Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
83/12.0YFLSB.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: HABEAS CORPUS
MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
FUNDAMENTOS
PRISÃO PREVENTIVA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PRINCÍPIO DA DUPLA INCRIMINAÇÃO
PRAZO
Data do Acordão: 08/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDO O PEDIDO
Área Temática: DIREITO PROCESSUAL PENAL - MEDIDAS DE COACÇÃO/ MODOS DE IMPUGNAÇÃO
Doutrina: - JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigo 1.º a 107.º, 4ª edição revista, volume I, Coimbra Editora, 2007, II, pp. 508, 510.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 202.º, 219.º, N.º2, 222.º, N.ºS 1 E 2, 223.º, N.º4 AL. A).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 27.º, N.º1, 31.º.
LEI 15/93, DE 22-01: - ARTIGO 21.º, N.º 1.
LEI N.º 65/2003, DE 23-08: - ARTIGOS 1.º, 2.º, N.º2, ALÍNEA E), 4.º, 15.º, N.º1, 18.º, 24.º, 30.º, 34.º.
Legislação Comunitária: DECISÃO QUADRO Nº 2002/584/JAI, DO CONSELHO, DE 13 DE JUNHO.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20-12-2006, PROC. N.º 4705/06 - 3.ª;
-DE 29-05-02, PROC. N.º 2090/02- 3.ª.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-DE 24-9-2003, PROC. N.º 571/03.
Sumário :

I - A providência extraordinária do habeas corpus não se destina a ajuizar da regularidade do MDE, em qualquer das suas vertentes, nomeadamente se há ou não nulidades ou irregularidades na nomeação de intérprete, e se o MDE obedece aos requisitos legais, nem discutir a oposição apresentada à execução do MDE, pelo que a discussão da legalidade ou validade da prisão com tais fundamentos apenas é susceptível de recurso ordinários nos termos do art. 24.º da Lei 65/2003, de 23-08.
II - À providência do habeas corpus apenas incumbe aceitar o efeito, que os diversos actos produzam num determinado momento, retirando daí as consequências processuais que tiverem para os sujeitos implicados, não constituindo um recurso sobre actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, e determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma dada situação processual do requerente, se os actos de um determinado processo, produzem alguma consequência que se possa acolher aos fundamentos da petição referidos no art. 222.º, n.º 2, do CPP.
III - No caso concreto, a prisão do arguido foi ordenada pela entidade competente – o Juiz do Tribunal da Relação, uma vez que conforme o art. 15.º, n.º 1, da Lei 65/2003, é competente para o processo judicial de execução do MDE o Tribunal da Relação da área do seu domicílio ou, se não o tiver, da área onde se encontrar a pessoa procurada à data da emissão do mandado, e, de harmonia com o n.º 3 do art. 18.º, o juiz relator procede à audição do detido, no prazo máximo de 48 h após a detenção, e decide sobre a validade e manutenção desta, podendo aplicar-lhe medida de coacção prevista no CPP.
IV - A medida de coacção aplicada de prisão preventiva é motivada por facto pelo qual a lei permite, uma vez que o crime de tráfico ilegal de estupefacientes, pelo qual o extraditando está indiciado pela justiça italiana, é punido na respectiva legislação, com pena até 20 anos, sendo na portuguesa – art. 21.º, n.º 1, da Lei 15/93, de 22-01 – de 4 a 12 anos de prisão, e consta da al. e) da lista do n.º 2 do art. 2.º da mesma Lei 65/2003, não se encontrando subordinado ao controlo da dupla incriminação.
V - Por outro lado, tendo o arguido sido detido em 18-07-2012, ainda não decorreu o prazo máximo de 60 dias consentido pelo n.º 1 do art. 30.º da Lei 65/2003, não procedendo os pressupostos de concessão da providência do habeas corpus.


Decisão Texto Integral:

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

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         No processo nº 769/12.0YRLSB da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, AA, arguido nos autos, vem interpor, por intermédio de seu Exmo Advogado, a presente providência de habeas corpus, requerendo a sua libertação imediata, alegando:

- O arguido foi detido no dia 18 de Julho de 2012 (fls 7 cf. Declaração do Sr. Inspector do S.E.F.

- Com base numa tradução de dois formulários “A” e “M”, relativos a eventual mandado de detenção europeu, tradução essa aparentemente efectuada por uma Srª Inspectora do SEF (BB) cf. Fls 3 e 4 dos autos.

. Inexistindo qualquer original de um Mandado de Detenção Europeu (M.D.E.)

4º- Apesar de o mesmo já haver sido solicitado “com urgência” há mais de 12 dias (Informação de fls 7 de 18 de Julho de 2012)

5º- Segundo a Lei Adjectiva Portuguesa (CPP) não pode um inspector ou agente policial ser, simultaneamente o tradutor de documentos em língua estrangeira existentes nos autos.

. Uma vez que o tradutor/intérprete está sujeito ao regime de impedimentos dos juízes “apud” o disposto no artº 47.º, nº 1 do C.P.P.

- Afigurando-se de meridiana evidência que um agente policial está impedido de ser nomeado como intérprete em qualquer processo criminal, o que violaria quer o disposto no artº 47.º, nº 1 do CPP quer o disposto no artº 41.º nº 3 do CPP.

8º- Por outro lado, as traduções existentes nos autos não se encontram assinadas, em clara violação da le (artº 94.º, 1,2 e 6, 95.º 1 e 101.º, nº 2 do CPP)

- Para além de que a senhora intérprete (Inspectora do SEF), não foi nomeada pelo tribunal, nem foi ajuramentada, com violação, por isso, do disposto no artº 92.º nº 5 do CPP, uma vez que o documento em língua estrangeira (inglesa) existente nos autos encontra-se desacompanhado de tradução autenticada.

10º - Ora, a Exma Desembargadora que decretou a prisão do arguido fundamentou-se na existência provável de um Mandado de Detenção Europeu que, até aos dias de hoje, ainda se não encontra nos autos.

11º- Ora, “Quod non est in acta, non est in mondo.

12º -  A detenção do arguido foi por isso ilegal, porque assentou numa tradução ilegal feita por intérprete que não havia sido ajuramentado nem nomeado pelo Tribunal, por sinal Inspectora do SEF.

13º- A prisão do requerente é ilegal porque não tem como suporte qualquer mandado Mandado de Detenção Europeu ou de captura com validade em Portugal e que obedeça aos requisitos da Lei Portuguesa.

14º- Ainda assim, refere-se no despacho que ordenou a prisão do requerente (a fls 3 do Auto de Audiência) que é validada a detenção do detido AA, por ser feita a pedido de um Estado membro e com base num MDE legalmente emitido.”

15º - Ora, como se viu “supra” eventual MDE que existe contra o arguido não consta dos autos.

16º - Aludindo-se “en passant” ( a fls 1 do supracitado AUTO DE AUDIÊNCIA” a legalidade do pedido formulado pelas autoridades Espanholas.”

17º - Tendo sido detido por “tradução” de um hipotético MDE, tal detenção não poderia ser validada.

18º - Tendo-o sido, a detenção e subsequente prisão do requerente é nula, porque não tem por base qualquer mandado de detenção ou captura, pelas razões “supra” expostas.

19º- A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência do habeas corpus. (artº 222.º - 1 CPP)

20º - Uma vez que a prisão foi motivada por facto pelo qual a lei a não permite (porque baseada numa tradução nula e por isso, sem validade jurídica) essa mesma prisão é ilegal, consistindo a causa de concessão de habeas corpus previsto na alínea b) do nº 2 do artº 222.º do CPP.

         Pelo que se requer a libertação imediata do peticionante.


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Foi prestada a informação a que alude o art° 223.°, n.º 1, in fine, do C.P.P do seguinte teor:

“Como decorre dos autos o peticionante foi detido em 18-7-2012, dada a inserção no SIS de MDFE para procedimento criminal.

Conforme consta do douto despacho de fls 22, proferido no dia 20-7-2012, foi validada liminarmente a detenção e determinado que aguardasse os ulteriores termos do MDE em prisão preventiva face à existência de perigo de fuga.

Em face do exposto afigura-se-nos ser a prisão legal.”

-

Convocou-se a Secção Criminal deste Supremo Tribunal, e efectuadas as devidas notificações, realizou-se a audiência pública, nos termos legais.


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A Secção Criminal reuniu seguidamente para deliberação, a qual imediatamente se torna pública:

O artigo 31º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, integrante do título II (Direitos, Liberdades e garantias) e capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais), determina que haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

Nos termos do nº 2 do preceito, a providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.

“Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito á liberdade”.(JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira,  CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigo 1.º a 107.º, 4ª edição revista, volume I, Coimbra Editora, 2007, II, p. 508)

É uma providência urgente e, expedita, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação, destinada a responder a situações de gravidade extrema visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação directa, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação.

Atenta a natureza da providência, para que o exame da situação de detenção ou prisão reclame petição de habeas corpus, há que se deparar com abuso de poder, que se consubstancie em atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável – integrando uma das hipóteses previstas no artigo 222º nº 2, do Código de Processo Penal (acórdão do Tribunal Constitucional de 24 de Setembro de 2003, proc. nº 571/03)

“Este abuso de poder exterioriza-se nomeadamente na existência de medidas restritivas ilegais de prisão e detenção decididas em condições especialmente arbitrárias ou gravosas.” (J.J. Canotilho e V. Moreira, ibidem)

         A providência de habeas corpus, enquanto remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, que se traduzam em abuso de poder, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a lei, não constitui no sistema nacional um recurso dos recursos e muito menos um recurso contra os recursos. (Ac. deste Supremo de  20-12-2006, Proc. n.º 4705/06 - 3.ª)

Tal não significa que a providência deva ser concebida, como frequentemente o foi, como só podendo ser usada contra a ilegalidade da prisão quando não possa reagir-se contra essa situação de outro modo, designadamente por via dos recursos ordinários (Ac. deste Supremo, de 29-05-02, Proc. n.º 2090/02- 3.ª Secção, onde se explana desenvolvidamente essa tese).

Aliás, resulta do artigo 219.º nº 2 do CPP, que mesmo em caso de recurso de decisão que aplicar, mantiver ou substituir medidas de coacção legalmente previstas, inexiste relação de dependência ou de caso julgado entre esse recurso e a providência de habeas corpus, independentemente dos respectivos fundamentos.

Com efeito, a natureza extraordinária da providência não se refere à sua subsidiariedade em relação aos meios de impugnação ordinários das decisões judiciais, mas antes e apenas à circunstância de se tratar de providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação.

Como referem JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, (ibidem, P. 508) “(…) o habeas corpus vale em primeira linha contra o abuso do poder por parte das autoridades policiais, designadamente  das autoridades de polícia judiciária; mas não é impossível conceber a sua utilização como remédio contra o abuso de poder do próprio juiz, em substituição da via normal do recurso ou em caso de inexistência de recurso.”

E escrevem os mesmos autores (ibidem,,V, .p. 510): “(…)(1) a providência do habeas corpus é uma providência à margem do processo penal ordinário; (2) configura-se como um instituto processual constitucional específico com dimensões mistas de acção cautelar e de recurso judicial. (…)”

Em suma:

A previsão -  e precisão - da providência, como garantia constitucional, não exclui, porém, a sua natureza específica, vocacionada para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, como remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, traduzidas em abuso de poder, ou por serem ofensas sine lege ou, grosseiramente contra legem, traduzidas em violação directa, imediata, patente e grosseira dos pressupostos e das condições da aplicação da prisão, que se apresente como abuso de poder, concretizado em atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável.


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Verifica-se dos autos:

- O cidadão AA, natural da Guiné –Bissau, nascido a 8 de Setembro de 1972, e residente em Portugal, foi detido em 18 de Julho de 2012, no Aeroporto de Lisboa, por elementos do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), na sequência de um mandado de detenção europeu, emitido pelo Tribunal de Milão – Itália, inserido no SIS (Sistema de Informação Schengen), com vista à sua entrega às autoridades italianas, para efeitos de procedimento criminal, pelo crime de tráfico ilegal de estupefacientes, praticado em 2008, (introdução e fornecimento de cocaína em Milão e importação de cocaína de Portugal), tendo sido solicitado às autoridades italianas o envio urgente do original do mandado de detenção europeu ao Tribunal da Relação de Lisboa, assim como a sua tradução em língua portuguesa.

- Em 20 de Julho de 2012, o arguido foi presente ao Tribunal da Relação de Lisboa para audiência sobre o pedido, tendo-lhe sido dado conhecimento de todo o conteúdo da inserção correspondente ao MDE, e foi ainda explicado que com a audiência não se procurava averiguar a veracidade dos factos mas apenas da legalidade do pedido formulado e da validade e eventual manutenção da sua detenção. Foi, também, informado do direito que lhe assiste de se opor à execução do MDE ou consentir nela, e dos termos em que o pode fazer, bem como, sobre a faculdade de renunciar ao beneficio da regra da especialidade e da renúncia a um processo formal de extradição, tendo ele declarado que nos termos do artº 20.º n.º 2 da Lei 65/2003 de 23 Agosto que não consente no cumprimento do presente mandado de detenção europeu não renunciando, no entanto, ao princípio da regra da especialidade.

-  Foi proferido despacho do seguinte teor:

“Ao abrigo do disposto nos art°s. 1.º, 2.°, 3.° e 16.° da Lei 65/2003, de 23/08, valido liminarmente a detenção do detido AA por ser feita a pedido de um Estado membro e com base num MDE legalmente emitido

O crime pelo qual o extraditando está indiciado pela justiça italiana, é punido na respectiva legislação, com pena até 20 anos sendo na portuguesa de 4 a 12 anos de prisão. O produto estupefaciente ora em causa, cocaína, é uma droga dura a qual acarreta graves consequências para quem a consome e para a sociedade, pelo que em termos de prevenção geral se reveste de elevadíssima gravidade. O extraditando é um cidadão de grande mobilidade, deslocando-se frequentemente para fora do território nacional e com possibilidade de se ausentar para a Guiné-Bissau com grande facilidade.

Neste momento e com os elementos constantes nos autos não nos é possível decidir pela inexistência de perigo de fuga, bem pelo contraio, atento à referida mobilidade e à forte aplicabilidade de pena elevada. Assim sendo considero existir perigo de fuga e como tal decido nos termos do art.º 204.º al. a) que o detido aguarde em prisão preventiva os ulteriores termos do MDE.

Para efeitos do act° 21º nº °4 da Lei nO 65/2003 de 23/08, concede-se o prazo de 10 dias para a oposição. Admito a junção dos documentos.

Passe mandados de condução ao Estabelecimento Prisional. Notifique.

Este despacho foi notificado a todos os presentes”

- Em 31 de Julho de 2012, o arguido apresentou oposição à execução do MDE nos seguintes termos:

1º - O requerido vem desde já solicitar novo prazo de oposição, uma vez que ainda se não encontra junto aos autos o Mandado de Detenção Europeu.                 ..

2.° - Sendo certo que o arguido ainda não foi inteiramente elucidado sobre a existência e o conteúdo do Mandado de Detenção Europeu (ao que parece proveniente da Justiça Italiana,) o qual, a existir de facto, ainda não consta dos autos.

3.° - Nessa conformidade, se tem de entender que ainda se não mostra cumprido, na sua integralidade, o disposto no artº 18.° n.º 5 da Lei 65/2003 de 23 de Agosto.

4.° - Pelo que se requer, pelos motivos infra expostos, a notificação do mandatário do arguido (ou do seu representado) da junção aos autos do referido MDE e a concessão de novo prazo de dez dias para o requerido se pronunciar sobre o conteúdo desse MDE. (nomeadamente quanto aos seus aspectos formais e prova indiciária no mesmo existente).

Mas, sem conceder,

5.º - O arguido foi detido a 18 de Julho 2012 sem existência de qualquer mandado de detenção europeu que constasse dos autos, pelo que a detenção assim operada é nula.

6.º - Em vez do MDE consta uma "tradução" ao que parece feita por elemento do SEF – Srª Inspectora? BB - cf. fls 3 e 4 dos autos.

7.0 - Pondo-se o ponto de interrogação porque a subscritora da tradução não menciona cargo que ocupa no S.E.F. nem assina com o seu nome.

8º - Em clara violação da Lei.(art.o 94.0 1, 2, 6•, 95.° n.o 1 e 101.° n.o 2 do CPP).

9 º - Pelo que as referidas traduções do Formulário de fls. 2 e 4 são nulas, por não cumprirem com os legais requisitos.

10.0 - Opor outro lado, caso a senhora Tradutora seja inspectora do SEF, encontra-se impedida de efectuar traduções nestes autos, dado o disposto nos art.s 47.° n.º 1 e 41.°nº 3 do CPP.

11.° - Refere-se no douto despacho judicial de 20 de Julho de 2012 que a detenção do arguido AA é validada por ser feita a pedido de um Estado membro e com base num MDE legalmente emitido.

12. ° - MDE esse que não consta dos autos, daí se não poder determinar; com exactidão; a Iegalidade -(e actualidade)- da sua emissão.


-

O peticionante invoca ilegalidade da sua detenção “porque assentou numa tradução ilegal feita por intérprete que não havia sido ajuramentado nem nomeado pelo Tribunal, por sinal Inspectora do SEF” e que a “prisão do requerente é ilegal porque não tem como suporte qualquer mandado Mandado de Detenção Europeu ou de captura com validade em Portugal e que obedeça aos requisitos da Lei Portuguesa”

         Diz que a Exma Desembargadora “fundamentou-se na existência provável de um Mandado de Detenção Europeu que, até aos dias de hoje, ainda se não encontra nos autos.”

e que tendo sido detido “por “tradução” de um hipotético MDE, tal detenção não poderia ser validada.”

Tendo-o sido, a detenção e subsequente prisão do requerente é nula”

         Daí, conclui:

Uma vez que a prisão foi motivada por facto pelo qual a lei a não permite (porque baseada numa tradução nula e por isso, sem validade jurídica) essa mesma prisão é ilegal, consistindo a causa de concessão de habeas corpus previsto na alinea b) do nº 2 do artº 222º do CPP.”


Desde logo cumpre dizer que a providência extraordinária do habeas corpus não se destina a ajuizar da regularidade do mandado de detenção europeu, em qualquer das suas vertentes, nomeadamente se há ou não nulidades ou irregularidades na nomeação de intérprete, e se o mandado de detenção europeu obedece aos requisitos legais, nem a discutir a oposição apresentada à execução do MDE, pelo que a discussão da legalidade ou validade da prisão com tais fundamentos apenas é susceptível de recurso ordinário nos termos do artº 24º da lei nº 65/2003 , de 23 de Agosto, sendo certo que
“1 - Só é admissível recurso:
a) Da decisão que mantiver a detenção ou a substituir por medida de coacção;
b) Da decisão final sobre a execução do mandado de detenção europeu. “

A providência do habeas corpus apenas incumbe aceitar o efeito, que os diversos actos produzam num determinado momento, retirando daí as consequências processuais que tiverem para os sujeitos implicados, não constituindo um recurso sobre actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, e determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma dada situação processual do requerente, se os actos de um determinado processo, produzem alguma consequência que se possa acolher aos fundamentos da petição referidos no artigo 222°, nº 2 do Código de Processo Penal.


-

O artigo 222º do Código de Processo Penal, que se refere ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, estabelece no nº 1, que a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa, o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência do habeas corpus.
Contudo, nos termos do nº 2 do preceito, esta providência “deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial;


-

O peticionante invoca a ilegalidade da prisão, acolhendo-se à alínea b) deste normativo.


Como se sabe, nos termos do artº 1º da lei nº 65/2003, de 25 de Agosto que aprovou o regime jurídico do mandado de detenção europeu (em cumprimento da Decisão Quadro nº 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho):
1- O mandato de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa de liberdade.

2 - O mandado de detenção europeu é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto nas supra referidas Lei e Decisão quadro.

Segundo o art.º 4.º da Lei:
1 - Quando se souber onde se encontra a pessoa procurada a autoridade judiciária de emissão pode transmitir o mandado de detenção europeu directamente à autoridade judiciária de execução.
2. A autoridade judiciária de emissão pode, em qualquer caso, decidir inserir a indicação da pessoa procurada no sistema de informação Schengen (SIS).
3 […]
4 - Uma indicação inserida no SIS produz os mesmos efeitos de um mandado de detenção europeu, desde que acompanhada das informações referidas no n. 1 do artigo 3.°

5 - As autoridades de polícia criminal que verifiquem a existência de uma indicação efectuada nos termos do número anterior procedem à detenção da pessoa procurada


E, conforme artº 18º
1 - A entidade que proceder à detenção comunica-a de imediato, pela via mais expedita e que permita o registo por escrito, ao Ministério Público junto do tribunal da relação competente.
2 - A pessoa procurada é apresentada ao Ministério Público, para audição pessoal, imediatamente ou no mais curto prazo possível.
3 - O juiz relator procede à audição do detido, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, e decide sobre a validade e manutenção desta, podendo aplicar-lhe medida de coacção prevista no Código de Processo Penal.
 […]

Sobre os Prazos de duração máxima da detenção, dispõe o artº 30º da mesma Lei
1 - A detenção da pessoa procurada cessa quando, desde o seu início, tiverem decorrido 60 dias sem que seja proferida pelo tribunal da relação decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu, podendo ser substituída por medida de coacção prevista no Código de Processo Penal.
2 - O prazo previsto no número anterior é elevado para 90 dias se for interposto recurso da decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu proferida pelo tribunal da relação.

3 - Os prazos previstos nos números anteriores são elevados para 150 dias se for interposto recurso para o Tribunal Constitucional.


Ora no caso concreto, a prisão do arguido foi ordenada pela entidade competente – o Juiz do tribunal da Relação, uma vez que conforme artº 15º nº1 da Lei nº 65/2003, É competente para o processo judicial de execução do mandado de detenção europeu o tribunal da relação da área do seu domicílio ou, se não o tiver, da área onde se encontrar a pessoa procurada à data da emissão do mandado, e, de harmonia com o citado nº 3 do artº 18º, o juiz relator procede à audição do detido, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, e decide sobre a validade e manutenção desta, podendo aplicar-lhe medida de coacção prevista no Código de Processo Penal.
Aliás, de harmonia com o artº 34º da Lei nº 65/2003: É aplicável, subsidiariamente, ao processo de execução do mandado de detenção europeu o Código de Processo Penal.

A medida de coacção aplicada de prisão preventiva é motivada por facto pelo qual a lei permite, uma vez que o crime de tráfico ilegal de estupefacientes, pelo qual o extraditando está indiciado pela justiça italiana, é punido na respectiva legislação, com pena até 20 anos sendo na portuguesa – artº 21º nº 1 da Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro -, de 4 a 12 anos de prisão, e consta da alínea e) da lista do nº 2 do artº 2º da mesma Lei nº 65/2003, não se encontrando subordinado ao controlo da dupla incriminação, sendo que a Constituição Política da República Portuguesa no artº 27º nº 1 permite a privação da liberdade, “pelo tempo e nas condições que a lei determinar”, entre outras situações, nos casos de detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão, cujo limite máximo seja superior a três anos.”, e que o referido artº 202º do CPP burilou, encontrando-se o crime mencionado, englobado na alínea c) deste artº 202.º, nos termos do artº 1.º al. m), do CPP

Por outro lado, tendo o arguido sido detido em 18 de Julho de 2012, ainda não decorreu o prazo máximo de 60 dias consentido pelo nº 1 do art.º 30.º da Lei n.º 65/2003.

Por isso, não procedem os pressupostos de concessão da providência de habeas corpus, que por isso, é de indeferir


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Termos em que decidindo:

Acordam os deste Supremo em indeferir o pedido de habeas corpus requerido pelo extraditando AA, através de seu Exmo Advogado, por falta de fundamento bastante nos termos do artigo 223º nº 4 a) do CPP.

Tributam o requerente com 2 UC nos termos da tabela anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

        

         Supremo Tribunal de Justiça, 3 de Agosto de 2012

                            Elaborado e revisto pelo relator

                                           
Pires da Graça (relator)
Rodrigues da Costa
Álvaro Rodrigues