, o Autor geriu e administrou negócios sociais da Ré, representou-a perante terceiros e exerceu o poder disciplinar laboral. 2.16. O Autor não estava sujeito a ordens ou a instruções de qualquer superior hierárquico, sem prejuízo das orientações gerais referidas em 2.1. e 2.9. 2.17. Era a Direcção da Ré - da qual o Autor fazia parte - que definia o horário dos trabalhadores da Ré e a organização do pessoal em geral. 2.18. Por deliberação da Assembleia Geral extraordinária de 26.1.85 e com efeitos a partir de 1 de Janeiro desse ano, o Autor, pelo exercício das funções relacionadas com a gestão referidas em 2.1., passou a auferir uma remuneração de 45.000$00/mês, que lhe foi atribuída pelo facto de ser “director em tempo inteiro”. 2.19. Até 1 de Janeiro de 1985 o Autor (bem como os restantes membros da direcção) não tinha recebido qualquer remuneração pelo exercício das funções de gestão referidas em 2.1. 2.20. Por deliberação da Assembleia Geral extraordinária de 21.5.87 e, pelo menos, a partir desta data, o Autor passou a auferir a remuneração mensal de 113.800$00 “enquanto exercesse as funções de gerente cumulativamente com as de director “. 2.21. Por deliberação da Assembleia Geral de 29 de Março de 1990 o Autor - na respectiva acta designado por “director executivo” - passou a auferir pelo exercício das funções de gerência o correspondente ao nível 16 do CCTV, acrescido de uma “gratificação mensal correspondente a 25% do vencimento previsto para o nível 16” (as instâncias aludem ao dia 24 de Março por evidente lapso, como resulta da acta documentada a fls. 470 e ss.). 2.22. Em Fevereiro de 1997 o Autor auferia um vencimento mensal base de 400.000$00 (correspondente ao nível 18 do ACT) a que acrescia o valor da “gratificação” referida em 2.21. correspondente a 25% do vencimento correspondente ao nível 16 (78.975$00) - e agora denominada de “subsídio de função” - diuturnidades no valor de 5.560$00 e um subsídio de almoço de 1.210$00 por dia efectivo de trabalho. 2.23. A partir de Março de 1997, inclusive, passou a receber da Ré um complemento - à reforma que recebia da segurança social - no montante de 155.221$00 por mês. 2.22. Ao mesmo tempo e a partir daquela data (altura em que já não exercia funções de “director executivo”) o Autor continuou a receber o valor do “subsídio de função” (78.975$00) que passou a ser processado como vencimento base. 2.23. A Ré foi associada da Fenacam (Federação Nacional das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo) até, pelo menos, 29 de Dezembro de 1990. 2.24. Nos termos do art. 11, nº 3, al. a) dos Estatutos da Ré, em vigor entre 9 de Agosto de 1983 e 25 de Setembro de 1991, não podiam ser eleitos para os órgãos sociais os associados que fossem funcionários da Caixa de Crédito Agrícola. Porque está documentalmente provado no processo (1), considera-se ainda assente o seguinte facto: 2.25. O A. outorgou na escritura pública de constituição da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ....... lavrada no Cartório Notarial de ...... em 9 de Agosto de 1983, na qualidade de fundador da Cooperativa de Crédito “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ......., Cooperativa de Responsabilidade Ilimitada” – escritura certificada a fls. 410 e ss. dos autos. 3. Fundamentação de Direito 3.1. A questão a decidir Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente - arts. 690º, nº1 e 684º, nº 3 do C.Processo Civil aplicáveis “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a) do C.Processo Trabalho – a questão que fundamentalmente se coloca à apreciação deste Supremo Tribunal é a de saber se ao A. assiste ou não o direito à pensão de reforma, calculada nos termos da cláusula 113ª e seguintes do “ACT para os trabalhadores ao serviço de instituições de crédito agrícola mútuo” publicado no BTE 1ª série, nº 45 de 87.12.08, pelo tempo em que exerceu funções na CCAM de ....... . Este instrumento de regulamentação colectiva é aplicável às relações contratuais estabelecidas entre a R. e os “trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas” por força da PE publicada no BTE, 1ª série, de 88.03.22. Concretamente a cláusula 114ª do ACT de 1987 invocado pelo A, reconhece aos “trabalhadores” em tempo completo os benefícios aí previstos no caso de doença ou invalidez quando tenham atingido 65 anos de idade e desde que hajam completado 10 anos ao serviço das caixas de crédito agrícola mútuo da classe A, de uniões regionais da Federação Nacional e da Caixa Central. É pois fundamental nestes autos proceder à caracterização da relação jurídica "sub judice", já que, em face do preceituado nos arts. 1º, 5º e 7º do D.L. n.º 519-C1/79 de 29 de Dezembro, apenas em relação aos sujeitos que com a R. tenham estabelecido um vínculo contratual de natureza laboral podem ser reconhecidos os direitos estabelecidos nos aludidos instrumentos de regulamentação colectiva (ACT e PE) vg. o direito à peticionada pensão de reforma. 3.2. Do critério diferenciador do contrato de trabalho O contrato de trabalho vem definido no art. 1º do D.L. nº 49.408 de 24 de Novembro de 1969 e no art. 1152º do C.Civil, como o contrato pelo qual uma “pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”. Nem sempre constitui tarefa fácil a de distinguir o contrato de trabalho de figuras contratuais afins, vg. do contrato de prestação de serviços previsto no art. 1154º do C.Civil, na medida em que existem situações que contêm elementos enquadráveis em diferentes figuras contratuais por se situarem em zonas de fronteira entre o contrato de trabalho e outras espécies de contratos cujo objecto se analisa na prestação da actividade intelectual ou manual de alguém. Há a ter em consideração que o contrato de trabalho é um negócio não formal, meramente consensual (art. 6º da L.C.T.), o que permite se alcance a determinação da sua existência e dos seus contornos pelo comportamento das partes, pela análise da situação de facto. Para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, é assim fundamental proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no âmbito daquela relação jurídica. Além da vontade das partes expressa nas estipulações contratuais firmadas entre ambas (que “in casu” não existiram) ou que se extrai do seu comportamento, têm a jurisprudência e a doutrina procedido à identificação da relação laboral (vg. para a distinguir de outras formas de negociar) através da análise da conduta dos contraentes na execução do contrato, através de indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado, por modo a poder-se concluir pela coexistência no caso concreto dos elementos definidores do contrato de trabalho (2). Estes indícios, todavia, têm um valor relativo se individualmente considerados (3) e têm sempre que reconduzir-se ao único critério incontroversamente diferenciador e verdadeiramente típico do contrato de trabalho, ou seja, a subordinação jurídica pressuposta no art.º 1 da LCT. Em última análise, o relacionamento entre as partes - a subordinação ou autonomia - é que permite extremar a “locatio operarum”, ou contrato de trabalho, e a “locatio operis”, ou contrato de prestação de serviços (4). Esta característica fundamental do vínculo laboral implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro dos limites do contrato e das normas que o regem. Não estamos pois em presença de um devedor que organiza o seu programa de prestação, mas sim de um devedor cuja prestação é organizada pelo respectivo credor (5). A cargo da entidade patronal está o poder determinativo da prestação de trabalho, ou seja, o poder de dar um "destino concreto" à força de trabalho que o trabalhador põe à sua disposição, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na empresa, quer determinando-lhe singulares operações executivas. A subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção (6) e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo muitas vezes a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador. 3.3. Da especificidade da situação dos administradores, gerentes e directores das sociedades e cooperativas A situação dos administradores, gerentes e directores das sociedades e cooperativas, que praticam actos em nome das pessoas colectivas que representam e são por estas retribuídos, apresenta uma configuração especial que merece alguma reflexão. Deduz-se do preceituado no art. 986º, n.º 3 do Código Civil que os administradores das sociedades civis devem ser qualificados como mandatários, sendo também o regime do mandato aquele para que remete o art. 987º, n.º 1 daquele diploma. Da mesma forma os gerentes comerciais, mas também os auxiliares, os caixeiros e os comissários (ou comissionistas) são considerados pelo Código Comercial como mandatários pois as disposições que aos mesmos se reportam (arts. 248º e ss. e 266º e ss.) estão inseridas respectivamente nos capítulos II e III, ambos do Título V do Código Comercial sob a epígrafe "Do Mandato". Todavia, não é o facto de os Códigos Civil e Comercial estabelecerem que são mandatários que impede a referida qualificação como trabalhadores subordinados já que é o próprio art. 5º, nº3 da L.C.T. que estabelece a possibilidade de um trabalhador ter também um mandato com representação e, por outro lado, o conceito de mandato utilizado no C.Comercial (arts. 231º, 248º, 256º, 259º, 260º, 263º e 264º) não coincide exactamente com o utilizado no C.Civil (arts. 1155º e 1157º), referindo-se a actos de comércio - que abrangem quer actos materiais, quer actos jurídicos - e podendo ter por objecto tanto um resultado como uma actividade (7). Assim, esta qualificação como mandatários por parte da lei não obsta a que se deva considerar que os comissários, caixeiros, etc., exercem uma relação laboral e que em determinadas circunstâncias os gerentes das sociedades por quotas também o exerçam, desde que estejam preenchidos no caso concreto os pressupostos do contrato de trabalho. Quanto aos sócios de indústria (aquelas pessoas que celebram um contrato de sociedade sem entrar com nenhum bem e dão apenas o seu trabalho à sociedade, tendo depois direito à repartição dos lucros) recebem com frequência uma remuneração mensal e no fim do ano, se houver lucros recebê-los-ão - cfr. o art. 980º do C.Civil. A lei não os qualifica como mandatários, mas apenas como sócios. Todavia, também no que respeita a estes sócios de indústria, o ponto de partida para a qualificação reside mais uma vez no critério da subordinação jurídica. Importa averiguar se, naquele caso concreto, a actividade é exercida de forma subordinada, equiparável à dos demais trabalhadores daquela empresa (8). Quanto aos administradores das sociedades anónimas, a lei estabelece expressamente limitações. Na verdade o art. 398º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais (inscrito no título relativo às sociedades anónimas), estabelece que: “Durante o período para o qual foram designados, os administradores não podem exercer, na sociedade, ou em sociedades que com esta estejam em relação de domínio ou de grupo, quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho subordinado ou autónomo, nem podem celebrar quaisquer desses contratos que visem a prestação de serviços quando cessarem as funções de administrador”. Existe nestes casos um obstáculo legal ao estabelecimento e manutenção de relações laborais entre a sociedade e o administrador societário (titular de um órgão social com funções administrativas). O mesmo deve dizer-se quanto aos directores das cooperativas uma vez que, quer o Código Cooperativo aprovado pelo DL n.º 103/80 de 9 de Maio, quer o Código Cooperativo aprovado pela Lei n.º 51/96 de 7 de Setembro (9), não regulam especificamente a matéria e eregem como direito subsidiário o direito comercial, nomeadamente a legislação referente a sociedades anónimas (art. 8º do CCoop de 1980) ou o C.Sociedades Comerciais, nomeadamente os preceitos aplicáveis às sociedades anónimas (art. 9º do CCoop de 1996). Deve salientar-se que a lei especial que estabelece o Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola – sucessivamente o DL n.º 231/82 de 17 de Junho e o DL n.º 24/91 de 11 de Janeiro (10) - dispõe que no que na mesma não esteja previsto, as caixas agrícolas se regem, consoante a matéria, pelas normas que disciplinam as instituições de crédito e pelo Código Cooperativo e demais legislação aplicável às cooperativas em geral. É assim de concluir, em face da competência estabelecida na lei para a Direcção da cooperativa – que é o seu órgão de administração e representação, nos termos dos arts. 52º do CCoop de 1980, 56º do CCoop. de 1996 e 21º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo aprovado pelo D.L. n.º 24/91 de 11 de Janeiro – que não é legalmente possível o exercício das funções de director de uma cooperativa em regime de contrato individual de trabalho. 3.4. A coexistência do exercício da gestão com uma situação de subordinação jurídica De todas estas situações, há a ter em atenção quanto aos gerentes e administradores que a mesma designação é susceptível de cobrir realidades diversas. 3.4.1. O gestor não membro (sócio ou cooperador) da pessoa colectiva A primeira é a situação da pessoa incumbida de dirigir um ou mais estabelecimentos pertencentes a uma sociedade de que não é membro: é o chamado "gerente comercial", situação que muitas vezes se enquadra no esquema do contrato de trabalho. Nestes casos em que não concorre na mesma pessoa a qualidade de sócio ou membro da pessoa colectiva, a titularidade da gerência pode exercer-se, quer na posição do mandatário, quer na posição do trabalhador subordinado, havendo que averiguar os termos em que o contrato foi celebrado e é executado para lhe conferir a qualificação, ou de contrato de trabalho, ou de mandato (11). 3.4.2. O gestor membro (sócio ou cooperador) da pessoa colectiva A segunda é a situação da pessoa nomeada no pacto social como gerente de uma sociedade por quotas, designada como administradora de uma sociedade anónima ou eleita como tal pela respectiva assembleia geral (arts. 391º do CSC) ou ainda, situação que é equivalente, eleita em assembleia geral como membro da direcção de uma cooperativa (arts. 46º do CCoop. de 1980 e 49º do CCoop. de 1996). Nestes casos, tem constituído orientação pacífica da jurisprudência e da doutrina, a de que estes administradores ou gerentes que, sendo sócios ou membros da sociedade ou cooperativa, actuam com autonomia e em representação da pessoa colectiva, não preenchem em princípio as características do contrato de trabalho (12). A situação dos sócios gerentes ou administradores - situação a que se equipara a dos cooperantes que fazem parte da direcção (13) - é na verdade dificilmente conciliável com a subordinação jurídica que o contrato de trabalho supõe, uma vez que na sua actividade aqueles não se apresentam normalmente adstritos às ordens de quem quer que seja, só tendo que prestar contas dos seus actos de gestão à própria sociedade cujos órgãos directivos integram (14). O vínculo entre a pessoa colectiva e o gestor (gerente, administrador ou director), que actua com autonomia, sem controle ou superintendência de outrem, e em representação da pessoa colectiva, revestirá a natureza jurídica do “mandato” - cfr. os arts. 1154º, 1155º e 1157º, todos do Código Civil - embora possa ser retribuído (15), ou, mais especificamente, de “contrato de administração” (16). Têm pertinência nestes casos as palavras de Bernardo Lobo Xavier (17), que defende haver nestas situações uma relação de organicidade suposta pela própria natureza das pessoas colectivas que têm de agir por "órgãos" (designadamente conselhos de administração ou gerência), os quais necessitam de um suporte humano. Como ensina este autor, essas pessoas físicas designadas para integrar tais órgãos não são apenas mandatárias mas, além disso, "suportes de órgãos independentes (organtraeger) que exercem as suas funções com autonomia." A especial relação destes administradores ou gerentes com a pessoa colectiva supõe uma autonomia na actividade que os diferencia dos trabalhadores subordinados, ainda que porventura, simultaneamente, aufiram uma retribuição, gozem férias, etc. No fundo, a actividade dos administradores ou gerentes reveste a natureza da posição patronal e, como é evidente, não podem encabeçar-se na mesma pessoa a direcção e fiscalização, por um lado, e a subordinação, por outro. O especial laço social com a pessoa colectiva dificulta a afirmação de que existe subordinação e, consequentemente, de que existe contrato de trabalho. Esta realidade levou a que durante largos anos a jurisprudência negasse mesmo a possibilidade de o exercício da gerência social ser compatível com a existência ou subsistência do vínculo contratual do trabalho, mesmo no caso das sociedades por quotas. Porém, mais tarde, a jurisprudência do STJ começou a admitir a possibilidade de coexistência da qualidade de trabalhador subordinado com a de sócio gerente mas, sempre, desde que se verificasse a existência de subordinação jurídica (18). Especificamente o Acórdão do STJ de 99.09.29 considerou relevantes no sentido de apurar, no caso concreto, a existência de eventual subordinação jurídica em cumulação com a situação de sócio gerente, os seguintes aspectos: - a anterioridade ou não do contrato de trabalho face à aquisição da qualidade de sócio gerente; - a retribuição auferida, procurando surpreender alterações significativas ou dualidade de retribuições; - a natureza das funções concretamente exercida antes e depois da ascensão à gerência, com vista a apurar se existe exercício de funções tipicamente de gerência e se há nítida separação de actividades; - a composição da gerência, designadamente número de sócios gerente e respectivas quotas; - a existência de sócios maioritários com autoridade e domínio sobre os restantes; - a dependência hierárquica e funcional dos sócios gerentes que desempenhem tarefas não tipicamente de gerência relativamente a tais actividades. Caso eventualmente, após analisado todo o circunstancialismo do caso, seja de concluir que o modo de execução das funções do gerente administrador ou director se processou num contexto de subordinação jurídica à pessoa colectiva, deverá afirmar-se a existência de um contrato de natureza laboral (art. 1º da LCT). Mas aqui há que distinguir em termos de consequências jurídicas. 3.4.2.1. Na hipótese do sócio gerente de uma sociedade por quotas Na hipótese de se tratar do sócio gerente de uma sociedade por quotas, embora seja por via de regra difícil detectar a existência de subordinação jurídica, atendendo às funções que o gerente societário desempenha (19), este contrato de trabalho será plenamente válido e eficaz, pois que inexiste impedimento legal à coexistência do exercício da gerência neste tipo de sociedades com a execução de um contrato individual de trabalho subordinado (20). 3.4.3.2. Na hipótese do administrador da sociedade anónima e do director da cooperativa Mas já na hipótese do administrador da sociedade anónima e do director da cooperativa, a lei estabelece limites. Como se viu, durante o período para o qual foram designados, os administradores não podem exercer na pessoa colectiva “quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, subordinado ou autónomo”, por tal lhes estar vedado pelo art. 398º do CSC, aplicável directamente quanto às sociedades anónimas e por remissão do C.Cooperativo quanto às cooperativas (21). Nestes casos, para além de ser igualmente muito difícil detectar em termos fácticos uma situação de subordinação jurídica, a eventual coexistência desta com a aludida qualidade social implica a nulidade do contrato de trabalho por violação da proibição constante do art. 398º do CSC (art. 280º do CC) (22). Como se decidiu no Ac. do STJ de 2004.02.11 (23), o preceito do art. 398º, n.º1 é incontornável, por imperativo, implicado a nulidade do contrato de trabalho que o administrador celebre, ainda que confirmado em assembleia geral da sociedade anónima, sendo a deliberação desta também nula de acordo com o que dispõe o art. 56º, n.º 1, al. d) do CSC. 3.5. Caracterização da relação jurídica “sub-judice” Tendo presente este quadro normativo, vejamos qual o esquema contratual que envolveu o desempenho pelo A. das funções de gestão dos assuntos administrativos e comerciais da Ré CCAM de ......... . 3.5.1. A partir de 9 de Agosto de 1983 Resulta dos factos apurados que a cooperativa R. foi constituída através de escritura pública lavrada em 9 de Agosto de 1983 no Cartório Notarial de ......, tendo nela outorgado o A. como fundador da Ré (2.25.). O A. assumiu nessa precisa data, a presidência da Direcção da R., qualidade social esta que manteve ininterruptamente desde a data da constituição da R. até ser inibido pelo Banco de Portugal de exercer as ditas funções directivas (vindo nessa sequência a ser substituído na Direcção pelo primeiro substituto em 29 de Março de 1999 – vide o facto 2.14.). Sempre com a qualidade de presidente da Direcção da R., o A. procedeu à gestão dos assuntos administrativos e comerciais da Caixa, desde que esta foi constituída, e até Fevereiro de 1997, tomando decisões autónomas no quadro dos objectivos e orientações gerais definidos previamente pela Direcção (de que fazia parte) e pela Assembleia Geral (2.1. e 2.9.). É esta uma realidade muito diferente da que o A. invocou na petição inicial, ao alegar que foi admitido ao serviço da R. em 14 de Maio de 1984 como “director executivo” e que trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização da R. Na verdade, e por um lado, a data em que se iniciou o exercício das funções de gestão foi o dia 9 de Agosto de 1983, data em que o A. outorgou na escritura de constituição da R. como seu sócio fundador e assumiu a presidência da direcção da R. Por outro lado, não resulta da matéria fáctica apurada ter sido a actividade do A. exercida de forma juridicamente subordinada. Designadamente nada ficou demonstrado quanto a um convénio que se haja estabelecido entre o A. e a R. relativo ao exercício por aquele das funções de gestão dos assuntos administrativos e comerciais da Caixa. A actividade do A. neste âmbito começou a desenvolver-se logo após a constituição da R., em termos que persistiram até Fevereiro de 1997, sem que esteja demonstrado qualquer convénio formal ou informal entre as partes quanto ao modo como se desenvolvia esta actividade. E bem se compreende que assim tenha sido, na medida em que a actividade de gestão exercida pelo A. está geneticamente compreendida na competência da Direcção, enquanto órgão social da cooperativa. Na verdade, pelo simples facto da eleição dos directores, os cooperantes conferem-lhes em bloco os poderes previstos na lei e nos estatutos, sem necessidade de estipulação contratual. À data da constituição da R. tais poderes estavam previstos no art. 52º do C. Cooperativo de 1980 e traduziam-se na administração e representação da cooperativa, incluindo a execução do plano de actividades anual, a contratação e gestão do pessoal necessário às actividades da cooperativa e a prática de todos e quaisquer actos na defesa dos interesses da cooperativa e dos cooperadores (24). Nos estatutos da R. então em vigor (25), o respectivo art. 23º traça a competência da Direcção da cooperativa em termos idênticos aos da lei cooperativa, incluindo expressamente na dita competência a decisão sobre as operações de crédito da R. e sobre as garantias de solvabilidade e de liquidez e a cobrança coerciva dos créditos da R. É sempre neste contexto do exercício do cargo de presidente da Direcção da CCAM de ...... que o A. toma decisões de gestão, não tendo qualquer arrimo na matéria fáctica a afirmação de que estas decisões se processavam ao abrigo de um contrato individual de trabalho, nem sendo suficiente para o efeito o facto de o A. trabalhar pelo menos durante o horário dos trabalhadores da Caixa (2.3.), usando o material e instrumentos da R. necessários às suas funções (2.2.). Enquanto tomou decisões autónomas da direcção relativamente à gestão dos assuntos administrativos e comerciais da R., o A esteve sempre investido no cargo de Presidente da Direcção da R. (2.1., 2.9., 2.10. e 2.14.) E, por isso mesmo, em representação da Direcção (26), o A. geria e administrava os negócios sociais da R., representou-a perante terceiros e exerceu o poder disciplinar laboral (2.15.). O facto de a partir de certa altura auferir da R. uma remuneração também não tem qualquer relevo na medida em que, quer nas sociedades anónimas, quer nas cooperativas, os administradores são geralmente remunerados pelo seu exercício (27). Finalmente, ficou expressamente provado que o A. não estava sujeito a ordens ou instruções de qualquer superior hierárquico, sem prejuízo das orientações gerais previamente definidos pela Direcção e pela Assembleia Geral, e que era a Direcção da R. – de que o A. fazia parte – que definia o horário dos trabalhadores da R. e a organização do pessoal em geral (2.16. e 2.17.). Não se vê, pois, como pode afirmar-se que o A. exercia as suas funções de forma juridicamente subordinada. A circunstância de estar sujeito às deliberações da assembleia geral e às resoluções do órgão a que presidia não consubstancia o dever de obediência às ordens dadas pela entidade patronal consagrado no art. 20º, n.º1, al. c) da LCT dentro do elenco de deveres que o contrato individual de trabalho faz impender sobre os trabalhadores por conta de outrem. Como se afirma no acórdão recorrido “estas resoluções e deliberações e independentemente de qualquer vínculo laboral, sempre obrigam todas e cada uma das pessoas que constituem o elemento pessoal do substracto de qualquer ente colectivo, porque representam a vontade deste através dos seus órgãos competentes para tal”. Sendo presidente da Direcção da R. o A. devia cumprir as deliberações da Assembleia Geral (28) e proceder em, conformidade com as decisões da Direcção, decisões estas em cuja processo formativo participou na qualidade de presidente do órgão. Nesta qualidade e com os inerentes poderes estatutários, o A. procedeu à gestão dos assuntos administrativos e comerciais da R., de modo algum permitindo a matéria fáctica apurada a afirmação de que o fez de forma juridicamente subordinada 3.5.2. A partir de 26 de Julho de 1991 É certo que no contexto do desenvolvimento destas relações contratuais, a Direcção da R. veio em 26 de Julho de 1991 a deliberar, com a participação do A. seu presidente, “criar o lugar de director executivo, no quadro de pessoal desta CCAM com remuneração equivalente ao nível 17 da tabela de remuneração constante do contrato colectivo” e, ainda, “admitir de imediato para esse lugar, o Sr. A que, na prática, vem exercendo tais funções desde o início de actividade desta mesma CCAM deliberando que para efeitos de reforma esta admissão se reporta, pelo menos, à data do início dos descontos para a segurança social” – vide 2.4 a 2.6. Terá esta circunstância a virtualidade de alterar a natureza das relações que então existiam entre as partes? A resposta não poderá deixar de ser negativa. Na verdade, ficou expressamente provado que enquanto “director executivo” o Autor continuou a desempenhar as funções de gestão que anteriormente exercia (vide 2.1. e 2.7.). Além disso, o modo como o A. desempenhava as ditas funções desde a data da constituição da CCAM também se manteve (vide 2.1., 2.9. e 2.16.). Igualmente se manteve, sem interrupções, a sua investidura social na qualidade de presidente da Direcção da R. (2.14.). A expressão utilizada (admissão ao serviço), apesar de usualmente se utilizar quando alguém passa a desempenhar um contrato individual de trabalho ao serviço de outrem, não é determinante na qualificação da relação contratual, como o não é o "nomen iuris” que eventualmente as partes atribuíssem a um contrato que firmassem. Se poderia constituir um indício quanto à vontade da Direcção, a eventual relevância deste indício é absolutamente esbatida pela manutenção do condicionalismo factual que rodeou a actividade do A., antes e depois da referida decisão da Direcção (29). Não pode pois afirmar-se que o simples facto da deliberação implicou uma mudança no esquema contratual em que o A. desenvolvia a sua actividade de gestão em benefício da pessoa colectiva a cuja direcção presidia e continuou a presidir. Aliás os próprios termos da deliberação de 1991 são concludentes no sentido de que nada de novo vai ocorrer no que concerne ao modo como se desenvolviam anteriormente as funções do A., pois que expressamente se fez constar da mesma que o A. exercia já as ditas funções para que agora era admitido ao serviço, desde o início da actividade da R (em 1983). Por outro lado, a fixação de uma contrapartida pecuniária por equivalência a um nível remuneratório previsto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, não tem também a virtualidade de conferir carácter laboral à relação estabelecida e não permite se considere firmado a partir de então entre o A. e a R. um contrato de trabalho. Aliás, deve reparar-se que o A. era já remunerado por estas suas funções de gestão que desenvolvia enquanto presidente da Direcção desde 1985, por deliberações sucessivas da Assembleia Geral de 1985, 1987 e 1990 - vide 2.18., 2.20. e 2.21. –, deliberações estas no sentido da fixação de remuneração de titular de órgão social que tinham previsão estatutária (30). Ou seja, apesar de na deliberação do órgão a que o A. presidia se referir que o A. era admitido para o lugar de director executivo, o desenho da execução contratual manteve-se após 1991, continuando o A. a desempenhar, nos mesmos moldes e na qualidade de presidente da Direcção da R., as funções de gestão que desempenhava desde a data da respectiva constituição. 3.5.3. A impossibilidade de enquadramento das funções no ACT de 1987 Invoca o A. nas suas alegações de recurso que na economia da convenção colectiva aplicável, - Contrato Colectivo de Trabalho Vertical das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, publicado no BTE 1ª Série nº45 de 8/12/1987, objecto de Portaria de Extensão a todos os trabalhadores do sector e publicada no BTE 1ª Série nº11 de 22/03/1988 as funções de Gerente e de Director Executivo estão tratadas de forma substancialmente diferente daquela que conceitualmente está consagrada para Gerentes e Administradores quer no Código das Sociedades Comercias quer no Código Cooperativo e que os autos se referem a quem exerceu essas funções no quadro categorial da CCT. A categoria profissional de “director executivo” foi consagrada no anexo III do ACT de 1987 que a define como: “o trabalhador que, de forma autónoma, toma as grandes decisões, no quadro das políticas e objectivos do sector agrícola mútuo e na esfera da sua responsabilidade”. Pretende o recorrente que a sua actividade se enquadrou nesta categoria profissional. Contudo, como já se afirmou, apenas em relação aos sujeitos que com uma entidade empregadora tenham estabelecido um vínculo contratual de natureza laboral podem ser reconhecidos os direitos estabelecidos no ACT, em face do preceituado nos arts. 1º, 5º e 7º do D.L. n.º 519-C1/79 de 29 de Dezembro. O facto de um instrumento de regulamentação colectiva prever um descritivo funcional de categoria profissional em que aluda a uma actuação laboral de forma “autónoma” não pode pura e simplesmente desvirtuar a noção legal de contrato individual de trabalho e despi-la da característica essencial que resulta da definição legal constante, quer da LCT (art. 1º), quer da lei civil (art. 1152º do CC), e que é commumente aceite como o traço caracterizador do contrato individual de trabalho: a subordinação jurídica do trabalhador à entidade patronal. Para que possa afirmar-se a existência de um contrato individual de trabalho - e ainda que possam reconhecer-se no seu desempenho áreas de crescente autonomia, sobretudo em actividades tradicionalmente exercidas de modo liberal - é essencial que o trabalhador esteja sujeito aos poderes de direcção e disciplinar da entidade patronal. Aliás, a mais importante característica específica da relação que se estabelece entre uma pessoa colectiva e um seu administrador – relação geralmente designada por contrato de administração – e que permite diferenciá-la do contrato de trabalho é precisamente a grande autonomia de que goza o administrador relativamente à sociedade ou, mais exactamente, à colectividade dos sócios (31). Assim, para que possa afirmar-se que alguém exerce ao serviço de uma CCAM as funções de “director executivo” previstas no ACT de 1987, é essencial que tais funções sejam exercidas de forma juridicamente subordinada. Apesar da grande abertura do descritivo funcional, deve notar-se que a mesma alude logo no seu início ao conceito de “trabalhador”, o que imediatamente restringe aos trabalhadores por conta de outrem o leque de pessoas compreendidas na definição categorial e traz para o seio do exercício das funções de director executivo o traço da subordinação jurídica. Além disso, embora conceda a este trabalhador uma grande margem de manobra no quadro das políticas e objectivos do sector do crédito agrícola mútuo (e, já o vimos, é possível nos dias de hoje descortinar em determinadas actividades exercidas no âmbito de uma relação laboral, uma autonomia crescente), a última parte do descritivo funcional restringe claramente o espaço de manobra do director executivo, cujas decisões terão sempre que se ater à “esfera da sua responsabilidade”. Ou seja, o espaço de manobra deste trabalhador não é apenas delimitado pelas políticas e objectivos do sector do crédito agrícola mútuo, circunscrevendo-se, ainda, à esfera da sua responsabilidade. Esta é, necessariamente, objecto de delimitação heterónoma. Não pode ser o próprio trabalhador a traçá-la, pois tal retiraria qualquer utilidade à última parte do descritivo funcional e este reporta-se às funções a exercer por um “trabalhador ao serviço” das CCAM, das suas uniões e das suas federações (32). No caso “sub-judice”, a Direcção da R. criou o lugar de “director executivo” na deliberação de 1991, criação esta que se revestiu de carácter meramente formal, na medida em que, como vimos, o A. continuou a desempenhar as funções que anteriormente exercia – vide 2.5. e 2.7. E que funções eram essas? O A. procedia à gestão dos assuntos administrativos e comerciais da Caixa no quadro dos objectivos e orientações gerais fixados pela Direcção e pela Assembleia Geral, sempre revestido da qualidade de Presidente da Direcção da R. – vide 2.1., 2.9. e 2.14. Daqui resulta que, para além do normal funcionamento orgânico da pessoa colectiva, não havia qualquer delimitação heterónoma da responsabilidade do A. (delimitação esta que teria que necessariamente ocorrer caso o A. exercesse as suas funções ao abrigo de um contrato individual de trabalho). Ora, como se provou, enquanto presidente e em representação da Direcção, o Autor geriu e administrou negócios sociais da Ré, representou-a perante terceiros e exerceu o poder disciplinar laboral, não estando sujeito a ordens ou a instruções de qualquer superior hierárquico, sem prejuízo das orientações gerais referidas em 2.1. e 2.9. – vide 2.15. e 2.16. É este um caso típico em que a actividade desenvolvida se confunde com a actuação da própria entidade. (33) 3.5.4. Conclusão Em conclusão, e em consonância com o acórdão recorrido, entendemos que não estão presentes na relação contratual "sub judice" índices de subordinação jurídica , quer antes, quer depois de 26 de Julho de 1991, data em que a Direcção da R. tomou uma deliberação no sentido de admitir o A. para o lugar de “director executivo” (2.5.), permanecendo inalterado durante todo o período em que o A. foi presidente da Direcção da R. – desde a data da sua constituição em Agosto de 1983 até Fevereiro de 1997 -, o modo como desenvolveu a sua actividade de gestão dos assuntos administrativos e comerciais da R. Em todo este período o A. desenvolvia a sua actividade com autonomia, representando a pessoa colectiva enquanto presidente da sua direcção e gerindo os negócios sociais da R. sem sujeição às ordens ou instruções de quem quer que seja, não podendo considerar-se que as relações que se estabeleceram entre A. e R. se enquadram no âmbito de uma relação contratual de trabalho subordinado. Não se vislumbra também que haja qualquer contradição na matéria de facto, como hipoteticamente refere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu Parecer, sendo de subscrever a opinião deste Magistrado quando conclui pela inexistência de subordinação jurídica do A. à R. no exercício das suas funções de gestão. Deve salientar-se que competia ao A. o ónus da prova da verificação dos elementos caracterizadores do contrato de trabalho que alegou ter-se estabelecido entre si e a R., por serem os factos respectivos constitutivos do seu direito à pensão de reforma estabelecido no instrumento de regulamentação colectiva invocado para o trabalhadores ao serviço das caixas de crédito agrícola mútuo (cfr. o art. 342º, n.º 1 do CC). Tendo em consideração que o pedido formulado nesta acção, relativo a efeitos previdenciais emergentes da execução de um contrato individual de trabalho, tinha como pressuposto necessário a vigência entre as partes de um contrato de trabalho no período alegado na petição inicial, não pode o mesmo proceder uma vez que a relação jurídica entre as partes não se enquadra no domínio laboral. 3.6. Os obstáculos estatutários e legais à vinculação laboral do A. Embora se tenha concluído pela inexistência de um contrato individual de trabalho – o que torna prejudicada a apreciação da questão da eventual nulidade deste -, deve acrescentar-se para alicerçar a conclusão precedente (34), que durante o período em que se desenrolou a factualidade em análise nos presentes autos estava vedado ao A. vincular-se à R. através de um contrato individual de trabalho, em virtude de obstáculos estatutários e legais. Na verdade, nos termos do art. 11, nº 3, al. a) (35) dos Estatutos em vigor à data da constituição da R. (em que, recorde-se, o A. participou como fundador), não podiam ser eleitos para os órgãos sociais os associados que fossem funcionários da Caixa de Crédito Agrícola. Não era pois então possível, face aos Estatutos, que a mesma pessoa tivesse simultaneamente as qualidades de presidente de um órgão social e de trabalhador subordinado da R. E não é também crível que fosse nessa ocasião vontade, quer do A. (que subscreveu a escritura), quer da pessoa colectiva R. (que acabava de ser constituída e seria regida pelos Estatutos anexos à escritura), que se estabelecesse entre ambos uma relação contratual de trabalho subordinado em desconformidade com os ditos Estatutos. Relembre-se que o A. teve a qualidade de fundador e assumiu de imediato em 9 de Agosto de 1983, quer a presidência da Direcção, quer as funções de gestão dos assuntos administrativos e comerciais da Ré. Por outro lado, a CCAM de ....... integrava-se no ramo do sector cooperativo que abrangia as cooperativas de crédito previstas no sector cooperativo (36) e, de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 2º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo aprovado pelo art. 1º do DL nº 231/82 e 8º do C. Cooperativo de 1980 aprovado pelo DL n.º 454/80, por remissão sucessiva para as regras do Código Cooperativo e demais legislação aplicável às cooperativas em geral e para o direito comercial, nomeadamente a legislação referente a sociedades anónimas, é aqui integralmente aplicável o disposto no art. 398º do CSC aprovado pelo DL n.º 262/86, preceito que no seu nº 1 proíbe o exercício pelos administradores, na sociedade ou em sociedades que com esta estejam em relação de domínio ou de grupo, de funções temporárias ou permanentes ao abrigo do contrato de trabalho, sendo certo que, de acordo com o art. 52º do CCooperativo de 1980, a Direcção era o órgão de administração e representação da cooperativa (art. 56 do CCooperativo de 1996). Ou seja: quando em Novembro de 1986 entrou em vigor o CSC o A., que estava investido num cargo de Presidente da Direcção (vide 2.14.) que, pela sua natureza, era já dificilmente compatibilizável com uma situação de subordinação jurídica,não podia nos termos do citado nº 1 do art. 398º do CSC exercer funções de gestão ao abrigo de contrato de trabalho. E também em 1991, quando a Direcção da R. deliberou no sentido de admitir o A. ao serviço da R., o A. continuava impedido pela lei de exercer funções ao abrigo de contrato de trabalho por força do disposto no art. 398º do CSC, embora nessa ocasião se não encontrasse já em vigor o impedimento estatutário constante da versão primitiva dos Estatutos da CCAM de ...... . Invoca o A. nas suas alegações que não há neste caso uma lacuna a ser integrada pelo art. 598º do CSC, uma vez que há uma norma do CCT que prevê o exercício das funções por ele exercidas “em regime de contrato de trabalho e de forma livre e independente” (conclusão 14ª). Esta conclusão está, contudo, viciada pela contradição dos seus próprios termos. Na verdade, e por um lado, é pressuposto da aplicação de qualquer instrumento de regulamentação colectiva de trabalho a existência de um contrato individual de trabalho (arts. 1º, 5º e 7º do DL n.º 519-C1/79). Por outro lado, para que se considere verificada a existência deste tipo contratual em face da lei, é necessário que a relação estabelecida entre os sujeitos se desenvolva num contexto de subordinação jurídica (art. 1º da LCT). Finalmente, sustenta também o recorrente que a legislação reguladora do crédito agrícola mútuo (37) se aplica em detrimento do C. Cooperativo e não estabelece limitações à possibilidade de os trabalhadores serem admitidos como associados, nem impede que sejam eleitos para os órgãos sociais. Ora, quanto à impossibilidade de os trabalhadores fazerem parte dos órgãos sociais, a limitação existente em 1983 não era legal mas era estatutária (fazia parte dos Estatutos da R. anexos à sua escritura de constituição) (38). Quanto à impossibilidade de os directores estarem vinculados por contrato individual de trabalho, a legislação reguladora do crédito agrícola mútuo é verdadeiramente omissa nesta matéria, não suprindo tal falta de regulação na lei a previsão contratual em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho da categoria profissional de “director executivo”. E o certo é que, quer o art. 2º do DL n.º 231/82, quer o art. 2º do DL n.º 24/91 (tanto na redacção primitiva, como na que lhe foi conferida pelo DL n.º230/95 de 12 de Setembro), dispõem que as caixas agrícolas se regem, em tudo quanto neles não esteja previsto, pelo C. Cooperativo. Na medida em que este, por sua vez, é igualmente omisso nesta matéria e remete para o direito comercial, nomeadamente a legislação referente a sociedades anónimas (art. 8º do CCoop de 1980), ou para o Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente os preceitos aplicáveis às sociedades anónimas (art. 9º do CCoop de 1996), é aqui inteiramente aplicável o obstáculo legal ao estabelecimento e manutenção de relações laborais entre a cooperativa e o seu director (enquanto titular de um órgão social com funções de administração). Improcedem, assim, todas as conclusões das alegações da revista. 4. Decisão |