Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
408/08.3PRLSB.L2.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
OBJECTO DO PROCESSO
HOMICÍDIO
HOMICÍDIO PRIVILEGIADO
UNIÃO DE FACTO
CONFISSÃO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
COMPREENSÍVEL EMOÇÃO VIOLENTA
DESESPERO
CIÚME
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário :

I - A omissão de pronúncia significa ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias que a lei imponha que o juiz tome posição expressa.
II - A dialéctica processual estabelecida no caso presente girava em torno do objecto do processo constituído, por um lado, pela tese da acusação, em que se imputava a prática de um homicídio simples com dolo directo, agindo o arguido com intenção de matar a vítima; do outro lado, a posição da defesa expressa na contestação, partindo de uma negação da intenção de matar, mas com a subsequente achega de elementos fácticos potencialmente integradores de uma situação de compreensível emoção violenta e desespero, conducente à integração da conduta no crime de homicídio privilegiado.
III -Em audiência de julgamento, o arguido confessou os factos que lhe são imputados, com o que aceitou a tese da acusação, aderindo ao seu teor, largando mão da estratégia de defesa delineada e levada a julgamento, assumindo a intenção de matar, ideia matriz contida no libelo, sendo certo que a intenção do agente é matéria de facto, encontrando-se, por isso, subtraída aos poderes de cognição do STJ.
IV -Sendo a matéria de facto (incluída a intenção de matar), fixada a partir da confissão do arguido dirigida à tese da acusação, não se vê como depois se possa pretender impugnar a matéria de facto dada como provada, quando justamente o assentamento da facticidade se deveu a contributo decisivo do arguido (na medida em que com a sua postura foi prescindida a produção de prova arrolada pela acusação). Pretender agora discutir a matéria de facto quando se contribuiu para a fixação de forma livre, sem reservas e com a consequência de a acusação prescindir de produzir prova, constitui, de certo modo, um venire contra factum proprium, embora sem sintonizar a atitude na figura prevista no art. 334.º do CC.
V - O declarado pelas testemunhas de defesa não poderia, face à confissão do autor material da conduta com os contornos constantes da peça acusatória, modificar a facticidade, pois no fundo era disso que se trataria, alterar o acervo que o próprio arguido aceitara, sem reservas, de forma integral, livre e espontânea, vindo terceiros moldar a facticidade em tons diversos, eventualmente integradores de uma emoção violenta ou de uma situação de desespero, que não constavam da acusação e de cuja invocação o arguido não largara mão. De resto, sempre se perguntaria que exame crítico demanda a confissão. Improcede, pois, a arguida nulidade por omissão de pronúncia.
VI -No art. 133.º do CP está-se perante um especial caso de atenuação da pena, de caso expressamente previsto na lei – art. 72.º, n.º 1, do CP – que conduz a uma redução da moldura penal de mais amplo espectro do que a resultante da modificativa nos termos do art. 73.º do mesmo Código. A autonomização justificar-se-á com a circunstância de a pena cominada no art. 133.º não ter necessariamente de coincidir com aquela que o juiz encontraria em função dos critérios de atenuação especial contidos no art. 73.º, e ainda no propósito do legislador de – dada a frequência com que os tribunais se confrontam com hipóteses de homicídio privilegiado – ter pretendido emprestar particular ênfase aos factores relevantes de privilegiamento.
VII - Diversamente do que ocorre com a enumeração dos exemplos padrão constantes do n.º 2 do art. 132.º do CP, que enformam os casos de especial censurabilidade ou perversidade no homicídio qualificado, os quais são meramente exemplificativos, a enumeração feita no art. 133.º não é exemplificativa. Trata-se de uma especial forma de atenuação para a qual aqui só se tem em consideração o plano da culpa, quando nos termos gerais é necessário estar-se perante diminuição acentuada, não só da culpa do agente, mas também da ilicitude do facto ou da necessidade da pena.
VIII - No esforço da compreensão da emoção violenta é imperativo o estabelecimento de uma relação entre o afecto e as suas causas ou motivos, pois, para se entender uma emoção tem de se entender as relações que lhe deram origem, tendo em atenção o sujeito que a sentiu e o contexto em que se verificou a atitude, em ordem a entender o estado de espírito, o «conflito espiritual», a situação psíquica que leva o agente ao crime. E a compreensibilidade pode ser afastada se o estado de afecto for causado pelo próprio agente.
IX -Para haver privilegiamento do homicídio por emoção violenta é necessário que o agente se encontre dominado por emoção violenta, que tal emoção seja compreensível, mas também que seja tal emoção a causadora do acto criminoso (o nexo causal entre a emoção e o crime é bem expressa pela expressão “é levado a matar”).
X - Quanto à questão de saber como ajuizar o poder das razões que ocasionaram a emoção violenta, desenham-se na doutrina e jurisprudência duas linhas, sendo uma que entende que este critério deve ser concretizado por referência à personalidade daquele agente que actua; outra que defende que a compreensibilidade há-de aferir-se, não em relação às particularidades concretas daquele agente, mas em relação a um homem médio com certas características que aquele agente detém.
XI -O desespero, como elemento que privilegia o crime, significa ausência total de esperança, sentimento de absoluta incapacidade de superação das contingências exteriores que afectem negativamente o indivíduo, a falência irremediável das elementares condições para a manifestação da dignidade da pessoa. O desespero significa e traduz um estado subjectivo em que a angústia, a depressão ou as consequências de factores não domináveis colocam o estado de afecto do sujeito no ponto em que nada mais das coisas da vida parece possível ou sequer minimamente positivo, de tal forma que se permite considerar, nas circunstâncias do caso, uma acentuada diminuição da culpa por menor exigibilidade de outro comportamento.
XII - Especificamente sobre o ciúme, salienta-se na jurisprudência do STJ que no desespero estão em causa sobretudo estados de afecto asténicos, como a angústia, a depressão ou a revolta. Especificamente sobre o ciúme, tem-se entendido que a valorização do ciúme ou da desconfiança sobre a fidelidade do cônjuge como elemento mitigador da responsabilidade criminal é absolutamente de rejeitar no ordenamento jurídico de um Estado de direito democrático, assente na dignidade da pessoa humana e no direito de todos ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
XIII - As cláusulas previstas no art. 133.º do CP não funcionam automaticamente, por si e em si mesmas, não bastando para privilegiar o crime a verificação do elemento privilegiador, exigindo-se uma conexão com uma concreta situação de exigibilidade diminuída por eles determinada, por isso a lei é expressa ao exigir que o agente actue “dominado” por aqueles estados ou motivos.
XIV - A intervenção do STJ em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”.
XV - Considera-se adequada a pena de 12 anos de prisão, tendo em conta que:
- é elevadíssimo o grau de ilicitude do facto, atenta a gravidade das consequências da conduta do arguido;
- o grau de culpa é muito acentuado, com forte intensidade do dolo, na modalidade de directo, pela manifestação da vontade firme dirigida ao facto, como pela insistência revelada;
- o modo de execução, elemento agravativo a ter em conta nos termos do art. 71º, n.º 2, al. a), do CP, foi gravoso, com superioridade em razão da força física;
- ao tirar a vida à vítima, para além da perda da vida daquela, e exactamente em resultado dessa privação, o comportamento do arguido conduziu à produção de efeitos colaterais com intenso grau de lesividade de direitos de personalidade do filho daquela, que ficou privado de sua mãe, deixando-o na orfandade;
- nas condições pessoais teremos a considerar o trajecto de vida regressa do recorrente, que a avaliar pelo que ficou provado, denota ser um cidadão trabalhador, que procura aperfeiçoar-se, como se mostra pela frequência do curso profissional na área informática;
- são intensas as necessidades de prevenção geral, pois esta tem a função de acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial e que tem de ser eminentemente assegurada, sobrelevando, decisivamente, as restantes finalidades da punição, já que se trata de um crime gerador de grande alarme social e repúdio das pessoas em geral, face à enorme intranquilidade que gera no tecido social, sendo elevadas as exigências de reafirmação da norma violada;
- no que toca à prevenção especial avulta a personalidade do arguido na forma como actuou, o reduzido valor que atribui à vida humana, não se esgotando na mera prevenção da reincidência, sendo indiscutível que carece de socialização.

Decisão Texto Integral:

No processo comum com intervenção de tribunal colectivo, com o n.º 408/08.3PRLSB, da 5.ª Vara Criminal de Lisboa, foi submetido a julgamento o arguido AA, casado, técnico de emergência médica, nascido em 18-05-1972, natural de Queira, Vouzela, preso preventivamente á ordem dos autos de 28-04-2008 a 27-11-2008 (de 28 a 14-02-2009 cumpriu pena à ordem de outro processo) e actualmente e desde 15-09-2009, com obrigação de permanência em habitação com vigilância electrónica, na Av. da ..........., n.º .., ..........., Vouzela - fls. 857, 868, 942 e 949 in fine.

Realizado o primeiro julgamento, por acórdão do Colectivo da 5.ª Vara Criminal de Lisboa, datado de 2 de Dezembro de 2008, constante de fls. 440 a 450, foi o arguido condenado pela prática de um crime de homicídio, p. p. pelo artigo 131.º do Código Penal, na pena de 14 anos e 6 meses de prisão.

Desse acórdão foi interposto recurso pelo arguido para o tribunal da Relação de Lisboa (fls. 470 a 484), que por acórdão de 19 de Março de 2009, constante de fls. 537 a 548, por verificação do vício de contradição insanável da fundamentação, anulou a decisão recorrida e determinou o reenvio do processo para novo julgamento, para produção de prova suplementar relativamente à factualidade dada como assente no ponto 26.
Por acórdão da mesma Relação, de 30-04-2009, constante de fls. 602 a 604, a solicitação do recorrente, foi o anterior acórdão esclarecido e corrigido no sentido de que a repetição do julgamento deveria incidir sobre a totalidade do objecto do processo.

O arguido apresentou nova contestação, de fls. 736 a 739 (original de fls. 749 a 752), arrolando duas testemunhas e requerendo exame pericial.
Por despacho de fls. 742/3, não foi admitida a contestação. Admitida foi a prestação de depoimento de uma testemunha e indeferida quanto a outra, relativamente à qual era requerida a expedição de carta rogatória, sendo igualmente indeferida a realização da perícia psiquiátrica, do que o arguido foi notificado a fls. 747.

Realizado novo julgamento, por acórdão do Colectivo da 5.ª Vara Criminal de Lisboa, de 30 de Outubro de 2009, fazendo fls. 937 a 950, foi o arguido condenado pela prática de um crime de homicídio, p. p. pelo artigo 131.º do Código Penal, na pena de 10 anos de prisão.

O Ministério Público interpôs recurso, conforme fls. 972 a 977.
Novamente inconformado o arguido interpôs recurso, conforme fls. 979 a 1019.

Por acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Março de 2010, constante de fls. 1055 a 1100, foi negado provimento ao recurso do arguido e concedido provimento ao do Ministério Público, condenando-se o arguido pela prática de um crime de homicídio, p. p. pelo artigo 131.º do Código Penal, na pena de 12 anos de prisão.

De novo inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 1123 a 1131, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição, incluindo realces, anotando-se que do n.º 10 salta para n.º 14):
1. O douto acórdão recorrido, proferido pelo TRL encontra-se ferido de nulidade de omissão de pronúncia a que alude o art.° 379.° n.° 1 alínea c) do CPP. Desde logo, pelo facto de não conhecer de todo o conteúdo da motivação de recurso, omitindo tecer crítica construtiva sobre o teor específico das conclusões do recorrente "supra" enumeradas: 7.ª, 8.ª e 11.ª (Quanto à valoração da matéria de facto e concretas provas que importam decisão diversa da recorrida), 9.ª (Quanto às provas que deveriam ser renovadas com a exígua afirmação de que “a pretendida renovação da prova não tem, no caso, cabimento”, 12,ª 13.ª, 14.ª 15.ª 16.ª (Quanto à insuficiência do exame crítico da prova), qualificação jurídica que deveria ter sido a do art.° 133.° do CP. homicídio privilegiado - (Conclusões 20.°,21,22,23,24,25° da motivação do recorrente).
2. E não tendo os ilustres subscritores do recorrido acórdão procedido à audição da gravação da prova (já que à mesma nunca se faz específica referência ou alusão), parecendo assim resignar-se com as transcrições -parciais - da mesma apresentadas na motivação, não compreende como ainda assim se não mantém todo o decidido, optando-se por em escassas 12 linhas (fls. 45 – 1.º parágrafo) se agravar em dois anos a pena aplicada ao recorrente pela instância.
3. Não se debruçando, em concreto, sobre a crítica do recorrente acerca da falta ou insuficiência do exame crítico da prova no acórdão proferido pela 5.ª Vara Criminal de Lisboa, o acórdão ora sob censura limita-se a fazer citações genéricas da lei processual penal e de alguma jurisprudência, não se reportando, “in concreto” a qualquer apreciação da matéria de facto concreta, suscitada em tempo pelo recorrente, a qual é omissa na decisão ora sob censura.
4. O acórdão recorrido quedou-se num “minus” argumentativo na reapreciação (que não logrou fazer) da matéria de facto impugnada pelo recorrente, - nas descritas conclusões "supra" enunciadas, nem sequer - como se deve intuir - tendo procedido à audição de parte da gravação (ao menos dos depoimentos transcritos pelo recorrente em sua defesa), os quais imporiam diferente decisão de facto e de direito.
5. Sendo por tal razão nulo o douto acórdão recorrido, nulidade que lhe advém do disposto no art.° 379.° n.°l alínea c) do Código do Processo Penal. Nulidade esta que se requer seja declarada por este Alto Tribunal, com todas as consequências processuais a que alude o art.° 122.° do CPP. Sem, conceder,
6.° A concreta pena de 12 anos de prisão em que foi condenado o recorrente mostra-se excessiva e imerecida, tendo em conta todo o circunstancialismo que rodeou a acção. Quer em si mesmo considerada, quer por comparação com outras penas aplicadas em casos semelhantes, a actuação do arguido, prisioneiro dos seus ciúmes e actuando nitidamente em desespero, imporia diferente (por mais benévola) qualificação; precisamente a do art.° 133.° do Código Penal.
7. Na verdade, o arrependimento logo manifestado, a entrega voluntária às autoridades, o desespero, a comprovada ligação amorosa que ligava o arguido à vítima, o estado desesperado em que o recorrente agiu, demonstram compreensível emoção violenta, a integrar na legal previsão do citado art.° 133.° do CP.
8. Toda a eventual actividade delitiva do recorrente, se pode considerar como integradora de um crime de homicídio privilegiado, actuando o arguido num estado de excitação/exaltação de molde a obscurecer-lhe a inteligência e a arrebatar-lhe a vontade, actuando visivelmente transtornado, numa situação de acting-out, geradora de um stress muito elevado em que falham os processos de controle de impulso.
9. - O que, de certa forma, sem esquecer a primariedade do arguido, mas por ter como efeito a mitigação do dolo, que se pode admitir seja directo (art.° 14.° do CP), apontaria para punição no âmbito do art.° 133.° do CP, devendo o recorrente ser afinal condenado na pena de CINCO ANOS de prisão, eventualmente suspensa na sua execução (dada a existência dos requisitos contidos no art.° 50.° do CP).
10.° - Ao elevar (para mais com pobre e exígua justificação, (com o devido e merecido respeito) a pena de prisão em mais 2 anos (em escassas 12 linhas a fls. 45) o douto e recorrido acórdão violou, por erro interpretativo, o disposto no art.° 40.° n.° 2 e 71. n.° 1 e 2 ° do Código Penal e ainda o disposto no art.° 131.° do Código Penal.
14.° - Termos em que, mesmo admitindo, numa perspectiva mais gravosa pra o recorrente, — mas ainda e sempre sem conceder - a necessidade de castigo no âmbito do mesmo art.° 131.° do CP - o recorrente não deveria ser condenado, em pena superior a Oito anos de prisão.
No provimento do recurso, pede decisão como peticionado.

O Ministério Público junto da Relação de Lisboa respondeu consoante fls. 1140/2, apresentando as seguintes conclusões:
1ª - A factualidade provada - integra o crime de homicídio, p. p. pelo art° 131° do CP.;
2ª - A pena imposta - 14 anos de prisão - por justa e equilibrada deve ser mantida.
Defende a improcedência do recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 1143.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, a fls. 1149 a 1153, emitiu douto parecer, concluindo:
a. O acórdão recorrido conheceu de todas as questões suscitadas pelo recorrente e das que devia conhecer oficiosamente, improcedendo totalmente a invocada omissão de pronúncia.
b. A qualificação jurídica da matéria de facto assente não merece o mínimo reparo, integrando a conduta do arguido a prática de um crime de homicídio, p. e p. no artigo 131º do C. Penal.
c. A pena aplicada mostra-se justa, adequada e proporcional à culpabilidade do arguido e às elevadíssimas exigências de prevenção que no caso se fazem sentir, sendo de todo descabida qualquer intervenção correctiva do Supremo Tribunal de Justiça
d. Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso.

Cumprido o artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente silenciou.

Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no DR, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ 450, 72), que fixou jurisprudência então obrigatória (É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito) e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.


Questões a decidir

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, são as seguintes as questões a debater e decidir:

I - Nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia - conclusões 1.ª a 5.ª;
II - Alteração da qualificação jurídico-criminal da conduta do recorrente - Convolação para homicídio privilegiado – conclusões 6.ª a 9.ª;
III - Medida da pena - Redução da pena – com fixação em 8 anos de prisão - para a hipótese de manutenção de condenação pelo crime base - conclusões 10.ª e 14.ª (como se referiu, a numeração das conclusões salta de 10 para 14).


Factos provados
Vem assente a seguinte facticidade:
1. O arguido AA mantinha com BB uma relação amorosa desde o Verão de 2006.
2. Durante o ano de 2007, o arguido e a BB viveram juntos uns meses, até que o arguido foi para a Alemanha, encontrando-se esporadicamente quando aquele vinha a Portugal.
3. No dia 24 de Abril de 2008, o arguido viajou da Alemanha até Lisboa.
4. Quando chegou, por volta das 20 horas, falou com BB e disse-lhe onde estava e que iria ter com ela a sua casa.
5. Como a BB não queria que o arguido fosse a sua casa ficaram de se encontrar na zona do Saldanha, não tendo a BB aparecido.
6. No dia 25 de Abril de 2008, o arguido conseguiu falar com a BB tendo-se encontrado com ela por volta das 14 horas no Saldanha, onde almoçaram.
7. De seguida, foram a pé até à “Pensão Marisela”, sita na Rua ........., nº. ..., em Lisboa, onde o arguido se encontrava hospedado.
8. Lá chegados, a BB recebeu uma chamada de um homem.
9. O arguido perguntou então à BB o que se passava, tendo esta respondido que quando estava sózinha arranjava outros homens e que ele não tinha nada a ver com isso.
10. Perante tal resposta, o arguido agarrou-a pelo pescoço e atirou-a para cima da cama.
11. Com o impacto caíram para o chão, entre a cama e a janela, continuando sempre o arguido posicionado em cima da vítima a apertar-lhe o pescoço.
12. O arguido só a largou quando a BB ficou com o rosto arroxeado.
13. Nessa altura, tentou sentir-lhe o pulso e colocou-a em cima da cama.
14. Ainda tentou reanimar a BB, mas sem êxito, tendo de seguida abandonado o local levando consigo apenas a carteira, o seu telemóvel e o telemóvel que havia dado à vítima, vindo a apresentar-se voluntariamente nas instalações da PJ de Faro, em 29.04.2008, onde assumiu os factos.
15. Como consequência da conduta do arguido, a vítima BB sofreu as seguintes lesões no hábito externo:
 Conjuntivas congestionadas com hemorragias petéquias;
 Procidência da língua;
 Equimose roxa no lábio superior, à direita da linha média e no lábio inferior;
 Equimose roxa no pescoço, na face anterior do terço médio, à direita da linha média, com 4 cm x 3 cm;
 Hemorragias petequiais na face anterior dos ombros.
16. No hábito interno a vítima sofreu as seguintes lesões:
 Infiltração sanguínea em todo o tecido celular subcutâneo e muscular da face posterior do pescoço e das regiões supra escapular, inter-escapular e escapular esquerda;
 Infiltração sanguínea no tecido celular subcutâneo e muscular das faces anterior e laterais do pescoço e da região infra-clavicular direita, mais extensas à direita da linha média;
 Infiltração sanguínea nas regiões mentoniana e mandibulares;
 Infiltração sanguínea no couro cabeludo e aponevrose epicraniana nas regiões frontal direita, temporo-parietal direita e temporo-occipital esquerda;
 Infiltração sanguínea no músculo temporal direito;
 Luxação occipito-atloideia;
 Equimoses ósseas nos rochedos e tecto da órbita esquerda;
 Hemorragia leptomeníngea nos lobos parietais e occipitais;
 Edema do encéfalo;
 Infiltração sanguínea no borde esquerdo da língua;
 Luxação do osso hióide, ao nível do corpo com infiltração sanguínea perifocal;
 Fractura da laringe com equimose roxa perifocal;
 Focos de aspiração de sangue nos pulmões;
 Congestão pulmonar bilateral marcada;
 Equimoses roxas no colo do útero.
17. A morte de BB foi devida às graves lesões traumáticas do pescoço resultantes de traumatismo violento de natureza contundente.
18. Ao actuar da forma descrita, o arguido procedeu com o propósito de tirar a vida a BB, o que conseguiu.
19. Sabia o arguido que ao apertar o pescoço da vítima e com a força com que o fez, poderia provocar lesões traumáticas fatais adequadas a causar a morte, o que veio a suceder, resultado que o arguido quis e previu e alcançou como consequência do seu comportamento.
20. O arguido agiu livre e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei.
Mais se apurou que:
- O arguido, de 37 anos de idade, é casado e tem como habilitações o 9º ano de escolaridade, tendo tirado na Alemanha um curso profissional na área da informática que dá equivalência ao 12º ano de escolaridade.
Em 13/03/92, o arguido concluiu, com 11 valores, o curso do INEM de Técnicas de Emergência Médica a Tripulantes de Ambulância de Socorro.
À data dos factos, o arguido trabalhava na Alemanha na manutenção e montagem de sistemas informáticos, auferindo o vencimento líquido mensal de € 1 500.
Naquele país, o arguido vivia sózinho.
Tem dois filhos nascidos do casamento com 17 e 9 anos de idade e um filho nascido de uma relação extraconjugal, com 12 anos de idade, os quais estão a viver com as respectivas mães.
O arguido esteve internado no Hospital de Santa Maria entre 10/02/2005 e 18/02/2005 com o seguinte diagnóstico: trombose venosa cerebral, hipertensão arterial, dislipidémia e perturbação da ansiedade.
O AVC que o arguido sofreu, aparentemente sem sequelas, obriga-o a fazer medicação.
O arguido regista as seguintes condenações:
a) - por sentença proferida em 1/03/2004, no processo comum singular nº. 394/00.8 TAVVD do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, foi condenado pela prática, em 2/12/99, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 5;
b) - por sentença proferida em 26/06/2007, no processo comum singular nº. 139/04.3 GGLSB do 1º Juízo Criminal de Loures, foi condenado pela prática, em 15/08/2003, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 5, o que perfaz a quantia total de € 600.
O arguido esteve preso preventivamente à ordem dos presentes autos desde 29/04/2008 até 27/11/2008, tendo nesta data sido desligado deste processo e colocado à ordem do processo nº. 139/04.3 GGLSB do 1º Juízo Criminal de Loures até 14/02/2009, para cumprir 80 dias de prisão subsidiária, data esta a partir da qual passou a estar novamente preso preventivamente à ordem destes autos
Em 15/09/2009, o arguido que passou a estar sujeito à medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, vivendo actualmente em casa da mãe e do padrasto.
No Estabelecimento Prisional, o arguido manteve um bom comportamento.
À data dos factos, a vítima BB tinha 22 anos e foi mãe com 19 anos, em 15 de Março de 2005.”
Factos declarados não provados:
“Nenhum outro facto se provou com interesse para a boa decisão da causa, para além dos supra descritos, designadamente:
Da contestação:
- que tivesse havido uma troca de palavras com a falecida, no decurso das quais, a BB tivesse humilhado o arguido e acicatado os seus ciúmes;
- que tal facto tivesse motivado o descontrolo emocional do arguido, provocando-lhe um impulso momentâneo;
- que o arguido gostasse muito de BB e não tivesse intenção de lhe provocar a morte.
Quanto à restante matéria constante da contestação do arguido, a mesma não foi incluída nos factos provados e não provados por se tratar de matéria conclusiva ou de meras considerações sem qualquer carácter fáctico, ou ainda por se tratar de uma mera repetição da matéria já dada como provada ou não provada.
I Questão - Nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia

Nas conclusões 1.ª a 5.ª, o recorrente invoca a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia por, alegadamente, não se ter pronunciado acerca de uma série de questões todas relativas a matéria de facto.
Nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Tal normativo é correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, nos termos do n.º 4 do artigo 425.º do Código de Processo Penal, que estabelece: “É correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.º e 380.º, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o vencido, ou sem o necessário vencimento”.
Certo que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e mesmo que não o tenham sido, quando a lei impuser o conhecimento oficioso - artigo 660.º , n.º 2, do CPC.
A omissão de pronúncia significa ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias que a lei imponha que o juiz tome posição expressa.
Para averiguar da nulidade suscitada há que conhecer o recurso anterior sobre cujo objecto parcial, alegadamente, não terá recaído a emissão de pronúncia.
No recurso interposto para a Relação o recorrente sintetizou as suas pretensões ao longo de 30 conclusões, fazendo fls. 1006 a 1019 (a extensão das conclusões deve-se ao facto de, indevidamente, se inserir na conclusão 7.ª, ocupando mais de 6 folhas, trechos de passagens de gravação de depoimentos de testemunhas de defesa).
Aí invocou então o arguido:
- Sofrer o acórdão recorrido de “nulidade por excesso de pronúncia, cominada no artigo 379.°, n.º 1, alínea c), do CPP”, - conclusões 1.ª a 6.ª - o que tinha a ver com consideração ou não de uma segunda contestação – questão não colocada agora;
- Nulidade do acórdão recorrido por insuficiência do exame crítico da prova (artigo 379.°, n.º1, alínea a), por violação do artigo 374.º n.º 2, ambos do CPP”;
- Sofrer o acórdão recorrido de incorrecta valoração/interpretação da prova efectuada em audiência, com insuficiência para a decisão da matéria de facto, e os vícios (conclusão 15 “in fine”) “das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410.° do CPP, por violação do direito ao recurso, consagrado no art.° 32.° n.º 1 da CRP”;
- Ter sido incorrectamente julgada determinada matéria de facto
São estas as questões que se mostram concentradas na ora conclusão 1.ª.
Era sobre este quadro temático que deveria incidir a reapreciação da Relação, o que não teria feito segundo o recorrente.
Antes de avançarmos para a apreciação da posição assumida pela Relação, convirá colocar um ponto de ordem na discussão e relembrar que se a matéria de facto tem os contornos que tem e se a motivação desconhece qualquer referência a testemunhas de acusação, que até existiam, essa situação tem na sua génese uma posição processual assumida pelo arguido em pleno julgamento.
Em termos muito lineares poderá dizer-se que o recorrente pretende dar o dito por não dito.
É que o arguido não pode esquecer que confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados.
Vejamos a postura do arguido, incluindo até no julgamento anulado, para melhor se entender a situação e a disposição do arguido em assumir a sua conduta, o que fez das duas vezes.
No primeiro julgamento, que teve lugar em 25-11-2008, da acta de audiência e julgamento de fls. 428 a 432, consta que o arguido prestou declarações e que o Ministério Público, atendendo ao seu teor, declarou prescindir de toda a prova arrolada pela acusação, ao que se não opôs a então Defensora Oficiosa, passando-se à audição das testemunhas de defesa.
No segundo julgamento, em 13-10-2009, neste particular, as coisas não se processaram exactamente assim, mas apenas no aspecto formal.
Com efeito, o arguido já representado pelo Mandatário actual, como se colhe da acta de fls. 907 a 911, disse que “desejava prestar declarações”, que foram gravadas, após o que foi consignado: “Seguidamente o arguido confessou os factos que lhe são imputados”.
Mais consta que “Questionado sobre se o fazia de livre vontade e se se propunha fazer uma confissão integral e sem reservas, foi pelo mesmo respondido afirmativamente”.
De seguida, dado existirem algumas discrepâncias entre as declarações prestadas pelo arguido na audiência e as declarações prestadas à Juíza de instrução, o arguido foi, nos termos do artigo 357.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, confrontado com as mesmas, a fim de ser esclarecido o seu conteúdo.
Após as declarações do arguido o Ministério Público prescindiu das testemunhas de acusação, face à confissão integral e sem reservas do arguido.
Seguiu-se despacho deste teor «O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados. Fê-lo de livre vontade e fora de qualquer coacção. Assim sendo, e em face da posição assumida pelo Ministério Público e do disposto no artigo 344.º do Código de Processo Penal, dispensa-se a produção de prova testemunhal arrolada pela acusação» - fls. 910-1.
O julgamento prosseguiu na sessão seguinte com audição das testemunhas arroladas pela defesa – fls. 924/7.

O objecto do processo em discussão na audiência do segundo julgamento, como de resto aconteceu com o primeiro, era balizado pela acusação deduzida pelo Ministério Público e pelo que respeita à defesa com a contestação apresentada pela então defensora oficiosa do arguido, que assistira ao primeiro interrogatório e junta de fls. 289 e 290.
A dialéctica processual estabelecida no caso presente girava em torno do objecto do processo constituído por um lado pela tese da acusação, em que se imputava a prática de um homicídio simples com dolo directo, agindo o arguido com intenção de matar a BB; do outro lado, a posição da defesa expressa na contestação, partindo de uma negação da intenção de matar, mas com a subsequente achega de elementos fácticos potencialmente integradores de uma situação de compreensível emoção violenta e desespero, conducente à integração da conduta no crime de homicídio privilegiado.
Na verdade, a estrutura da contestação assentava na afirmação de o arguido não ter tido qualquer intenção de provocar a morte à BB – neste sentido o constante dos artigos 2.º, 5.º e 7.º, in fine – e por outro lado, no possível diverso enquadramento jurídico-criminal. Assim no artigo 4.º da contestação referia o defendente ter havido uma troca de palavras com a vítima, no decurso das quais, a BB o teria humilhado e acicatado os ciúmes, o que motivou o seu descontrolo emocional, provocando no arguido um impulso momentâneo, e no artigo 5.º aduzia-se que como consequência dessa emotividade, o arguido a agarrou pelo pescoço, mantendo-a nessa situação, e pedindo, a final da peça, no artigo 14.º, que fosse considerada a sua atitude como devida a um impulso emocional e irreflectido, sem dúvida censurável, mas de difícil explicação.
A posterior contestação apresentada já pelo ilustre Mandatário constituído não foi admitida enquanto tal, por despacho de fls. 742 (cfr. três primeiros parágrafos), pois o que foi anulado foi o julgamento e só este foi repetido, não tendo a anulação por efeito fazer reverter o processo a ponto anterior, pois o despacho designativo de dia para o julgamento a repetir era puramente instrumental, destinado exclusivamente a marcar essa data, sem ser despacho com as características do artigo 311.º do Código de Processo Penal. (O arguido no presente recurso deixou cair, e bem, a pretensão da relevância desta segunda contestação apresentada para o segundo julgamento).
O acórdão aclaratório produzido pelo Tribunal da Relação, de fls. 602 a 604, a pedido do arguido, especificou que a repetição do julgamento era da totalidade do objecto do processo e não apenas relativo ao identificado vício de contradição insanável então em causa.
Apenas sobrava, pois, o julgamento a efectuar, repetir, com o objecto que então tinha, sem qualquer modificação objectiva superveniente, balizado que estava o thema probandum pelas linhas delimitadoras da acusação e da existente, válida, subsistente e eficaz primitiva contestação.

Ao confessar como o fez o arguido aceita a tese da acusação, adere ao seu teor, largando mão da estratégia de defesa delineada e levada a julgamento, assumindo a intenção de matar, ideia matriz contida no libelo.
Far-se-á aqui um parêntesis para assinalar que a intenção de matar constitui matéria de facto, não sindicável nesta sede.
A determinação da intenção do agente é matéria de facto, encontrando-se por isso subtraída aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.
Neste sentido podem ver-se os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal: de 03-05-1991, BMJ n.º 407, pág. 130; de 05-05-1993, CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 220; de 21-04-1994, processo n.º 46310; de 30-05-1996, processo n.º 208/96, BMJ n.º 457, pág. 144; de 04-07-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 222; de 2-10-1996, processo n.º 46679-3.ª, in SASTJ, Outubro 1996, n.º 4, pág. 69; de 06-11-1996, processo n.º 724/96 – 3.ª; de 13-11-1996, processo n.º 48510-3.ª, SASTJ, Novembro 1996, n.º 5, pág. 70; de 18-12-1997, processo n.º 930/97-3.ª, BMJ n.º 472, pág. 185; de 21-01-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 201; de 26-06-2002, processo n.º 1868/02-3.ª; de 26-03-2003, processo n.º 511/03-3.ª; de 25-05-2006, processo n.º 1183/06-5.ª; de 02-11-2006, processo n.º 3841/06-5.ª; de 10-10-2007, processo 3315/07-3.ª; de 17-10-2007, processo n.º 3395/07-3.ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 220; de 17-01-2008, processo n.º 607/07-5.ª; de 03-04-2008, processo n.º 132/08-5.ª; de 12-06-2008, processo n.º1782/08-3.ª; de 16-10-2008, processo n.º 2851/08-5.ª; de 22-10-2008, processo n.º 3274/08-3.ª; de 12-03-2009, processo n.º 3781/08-3.ª e n.º 1769/07-3.ª; de 30-04-2009, processo n.º 58/05.6SULSB.S1-5.ª; de 14-05-2009, processos n.º 1182/06.3PAALM.S1-3.ª e n.º 221/08.8TCLSB.S1-3.ª; de 17-12-2009, processo n.º 187/08.4GISNT.L1.S1-5.ª.
E ainda podendo ver-se os acórdãos do STJ de 16-01-1990, processo n.º 40296; de 30-10-1991, processo n.º 42061; de 11-02-1993, processo n.º 43146; de 06-05-1993, processo n.º 43503; de 13-09-2006, processo n.º 1934/06-3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 678/08-3.ª; de 18-07-2008, processo n.º 102/08-5.ª.

Sendo a matéria de facto (incluída a intenção de matar), fixada a partir da confissão do arguido dirigida à tese da acusação, não se vê como depois se possa pretender impugnar a matéria de facto dada por provada, quando justamente o assentamento da facticidade se deveu a contributo decisivo do arguido (na medida em que com a sua postura foi prescindida a produção de prova arrolada pela acusação).
Como é óbvio, não seria “aceite” uma confissão de um homicídio privilegiado, quando é imputado o crime na forma básica…
Pretender agora discutir a matéria de facto quando se contribuiu para a sua fixação de forma livre, sem reservas e com a consequência de a acusação prescindir de produzir prova, constitui de certo modo um venire contra factum proprium, embora sem sintonizar necessariamente a atitude na figura prevista no artigo 334.º do Código Civil.
O declarado pelas testemunhas de defesa não poderia, face à confissão do autor material da conduta com os contornos constantes da peça acusatória, modificar a facticidade, pois no fundo era disso que se trataria, alterar o acervo que o próprio arguido aceitara, sem reservas, de forma integral, livre e espontânea, vindo terceiros moldar a facticidade em tons diversos, eventualmente integradores de uma emoção violenta ou de uma situação de desespero, que não constavam da acusação e de cuja invocação o arguido largara mão.
De resto sempre se perguntaria que exame crítico demanda a confissão.

Passando agora ao acórdão recorrido.

O acórdão recorrido, após definir em geral as matérias a tratar, de fls. 11 e 12 (fls.
1065/6 dos autos), aborda as concretas questões colocadas à sua reapreciação.
Assim, no ponto 3.2 emitindo pronúncia sobre a alegada insuficiência do exame crítico da prova fls. 20 a 24 (fls. 1074 a 1078 do processo).
Seguidamente, aborda a questão da alegada incorrecta valoração/interpretação da prova efectuada em audiência com insuficiência para a decisão da matéria de facto e os vícios das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º, por violação do direito ao recurso no ponto 3. 3, de fls. 24 a 29 (fls. 1078 a 1083), concluindo pela inexistência desses vícios, após o que aborda a questão da alegada incorrecção do julgamento de matéria de facto no ponto 3.4, de fls. 29 a 37 (fls. 1083 a 1091) e no ponto 3.4.1, afirma que a renovação da prova não tem cabimento - fls. 37 (fls.1091).
Ora, face a toda a exposição e fundamentação constante do texto dos lugares assinalados, não se vê como pode apodar-se o acórdão de nulo por não ter emitido pronúncia sobre as questões colocadas.
Improcede, assim, a arguida nulidade por omissão de pronúncia.


II Questão - Alteração da qualificação jurídico-criminal - Crime de homicídio privilegiado?

O recorrente defende a integração da sua conduta no tipo de homicídio privilegiado, previsto e punível pelo artigo 133.º do Código Penal - conclusões 6.ª a 9.ª – sustentando que (como resulta do texto da motivação, a fls. 1128/9), devido à comprovada existência de compreensível emoção violenta ou por ter agido mesmo em nítido desespero, por estar apaixonado pela BB, agindo dominado pelo ciúme, a cometer o acto tresloucado, sendo que no presente recurso deixa cair alguns argumentos usados no anterior, como a “quase tentativa de suicídio”, ou constituir a conduta um crime passional.
Dir-se-ia que sem grande convicção a questão é colocada no ponto II da motivação, que trata “Da diferente qualificação jurídica e da medida da pena”, fls. 1128 e 1129, onde se misturam e entrelaçam a abordagem ao tipo privilegiado e à medida da pena reduzida a aplicar pelo crime base, o que de uma forma mais enxuta ressalta da conclusão 6.ª.
Prevalece a referência à questão da pena, ficando para um segundo plano a questão da convolação, de tal modo que defende a fls. 1129, que “o recorrente deveria ter sido punido com pena de 5 anos de prisão, eventualmente suspensa na sua execução”, afirmação que de resto é levada à conclusão 9.ª, sendo de anotar que o arguido pede a condenação na pena máxima possível num quadro de homicídio privilegiado.
No anterior recurso para a Relação o recorrente abordara a questão de fls. 1000 a 1005, em sede de apreciação de direito, de forma mais firme e sustentada, alegando estar-se perante um crime passional, aludindo a uma tentativa de suicídio, o que se sintetizava nas conclusões 19.ª a 26.ª.
Em apoio de tal inserção subsuntiva invocava o recorrente, Amadeu Ferreira, in “Homicídio Privilegiado”, um acórdão da Relação de Coimbra, de 1987, e um outro da Relação de Lisboa, de 2007, bases de que prescindiu no presente recurso, pedindo então, como agora, igualmente que a pena fosse fixada no máximo cabível ao tipo privilegiado - 5 anos de prisão.
Cumprirá, pois, averiguar se um tal enquadramento jurídico-criminal in mellius é possível ancorar-se à luz do acervo fáctico apurado na primeira instância e confirmado na decisão ora recorrida.

Sobre esta questão o acórdão ora recorrido, no ponto 3.5, de fls. 37 a 40 (fls. 1091 a 1094 dos autos), começa por transcrever a fundamentação do acórdão da 1.ª instância do seguinte teor:
“Vem o arguido acusado da prática, em autoria material, de um crime de homicídio p. e p. pelo art. 131º do Cód. Penal.
Provado se mostra que o arguido quis tirar a vida a BB, tendo para o efeito apertado o pescoço da vítima, só a largando quando esta ficou com o rosto arroxeado, logrando assim alcançar o seu propósito, uma vez que as lesões que lhe provocou foram causa directa e necessária do falecimento daquela.

Não subsistem dúvidas que o arguido praticou um crime de homicídio.

Resta apenas apurar se tal crime se verificou na forma simples (tal como é imputado ao arguido na acusação) ou na forma privilegiada, conforme por ele defendido em sede de julgamento.

O homicídio privilegiado assenta, como refere o Prof. Figueiredo Dias (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Vol. I, pág. 47), numa cláusula de exigibilidade diminuída de comportamento diferente, concretizada em certos “estados de afecto”, vividos pelo agente, que diminuam sensivelmente a sua culpa.

Constituem esses elementos privilegiadores a compreensível emoção violenta, a compaixão, o desespero, ou o motivo de relevante valor social ou moral.

A compreensível emoção violenta é um estado de afecto provocado por uma situação pela qual o agente não é responsável, que condiciona as suas faculdades e capacidades, designadamente a sua capacidade de escolha e de determinação.

O agente, face a uma alteração do seu estado psicológico, resultante de um forte abalo emocional provocado por uma situação pela qual não pode ser censurado e à qual o homem médio não deixaria de ser sensível, conquanto mantenha a imputabilidade, vê limitada ou comprometida a capacidade de posicionamento ético e de controlo dos seus actos, sendo empurrado ou conduzido para o crime.

O que está na base do ilícito típico não é a provocação da vítima, mas sim a diminuição da culpa do agente.

A culpa só deverá ter-se por sensivelmente diminuída quando o agente, devido ao seu estado emocional, seja colocado numa situação de exigibilidade diminuída, ou seja, quando actue dominado por aquele estado (isto é, seja levado a matar), no sentido de que não lhe era exigível, suposta a sua fidelidade ao direito, que agisse de maneira diferente, que assumisse outro comportamento.

No caso “sub judice”, a factualidade apurada afasta a possibilidade de integração no elemento “compreensível emoção violenta”, uma vez que o estado de afecto vivido pelo arguido não resultou de uma “provocação” da vítima, já que assim não pode ser considerada a circunstância desta lhe ter dito, após o mesmo lhe ter perguntado o que se passava, que quando estava sózinha arranjava outros homens e que ele não tinha nada a ver com isso.

Os factos descritos poderão subsumir-se no elemento “desespero”, pois que configuram um “crime passional”, em que o agente mata o objecto da sua paixão por não poder conservá-lo só para si.

Contudo, a verificação do elemento privilegiador não basta para permitir a integração do crime no artº. 133º do C.Penal. “Os estados ou motivos assinalados pela lei não funcionam por si e em si mesmos (hoc sensu, automaticamente), mas só quando conexionados com uma concreta situação de exigibilidade diminuída por eles determinada; neste sentido é expressa a lei ao exigir que o agente actue “dominado” por aqueles estados ou motivos” (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Vol. I, pág. 48).

A ponderação desta situação deve ser realizada em função de um padrão de homem médio, colocado nas condições do agente, com as suas características, o seu grau de cultura e formação, sem perder de vista o agente em concreto; a partir da imagem do homem médio tenta-se apurar se, colocado perante o facto desencadeador da emoção, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar em que o agente se encontrava, se conseguiria ou não libertar da emoção violenta que dele se apoderou, sem esquecer que o que se pretende apurar não é se o homem médio também mataria a vítima ou se reagiria em termos idênticos (o que interessa averiguar é se a emoção é ou não compreensível), mas sim se o homem médio não deixaria de ser sensível àquela situação, sem se conseguir libertar da emoção, para se compreender se é menos exigível ao agente que não mate naquelas circunstâncias.

Doutra forma, poderia dar-se relevância atenuativa a reacções violentas desproporcionadas ou a condutas completamente reprováveis, com a justificação de serem desencadeadas por “estados de alma” fortemente emotivos.

No caso em análise, não se verifica em concreto uma situação de exigibilidade diminuída, de diminuição sensível da culpa, pois ao arguido era exigível comportamento diferente. O ciúme não pode constituir um elemento privilegiador do homicídio. A reacção violenta do arguido, ainda que eventualmente desencadeada por desespero, não pode receber a cobertura do artº. 133º do Cód. Penal, porque o arguido tinha o dever de autocontrolar as suas emoções.

A valorização do ciúme ou da desconfiança sobre a fidelidade da pessoa com quem se tem uma relação afectiva, como elemento mitigador da responsabilidade criminal, é absolutamente de rejeitar no ordenamento jurídico de um Estado de direito democrático, assente na dignidade da pessoa humana e no direito de todos ao livre desenvolvimento da sua personalidade (cfr. Ac. STJ de 3/10/2007, proc. nº. 07P2791 e de 1/03/2006, proc. nº. 05P3789, www.dgsi.pt/jstj.nsf).

Nesta conformidade, cometeu o arguido um crime de homicídio simples p. e p. pelo artº. 131º do C.Penal, cuja moldura penal é de 8 a 16 anos de prisão”.

E após esta transcrição, aporta o acórdão recorrido o seguinte contributo próprio:

“Ora, mostrando-se válidos os expendidos argumentos, e mantendo-se os factos dados por provados, o crime referenciado é consequência típica, normal e previsível da conduta do arguido, a quem foi imputado na forma descrita, tudo isto segundo as regras da experiência comum e as circunstâncias particulares do caso, o que sempre se pode aferir por um juízo de prognose póstuma.

Assim, em sede dos elementos objectivos e subjectivos do tipo, a mencionada previsão está preenchida, dando lugar à imputação, uma vez que a conduta do arguido, quanto ao crime que cometeu, era idónea a provocar os resultados previstos na descrição dos factos - não sendo, como se invoca (25.), “o crime praticado manifestamente um crime passional, a enquadrar no âmbito do art.º 131.° do Código Penal e punido com pena até 5 anos de prisão”.

Improcedem, pois, também neste segmento, os argumentos do arguido/recorrente”.



No aludido parecer diz o Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça:
«Insiste o recorrente, embora sem grande convicção, que actuou “prisioneiro dos seus ciúmes e nitidamente em desespero”, pelo que a sua conduta integra um crime de homicídio privilegiado, p. e p. no artigo 133º do C. Penal.
Como bem se desenvolve no acórdão recorrido, não lhe assiste, porém, qualquer razão.
O entendimento defendido mostra-se em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com a qual o ciúme não tem merecido uma atitude privilegiante da responsabilidade penal do agente.
A valorização do ciúme ou da desconfiança sobre a fidelidade da pessoa com quem se tem uma relação afectiva, como elemento mitigador da responsabilidade criminal, é absolutamente de rejeitar no ordenamento jurídico de um Estado de direito democrático, assente na dignidade da pessoa humana e no direito de todos ao livre desenvolvimento da sua personalidade – cf. a jurisprudência citada a fls. 1094.
Tal jurisprudência mostra-se inteiramente aplicável no caso em apreço, em que o arguido mostrou um claro desrespeito pela autonomia individual e de livre escolha do seu projecto pessoal, por parte da vítima, agindo como se esta fosse propriedade sua.
A forma de execução do crime é bem elucidativa de que está afastada a pretendida qualificação do homicídio como privilegiado, nos termos do artigo 133º do C. Penal, tendo o arguido cometido um crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131º do C. Penal».



Antes de avançarmos convirá fazer uma breve análise sobre o tipo legal de crime em questão (o que se fará, seguindo de perto o exposto no acórdão de 29 de Outubro de 2008, por nós relatado no processo n.º 1309/08, de Ponta Delgada), o qual tem sido objecto de variadíssimas decisões nos tribunais e como assinala Frederico de Lacerda da Costa Pinto, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, Fasc. 2, Abril-Junho 1998, pág. 287, o artigo 133.º é uma norma fundamental no contexto dos crimes de homicídio, não só pela sua importância prática, como também pelas relações dogmáticas que se podem estabelecer entre o preceito e as demais agressões típicas à vida.
E como bem refere João Curado Neves, O homicídio privilegiado na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, in RPCC, ano 11, Fasc. 2º, Abril- Junho 2001, pág. 175, o artigo 133.º conta-se entre as normas do Código Penal que mais têm evidenciado diferenças de orientação entre doutrina e jurisprudência em matéria de Direito Penal.

Estabelece o artigo 133.º do Código Penal, na versão actual, introduzida pela terceira alteração operada pela Lei n.º 48/95, de 15 de Março:
«Quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos».

Na versão originária do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23-09, estabelecia o mesmo artigo 133.º:
«Será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos quem for levado a matar outrem dominado por compreensível emoção violenta ou por compaixão, desespero ou outro motivo, de relevante valor social ou moral, que diminua sensivelmente a sua culpa».

Este preceito teve por fonte o artigo 139.º (Homicídio por provocação – Quem, dominado por compreensível emoção violenta e que diminua sensivelmente a sua culpa, é levado a matar outrem, será punido com prisão de seis meses a cinco anos) e o artigo 140.º (Homicídio privilegiado – Quem por compaixão, desespero ou outro motivo de relevante valor social ou moral, que diminua sensivelmente a sua culpa, é levado a matar outrem, será punido com prisão de um a cinco anos) do Anteprojecto do Professor Eduardo Correia, de 1965, tendo o legislador de 1982 procedido à sua fusão.

Anteriormente, a atenuação modificativa nos crimes dolosos de homicídio (com exclusão do parricídio) e de ofensas corporais funcionava através da figura da provocação - artigo 370.º do Código Penal de 1852/1886 - inspirado no artigo 321.º do “Code Penal” Francês.
Estabelecia o preceito: “Se o homicídio voluntário ou os ferimentos, ou espancamentos ou outra ofensa corporal, forem cometidos sem premeditação, sendo provocados por pancadas ou outras violências graves para com as pessoas, serão as penas atenuadas pela maneira seguinte:
1º - Se a pena do crime for a de prisão maior de vinte a vinte e quatro anos, ou qualquer pena fixa, será esta reduzida à de prisão de um a dois anos e multa correspondente;
2º - Qualquer pena temporária será reduzida à de seis meses a dois anos de prisão;
3º - A pena correccional será reduzida à de prisão de três dias a seis meses”.

Diferentemente do Código Penal Francês, o preceito condicionava a atenuante de provocação à ausência de premeditação por parte do provocado.
A provocação funcionava como atenuante modificativa, inerente à culpa, baseada num estado de ira, dor, excitação ou cólera, causado no agente por facto injusto de outrem, de modo a alterar as condições normais de determinação (artigos 370.º a 373.º), como circunstância atenuante geral (artigo 20.º, n.º 2, e mais tarde, artigo 39.º, 4.ª, com remissões nos artigos 374.º e 375.º) e como causa de justificação, circunstância derimente (artigo 372.º, § 1.º).


Sendo um crime atenuado, privilegiado, qual o fundamento da atenuação?


No domínio do Código Penal de 1852/1886, a doutrina e jurisprudência estavam de acordo em que o fundamento radicava na menor culpa do agente provocado; o agente que é provocado vê a culpa diminuída, pois é menor a sua capacidade de avaliação e determinação (Amadeu Ferreira, Homicídio privilegiado, pág. 28).
A atenuação da pena era assaz significativa, sendo evidente a grande redução de pena resultante da atenuante modificativa da provocação em relação aos limites “normais”.
Num Código onde imperavam “penas fixas” e “penas maiores”, onde pontificava a pena de prisão maior de 20 a 24 anos - artigo 55.º - a redução por força da atenuação modificativa reconduzia a penalidade a uma pena de prisão que teria como máximo a prisão até dois anos – artigo 370.º, 1.º e 2.º.

Está-se perante um especial caso de atenuação, de caso expressamente previsto na lei – artigo 72.º, n.º 1, do Código Penal - que conduz a uma redução da moldura penal de mais amplo espectro do que a resultante da modificativa nos termos do artigo 73.º do mesmo Código.

A interpenetração entre o crime privilegiado e a atenuação especial da pena é de tal modo significativa que se coloca, como assinala Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, tomo I, § 4, págs. 48 e 49, o problema de construção legislativa de saber se um preceito como o do artigo 133.º não será, total ou parcialmente (na sua maior parte) dispensável, face ao método usado pelo legislador em matéria de atenuação especial da pena, nomeadamente, face à circunstância de o legislador ter usado liberalmente de uma cláusula geral que conduz à atenuação especial sempre que existam circunstâncias que “diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente”, como o entendeu o Código Penal de Cabo Verde, que não consagrou qualquer preceito ao homicídio privilegiado, confiando em que tudo possa funcionar em termos de atenuação especial.
A autonomização justificar-se-á com a circunstância de a pena cominada no artigo 133.º não ter necessariamente de coincidir com aquela que o juiz encontraria em função dos critérios de atenuação especial contidos no artigo 73.º; e ainda no propósito do legislador de - dada a frequência com que os tribunais se confrontam com hipóteses de homicídio privilegiado - ter pretendido emprestar particular ênfase aos factores relevantes de privilegiamento.
Na verdade, a penalidade prevista para o homicídio privilegiado é de 1 a 5 anos de prisão; para o tipo matricial do artigo 131.º, é de 8 a 16 anos, e a que resultaria da aplicação das regras do artigo 73.º, n.º 1, alíneas a) e b) ao homicídio simples, ou seja, da atenuação especial, é de 1 ano, 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses, o que é significativo, pois que, comparativamente ao privilegiado, aqui não só o limite mínimo aumenta em mais de metade, como o máximo dobra, com sobras, o que cabe àquele.

O artigo 133.º comina uma redução substancial de pena relativamente ao tipo do artigo 131.º, encurtando-se de forma sensível, considerável, os limites da moldura abstracta cabível ao tipo do artigo 131.º, e mesmo nos limites mínimo e máximo da que resultaria da atenuação especial desta.
A moldura máxima do homicídio privilegiado - 5 anos - fica aquém em 3 anos do limite mínimo do homicídio simples – 8 anos - , hiato cuja existência é, segundo Teresa Serra, Homicídios em série, pág.144, nota 10, difícil de justificar, chegando Américo A. Taipa de Carvalho, in A Legítima Defesa, Coimbra Editora, 1995, pág. 355 a 359, notas 613 e 619, a defender, em função das situações que relevam a nível de culpa, a elevação do máximo do artigo 133.º para 8 anos, fazendo-o coincidir com o mínimo do tipo matricial (contra, Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, § 19, pág. 55 e Teresa Serra, no mesmo local, defendendo que a consagração de uma pena de 5 a 16 anos de prisão para o homicídio simples solucionaria melhor os problemas levantados por aquele Autor).

Algo de semelhante se passa com o caso paralelo da previsão, a partir de 1993, do novo tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, a que corresponde exactamente idêntica penalidade de prisão de 1 a 5 anos, quando por força da atenuação especial relativamente ao tipo base do artigo 21.º, seria de 9 meses e 18 dias a 8 anos de prisão, sendo esta, e por aqui se quedando, a proximidade entre os dois casos, pois que o fundamento da atenuação se situa em campos diversos - no tráfico, ao nível da diminuição da ilicitude; no homicídio, da menor culpa.

Diversamente do que ocorre com a enumeração dos exemplos padrão constantes do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, que enformam os casos de especial censurabilidade ou perversidade no homicídio qualificado, os quais são meramente exemplificativos, a enumeração feita no artigo 133.º não é exemplificativa, o que ressalta com clareza a partir da redacção conferida pela terceira alteração do Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrada em vigor em 1 de Outubro de 1995 (anteriormente a jurisprudência considerava-a exemplificativa – cfr. acórdãos do STJ, de 16-01-1990, processo n.º 38690, CJ 1990, tomo 1, pág. 11 e BMJ n.º 393, pág. 212; de 16-01-1990, processo n.º 40599, AJ, n.º 5 e mesmo BMJ n.º 393, pág. 278; de 23-05-1991, BMJ n.º 407, pág. 341 e de 05-02-1992, comentado in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6 (1996), Fasc. 1.º, pág. 119).
A este propósito assinala Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense …, §§ 6 e 12, págs. 49/50 e 53, “Não foi intenção do art. 133º (…) consagrar uma cláusula geral de menor exigibilidade no crime de homicídio; foi, pelo contrário, a de vincular uma tal cláusula à verificação de um dos pressupostos nele explicita e esgotantemente contidos. O que neles não caiba só pode ser (eventualmente) considerado através do instituto da atenuação especial da pena do homicídio simples previsto no art.131º” - cfr. no mesmo sentido, Teresa Quintela de Brito, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 926 e Fernando Silva, in Direito Penal Especial, Crimes contra as pessoas, Quid Juris, 2008, 2.ª edição (revista e actualizada de acordo com a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro), pág. 96, para quem a enumeração efectuada pela lei tem carácter taxativo.

Segundo Hans Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Edição Bosch, tradução de S. Mir Puig e F. Muñoz Conde, págs. 363/7, a modificação dos tipos tem lugar através de «variantes dependentes do tipo básico completamente reguladas, que constituem por sua vez tipos qualificados ou privilegiados», ou pelo recurso a «causas inominadas de agravação ou de atenuação da pena», que a lei designa como «casos especialmente graves» ou «casos menos graves», cuja natureza jurídica a doutrina alemã considera dominantemente como puras regras de determinação da moldura penal.
Com o argumento da moldura da pena, tomou a pena aplicável como círculo dentro do qual se estabelecem as variações próprias dos casos especialmente graves e dos casos menos graves, com formação de grupos valorativos especiais que correspondem a diversos graus de gravidade.
Valerá o tipo privilegiado ou atenuado para os casos menos graves e equivale aos casos de pouca importância do facto da lei italiana, sendo de assinalar a similitude e paralelismo com os pressupostos gerais da atenuação especial da pena, mas quedando-se aqui a “atenuação” em função do juízo de ilicitude, sem intervenção da culpa do agente e da necessidade de pena, presentes no artigo 72.º do Código Penal, pois o princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção (cfr. a este propósito Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 1990, págs. 13 e 14).
Como se referiu, o artigo 133.º do Código Penal possibilita a aplicação de uma pena cujos limites máximo e mínimo ficam aquém da que resultaria da aplicação à moldura penal do homicídio simples das regras de atenuação modificativa da pena do artigo 73.º do Código Penal.
A moldura atenuada emergente (prevista) deste tipo não é, pois, coincidente com a que resulta do Código Penal para a atenuação em geral e nessa medida será uma regra de determinação de pena, de medida judicial da pena (consagra uma pena mais leve) a que se refere Jescheck, na obra citada.
Trata-se de uma especial forma de atenuação para a qual aqui só se tem em consideração o plano da culpa, quando nos termos gerais é necessário estar-se perante diminuição acentuada, não só da culpa do agente, mas também da ilicitude do facto ou da necessidade da pena.
Como se expressou o acórdão do STJ, de 23-02-2000, processo n.º 1200/99-3.ª, SASTJ, n.º 38, pág. 75, «É na acentuada diminuição da ilicitude e/ou da culpa e/ou das exigências da prevenção que radica a autêntica ratio da atenuação especial da pena».
Para Augusto Silva Dias, in Crimes contra a vida e a integridade física, 2.ª edição, revista e actualizada, AAFDL, 2007, pág. 37, esta moldura mais benigna tem duas implicações. “À uma, a diminuição da culpa no homicídio privilegiado tem de ser mais acentuada do que no âmbito da atenuação especial do art. 72º. À outra, a mesma motivação compreensível não pode ser ponderada simultaneamente no quadro do homicídio privilegiado e no da atenuação especial devendo funcionar aqui a proibição de dupla valoração prevista no art. 72º, nº 3”. (Quanto a este último ponto, cfr. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense…, § 5, pág. 49).


NATUREZA DO CRIME

A compreensível emoção violenta; a compaixão; o desespero; ou um motivo de relevante valor social ou moral constituem cláusulas redutoras de culpa, ou cláusulas de privilegiamento, ou elementos privilegiadores, traduzindo estados de afecto vividos pelo agente, ou causas de atenuação especial da pena do homicídio (nesta última acepção, Teresa Quintela, ibidem, pág. 901).

A doutrina tem discutido a questão de saber se o crime em causa constituirá um tipo autónomo, uma variante dependente privilegiada, ou se se estará perante mera regra de determinação da pena.

Segundo Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense …, § 1, pág. 47, o artigo 133.º consagra hipóteses de homicídio privilegiado em função, em último termo, de uma cláusula de exigibilidade diminuída legalmente concretizada, advertindo o Autor que a diminuição sensível da culpa não pode ficar a dever-se nem a uma imputabilidade diminuída, nem a uma diminuída consciência do ilícito, mas unicamente a uma exigibilidade diminuída de comportamento diferente, tratando-se da verificação no agente de um estado de afecto, que podendo ligar-se a uma diminuição da imputabilidade ou da consciência do ilícito, independentemente de uma tal ligação, opera sobre a culpa ao nível da exigibilidade.
E no § 3, pág. 48, expende que “o efeito diminuidor da culpa ficar-se-á a dever ao reconhecimento de que, naquela situação (endógena e exógena), também o agente normalmente “fiel ao direito” (“conformado com a ordem jurídico penal”) teria sido sensível ao conflito espiritual que lhe foi criado e por ele afectado na sua decisão, no sentido de lhe ter sido estorvado o normal cumprimento das suas intenções”.

Maria Fernanda Palma, Direito Penal, Parte Especial, pág. 84, entende que, apesar de o artigo 133.º não constituir um tipo independente - mas uma simples atenuação especial típica em virtude da variação das circunstâncias do homicídio simples – estrutura-se como um tipo autónomo, na medida em que comporta um tipo objectivo e um tipo subjectivo.

José de Sousa e Brito em Homicídio Privilegiado – Parecer, 1984, págs. 40/41, opina: «O art. 133º é uma regra de medida da pena em função da culpa. Não é porém, uma mera regra de medida da pena, manifestando-se a autonomia da qualificação como crime distinto na eficácia exclusiva, não só do art. 131º, mas também do art. 132º».

Para Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 1990, pág. 40, “Tanto a qualificação no artigo 132º, como o privilegiamento no artigo 133º, ficam-se a dever a diferentes graduações da culpa, no primeiro caso no sentido de uma especial censurabilidade da atitude contrária ao direito actualizada no facto pelo agente, e, no segundo, no sentido da consideração da atitude do agente manifestada no facto como sensivelmente menos censurável. Ou seja, o fundamento de uma agravação ou de uma atenuação que altera uma moldura penal pode não ser um fundamento de ilicitude, mas apenas um fundamento de culpa”. Por outras palavras, um grau de culpa diferente pode constituir fundamento de uma moldura penal diferente.
A moldura penal do homicídio privilegiado funda-se ela própria numa atitude do agente sensivelmente menos censurável e que ultrapassa até os limites impostos pela atenuação especial prevista no (então) artigo 74º, nº 1, alínea a) – pág. 40.
Expende ainda a págs. 49: “o homicídio privilegiado constitui caso especial de homicídio doloso que o legislador decidiu punir com uma moldura penal diferente, mais leve”.
E a págs. 101/103, refere que os preceitos dos artigos 132º e 133º não contêm verdadeiros tipos de crimes, mas apenas regras modificativas da moldura penal do homicídio, relativas a grupos valorativos diferentes do grupo correspondente ao tipo fundamental do artigo 131º.
Entre essas regras não se verifica nenhum concurso aparente; «trata-se do “concurso” entre duas regras de medida da pena, com um regime distinto, nos termos do qual verificados os pressupostos do homicídio privilegiado, nunca poderá considerar-se existente uma especial censurabilidade ou perversidade do agente que fundamenta a aplicação da moldura penal do artigo 132º».

Para Teresa Serra, Homicídios em Série, Jornadas de Direito Criminal (1995/1996), edição do CEJ, 1998, volume II, págs. 159/160, com a redacção de 1995 ficou claro e delimitado um corpo de quatro cláusulas - a compreensível emoção violenta, a compaixão, o desespero e um motivo de relevante valor social ou moral – que, em caso de diminuírem sensivelmente a culpa do agente (condicionando-o de tal modo que em relação a ele se abrandam ou diminuem as exigências de um comportamento conforme ao direito), privilegiam o homicídio.

Segundo Maria Margarida Silva Pereira, Direito Penal II, Os Homicídios, AAFDL, 2008, pág. 43, os homicídios dolosos do actual Código Penal são tipos de ilicitude e de culpa. Ou seja: eles não contêm só, nem determinantemente, aspectos da figura de delito que respeitem à danosidade do comportamento. Contêm aspectos que retratam a atitude interna do autor, mais ou menos censurável.
Apreciando criticamente os “tipos de culpa” tal como o Código os concebe, expende, a págs. 50: O recurso a elementos de atitude interior cria dificuldades a uma separação nítida entre as categorias da ilicitude e da culpa, e não estimula a própria determinação do tipo, pois confere ao juiz uma margem larga de interferência na valoração do crime.

Amadeu Ferreira, Homicídio Privilegiado (Reflexões sobre a compreensibilidade da emoção violenta, à luz da jurisprudência posterior à entrada em vigor do Código Penal de 1982), Almedina, 1991, pág. 79, defende que face ao artigo 131.º «o art. 133º constitui uma variante dependente privilegiada. Em relação ao tipo fundamental, o crime do art. 133º acrescenta vários elementos privilegiantes, base de uma nova moldura penal. Estrutura-se, porém, como um verdadeiro tipo, como um “crime autónomo e não mera regra de medida da pena”. Assim, verificados os seus elementos típicos, é excluída a aplicação dos restantes artigos que prevêem crimes de homicídio».
No texto incluído em Os Homicídios (2008), de Margarida Silva Pereira, a págs. 113, pondera o mesmo Autor: “O art. 133º é construído com base em três conceitos-tipo de natureza emocional, embora de forma mais acentuada nuns casos que noutros – a emoção violenta; a compaixão e o desespero; e com base num conceito-tipo de natureza ético-social – um motivo de relevante valor social ou moral. Qualquer destes conceitos-tipo deve sempre ser entendido objectivamente, isto é, é matéria de facto que, ou não exige o recurso a valorações, ou então exige o recurso a valorações em boa medida extra-jurídicas”.
“O art. 133º assenta ainda em duas cláusulas de valoração. Uma delas é particular e refere-se apenas à emoção violenta, a compreensibilidade, e a outra é geral, a diminuição sensível da culpa do agente.
O tipo de culpa, além da conjugação daqueles conceitos com estas cláusulas, exige ainda a verificação de uma particular situação do agente que esteja dominado por qualquer uma das emoções referidas ou por um determinado motivo de relevante valor social ou moral”.

Para Augusto Silva Dias, Crimes contra a vida e a integridade física, 2.ª edição, revista e actualizada, AAFDL, 2007, pág. 37, o privilegiamento assenta num especial tipo de culpa: estados de afecto ou motivações socialmente atendíveis e não censuráveis que provoquem, em concreto, uma diminuição sensível da culpa do agente.

Na opinião de Frederico de Lacerda da Costa Pinto, em comentário ao acórdão da Relação de Évora de 04-02-1997, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, Fasc. 2º, Abril - Junho 1998, pág. 288, o artigo 133.º contém um tipo autónomo, estruturado sobre cláusulas autónomas de menor culpabilidade do agente e uma cláusula de natureza mista, igualmente autónoma, que assenta numa menor ilicitude do facto e uma menor culpabilidade do agente. As cláusulas da «emoção violenta compreensível», de «compaixão» e de «desespero» ganham o seu fundamento numa menor culpa do agente, correspondendo a situações de facto em que o agente se encontra numa situação de descontrolo emocional (emoção violenta), actua dominado por um sentimento de piedade para com a vítima (compaixão), que lhe inibe o normal controlo dos seus actos, ou numa situação de pressão psicológica (desespero) que lhe apresenta o crime como a única saída possível para a situação em que se encontra, assentando a última cláusula «motivo de relevante valor social ou moral», simultaneamente, numa menor ilicitude do facto e numa menor culpabilidade.
E a págs. 291, defende que o artigo 133.º prevalece face ao artigo 131.º não tanto por força da regra da especialidade das relações entre normas, mas sim porque o seu «tipo de culpa» impede a aplicação dos artigos 131.º e 132.º: as cláusulas de culpa diminuída são materialmente incompatíveis com a culpabilidade exigida implicitamente pelo art. 131.º e, positivamente, pelo art. 132.º, nº 1».

Teresa Quintela de Brito, em Homicídio Privilegiado: Algumas Notas, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 926, a propósito da natureza jurídica do artigo 133.º explicita: “Trata-se de um tipo de culpa autónomo e não de uma simples regra de medida da pena. Os elementos privilegiantes são verdadeiros elementos típicos, que tanto excluem a aplicação do art. 131º como do art. 132º. A lei descreve, explícita e esgotantemente, os casos de menor exigibilidade no homicídio”.
Relativamente ao fundamento do privilégio, a págs. 911, conclui que «exigindo a lei o domínio do agente pela emoção ou pelo motivo e, ainda, a sensível diminuição da culpa, o fundamento do privilégio é, em todos os casos, a menor exigibilidade de um comportamento conforme ao direito, e não a afectação da capacidade psicológica do agente» e que «a compreensível emoção violenta é, necessariamente, um estado emocional. O desespero ou a compaixão podem sê-lo ou não. De qualquer forma, em caso algum, o privilégio previsto no art. 133º se funda em tal estado emocional».

Fernando Silva, in Direito Penal Especial citado, conclui a fls. 118: “O privilegiamento tem como fundamento a diminuição da culpa, assente numa menor exigibilidade, que advém do estado emocional e psíquico de grande perturbação ou pressão que condiciona o discernimento do agente. Constituindo um tipo autónomo” .

Para Américo Taipa de Carvalho, loc. cit., pág. 359, nota 619, o tipo assume carácter misto, já que contém ao lado de situações que, de facto, devem relevar só ao nível da culpa, situações - que não especifica - que são relevantes não apenas no plano da culpa mas também no plano do ilícito.

Cristina Líbano Monteiro, em anotação ao supra referido acórdão do STJ de 05-02-1992, in RPCC, 1996, fasc. 1.º, pág. 125, refere que ao incriminar o homicídio, o legislador pensou nos diferentes «modelos» de culpa e construiu um tipo (ou ao menos uma moldura penal diferenciada) para cada um. Deste modo, as condutas concretas nascem logo, do ponto de vista da culpa, simples, agravadas ou privilegiadas.

A emoção violenta

De acordo com a Lexicoteca - Moderna Enciclopédia Universal, vol. 7, pág. 137, emoção significa um processo anímico mais ou menos transitório, mas intenso, provocado por uma situação inesperada a que o organismo responde com um estado afectivo agradável ou desagradável, distinguindo-se os sentimentos dos estados emocionais pela durabilidade ou persistência.
Na Nova Enciclopédia Larousse, vol. 2, pág. 683, emoção significa: Abalo moral ou afectivo; Perturbação, geralmente passageira, provocada por algum facto que afecta o nosso espírito (boa, ou má notícia, surpresa, perigo)
No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, pág. 1368, emoção relaciona-se com perturbação; agitação; e em Psicologia é reacção afectiva, em geral intensa e breve, ligada a ideias e estados de espírito complexos e à ruptura repentina das funções mentais e fisiológicas, que se manifesta por diversas perturbações.
Na descrição de Nelson Hungria, (Comentário ao Código Penal Brasileiro, págs. 123 e ss.) citado nos acórdãos do STJ de 28-09-1994, CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 206; de 11-11-1999, BMJ n.º 491, pág. 78; de 06-03-2003, processo n.º 4406/02 – 3.ª; de 07-06-2006, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 207 e de 12-06-2008, processo n.º 1782/08-3.ª, a emoção “é um estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação do sentimento; é uma forte e transitória perturbação da afectividade a que estão ligadas certas variações somáticas ou modificações particulares das funções da vida orgânica. É ela uma descarga nervosa subitânea que, pela sua breve duração, se alheia dos apelos superiores que coordenam a conduta e que, quando atinge o seu auge reduz quase totalmente a vis electiva em face dos motivos e a possibilidade de self control, originando como que a desintegração da personalidade psíquica”.
Na definição de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense …, § 7, pág. 50, compreensível emoção violenta é um forte estado de afecto emocional provocado por uma situação pela qual o agente não pode ser censurado e à qual também o homem normalmente “fiel ao direito” não deixaria de ser sensível.
Este Autor conecta a emoção violenta com a «figura paralela» da provocação denominada “suficiente”, que para o Prof. Eduardo Correia, in Direito Criminal, II, págs. 278 e ss. é aquela que atingiu “uma intensidade tal que, face a ela, seria razoavelmente de esperar que o provocado reagisse através de uma agressão”.
Para Amadeu Ferreira, obra citada, pág. 63, trata-se de um estado psicológico que não corresponde ao normal do agente, encontrando-se afectadas a sua vontade, a sua inteligência e diminuídas as suas resistências éticas, a sua capacidade para se conformar com a norma. Há uma “excitação de molde a obscurecer-lhe a inteligência e a arrebatar-lhe a vontade”, sendo situação que documenta um menor grau de culpa do agente, que se aproxima da incapacidade acidental (descrevendo-a como situação próxima de incapacidade acidental, veja-se o acórdão de 11-11-1999, BMJ n.º 491, pág. 78).
E a fls. 96, pondera: A emoção para ser relevante como cláusula privilegiante deve dominar o agente, significando que este perde o seu autodomínio, o controlo, ficando obnubilada ou cortada a sua relação com a realidade. Não é o agente que conduz o seu comportamento, mas “deixa-se levar”, arrastar, pela violência da emoção que o domina.
No referido texto editado em 2008, pág. 114, refere o mesmo Autor que a emoção violenta é matéria de facto, isto é, não deve ser objecto de valoração normativa. A compreensibilidade é uma cláusula que se refere apenas à emoção e tem natureza normativa, isto é, implica uma valoração jurídica, que incide sobre a emoção e não sobre o facto.
Augusto Silva Dias, loc. cit., pág. 38, defende que por «emoção violenta» deve entender-se um estado de exaltação, de arrebato súbito, de ira ou fúria que limita a capacidade de o agente se motivar concretamente pela proibição.
Explicita que este estado emocional não produz uma situação de semi-imputabilidade reconduzível ao artigo 20.º por não ter na sua génese uma anomalia psíquica. A perturbação em que a emoção violenta se traduz não só é transitória como não tem origem patológica. Se for essa a sua causa, o homicídio deixa de relevar no quadro do artigo 133.º e passa a ser analisado através de uma conjugação entre o homicídio simples e as regras do artigo 20.º.
Para Fernando Silva, loc. cit., pág. 97, uma emoção corresponde a uma alteração psicológica, uma perturbação em relação ao seu estado normal. Sendo violenta quando faz desencadear uma reacção agressiva no agente sendo necessário que essa emoção violenta domine o agente, ou seja, que determine a agir, e que seja apenas por força da sua influência que o agente actue.


Requisito da “Compreensibilidade” da emoção


No esforço de compreensão da emoção é imperativo o estabelecimento de uma relação entre o afecto e as suas causas ou motivos, pois, para se entender uma emoção tem de se entender as relações que lhe deram origem, tendo em atenção o sujeito que a sentiu e o contexto em que se verificou a atitude, em ordem a entender o estado de espírito, o «conflito espiritual», a situação psíquica que leva o agente ao crime.
Como assinala Figueiredo Dias, in Parecer na Colectânea de Jurisprudência 1987, tomo 4, pág. 55, o facto que origina a emoção não tem agora que radicar em qualquer provocação. Na visão do art. 133º - assente, não em juízos de ponderação ético-jurídicos dos valores conflituantes, mas sim na valoração da situação psíquica que leva o agente ao crime – o que interessa é «compreender» esse mesmo estado psíquico, no contexto em que se verificou, a fim de se poder simultaneamente «compreender» a personalidade do agente manifestada no facto criminoso e, assim, efectuar sobre a mesma o juízo de (des) valor que afinal constitui o juízo de culpa.
«A compreensibilidade da emoção é mais, assim, o estabelecer de uma relação não desvaliosa entre os factos que provocaram a emoção e essa mesma emoção. Se essa relação for estabelecida, a emoção é compreensível e provoca, portanto, uma diminuição da culpa do agente».
Subjacente a todo o preceito está um critério de menor exigibilidade relacionado com a “sensível diminuição da culpa”, a que acresce segundo Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense …, § 8, págs. 50/51, uma exigência adicional, exigindo-se da emoção violenta (e apenas desta, com exclusão da compaixão e desespero - § 11, pág. 52) que seja compreensível, restringindo o Autor a validade da exigência de compreensibilidade para os estados de afecto esténicos.
Para Teresa Serra, Homicídios em Série, págs.160 e 163, o preceito do artigo 133.º coloca à cláusula da emoção violenta maiores exigências do que em relação às restantes cláusulas, sofrendo uma dupla exigência que se configura como um duplo controlo: tem de ser compreensível (sendo que nem a compaixão, nem o desespero estão sujeitos à cláusula da compreensibilidade), e, ademais, tem de diminuir sensivelmente a culpa do agente. Um duplo controlo a realizar em sede de culpa.
Para esta Autora, ibidem, págs. 165/6, compreender significa «entender, perceber, alcançar com inteligência, conhecer a razão de, em suma, penetrar o sentido de alguma coisa. O que impõe o estabelecimento de uma relação entre a emoção violenta e aquilo que a precedeu e lhe deu causa, não com o objectivo de estabelecer uma qualquer relação de proporcionalidade, mas antes para conhecer a razão da emoção violenta: a emoção violenta só é compreensível em face das razões que lhe deram origem e do sujeito particular que as sofreu. O que significa que esta compreensibilidade não pode fugir ao princípio da razão».
Segundo Frederico Lacerda Costa Pinto, in RPCC citada, pág. 288, a exigência de «compreensibilidade» da emoção é um filtro normativo que apenas se aplica à primeira cláusula, a emoção violenta, e não às demais.
No mesmo sentido, Fernando Silva, loc. cit. , pág. 96, ao afirmar que a compreensibilidade é um requisito que apenas se coloca em relação à emoção violenta, e já não ao desespero ou à compaixão.
Para João Curado Neves, loc. cit., págs. 181/189, a compreensibilidade é só um dos filtros normativos apostos pela lei à emoção violenta. A parte final do artigo 133.º contém um requisito suplementar: que se verifique diminuição sensível da culpa.
Diversamente para Amadeu Ferreira, loc. cit., pág. 100, o artigo 133.º não faz qualquer restrição relativamente ao requisito da compreensibilidade, pelo que devem considerar-se aí incluídas as emoções esténicas (ira, cólera, irritação) e asténicas (medo, desespero), pois ambas têm virtualidade para possuir violência bastante capaz de dominar o agente e arrastá-lo ao crime (de igual forma, não aceitando esta limitação da emoção violenta aos estados de espírito esténicos, Sousa e Brito, Homicídio privilegiado. Parecer, pág. 63 e Teresa Quintela, loc. cit., pág. 919).
Para Teresa Quintela, loc. cit., págs. 912/3, a compreensibilidade - no sentido de plausibilidade – da emoção violenta, da compaixão, do desespero e do motivo de relevante valor social ou moral ainda não significa sensível diminuição da culpa. Esta depende de uma valoração das causas da emoção ou do motivo do autor, que não tem de ser necessariamente positiva. Basta que as razões da prática do homicídio sejam não reprováveis.
«No art. 133º, a exigibilidade diminuída depende da compreensibilidade do homicídio, duplamente aferida pela não reprovabilidade da razão ou das razões do mesmo e pelo quadro da situação de vida em que o agente - real ou supostamente – se encontrava. Tudo isto na óptica de um observador externo, embora sem nunca perder de vista a concreta pessoa que viveu tais razões e o contexto de vida em que ela estava».
Adverte a Autora, ibidem, a fls. 917, que “Apesar da violência e da compreensibilidade da emoção, pode manter-se intacta ou não sensivelmente diminuída a exigibilidade de outro comportamento, tendo em conta a reprovabilidade dos motivos do agente ou as capacidades, a força e a vontade que a Ordem Jurídica espera ou exige de um homem do tipo social do autor”
Para Augusto Silva Dias, loc. cit., pág. 39, a compreensibilidade significa que a emoção violenta terá de ser socialmente tolerável ou respeitável.

A compreensibilidade pode ser afastada se o estado de afecto for causado pelo próprio agente.
Assim, Teresa Quintela, loc. cit., pág. 918, esclarece que a emoção só será compreensível, caso a situação que a gerou não possa ser censurada ao agente por lhe ser imputável.
No acórdão do STJ de 21-02-1985, BMJ 344, 274, pode ler-se: Não pode considerar-se desculpável o estado emocional se ele tiver sido causado por uma situação criada pelo agente, através de um seu comportamento censurável.
Sempre será de excluir a compreensibilidade se o agente puder ser censurado pela situação geradora da emoção, na medida em que esta lhe é imputável – acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-03-2004, processo n.º 2716/03 – 5.ª; de 15-03-2007, processo n.º 160/07 – 5.ª e de 03-05-2007, processo n.º 1233/07 – 5.ª.

O nexo causal

Figueiredo Dias, no aludido Parecer de 1987, pág. 54, esclarecia que o privilegiamento do homicídio por emoção violenta analisa-se em 3 requisitos, a saber:
a) Que o arguido se encontre dominado por emoção violenta;
b) Que seja tal emoção a causadora do acto criminoso (a conexão entre a emoção e o crime e bem expressa pela expressão “é levado a matar”);
c) Que tal emoção seja compreensível.

Amadeu Ferreira, in Homicídio Privilegiado, pág. 97, afirma: “Exige-se uma relação de causalidade entre o crime e a emoção”, esclarecendo que essa relação de causalidade tem-se por verificada se o agente cometer o crime durante o estado emocional. Esse deve ser o elemento decisivo para levar o agente ao crime.
Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 13.ª edição, págs. 465, referia: “Deve existir, para que seja possível o enquadramento da conduta neste homicídio privilegiado, nexo de causalidade entre a emoção violenta, a compaixão e qualquer motivo, de relevante valor social ou moral e a prática do crime. O texto da lei – matar dominado por – não deixa margem par dúvidas. E isto está também implícito na própria razão teleológica do efeito atenuativo, como se sublinhou no seio da Comissão Revisora”.
Demarcando-se do acórdão da Relação de Évora de 04-02-1997, adianta que “existindo o nexo de causalidade e a sensível diminuição da culpa, este crime verifica-se mesmo nos casos em que o facto determinante da diminuição sensível da culpa não foi praticado pela vítima”.
Frederico Lacerda Costa Pinto, RPCC citada, a págs. 294 a 297, comentando tal acórdão, aduz que o que se acentuou no seio da Comissão Revisora em 1966 foi a importância da emoção violenta como causa do crime. Nunca se referiu que o causador da emoção violenta tinha de ser a vítima.
A referência feita no artigo 133.º na versão de 1995 ao «domínio da emoção» e, no texto de 1982, ao facto de o agente ser «levado a matar outrem» (expressão suprimida em 1995), pretende expressar a intensidade dos efeitos que a emoção tem sobre o agente e não qualquer relação de causalidade entre o causador da emoção e o acto homicida.
Américo Taipa de Carvalho, in A Legítima defesa, Coimbra Editora, 1995, págs. 465 a 468, insurge-se contra a exigência da relação de causalidade, preconizada por Maia Gonçalves e jurisprudência e as posições de Eduardo Correia no seio da Comissão Revisora.
Na jurisprudência, podem ver-se a propósito:
Acórdão de 20-04-1988, Colectânea de Jurisprudência 1998, tomo 2, pág. 28 – O tipo de homicídio privilegiado do artigo 133.º do C. Penal exige que o agente esteja dominado por compreensível emoção violenta. Para que se verifique a atenuação do artigo 133.º é indispensável que entre a emoção violenta e a prática do crime exista nexo de causalidade, isto é, a emoção há-de ser a causa determinante do crime.
Acórdão de 23-05-1991, BMJ n.º 407, pág. 341 - Deve existir, para que seja possível o enquadramento da conduta no homicídio privilegiado, nexo de causalidade entre a emoção violenta, a compaixão e qualquer outro motivo de relevante valor social ou moral e a prática do crime.
Nos acórdãos de 01-03-2006, processo n.º 3789/05 e de 29-03-2006 processo n.º 360/06, ambos da 3.ª secção, considera-se que se estabelece e exige uma relação de causalidade entre o crime e a emoção, a que Eduardo Correia, na Comissão Revisora do CP, a propósito da redacção dada ao artigo 139.º do Anteprojecto chamou de conexão entre a emoção e o crime.
Podem ver-se ainda os acórdãos do STJ, de 10-11-89, BMJ n.º 391, pág. 224 e de 16-01-1990, BMJ n.º 393, pág. 278.


A Jurisprudência
(acerca da cláusula da compreensível emoção violenta)


Refere João Curado Neves, RPCC, supra citada, pág. 176, que a doutrina tem entendido que o artigo 133.º pondo o acento no estado emocional do agente, veio representar um corte com a solução tradicional do direito português, consagrada nos artigos 370.º e seguintes do Código Penal de 1886, de associar o tratamento privilegiado do homicídio a um comportamento prévio da vítima que em grande medida chamasse a si a responsabilidade pelo facto; a jurisprudência, em contrapartida – afirma -, procurou desde o início da vigência do Código Penal de 1982 interpretar a nova lei à luz do disposto no direito anterior, entendendo que o privilegiamento do homicídio continua a ter como pressuposto essencial a provocação da vítima.
A págs. 184 entende, porém, apressado afirmar que se tenha querido abandonar totalmente o modelo da provocação, sendo claro em contrapartida que se pretendeu deixar de considerar apenas a gravidade em si da actuação prévia da vítima para dar mais atenção ao modo como foi sentida pelo agente.

Efectivamente no domínio do Código Penal de 1886, para a verificação da atenuante especial da provocação prevista no artigo 370.º, sempre se considerou indispensável que houvesse proporcionalidade entre o facto injusto e a reacção do provocado, ou seja, o crime praticado, de que se citarão, como exemplos, os acórdãos de 28-07-1954, BMJ n.º 44, pág. 145; de 30-04-1969, BMJ n.º 186, pág. 134; de 07-01-1981, BMJ n.º 303, pág. 127; de 07-03-1983, BMJ n.º 325, pág. 390 (não obstante a data versava-se no caso ainda o artigo 370.º, pois os factos haviam ocorrido em 15-04-1981).

Segundo a posição largamente dominante à época que se seguiu à entrada em vigor do Código Penal de 1982 e que se prolongou ao longo de vários anos, o requisito da adequada relação de proporcionalidade entre o facto injusto, a acção do provocador que desencadeia a emoção e a reacção do agente provocado, foi exigido como índice de compreensibilidade da emoção violenta.

Em sentido diverso, porém, nessa época inicial, afastando o modelo de provocação injusta e sem exigir proporcionalidade para que se verificasse o requisito da compreensibilidade, podem apontar-se alguns arestos, como desde logo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03 de Outubro de 1984, no processo n.º 37441, publicado no BMJ n.º 340, pág. 214, citado por Figueiredo Dias no Parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência 1987, tomo 4, pág. 54, afastando o enquadramento da conduta do réu, quer no artigo 370.º, n.º 1, do Código de 1886, quer no artigo 133.º do Código de 1982, não obstante ocorrer no caso então em reapreciação todo um conjunto de actos provocatórios antes praticados pelas vítimas contra o autor do homicídio.
Explicitava o acórdão que “no artigo 133º não se prevê nem regula especificamente a «provocação» como circunstância com influência bastante para a qualificação da conduta do agente como integradora do crime aí definido, sem prejuízo, no entanto, de a provocação poder ser, ela mesma, em determinadas circunstâncias, determinante do estado de «emoção violenta» aí exigido – esse sim o elemento típico – para a verificação de tal crime.
Com o que se quer significar que, sendo este o elemento típico do aludido crime – logo, o elemento que fundamenta e determina a medida da pena aí estabelecida -, tal estado emocional tanto pode resultar ou ser causado por provocação como por qualquer outro facto”.
Para além deste, podem citar-se ainda no mesmo sentido, com intervenção dos mesmos Exmos. Conselheiros, os acórdãos de 21-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 416 (uma das primeiras, senão a primeira, decisão sobre o artigo 133.º), de 30-11-1983, BMJ n.º 331, pág. 356 (Para o enquadramento de uma conduta no artigo 133.º exige-se não apenas um estado de emoção violenta, como ainda, e mais, que o agente, ao matar outrém, o faça dominado por tal estado e que este seja compreensível), um outro, igualmente de 03-10-1984, no processo n.º 37432, publicado no mesmo BMJ n.º 340, pág. 207, e de 21-02-1985, in BMJ n.º 344, pág. 274.
E ainda intervindo o Relator e um dos Adjuntos dos citados acórdãos, pode ver-se o acórdão de 30-05-1984, in BMJ n.º 337, pág. 235, afastando de igual forma, expressamente, o requisito da provocação, e finalmente, com intervenção dos dois referidos Adjuntos, pronunciou-se ainda no mesmo sentido, fora do quadro de exigência e sequer de referência a proporcionalidade, o acórdão de 19-12-1984, in BMJ n.º 342, pág. 237.

No sentido da posição dominante, isto é, de ser necessário verificar-se proporcionalidade entre a acção provocadora e a reacção, pronunciaram-se, inter altera, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de:
16-01-1985, BMJ n.º 343, pág. 189 - Havendo desproporção entre o facto injusto e a reacção do agente, a emoção violenta causada por aquele facto nunca pode ser compreensível.
A emoção violenta só é compreensível, isto é, natural ou aceitável, desde que exista uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto injusto provocador e o facto ilícito do provocado.
13-03-1985, BMJ n.º 345, pág. 239 - É necessário que se verifique proporção entre o facto injusto e o crime cometido; a emoção só é compreensível desde que exista uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto injusto do provocador e o facto ilícito do provocado.
05-02-1986, BMJ n.º 354, pág. 285 - A verificação do estado de compreensível emoção violenta, necessário para que a conduta do agente integre o crime privilegiado do artigo 133.º do Código Penal, implica a existência de uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto injusto do provocador e o facto ilícito do provocado.
18-06-1986, BMJ n.º 358, pág. 248 - A reacção tem de ser proporcionada pelo facto injusto; no caso de grave desproporção deixa de haver nexo causal.
06-01-1988, BMJ n.º 373, pág. 264 e Tribuna da Justiça, 38. º, pág. 24 – A emoção violenta de que fala o artigo 133.º do Código Penal só existe quando obscurece a inteligência, arrebata a vontade ou enfraquece a livre determinação. Tal emoção só é compreensível, isto é, natural, aceitável, quando existe uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto do ofendido e o facto criminoso do réu.
28-09-1994, CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 206 – Para que a emoção violenta seja fundamento de crime de homicídio privilegiado, é necessário que se verifique uma relação de proporcionalidade entre o facto injusto causador da emoção violenta e o facto ilícito provocado.
27-11-1996, BMJ n.º 461, pág. 226 - Este estado de espírito por parte do agente é compreensível se o comportamento alheio injusto que o pressiona é especialmente grave, alterando as normais condições de determinação do agente, e desde que gere por parte deste uma reacção proporcional àquele comportamento. A proporcionalidade exigida para se estar perante um crime de homicídio privilegiado não pode ter o mesmo grau que é de exigir para a verificação dos pressupostos da legítima defesa, nos termos dos artigos 32.º e 33.º; basta aqui uma certa proporção entre a conduta do agente e o factor determinante da emoção deste, traduzida na razoabilidade humana do seu descontrolo face à violência sobre ele exercida.
E vários outros acórdãos, de que se citam os seguintes: de 18-12-1985, BMJ n.º 352, pág. 220; de 26-11-1986, BMJ n.º 361, pág. 283; de 25-02-1987, Tribuna de Justiça, n.º 27, pág. 27; de 23-04-1987, BMJ n.º 366, pág. 305; de 08-03-1989, BMJ n.º 385, pág. 312; de 04-10-1989, BMJ n.º 390, pág. 113; de 04-10-1989, processo n.º 40164; de 10-11-1989, BMJ n.º 391, pág. 224; de 16-01-1990, processo n.º 38690-3.ª, in Actualidade Jurídica (AJ), n.º 5, CJ 1990, tomo 1, pág. 11 e BMJ n.º 393, pág. 212; de 16-01-1990, processo n.º 40599, AJ, n.º 5 e mesmo BMJ n.º 393, pág. 278; de 07-02-1990, processo n.º 40603, AJ, n.º 6; de 14-02-1990, processo n.º 40308, Actualidade Jurídica, n.º 6; de 17-10-1990, processo n.º 41100, AJ, n.º 12; de 31-10-1990, in Colectânea de Jurisprudência 1990, tomo 5, pág. 5, Actualidade Jurídica n.º 12 e BMJ n.º 400, pág. 366; de 06-02-1991, processo n.º 41384, AJ n.º s 15/16, pág. 6; de 20-06-1991, processo n.º 41564, AJ, n.º 20; de 11-12-1991, CJ 1991, tomo 5, pág. 19; de 13-01-1992, BMJ n.º 413, pág. 283; de 01-04-1993, BMJ n.º 426, pág. 165; de 23-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 304; de 21-10-1993, processo n.º 42887 – 3.ª; de 11-12-1996, BMJ n.º 462, pág. 207; de 11-06-1997, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 228.

E mais proximamente (e raramente):
Acórdão de 02-06-2004, no processo n.º 770/04 – 3.ª - em que se refere que a emoção violenta, pressuposto do homicídio privilegiado, implica um enfraquecimento da inteligência, da vontade e da livre determinação e que se verifique uma relação de proporcionalidade entre o facto injusto e o facto ilícito provocador.
Acórdão de 20-10-2004, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 189 – “Não basta a mera emoção violenta, é preciso que esta à luz das circunstâncias do caso concreto, se mostre aceitável, naturalmente justificada, pela subsistência de uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto injusto do provocador e o facto ilícito do provocado, exigência que se, no art. 370º, do CP de 1886, se justificava já na configuração da provocação dos crimes de homicídio e de ofensas corporais, e era defendida pela jurisprudência, ainda actualmente dessa adequação se não deve abstrair”.
E mais adiante: “Acentua-se ao nível da jurisprudência, com afirmação uniforme, que aquela emoção, aquele abalo psíquico, para serem compreensíveis, hão-de diminuir sensivelmente a culpa, numa avaliação conjunta e global da situação, em que é relevante, não podendo afastar-se, o factor - índice da proporcionalidade entre o facto que provoca tal emoção e o facto provocado».
Acórdão de 17-04-2008, no processo n.º 823/08-3.ª – invocando o supra citado acórdão de 16-01-1985.


Esta orientação jurisprudencial mereceu críticas da generalidade da doutrina, mesmo em datas muito recentes.
Assim, de Figueiredo Dias, em Comentário Conimbricense …, §§ 9 e 10, págs. 51/2, que considera tal exigência errada, uma vez que nunca pode existir “proporcionalidade”, em qualquer dos sentidos possíveis em que o princípio releva juridicamente, entre uma qualquer emoção e a morte dolosa de outra pessoa. Adianta que a análise dos casos jurisprudenciais mostra que não se trata no fundo da exigência de “proporcionalidade”, mas sim, como deve ser, de um mínimo de gravidade ou peso da emoção que estorva o cumprimento das intenções normais do agente e determinada por facto que lhe não é imputável, não se tratando de “provocação” da vítima, mas de diminuição da culpa do agente.
Já no citado Parecer de 1987, o mesmo Autor, reportando-se à provocação, expendia que a mesma, com um sentido mais ou menos análogo àquele com que era entendida no direito anterior, está ainda presente, como circunstância de atenuação da pena na alínea b) do n.º 2 do artigo 73.º do Código Penal, advertindo que “É, contudo, um sentido inteiramente diverso o que subjaz ao art. 133º. O legislador deslocou, de facto, o fundamento da atenuação para o estado emocional do agente (a compreensível emoção violenta) ou para a sua motivação, causa do seu comportamento (o desespero ou outro motivo de relevante valor social, que diminua sensivelmente a sua culpa)”.
No mesmo sentido, Fernanda Palma, in Direito Penal, Crimes contra as pessoas, pág. 81, afirmando que no novo Código o legislador nos casos de atenuação especial do homicídio, como o homicídio privilegiado, deslocou literalmente para o estado emocional do agente (a compreensível emoção violenta) ou para a sua motivação, o fundamento da atenuação.
Sousa e Brito, in Parecer, 1984, págs. 42/4, a propósito, refere: “O Código de 1982 seguiu uma orientação radicalmente diferente. Não se regula genericamente a provocação, mas cria-se um tipo de crime, o homicídio privilegiado (art. 133º), em que o fundamento da atenuação não é a provocação, mas um intenso estado emocional que tanto pode ser causado por provocação, como por qualquer outro facto, mesmo lícito”.
Teresa Serra, em Homicídios em Série, pág. 163, considera que a jurisprudência, ainda imbuída do espírito que presidia ao privilegiamento no antigo Código Penal, tende a reduzir esta cláusula aos casos de provocação, considerando que a emoção violenta é compreensível quando exista uma proporção entre a provocação e o homicídio praticado.
Para Amadeu Ferreira, Homicídio Privilegiado, fls. 119 a 124 e 146, a compreensibilidade não significa proporcionalidade entre o facto causador da emoção e o homicídio; a posição da jurisprudência ignora o “corte realizado” pelo legislador em relação ao “modelo da provocação injusta” do Código Penal anterior; não permite compreender claramente o fundamento de atenuação da pena no artigo 133.º e leva a um aplicação demasiado restritiva do preceito, contrária à sua letra, violando o princípio da legalidade, pois a interpretação restritiva do tipo privilegiado redunda num alargamento da punibilidade.
Este Autor, no trabalho incluído em 2008 na obra Os Homicídios, de Margarida Silva Pereira, a págs. 115, mantém essa crítica, mas há que ver que corresponde a aula dada em 1997.
No mesmo sentido, Frederico Lacerda Costa Pinto, RPCC citada, págs. 297/8, afastando a teoria da provocação injusta para interpretar o actual artigo 133.º, “já que à luz da actual redacção do preceito e do seu fundamento material o que se valora não é o facto, mas sim o estado emotivo do agente”.
Augusto Silva Dias, loc. cit., pág. 40, defende igualmente não ser correcta a concepção jurisprudencial dominante, porque a estrutura do privilegiamento no artigo 133.º é totalmente diferente do artigo 370.º do Código Penal de 1886.
“Ao colocar o acento tónico na compreensível emoção violenta, o novo Código Penal dá prevalência à relação entre a situação geradora da emoção violenta e a sua aptidão para provocar essa mesma emoção. Perde relevância a esta luz não só se a situação geradora da emoção se reconduz ou não à figura da provocação ilícita, mas também se há proporcionalidade entre essa situação e o homicídio, pois não se questiona se o homicídio é compreensível, mas apenas se o é a emoção violenta”.
Curado Neves, na citada RPCC, págs. 213 a 217, começando por afirmar que a exigência pelos tribunais de uma provocação que propicie o facto não é tão estranha ao funcionamento do artigo 133.º como a generalidade da doutrina parece entender, assinala que não é possível falar de proporcionalidade entre um homicídio e uma provocação, qualquer que esta seja. De qualquer modo, o que está em causa não é a gravidade da provocação, mas a da situação que cria e que leva à diminuição da exigibilidade.
No mesmo sentido se pronunciou Américo Taipa de Carvalho, A Legítima Defesa, 1995, pág. 465.
Fernando Silva, Direito Penal Especial, 2.ª edição, 2008, começando por referir que a jurisprudência do STJ tem recorrido ao critério da proporcionalidade entre o facto injusto do provocador e o facto ilícito do provocado – pág. 98 – e que o STJ tem mantido este critério, não obstante as críticas formuladas – pág. 99 – assinala o facto de, em acórdãos mais recentes, se assistir a uma tendência para se afastar de uma estrita orientação pelo critério da proporcionalidade, embora citando apenas o acórdão de 01-03-2006 – págs. 101/2.

Não obstante estas críticas da Doutrina, a verdade é que, para além dos acima mencionados (poucos) casos iniciais, apenas ressalvados por Figueiredo Dias (apenas o citado no parecer) e por Amadeu Ferreira (citando quatro, a págs. 120 da obra citada), o cenário mudou, pelo menos a partir dos finais da década de 90, parecendo-nos poder apontar-se o acórdão de 08 de Maio de 1997, publicado no BMJ n.º 467, pág. 287, como exemplo de transição, encarando a exigência de proporcionalidade apenas como uma das alternativas possíveis de análise, aí se defendendo que para que ocorra a emoção violenta a que se refere o artigo 133.º do Código Penal, tem o agente de actuar sob choque emocional, sendo esse estado compreensível, por existir proporcionalidade entre o facto injusto que o desencadeou e o facto ilícito do agente, ou, citando o «Parecer» de Figueiredo Dias, “uma relação não desvaliosa entre os factos que provocaram a emoção e essa mesma emoção”.

Tendo em conta o enquadramento doutrinário supra exposto, sem recurso ao critério de proporcionalidade, podem citar-se como exemplos os seguintes acórdãos do STJ:
Acórdão de 24-11-1998, BMJ n.º 481, pág. 350 - Embora seja de reconhecer que o arguido actuou dominado por emoção violenta e desespero, nem aquele nem este sentimentos, face ao quadro factual provado, se apresentam como compreensíveis.
A lei, ao exigir para o homicídio privilegiado que o agente actue dominado por compreensível emoção violenta, faz depender o privilegiamento de a actuação do agente se apresentar como reacção aceitável motivada por um estímulo susceptível de, em consequência de natural obscurecimento da inteligência e de enfraquecimento da vontade de um homem médio, impeli-lo a agir contra a vida da vítima.
In casu, a situação determinante do estado de emoção violenta e de desespero do arguido arrastava-se há um período de tempo suficientemente longo para o arguido poder e dever reflectir nos seus propósitos e consequências, não se tendo provado a superveniência de outro motivo que no momento o impedisse dessa reflexão e inelutavelmente o impelisse para a actuação apurada.
Acórdão de 20-05-1999, processo n.º 273/99 – Acolhendo a subsunção no tipo do artigo 133º, esclarece “Ao contrário do que pretendem os recorrentes, não se pode pôr a compreensibilidade da emoção no mero campo da proporcionalidade entre o facto injusto e o facto ilícito, pois nunca entre ambos existe proporção.
O que a jurisprudência citada pelos recorrentes pretende explicar, com recurso à proporcionalidade entre aqueles factores, não é mais do que o prolongamento da justificação para a atenuação especial anteriormente prevista em caso de provocação, referida no CP de 82 (sic), mas que não foi aceite nos mesmos termos para o caso de homicídio privilegiado no actual CP”.
Acórdão de 11-11-1999, BMJ n.º 491, pág. 78 – A razão de ser do homicídio privilegiado arranca da ideia de que determinados motivos que impelem à perpetração do crime podem induzir um juízo de censura mais leve e uma pena menos severa. Na emoção violenta há que sublinhar a compreensibilidade referida à personalidade do agente manifestada no facto, em termos de se estabelecer uma relação não desvaliosa entre o facto que provocou a emoção e esta mesma emoção e de se concluir por um menor grau de culpa do agente.
Acórdão de 23-02-2000, BMJ n.º 494, pág. 131 – É o menor grau de culpa do agente que fundamenta o crime privilegiado através de factores privilegiantes. Existe uma exigibilidade diminuída de comportamento diferente.
A compreensível emoção violenta analisa-se num forte estado emocional, estando de alguma forma, no preenchimento valorativo, sujeita a um juízo de relação objectivo e subjectivo entre a emoção violenta e a situação que lhe deu causa, valorando-se essa relação como decorrente de um motivo intenso, face ao qual seria razoavelmente de esperar que o agente reagisse da forma como reagiu.
Acórdão de 29-03-2000, processo n.º 27/00-3.ª Secção – Para que se verifique a circunstância modificativa do artigo 133.º do Código Penal, não basta que o agente tenha agido dominado por emoção violenta, pois é ainda imprescindível que esta seja compreensível. Tal compreensibilidade, embora não exija uma adequada proporcionalidade entre o facto injusto (“provocação”) da vítima e o ilícito do agente “provocado”, pressupõe, sempre, uma relação entre a emoção violenta e as circunstâncias que a precederam e lhe deram causa, relação nem sempre demonstrável do ponto de vista objectivo mas que tem de se apresentar como não desvaliosa e com suficiente gravidade e intensidade para impedir ou limitar a expressão das intenções normais do agente, ou seja, estorvando o normal cumprimento dessas intenções, como pressuposto de redução de exigibilidade (trecho citado no acórdão de 03-05-2007, processo n.º 1233/07-5.ª).
Acórdão de 22-11-2001, processo n.º 2059/01-5.ª – É tipificável o crime de homicídio privilegiado quando, quem matar outra pessoa o faça “dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa – art. 133º do CP.
Se o homicídio privilegiado é um homicídio permissivo de um mais esbatido ou menos intenso juízo de censura ético-penal, isso fica a dever-se justamente à natureza dos motivos que levaram à sua comissão”.
Acórdão de 06-03-2003, processo n.º 4406/02-3.ª – A emoção poderá definir-se como um estado afectivo que produz momentânea e violenta perturbação ao psiquismo do agente com alterações somáticas e fenómenos neurovegetativos e motores, sendo necessário que a emoção seja violenta, forte, no sentido, e citando Heleno Fragoso, Lições de Direito Penal, 11.ª edição, 36, de «séria perturbação da afectividade, de modo a destruir a capacidade de reflexão e os freios inibitórios», sendo por isso «incompatível com o emprego de certos meios, que demonstram planejamento e fria premeditação», sendo indispensável ainda que seja compreensível, isto é, natural, entendível, justificável, não no sentido de proporcional como vem sufragando significativa jurisprudência, mas de logicamente explicável.

Como se extrai dos acórdãos de 26-09-2002, processo n.º 2360/02, de 03-11-2005, no processo n.º 2993/05 e de 17-01-2008, no processo n.º 607/07, todos da 5.ª Secção e do mesmo relator e de 18-03-2004, no processo n.º 2716/03-5.ª, e de 03-05-2007, processo n.º 1233/07-5.ª «Através do tipo legal de homicídio privilegiado, criou-se uma censura mais suave para o homicídio, em função dos motivos que determinaram a sua perpetração, uma vez que os motivos constituem, modernamente, um elemento valioso a ponderar, uma das pedras de toque do crime, uma vez que não há crime gratuito ou sem motivo, e é no motivo que reside, em parte importante, a significação da infracção.
Ao lado do perfil psicológico do arguido, o maior ou menor dolo, quantidade de dano ou de perigo de dano, não pode deixar de ser valorada a qualidade dos motivos que o impeliram a prática do crime, importando no recorte desse tipo, em primeiro lugar, que se mostre sensivelmente diminuída a culpa do agente, depois, que essa diminuição advenha de uma das quatro cláusulas de privilegiamento que o dominam».
Acórdão de 11-11-2004, no processo n.º 3182/04-5.ª - Se não está provado que o arguido tenha ficado dominado por fortíssima e compreensível emoção violenta que levou a uma profunda alteração do seu estado psicológico e consequente perda do seu auto domínio, matéria que releva da matéria de facto da competência exclusiva das instâncias , está afastada a ocorrência de homicídio privilegiado.
A provocação, como circunstância atenuativa da culpa, pode ocasionar a compreensível emoção violenta, mas não se completando os requisitos a que apela o artigo 133.º do CP, pode a provocação injusta actuar nos termos do artigo 72.º, n.º 2, alínea b) e conduzir à atenuação especial da pena.
Acórdão de 23-06-2005, processo n.º 1301/05 - 5.ª - As circunstâncias previstas no artigo 133º do Código Penal actuam ao nível da culpa, traduzindo-se numa menor exigibilidade, ou numa diminuição sensível da exigibilidade de outro comportamento.
Acórdão de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª - Afastando a configuração do homicídio privilegiado.
Acórdão de 07-07-2005, processo n.º 2314/05 - 5.ª – O quadro legal em causa tem algo de paralelo com a ideia de «provocação» de que se falava no direito anterior ao Código de 1982, exigindo-se ali, em regra, a suficiência da provocação, ou seja, que aquela atingisse uma intensidade tal que, face a ela, fosse, razoavelmente, de esperar que o provocado reagisse através de uma agressão.
Acórdão de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5.ª - A compreensível emoção violenta corresponde a um estado psicológico não normal do arguido, em que a sua vontade e a sua inteligência se mostram afectadas e, assim, diminuído o seu posicionamento ético, a sua capacidade para agir em conformidade com a norma, estado que deve ser compreensível no quadro de facto em que o mesmo agiu, o que conduz a uma reacção proporcional à ofensa sofrida e que torne compreensível a alteração das suas condições de determinação para o acto.
Acórdão de 5-03-2006, processo n.º 656/06 - 3.ª - A emoção violenta não corresponde a uma simples situação de ausência de serenidade, exigindo perturbação muito mais intensa.
Acórdãos de 01-03-2006, processo n.º 3789/05 - 3.ª e de 29-03-2006, processo n.º 360/06-3.ª, este in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225 - É de exigir uma relação de causalidade entre o crime e a emoção, a que Eduardo Correia, no seio da Comissão Revisora do Código Penal, a propósito da redacção dada ao artigo 139.º do Anteprojecto, chamou de conexão entre a emoção e o crime.
Essa conexão, conquanto não implique, em princípio, que a vítima seja pessoa estranha ao desencadeamento da emoção, consabido que o que está na base do ilícito típico não é a provocação da vítima, mas sim a diminuição da culpa do agente, impõe uma especial atenção e um especial cuidado no exame e análise do facto, tendo em vista a averiguação da ocorrência, em concreto, de uma diminuição sensível da culpa.
A culpa só deverá ter-se por sensivelmente diminuída quando o agente, devido ao seu estado emocional, seja colocado numa situação de exigibilidade diminuída, ou seja, quando actue dominado por aquele estado, isto é, seja levado a matar, no sentido de que não lhe era exigível, suposta a sua fidelidade ao direito, que agisse de maneira diferente, que assumisse outro comportamento.
Acórdão de 05-04-2006, processo n.º 2823/05 - 3.ª - Afastando a configuração de compreensível emoção violenta.
Acórdão de 31-05-2006, processo n.º 1298/06 - 3.ª - Versando caso em que na consideração do crime como privilegiado é valorada a imputabilidade diminuída do arguido.
Acórdão de 07-06-2006, processo n.º 1174/06 - 3.ª, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 207 - Versa emoção violenta, desespero e medo.
Acórdão de 14-06-2006, processo n.º 3797/05 - 3.ª – Confirma decisão da Relação que reconhece que a arguida agiu dominada por “situação de desespero e de beco sem saída”, engendrada numa relação pessoal assimétrica, em permanente e prolongada espiral de humilhação enquanto mulher, reconduzindo a conduta ao crime de homicídio privilegiado.
Acórdão de 13-09-2006, processo n.º 1801/06 - 3.ª - Afastando verificação de emoção violenta.
Acórdão de 25-10-2006, processo n.º 1286/06 - 3.ª - Seguindo a lição de Figueiredo Dias quanto a compreensibilidade da emoção, afirma, aqui acolhendo posição de Amadeu Ferreira, obra citada, pág. 64: A emoção não conduz a uma presunção de sensível diminuição da culpa do agente. A sua prova deve ser feita de acordo com o circunstancialismo concreto.
Acórdão de 26-10-2006, processo n.º 183/06 - 5.ª - A propósito da compreensível emoção violenta, refere, citando Eduardo Correia, Direito Criminal, II, pág. 278, nota 1: “Será, pois, uma situação paralela à da “provocação suficiente”: “na provocação, do que se trata é de um conjunto de disposições normais, que, em face do estímulo da provocação, levam à prática do facto criminoso. A não exigibilidade, neste sentido, tanto abrange a ausência de censurabilidade dos motivos, como dos pressupostos de uma livre determinação, traduzida na perturbação provocada por um acto que exclui a apreciação ou o controlo dos instintos ou afirmações normais da personalidade”.
Acórdão de 15-03-2007, processo n.º 160/07 - 5.ª - A “compreensível emoção violenta” é um forte estado de afecto emocional provocado por uma situação pela qual o agente não pode ser censurado e à qual o homem normalmente fiel ao direito não deixaria de ser sensível. Tudo dependerá de, numa avaliação conjunta e global da situação, o julgador concluir que a emoção violenta compreensível diminui sensivelmente a culpa do agente.
Tal significa que sempre será de excluir a compreensibilidade se o agente puder ser censurado pela situação geradora da emoção, na medida em que esta lhe é imputável (idem, neste segmento, nos acórdãos de 18-03-2004, processo n.º 2716/03 e de 03-05-2007, processo n.º 1233/07, igualmente da 5.ª Secção e do mesmo relator).
Acórdão de 24-05-2007, processo n.º 33/07 - 5.ª - Enquanto que a compreensível emoção violenta caracteriza-se como “um forte estado de afecto emocional provocado por uma situação pela qual o agente não pode ser censurado e à qual também o homem normalmente “fiel ao direito” não deixaria de ser sensível (…) o requisito da “compreensibilidade” da emoção … (aqui seguindo Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense …, pág. 50) representa ainda uma exigência adicional relativamente ao puro critério de menor exigibilidade subjacente a todo o preceito (idem, pág. 51) … a compreensibilidade assume ainda um qualquer cunho objectivo de “participação” do julgador nas conexões objectivas de sentido que moveram o agente.
Acórdão de 03-10-2007, processo n.º 2791/07 - 3.ª - A compreensível emoção violenta é um estado de afecto provocado por uma situação pela qual o agente não é responsável, sendo, de certo modo, a resposta a uma provocação e, nessa medida, ela pode diminuir de forma sensível a culpa do agente. Mas terá de ser compreensível, exigência adicional de pendor objectivo não extensível aos outros elementos privilegiadores.
A ponderação da diminuição sensível de culpa, da diminuição da exigibilidade de conduta diferente, é indispensável para subsunção dos factos ao artigo 133.º do Código Penal: só se o “estado de afecto” que determina o crime for de molde a atenuar sensivelmente a exigibilidade de conformidade com o direito, mitigando notavelmente a culpa, o homicídio pode ser privilegiado.
Acórdão de 12-06-2008, processo n.º 1782/08 - 3.ª – O fundamento do homicídio privilegiado é exclusivamente um menor grau de culpa, de censura, de reprovação ético-social.
A emoção que justifica a tipização do homicídio privilegiado não é uma qualquer emoção, não correspondendo a uma ausência temporária de serenidade, não se dispensando um quadro de perturbação muito intensa, autorizando o estabelecimento de um nexo causal adequado entre perturbação e a ofensa.


Aferição da compreensibilidade – critério.


Quanto à questão de saber como ajuizar o poder das razões que ocasionaram a emoção violenta, desenham-se na doutrina duas linhas, sendo uma que entende que este critério deve ser concretizado por referência à personalidade daquele agente que actua; outra que defende que a compreensibilidade há-de aferir-se, não em relação às particularidades concretas daquele agente, mas em relação a um homem médio com certas características que aquele agente detém.
Situando-se na primeira linha, Figueiredo Dias, no citado Parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência 1987, tomo 4, pág. 55, expende: “Na visão do art. 133º - assente na valoração da situação psíquica que leva o agente ao crime – o que interessa é «compreender» esse mesmo estado psíquico, no contexto em que se verificou, a fim de se poder simultaneamente «compreender» a personalidade do agente manifestada no facto criminoso e, assim, efectuar sobre a mesma o juízo de (des)valor que afinal constitui o juízo de culpa”.
Para Teresa Serra, Homicídios em série, págs. 166 e 168, a emoção violenta só é compreensível em face das razões que lhe deram origem e do sujeito particular que as sofreu, especificando que o critério para aferir da diminuição sensível da culpa provocada por uma emoção violenta deve ser concretizado por referência à personalidade do agente individual que actua.
Amadeu Ferreira, Homicídio Privilegiado, pág. 99, opina que a emoção só poderá ser correctamente avaliada se tomarmos como medida o próprio agente emocionado. É em relação a ele, e não em abstracto ou de acordo com qualquer homem médio, que deve poder dizer-se se a emoção é violenta e o domina. A emoção é um facto e não pode confundir-se a determinação da sua existência com a sua avaliação ou valoração normativa do ponto de vista da culpa do agente.
O mesmo Autor, no trabalho inserto em Os Homicídios (2008), de Margarida Silva Pereira, pág. 115, mantém a posição de que a cláusula de compreensibilidade deve ser concretizada com recurso ao critério do agente, considerando-a como a mais correcta.
Teresa Quintela, Liber Discipulorum …., pág. 916, pondera que a existência de uma emoção violenta dominadora perfila-se como matéria de facto e deve ser apurada por referência à concreta personalidade do agente.
Porém, por via da exigência de compreensibilidade da emoção violenta, a lei quer destrinçar a reacção emocional normal da patológica. Por isso, a compreensibilidade constitui uma questão de direito que não pode ser solucionada atendendo apenas à personalidade do agente em concreto. Caso contrário, inutilizar-se-ia esta exigência, já que, à luz da personalidade de cada agente em concreto, quase todas as emoções são compreensíveis ou racionalmente explicáveis. Daí que a compreensibilidade deva ser avaliada na perspectiva de um observador objectivo, correspondente ao tipo social do agente. Ou seja: por uma pessoa proveniente do mesmo meio social do autor, com uma educação e uma mentalidade análogas às dele, conhecedora de todas as circunstâncias do facto.
Augusto Silva Dias, Crimes contra a vida e a integridade física, pág. 41, para aferição da compreensibilidade da emoção defende o critério do tipo social, consistente em saber se a situação vivida é adequada a produzir uma emoção violenta numa pessoa do tipo social do agente, sendo o tipo social um modelo ou padrão reconstruído a partir das características sociais do agente: idade, grau de cultura, profissão, meio em que vive, formas ou níveis de participação social, etc., tratando-se de um mediador normativo particularmente idóneo para a individualização e por isso para resolver questões de culpa. Daí o afastamento do critério do padrão do homem médio ou do papel, que considera perder ligação com a pessoa do agente, ser excessivamente abstracto para a individualização e acabar por ditar a equivalência entre ilicitude e culpa.
Defendendo a avaliação em função de um padrão de homem médio (diligente, fiel ao direito, bom chefe de família), colocado nas condições do agente, com as suas características, o seu grau de cultura e formação, veja-se Fernando Silva, in Direito Penal Especial, pág. 103.

Na jurisprudência têm sido seguidos os dois critérios.
Nos acórdãos de 29-03-2000, processo n.º 27/00-3.ª, seguido de perto no de 03-05-2007, processo n.º 1233/07 – 5.ª; de 01-03-2006, processo n.º 3789/05-3.ª e de 29-03-2006, processo n.º 360/06-3.ª, estes seguidos pelo acórdão de 12-6-2008, no processo n.º 1782/08-3.ª, defende-se que a compreensibilidade e perceptibilidade deve ser aferida em função do padrão de um homem médio, colocado nas circunstâncias do agente, com as suas características, o seu grau de cultura e formação, intentando saber-se se esse, nesse exacto contexto, também reagiria assim, incapaz de se libertar dessa emoção, matando ele próprio.
Tal critério foi seguido também, mas reportado ao requisito da proporcionalidade, nos acórdãos de 19-04-1989, BMJ n.º 386, pág. 222 (a invocação de emoção violenta e proporcionada para enquadramento dos factos no tipo de homicídio privilegiado previsto no artigo 133.º do Código Penal, deve fazer-se na perspectiva do homem médio suposto pela ordem jurídica, sem haver que atender a reacções particulares ou ao temperamento do agente) e de 28-09-1994, CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 206; de 11-12-1996, BMJ n.º 462, pág. 207; de 11-06-1997, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 228.
No acórdão de 23-06-2005, processo n.º 1301/05 - 5.ª, defende-se que a menor exigibilidade tem de ser vista à luz do comportamento de um homem normal, respeitador das normas jurídicas, e não do particular ponto de vista do agente.
Já no acórdão de 03-10-2007, processo n.º 2791/07 – 3.ª, defende-se que a ponderação da diminuição sensível da culpa, da diminuição da exigibilidade de conduta diferente, terá de ser realizada à luz do que seria exigível a alguém colocado naquelas circunstâncias concretas.
Para o acórdão de 17-09-2009, processo n.º 434/09.5YFLSB-3.ª, o elemento de referência é um homem comum e fiel ao direito.

A cláusula do desespero

Para Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense …, pág. 52, o estado de afecto desespero corresponde, não tanto a situação objectiva de falta de esperança na obtenção de um resultado ou de uma finalidade, mas sobretudo a estados de afecto ligados à angústia, à depressão ou à revolta, não se tornando necessário que deva ter-se como compreensível.
Teresa Serra, Homicídios em Série, págs. 159/160, define desespero como estado emocional que tal como a compaixão afecta o discernimento normal do agente, em que em contraposição à emoção violenta, há uma acumulação de tensão que impele o autor a um beco sem saída ou a considerar-se num beco sem saída, actuando em conformidade com esse impulso. A situação de desespero implica estados emotivos de natureza passiva, interiorizada, reflexiva, com uma componente intelectual, não sujeita à cláusula da compreensibilidade, podendo reconduzir-se ao desespero os casos de homicídio de humilhação prolongada.
João Curado Neves, in RPCC 2001 citada, pág. 186, afirma que o desespero tanto pode consistir num estado de espírito ocasional como resultar da avaliação ponderada da situação em que o agente se encontra; está em causa, não a perturbação do agente, mas a motivação do facto.
Para Frederico Lacerda Costa Pinto, in RPCC 1998 citada, pág. 288, desespero corresponde a situação de facto em que o agente se encontra numa situação de pressão psicológica que lhe apresenta o crime como a única saída possível para a situação em que se encontra.
Segundo Leal Henriques - Simas Santos, Código Penal Anotado, II, pág.132, entende-se por desespero «o estado de alma em que se encontra quem já perdeu a esperança na obtenção de um bem desejado, de quem enfrenta uma grande contrariedade ou uma situação insuportável, enfim, de quem está sob a influência de um estado de aflição, desânimo, desalento, angústia ou ânsia» - assim no acórdão do STJ de 17-01-2008, processo n.º 607/07 - 5.ª.
Amadeu Ferreira, Homicídio Privilegiado, a págs. 68 a 71 refere: Embora muito próximo da emoção violenta, distingue-se dela porque coincide em geral, com situações que se arrastam no tempo, fruto de pequenos ou grandes conflitos que acabam por levar o agente a considerar-se numa situação sem saída, deixando de acreditar, de ter esperança, exigindo a lei não apenas que o agente esteja desesperado, mas que tal desespero diminua consideravelmente a sua culpa, o que só poderá entender-se se levarmos em conta os motivos do autor.
Se é certo que “o que identifica socialmente um homem desesperado não é o valor social ou ético dos seus motivos, mas a estrutura comportamental, independentemente das suas causas”, devemos realçar que não basta identificar o homem desesperado. É necessário que tal desespero diminua sensivelmente a culpa do agente.”
Para Teresa Quintela de Brito, loc. cit, pág. 923, o desespero só pode tornar menos exigível um comportamento conforme ao direito, em função (a) da não reprovabilidade ou, mesmo, da relevância humana, ética ou social dos motivos que orientam o agente e (b) da correspondência de tais motivos a um quadro de vida tão grave que ponha em causa a própria dignidade humana do autor.
Fernando Silva, loc. cit., pág. 113, refere que o desespero está associado a situações extremas, em que o agente foi suportando uma situação que sobre ele exerce grande pressão psicológica, vendo limitar-se as suas capacidades de resistir mais à situação, e mata como forma de libertação desse estado. Neste tipo de situações o decurso do tempo foi funcionando como agravante da situação do agente, que provavelmente em silêncio e sozinho foi interiorizando o seu sentimento, acabando por o exteriorizar. Todo o circunstancialismo foi desgastando o agente, que acaba por matar por força dessa mesma situação, não encontrando outra saída para o problema que o afecta.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem versado esta cláusula, embora em casos em número muitíssimo inferior aos de emoção violenta.
No acórdão do STJ de 29-03-2000, processo n.º 27/00 - 3.ª Secção considera-se o desespero como previsão mais ligada a situações continuadas de angústia, depressão ou revolta, como os casos de humilhação prolongada ou de suicídios alargados em que o agente por força da avaliação psicológica que faz, se sente numa situação sem saída.
No acórdão de 06-03-2003, no processo n.º 4406/02 - 3.ª, seguindo Teresa Serra, afirma-se que para haver desespero com relevância penal é necessário que a situação em que o arguido se encontra seja extrema, num beco sem saída, em que o agente sinta que chegou ao fim do caminho e que o estado emotivo tenha «natureza passiva, interiorizada, reflexiva, com uma componente intelectual».
Segundo o acórdão de 04-02-2004, processo n.º 3772/03 - 3.ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 189, o desespero (o agir dominado por desespero), enquanto cláusula redutora da culpa com guarida no tipo legal de privilegiamento do homicídio descrito no art. 133.º do Código Penal, “comporta origem ao nível psicológico na constatação de situações em que o psiquismo do agente se acha sujeito a um esforço constante e exagerado, no sentido de contenção das frustrações contínuas, e, por isso mesmo, em alturas imprevisíveis, entra em descompensação, conducente à prática compulsiva e repetitiva de actos de violência contra o autor da tensão criada”.
Nas palavras deste aresto, o STJ acolhe o entendimento de que “age em desespero quem se mostra possuído de um estado de alma que já perdeu a esperança de obtenção de um bem desejado, enfrentado uma grande contrariedade ou uma situação insuportável, própria de quem age sob influência de grande aflição, desânimo, desalento, angústia ou ânsia”, estando-se face a situações em que “o estádio a que chegou o sofrimento físico, seja pela agressão corporal, seja pela violência psíquica, seja pela humilhação, atingiram um escalão de tal modo elevado, que só resta ao agente, para se libertar, cometer a ofensa ou o homicídio”.
Como se extrai do acórdão de 28-09-2005, processo n.º 2537/05 - 3.ª, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, o artigo 133.° do Código Penal supõe a verificação de circunstâncias que se traduzem numa cláusula de exigibilidade diminuída de um comportamento diferente, de um estado de afecto que condiciona de forma determinante a atitude do agente perante o facto.
O desespero, como o elemento que privilegia o crime, significa ausência total de esperança, sentimento de absoluta incapacidade de superação das contingências exteriores que afectem negativamente o indivíduo, a falência irremediável das elementares condições para a manifestação da dignidade da pessoa.
O desespero significa e traduz um estado subjectivo em que a angústia, a depressão ou as consequências de factores não domináveis colocam o estado de afecto do sujeito no ponto em que nada mais das coisas da vida parece possível ou sequer minimamente positivo.
Para privilegiar o crime, o estado de desespero tem de dominar o agente, projectando-o para situações que podem revelar uma perturbação no afecto que traduz um drama interior de tal dimensão subjectiva que permite considerar, nas circunstâncias do caso, uma acentuada diminuição da culpa por menor exigibilidade de outro comportamento.
Acórdão de 07-06-2006, processo n.º 1174/06 - 3.ª, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 207 - O medo conforma uma situação de emoção (asténica) propriamente dita, causa exculpativa, como tal apenas se não for censurável, operante sem efeito automático.
A relevância do medo há-de resultar de uma agressão ilícita e actual, portanto repentina e de curta duração, não procedendo de uma longa situação de conflito interior, porque a ser tradução dele já revela reflexão no cometimento do crime, tornando-se uma perturbação fora do beneplácito do art. 133.º do Código Penal, e, segundo teoriza Cavaleiro de Ferreira (Direito Penal Português, Ed. Verbo, UCP, 1982, pág. 574), não abdica de uma situação de necessidade, de perigo iminente de um mal e a necessidade de praticar um facto penalmente ilícito, para evitar o mal temido: não se trata de um medo que destrói a vontade, mas o medo desculpável em razão do valor jurídico que a determinou.
Não se comprovando, na factualidade provada, acção sob a égide de medo indomável, necessário, como última ratio, a afastar o mal iminente, o mal temido, cai por terra a tese do arguido de que teria agido dominado pelo pânico.
O desespero, enquanto causa privilegiante do homicídio, reconduz-se a situações arrastadas no tempo, fruto de pequenos ou grandes conflitos que acabam por levar o agente a considerar-se numa situação sem saída, geradoras de um estado de afecto ligados à angústia, à depressão ou à revolta.
E assim o desespero - que não se confunde com o medo - é o estado de alma em que se acha aquele que perdeu a esperança de alcançar um bem desejado, de quem enfrenta um estado de grande contrariedade ou uma situação insuportável, própria de quem está próximo de grande aflição, desânimo ou desalento, no dizer de Leal Henriques e Simas Santos (Código Penal Anotado, II, pág. 132).
Trata-se de um quadro de vivência insuportável, de incontornável tensão, em que o agente se mostra incapaz de a dominar, de resistir à pulsão interior que aquela provoca e age vinculadamente, por incapacidade de a fazer reverter a níveis axiologicamente neutrais.
Não pode dar-se por assente o desespero, se não se provou que o arguido agisse nesse estado, que não lhe restasse outra alternativa ante a presença da vítima, de tal modo que suprimir-lhe a vida fosse a solução única no momento, ante uma indemonstrada quebra de resistência anímica, ética, de incapacidade para se determinar na conformidade à lei.
Tem a sustentá-lo um lastro degradante para o agente resultante do comportamento indigno ou humilhante da vítima.
Acórdãos de 24-05-2007, processo n.º 33/07 – 5.ª e de 3-10-2007, processo n.º 2791/07 - 3.ª - No desespero estão em causa sobretudo estados de afecto asténicos, como a angústia, a depressão ou a revolta.
Especificamente sobre o ciúme, diz o segundo que a valorização do ciúme ou da desconfiança sobre a fidelidade do cônjuge como elemento mitigador da responsabilidade criminal é absolutamente de rejeitar no ordenamento jurídico de um Estado de direito democrático, assente na dignidade da pessoa humana e no direito de todos ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Para o acórdão de 17-01-2008, processo n.º 607/07 - 5.ª, desespero é o estado de alma em que se encontra quem já perdeu a esperança na obtenção de um bem desejado, de quem enfrenta uma grande contrariedade ou uma situação insuportável, enfim, de quem está sob a influência de um estado de aflição, desânimo, desalento, angústia ou ânsia.
E no acórdão de 30-04-2009, processo n.º 58/05. 6SULSB.S1-5.ª, desespero é o estado de alma em que se encontra quem já perdeu a esperança na obtenção de um bem desejado, de quem enfrenta uma grande contrariedade ou uma situação insuportável, enfim, de quem está sob a influência de um estado de aflição, desânimo, desalento, angústia ou ânsia.
Acórdão de 17-09-2009, processo n.º 434/09.5YFLSB-3.ª – desespero refere-se a estados depressivos vividos pelo agente sendo necessário que a acção revele uma exigibilidade diminuída.
Acórdão de 10-12-2009, processo n.º 36/08.3GABTC.P1.S1 -5.ª – deve ser afastada a subsunção da conduta ao tipo privilegiado quando não resulta dos factos provados que o recorrente tenha realizado a acção sob a influência dominadora e perturbadora desses sentimentos, de modo a afirmar-se que matou devido ao desespero, ainda que na acção homicida o recorrente assuma uma reacção ao comportamento reiterado da vítima, adequado a gerar sentimentos de desespero e saturação.
Acórdão de 03-03-2010, processo n.º 242/08.0GHSTC.S1-3.ª – A situação de desespero configura outro dos fundamentos do homicídio privilegiado e que é concebido como fruto de uma situação que se arrasta no tempo, com origem em pequenos ou grandes conflitos, que acabam por levar o agente a considerar-se numa situação sem saída, deixando de acreditar, de ter esperança, arrancando da limitação psicológica do agente desesperado, nele se englobando os casos de suicídios alargados ou de humilhações reiteradas. Deste modo, enquanto estado de afecto, cria uma situação de impotência, em que resta como única alternativa possível ao agente o homicídio.


Volvendo ao caso concreto.
Face à pretensão do recorrente de ver a sua conduta subsumida no tipo privilegiado do artigo 133.º do Código Penal, cumpre averiguar se a matéria de facto provada sustenta a mesma, se os factos dados por provados integram crime de homicídio privilegiado, tornando-se necessário avaliar se tais factos permitem concluir que se verificava em relação ao recorrente os estados de afecto ou motivos por si invocados – a compreensível emoção violenta e o desespero, já que estão fora de causa estados de medo ou pânico - se agiu dominado por algum deles e se resultou desse estado uma concreta situação de exigibilidade diminuída, a justificar uma sensível diminuição da sua culpa.

Vejamos então das hipóteses de integração do ocorrido no âmbito das cláusulas redutoras «compreensível emoção violenta», ou «desespero», avançadas pelo recorrente, que na conclusão 6.ª diz ter agido prisioneiro dos seus ciúmes e actuando nitidamente em desespero.

O homicídio privilegiado assenta, como acentua Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense …, pág. 47, numa cláusula de exigibilidade diminuída, concretizada em certos “estados de afecto”, vividos pelo agente, que diminuam sensivelmente a sua culpa.
As cláusulas previstas no preceito não funcionam automaticamente, por si e em si mesmas, não bastando para privilegiar o crime a verificação do elemento privilegiador.
Como refere Figueiredo Dias, na obra citada, pág. 48, “Os estados ou motivos assinalados pela lei não funcionam por si e em si mesmos, (hoc sensu, automaticamente), mas só quando conexionados com uma concreta situação de exigibilidade diminuída por eles determinada; neste sentido é expressa a lei ao exigir que o agente actue “dominado” por aqueles estados ou motivos” - cfr. versando este ponto, os acórdãos do STJ, de 23-06-2005, processo n.º 2047/05-5.ª; de 07-06-2006, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 207; de 03-10-2007, processo n.º 2791/07 - 3ª.
Da mesma forma, Fernando Silva, in Direito Penal Especial, págs. 95/96, esclarece que a diminuição da culpa não é automática pela presença de um dos elementos previstos no tipo, aos quais se pode atribuir um sentido indiciador idêntico aos exemplos padrão do art. 132.º, n.º 2, aduzindo que a estrutura e funcionamento do tipo decorrem um pouco à semelhança do crime de homicídio qualificado, em que não basta a presença de uma das circunstâncias privilegiadoras para operar a aplicação do tipo. Este apenas funcionará se o dolo do agente for fundado unicamente pelos factores de perturbação em que se encontra, e se tiver a culpa diminuída. Pois, podem ocorrer outras circunstâncias que impeçam que o facto possa ser considerado menos exigível.

Tem-se por certo que a acção homicida levada a cabo pelo recorrente nada tem a ver com um sucesso inesperado, com algo que tivesse irrompido abruptamente, com a eclosão de um acontecimento que surgisse de forma inopinada, que correspondesse a um ímpeto, que fosse sequente a um choque emocional, a grande irritação de momento, ou a um súbito arrebatamento, cumprindo averiguar-se então se a sua conduta pode ser encarada como consequência de uma afectividade fortemente perturbada, de um bloqueio afectivo, de um conflito espiritual, ou como consequência de um estado de alma perturbado, ou de um abalo, ou de choque profundo e descontrolador, sendo expressão de afectação de um estado de afecto, se terá o arguido agido com a inteligência, vontade e livre determinação afectadas, enfraquecidas ou obnubiladas, sob uma forte e intensa perturbação, ou se o recorrente terá agido num quadro de vida em que o facto se possa traduzir como descarga de emoção.
Mais cumprirá indagar se se estará perante um razoável descontrolo, face a uma reacção humana aceitável, plausível, desculpável, justificável, tolerável, enfim, compreensível, ou se estaria o arguido sob pressão intolerável, insuportável, que o arrastasse para o crime, tendo-se presente nessa análise o quadro e o contexto de vida em que o arguido recorrente se encontrava à data dos factos.
Importará descortinar o real motivo que terá determinado a perpetração do crime, pois não há crime gratuito ou sem motivo, sendo o privilégio ora em causa indissociável da motivação do agente, com base na qual se forma a sua vontade criminosa.
Ora, no nosso caso, ficou provada, definitivamente assente, uma intenção de matar sem contornos susceptíveis de conduzir a um qualquer tipo de atenuação.
O telefonema recebido pela BB e a explicação dada por esta, no sentido de que quando estava sozinha arranjava outros homens e que ele não tinha nada a ver com isso, não podia ter criado uma situação que levasse ao descontrolo absoluto.
Aliás, não deixa de ser sintomático que em relação ao anterior recurso o arguido tenha deixado cair a tese da “quase tentativa de suicídio” (fls. 1000), de referenciar a carta que seria uma espécie de carta de despedida (fls. 1000/1) e a configuração do acto como crime passional (conclusão 25.ª), e no fundo, e o que mais importa, há que ter em consideração que com a sua atitude em julgamento de confessar integralmente e sem reservas, estava a abdicar da argumentação vertida na contestação, a qual deixou também de ser equacionada e também ela poder ser contraditada.
Com a confissão a tese da acusação deixou de estar sob a alçada do contraditório, sendo aceite, tornando-se firme, e por isso deixou de ser necessário, ficou prejudicada, a necessidade de contrariar a tese do arguido, sendo que este na motivação, a fls. 1128, refere a confissão integral e sem reservas, quando diz claramente “Sempre sem conceder quanto à culpabilidade do arguido (confessou integralmente e sem reservas o homicídio) sempre se dirá que a pena aplicada se mostra excessiva”.
Por todo o exposto, é de improceder a pretensão do recorrente, mantendo-se a qualificação pelo crime de homicídio, p. p. pelo artigo 131.º do Código Penal.



III Questão - Medida da pena - Redução da pena – com fixação em 8 anos de prisão - para a hipótese de manutenção de condenação pelo crime base

Nas conclusões 10.ª e 14.ª (como se referiu, a numeração das conclusões salta de 10 para 14), o recorrente pugna por redução de pena.
Com uma curiosidade que não pode deixar de se assinalar.
A vingar a tese do crime privilegiado, aceitaria a pena máxima possível - 5 anos.
A manter-se a condenação, pede redução para o mínimo legal – 8 anos.

A medida da pena cabível ao crime de homicídio é de 8 a 16 anos de prisão.
Dentro da moldura referida funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
- A intensidade do dolo ou da negligência;
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.


No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição os acórdãos de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 19-12-1994, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42.
Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 277, págs. 210/211.
A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 02-05-1985, in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73.
Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255. E no acórdão de 27-02-1991, in A. J., n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar.
Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g., os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de 17-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 360.

Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.
Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).

A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena.
A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado.
Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).

Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:
1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.
2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.
3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

No dizer de Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, 1998, AAFDL, pág. 25 «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».

Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção.
Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.

Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.

Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.
Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.

Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, págs. 217/8, defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.

Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.

Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
Ainda de acordo com o mesmo Professor, nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida (sentido estrito ou de «determinação concreta») da pena.
As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».
Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.
Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:
“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.
E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.

Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão de 10-04-1996, processo n.º 12/96, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “ O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva. Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”.
Ainda do mesmo relator, e a propósito de caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, processo n.º 356/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social” - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».
Uma outra formulação, em síntese, na esteira de Figueiredo Dias, “As Consequências Jurídicas do Crime, 1993”, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do STJ de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”. No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.

A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00 – 5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01 – 5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01 – 5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 -5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 - 3ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 - 5ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008 no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª.
Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou como diz o acórdão de 22-09-2004, processo n.º 1636/04-3.ª, in ASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.

Revertendo ao caso concreto.

Vejamos se procede a pretensão do recorrente no sentido de redução da pena aplicada.
Disse a Relação, sobre a alteração da pena concreta, debruçando-se então sobre os recursos do Ministério Público e do arguido (fls. 1094 a 1099):
«Escreve-se na sentença revidenda:

Na escolha e determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido, nos termos do artº. 71º do C.Penal, atender-se-á à culpa do agente, às exigências de prevenção e de reprovação do crime e ainda às seguintes circunstâncias:

- ao elevado grau de ilicitude do facto, tendo em atenção a relação afectiva existente entre o arguido e a vítima;

- à intensidade do dolo, que é directo;

- ao modo de execução do crime (com as próprias mãos), que é extremamente violento e revela sangue frio por parte do arguido;

- aos antecedentes criminais do arguido;

- às circunstâncias da sua vida pessoal;

- à confissão dos factos por parte do arguido e à postura por ele assumida em julgamento reveladora de arrependimento;

- à necessidade imperativa de se fazer sentir ao arguido o desvalor dos seus actos (pois demonstrou um profundo desrespeito pela vida humana e pela lei) e de responsabilizá-lo pelas consequências dos mesmos.

Por outro lado, os motivos que levaram o arguido a praticar tais factos (confissão por parte da vítima de que, quando estava sózinha, andava com outros homens) não podem servir para o desculpabilizar.

Ponderando todas as circunstâncias acima descritas e tendo em consideração a moldura penal atrás mencionada, tem-se por justo e adequado às exigências de reprovação e de prevenção de futuros crimes, a aplicação ao arguido de uma pena de prisão efectiva inferior ao meio da moldura penal, por forma a fazer-lhe sentir o profundo desvalor da sua conduta e a constituir um aviso de que este tipo de actuações não pode ser tolerado na vida em sociedade”.

O arguido, eventualmente em função da “desqualificação” solicitada, pugna por dever ser reajustada a pena de prisão aplicada.

Ora, tal desqualificação não ocorreu.

Por outro lado, era o arguido, recorrente, quanto à aludida conduta, portador da necessária inteligência e liberdade para se conduzir, possuindo, o conjunto de qualidades pessoais que são necessárias para ser passível de um juízo de censura por não ter agido de outra maneira – cf. Código Penal, artigos 19.º e 20.°.

O arguido não pode, sequer, em termos da sua atitude anterior, ver-lhe ser considerada uma particular estrutura psico-biólogica, se não em termos de sempre ser censurado e punido por não ter orientado a modelação do seu modo de ser de maneira a poder motivar-se como os indivíduos do tipo médio.

A culpa (jurídico penal) do arguido prefigura-se como uma violação do dever de conformar, respectivamente, o seu existir, de modo a que, no seu viver do dia a dia, não tivessem sido violados ou postos em crise valores tutelados pela ordem jurídica.

O concreto agir é o ponto de partida para a avaliação do concreto ente que agiu, materialização a que se não pode fugir, pela sua própria natureza, não se esgotando aí, ainda, a operação de determinação do grau de culpabilidade, devendo-se, também, procurar atingira a devida gradação valorativa posta em causa, e o “quantum” do sujeito que foi envolvido nessa desconformidade ética e social.

Fundamento da determinação da pena é a significação do delito para a ordem jurídica, e a gravidade de reprovação que se há de fazer ao agente (conteúdo do injusto e da culpabilidade).

A matéria de facto reflecte distanciamento, em termos de ultrapassagem das contra motivações éticas, entre uma determinação normal pelos valores e a do arguido, reflecte uma atitude reveladora de motivos rejeitados pela sociedade, bem como reflecte, ainda, censurabilidade especial da motivação pela própria violação da norma.

Acresce que não existem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude dos factos, a culpa do recorrente ou a necessidade da pena, em ordem, desde logo, a atenuação especial da sua pena – cf. artigo 72.º, n.º1, do Código Penal.

Ora, o arguido foi condenado no acórdão revidendo a uma pena de 10 anos de prisão, como autor material de um crime de homicídio simples, previsto e punível pelo artigo 131.º, do Código Penal, na sequência da repetição de um julgamento em que havia sido condenado, pela prática do mesmo tipo legal, a uma pena de 14 anos e 6 meses de prisão.

Perante os factos provados, há que ponderar, ainda, no relevo que, na determinação da medida da pena, o acórdão revidendo deu, entre os “supra” apontados aspectos, à “necessidade imperativa de se fazer sentir ao arguido o desvalor dos seus actos (pois demonstrou um profundo desrespeito pela vida humana e pela lei) e de responsabilizá-lo pelas consequências dos mesmos”, e a que, “por outro lado, os motivos que levaram o arguido a praticar tais factos (confissão por parte da vítima de que, quando estava sozinha, andava com outros homens) não podem servir para o desculpabilizar”).

De resto, o acórdão recorrido consigna como não provado (“que tivesse havido uma troca de palavras com a falecida, no decurso das quais, a BB tivesse humilhado o arguido e acicatado os seus ciúmes; que tal facto tivesse motivado o descontrolo emocional do arguido, provocando-lhe um impulso momentâneo; e que o arguido gostasse muito de BB e não tivesse intenção de lhe provocar a morte”).

Assim, tendo em conta todas as apontadas circunstâncias, a natureza e intensidade do dolo, o elevado grau de ilicitude, bem como as condições pessoais, familiares e situação económica do arguido, conclui-se que a pena fixada nos termos mencionados no acórdão recorrido se não mostra, por defeito, justa e adequada às exigências de prevenção, geral e especial, sem ultrapassar a medida da culpa, pois que, como pugnado pelo recorrente Ministério Público, “de entre uma moldura penal abstracta de 8 a 16 anos de prisão, uma correcta aplicação dos critérios emergentes do artigo 71.º, do Código Penal, impõe uma pena, não de 10, mas de 12 anos de prisão, a qual satisfará, de forma adequada, quer a protecção dos bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora e pelo ordenamento jurídico, em geral, quer a reintegração do agente na sociedade”.

Assim sendo, improcede, nesta medida, o recurso do arguido, e procede o recurso do Ministério Público».


Como refere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer citado «Quanto à medida da pena, haverá que ter presente que o homicida manifesta sentimentos anti-sociais que provocam acentuada censura ético-social, a exigir forte reacção punitiva e repressiva, sendo especialmente fortes as exigências de prevenção e a reprovação, tanto geral como especial, atento o especial impacto negativo, que tais comportamentos causam no meio social.
No caso, haverá que atender à elevada gravidade do ilícito praticado, à actuação com dolo directo e intenso, ao modo de execução do crime (com as próprias mãos), que é extremamente violento e revela sangue frio por parte do arguido.
Assim, ponderado todo o quadro circunstancial apurado e o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do C. Penal a pena aplicada não merece o mínimo reparo, mostrando-se adequada e proporcional à culpabilidade da arguida e às especiais exigências de prevenção que, no caso, se fazem sentir de um forma muito especial».


No caso presente é elevadíssimo o grau de ilicitude do facto atenta a gravidade das consequências da conduta do arguido.
O grau de culpa é muito acentuado, com forte intensidade do dolo, na modalidade de directo, pela manifestação da vontade firme dirigida ao facto, como pela insistência revelada.
O modo de execução, elemento agravativo a ter em conta nos termos do artigo 71.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal foi gravoso, com superioridade em razão da força física, actuando o arguido com a força das mãos que pela sua experiência profissional deveriam em princípio ser meios de sustentabilidade de vida e não de morte, tendo o arguido actuado com insistência, só parando quando a vítima sucumbiu, não deixando de se anotar algum factor surpresa na sua actuação para com a vítima.
Como referiu o acórdão de primeira instância, “o modo de execução do crime deixa perceber claramente que o arguido teve perfeita noção de que a vítima sufocava (tanto mais que o mesmo é portador de um curso de socorro a vítimas efectuado no INEM) e, mesmo assim, não parou de lhe apertar o pescoço”.
Ao tirar a vida a BB, para além da perda da vida daquela, e exactamente em resultado dessa privação, o comportamento do arguido conduziu à produção de efeitos colaterais com intenso grau de lesividade de direitos de personalidade do filho daquela, que ficou privado de sua Mãe, deixando-o na orfandade.
Quanto a arrependimento nada consta dos factos provados, não o sendo obviamente o facto de ter acabado por se entregar voluntariamente às autoridades.
O arguido só se apresentou na Polícia Judiciária de Faro quatro dias depois, sendo de ter em conta que contra si sempre falariam o registo da sua entrada na pensão na véspera, a continuação no dia seguinte, o vídeo da pensão em que é visto a entrar e subir com uma rapariga, o facto de não ser a primeira vez que frequentava tal pensão, sendo cliente conhecido, o papel escrito deixado em cima da mesa.
Nas condições pessoais teremos a considerar o trajecto de vida pregressa do recorrente, que a avaliar pelo que ficou provado, denota ser um cidadão trabalhador, que procura aperfeiçoar-se, como se mostra pela frequência do curso profissional na área informática.
Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal em causa.
São intensas as necessidades de prevenção geral.
Na realização dos fins das penas as exigências de prevenção geral constituem nos casos de homicídio uma finalidade de primordial importância.
O bem jurídico tutelado nas normas incriminadoras de homicídio é a vida humana inviolável, reflectindo o crime a tutela constitucional da vida, que proíbe a pena de morte e consagra a inviolabilidade da vida humana - artigo 24.º da Constituição da República – estando-se face à mais forte tutela penal, sendo a vida e a sua inviolabilidade que conferem sentido ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à liberdade que estruturam e densificam o Estado de direito.
Como se extrai da Constituição da República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2007, volume I, págs. 446/7, “O direito à vida é um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto”.
O direito à vida é a conditio sine qua non para gozo de todos os outros direitos.
Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, 1.ª parte, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei, tratando-se essencialmente de um direito a não ser privado da vida, um direito a não ser morto – neste sentido, Vera Lúcia Raposo, O direito à vida na jurisprudência de Estrasburgo, in Jurisprudência Constitucional, n.º 14, pág. 59 e ss.
A função de prevenção geral que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial tem de ser eminentemente assegurada, sobrelevando, decisivamente, as restantes finalidades da punição.
Como expende Figueiredo Dias em O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.
Como se expressou o acórdão do STJ de 04-07-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.
Versando a forte necessidade de prevenção geral no acórdão do STJ, de 17-03-1994, BMJ n.º 435, pág. 518, dizia-se: pode afirmar-se sem exagero que o homicídio voluntário se banalizou, constituindo, com o tráfico de droga, o tipo de ilícito que este Supremo Tribunal mais vem julgando ultimamente.
Como referido no acórdão deste Supremo Tribunal de 11-07-2007, processo n.º 1583/07-3.ª, a criminalidade violenta, em que se integra o crime de homicídio, assume alguma preocupação comunitária em crescendo, pelo que, para confiança da colectividade na lei, em nome de uma desejável tranquilidade e segurança de respeito pela vida humana, as necessidades de prevenir a prática de tal crime são muito presentes.
Trata-se de crime gerador de grande alarme social e repúdio das pessoas em geral, face à enorme intranquilidade que gera no tecido social, sendo elevadas as exigências de reafirmação da norma violada.
Está-se face a caso de criminalidade violenta, mediante o recurso a força física em espaço fechado, pelo que se impõe uma pena com efeito dissuasor, em nome de fortes e sentidas necessidades de prevenção geral.
No que toca a prevenção especial avulta a personalidade do arguido na forma como actuou, o reduzido valor que atribui à vida humana, não se esgotando na mera prevenção da reincidência, sendo indiscutível que carece de socialização.
Por outro lado, o recorrente não é primário, diferentemente do que alega na conclusão 9.ª, pois foi condenado por emissão de cheque sem provisão e condução sem habilitação legal, em penas de multa, por factos cometidos há mais de 8 e de 4 anos antes dos factos presentes.
Como refere Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.
E no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial.

Nestas condições e tendo em conta todo o exposto, cremos que será de manter a pena aplicada pelo homicídio, que atenta a moldura penal abstracta a ter em conta, de 8 a 16 anos de prisão, a qual não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da CRP –, nem as regras da experiência, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassa a medida da culpa do recorrido.

Decisão


Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente AA, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção anterior à que lhes foi dada pela Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro – Regulamento das Custas Processuais - com as alterações introduzidas pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, uma vez que de acordo com o artigo 27.º daquela Lei, o novo regime de custas processuais só é de aplicar aos processos iniciados a partir de 20 de Abril de 2009), e nos termos dos artigos 74.º e 87.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, do Código das Custas Judiciais, com taxa de justiça de 4 unidades de conta, tudo sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao recorrente, como se vê de fls. 1138/9.

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do CPP.

Lisboa, 14 de Julho de 2010

Raul Borges (Relator)
Fernando Fróis
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