Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
004218
Nº Convencional: JSTJ00028437
Relator: LOUREIRO PIPA
Descritores: DIREITO À GREVE
PODER DE DIRECÇÃO
ASSIDUIDADE
PODER DISCIPLINAR
SERVIÇOS MÍNIMOS
ASSOCIAÇÃO SINDICAL
COMPETÊNCIA
FALTAS INJUSTIFICADAS
REQUISIÇÃO CIVIL
Nº do Documento: SJ199510040042184
Data do Acordão: 10/04/1995
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 7032/91
Data: 10/26/1994
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - GREVE.
Legislação Nacional:
Jurisprudência Nacional:
Sumário : I - Pode definir-se a greve como a abstenção da prestação do trabalho por um grupo de trabalhadores, como meio de realizar objectivos comuns; trata-se, assim, de uma omissão concertada de trabalho, promovida pelas organizações sindicais representativas dos grevistas, visando forçar a entidade patronal a satisfazer reivindicações de natureza profissional que aquela se recusa conceder.
II - Pese embora a latitude com que está formulada, o direito à greve comporta restrições ao seu pleno exercício, as quais estão contempladas no artigo 8 da Lei da Greve, designadamente nos seus ns. 1, 2 e 3.
III - A prestação de trabalho pelos grevistas no cumprimento dos "serviços mínimos" suspende os contratos de trabalho daqueles, deixando os grevistas de estar na dependência jurídica da entidade patronal o que significa que esta deixa de poder exigir-lhes a prestação de trabalho, ficando os mesmos desonerados do dever de assiduidade.
IV - A entidade patronal perde, durante a greve, a competência para escalar os trabalhadores necessários
à satisfação dos "serviços mínimos", sendo as associações sindicais quem passa a deter tal competência, como resulta de ser a elas que a lei comete a obrigação de assegurar a prestação dos serviços mínimos.
V - A única consequência da falta de comparência à prestação dos "serviços mínimos" é a prevista no n. 4 do artigo 8 da Lei da Greve (requisição ou mobilização).
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
O Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de
Ferro Portugueses, com sede na Avenida Duque de Loulé, n. 104 - 4. em Lisboa, demandou no Tribunal do Trabalho daquela cidade, "C.P. - Caminhos de Ferro Portugueses, com sede na Calçada do Duque, n. 20, em Lisboa, pedindo que o tribunal declarasse nulos os actos da Ré que definiram não só quais seriam os "serviços mínimos" a observar nos dias de greve decretados pela Ré nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 1989, mas também escolheram e nomearam os trabalhadores para os prestar, devendo a mesma Ré ser condenada a repor aos trabalhadores tudo aquilo que excedeu o desconto do salário correspondente aos dias de ausência por efeito de adesão à referida greve.
Contestou posteriormente a Ré que sustentou a legalidade e validade dos actos de escolha dos
"serviços mínimos" e dos funcionários para os executar, bem como dos descontos efectuados aos trabalhadores para recusaram prestar os referidos serviços.
Por entender que o processo já possuía elementos bastantes para proferir decisão de mérito, o Doutor
Juiz julgou do mérito da causa no despacho saneador, nos termos do artigo 510 n. 1 alínea c) do Código de
Processo Civil, considerando a acção procedente e condenando a Ré no pedido.
Inconformada com tal decisão dela interpôs a Ré recurso de apelação para a Relação de Lisboa, mas sem êxito porque a sentença foi confirmada por aquele tribunal nos termos do douto acórdão de folhas 163-173.
Também inconformada com a decisão da Relação interpôs a
Ré o presente recurso de revista para este tribunal, finalizando as suas doutas alegações com as seguintes conclusões:
1. Durante os períodos de greve decretada pelo A., a Ré mantém os seus poderes de gestão que estatutariamente lhe estão atribuídos;
2. Nestes poderes de gestão se incluiu o de fixar os
"serviços mínimos" a prestar pelos seus trabalhadores durante os períodos de greve, como
3. Nos mesmos poderes se incluiu o de escalar os necessários trabalhadores para garantirem tais serviços;
4. No que à greve concerne, ao A. apenas cabe decretá-la e geri-la e nunca praticar quaisquer actos de gestão de R. e dos seus trabalhadores;
5. Para que a Ré visse suspenso ou transferido para terceiro, designadamente, o seu poder gestionário ou qualquer parcela dele, durante os períodos de greve deveria ser a lei a dizê-lo expressamente - o que não acontece.
6. A lei da greve, porque o poder gestionário é inerente às funções estatutárias da Ré não tinha que para tal repetir, como não repetiu;
7. Os trabalhadores escalados para a prestação dos
"serviços mínimos" não podem aderir à greve, cabendo-lhe prestar a sua actividade normal com todos os direitos e deveres a ela inerentes;
8. Se estes trabalhadores não acataram a sua nomeação para a prestação de serviços mínimos faltam injustificadamente, podendo tais faltas ser-lhe descontadas na retribuição e antiguidade. Neste caso,
9. De faltas injustificadas são também os dias de descanso que imediatamente os antecedem ou se lhes seguem;
Tudo por força dos artigos 8 e 11 da Lei da greve e do artigo 27 do Decreto 874/76.
10. A Ré procedeu de acordo com a lei.
11. A douta sentença, como o douto acórdão fazem errada interpretação e aplicação da lei aos factos, tendo violado os normativos que se referiram - artigos 8 e 11 da lei da greve e artigo 27 do Decreto 874/76.
12. Impunha-se a absolvição da R. do pedido.
Contra-alegou a recorrida que sustentou a bondade da decisão recorrida, pugnando pela sua confirmação.
Remetidos os autos a este Tribunal a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta proferiu douto parecer que concluiu pela negação da revista.
Foram colhidos os vistos dos Excelentíssimos Conselheiros Adjuntos.
Tudo visto, há que decidir.
São duas as questões a resolver neste recurso: a primeira, é a de saber se competia à recorrente não só definir os "serviços mínimos" a cumprir durante a greve, como a escolher e escalar aqueles dos seus funcionários que os devessem cumprir; a segunda, a de saber se à ausência dos referidos empregados durante a greve, com a consequente não prestação do serviço para que foram designados, podia aplicar-se, como fez a recorrente, o regime legal de faltas injustificadas.
Vejamos previamente aquela matéria dada como provada pela Relação:
1. O A. é uma associação sindical regularmente constituída e registada no Ministério do Emprego e
Segurança Social;
2. O A. tem por atribuições representar, defender e promover os interesses sócio-profissionais dos seus associados, designadamente, através da greve;
3. No exercício da competência da decisão da greve, o
A. emitiu pré-avisos de greve, abrangendo os trabalhadores da Ré, por si representados, para os dias
23 de Janeiro, 3 e 24 de Fevereiro, 10 de Março, 3, 4,
5, 6 e 7 de Abril de 1989;
4. A essas greves aderiu a quase totalidade dos associados do A.;
5. Na sequência dos mencionados pré-avisos de greve, a
Ré fez elaborar e difundir pelos seus órgãos e departamentos, diversas ordens de serviço, contendo uma lista dos serviços ditos "serviços mínimos", que deveriam ser exectutados durante os períodos de greve
(docs. ns. 7, 8, 9 e 10, juntos à P.I., a folhas 22 a
85 dos autos);
6. A Ré fez designar individualmente trabalhadores por ela própria escolhidos para a prestação desses
"serviços mínimos", em cada um dos períodos de greve declarados pelo A.;
7. Os trabalhadores filiados no Sindicato-Autor e designados para a prestação desses "serviços mínimos", são eles em número não inferior a 600 ou 700;
8. Esses trabalhadores não compareceram a prestação dos
"serviços mínimos" aludidos;
9. Em 27 de Fevereiro de 1989 a Ré emitiu a sua circular n. 2/89, que foi junta aos autos pelo A. com a
P.I. como documento n. 11 e que está a folha 86;
10. De harmonia com os termos da citada circular, a Ré tratou como faltas injustificadas as ausências dos trabalhadores grevistas, nomeados para executarem os ditos "serviços mínimos", que não compareceram a esses serviços;
11. A Ré subtraiu, na retribuição desses trabalhadores, não só os dias de cada greve, mas ainda os dias de descanso imediatamente anteriores e posteriores a esse período;
12. E também descontou, na antiguidade desses trabalhadores, os dias de greve e os dias de descanso imediatamente anteriores e posteriores a esse;
13. O Secretário de Estado dos Transportes Interiores, por despacho de 17 de Janeiro de 1989, de folha 99 dos autos, concordou com a definição dos "serviços mínimos" referida na Ordem de Serviço da Ré, aludida no documento de folha 99.
Como o instituto da greve é o ponto central das questões que se discutem neste recurso, não parece descabido fazer uma referência, ainda que breve, à história recente do mesmo na nossa ordem jurídica.
Com a implantação da Républica foi reconhecido aos trabalhadores portugueses o direito à greve pelo
Decreto de 6 de Dezembro de 1910, do Governo
Provisório, situação que se manteve até à eclosão do movimento do 28 de Maio de 1926.
Em consequência das novas concepções politico-sociais desde então prevalecentes, o diploma de 6 de Dezembro de 1910 foi revogado pelo Decreto-Lei n. 13183, de 15 de Fevereiro de 1927, sendo extinto o direito à greve ao arrepio, aliás, da sua crescente afirmação por várias ordens jurídicas sensíveis mudanças na concepção do Estado até então vigente. Tal alteração logo se traduziu na publicação do Decreto-Lei n. 392/74, de 27 de Agosto, que procurou definir regras sobre conflitos laborais e regulamentou o direito à greve. Este diploma procurou constitur um travão ao surto desordenado e excessivo de greves, que então deflagrou por efeito da euforia revolucionária que à época se instalou na sociedade portuguesa.
O direito à greve veio a ser consagrado no arigo 59 da Constituição de 1976 (hoje correspondente ao artigo 57, após as alterações introduzidas pela Lei n. 1/89, de 8 de Julho), vindo o seu exercício a ser regulado pela
Lei n. 65/77, de 26 de Agosto (de ora em diante designada por L.G.).
É este o diploma que se encontra hoje em vigor nesta matéria, tendo alguns dos seus preceitos, designadamente os artigos 5 e 8 sido objecto das alteraçoes constantes da Lei 30/92, de 20 de Outubro.
É, porém, a sua versão original que importa ter em conta para a solução das questões em causa neste recurso, visto os factos a considerar terem ocorrido entre Janeiro e Abril de 1989.
Posto isto, vejamos cada um dos problemas que são objecto do recurso.
A) COMPETIA À RECORRENTE NÃO SÓ DEFINIR OS "SERVIÇOS
MÍNIMOS" A CUMPRIR DURANTE A GREVE, COMO A ESOLHER E
ESCALAR AQUELES DOS SEUS EMPREGADOS QUE OS DEVESSEM
CUMPRIR?
A igualdade das partes, no âmbito do contrato de trabalho, é meramente formal, pois a supremacia da entidade patronal sobre o trabalhador, quer sob o ponto de vista económico mostra-se evidente.
Na verdade, através do referido contrato, o trabalhador põe à disposição da entidade patronal a sua força de trabalho mediante o pagamento de um preço, que é o salário ou a retribuição que recebe como contrapartida da referida disponibilidade. No entanto, a forma e os termos da prestação do trabalho ficam na dependência do empregador, que predispõe e organiza a actividade do empregado em vista dos interesses que se propõe a empresa alcançar. O que significa que o trabalhador, no desenvolvimento da prestação laboral, fica sujeito às ordens e direcção da pessoa servida - seja individual ou colectiva - ficando ainda sujeito ao poder disciplinar em que, por força do contrato, aquela fica investida. Tal poder traduz-se na possibilidade de impor sanções ao trabalhador de este, culposamente, cometer alguma infracção disciplinar, ou seja, de violar os deveres profissionais a que, legal ou contratualmente, estiver vinculado (cfr. artigos 1, 5,
20, 26, 27 e 31 do Decreto-Lei 49408 de 24 de Novembro de 1969).
O referido poder de punir, bem como o poder da direcção e organização da prestação da actividade do trabalhador sob a autoridade da entidade patronal, integram o que se designa por subordinação jurídica, que é o traço ou caracteristica espcífica do contrato de trabalho. A ponto de se poder afirmar que onde não há subordinação jurídica não haverá contrato de trabalho.
Este breve e esquemático desenho do conteúdo do contrato de trabalho é pacífico entre os nossos melhores autores em matéria de Direito de Trabalho, podendo citar-se o Doutor Monteiro Fernandes em
"Direito do Trabalho, Introdução. Relações Individuais do Trabalho, 9. edição, páginas 111-138, o Professor
Menezes Cordeiro, em "Manual de Direito de Trabalho", páginas 517-536 e 745-760 e Doutor Bernardo Lobo
Xavier, em "Curso de Direito do Trabalho", páginas
284-290 e 324 a 337.
Esclareça-se que subordinação jurídica não significa, no entanto, sujeição absoluta do trabalhador à vontade arbitrária da entidade patronal, uma vez que esta, em termos genéricos, está limitada pelo tipo de funções contratadas (categoria profissional), pelo período de trabalho acordado ou legalmente fixados (horário de trabalho) e pelo espaço estabelecido para a prestação do trabalhor (local de trabalho). Fora destes parâmetros, porém, a dependência jurídico-económica em que o trabalhador se encontra face à entidade patronal corresponde a uma significativa inferioridade, quer no plano humano, quer no plano contratual.
É neste quadro e neste contexto que melhor se compreende e explica o significado e a função da greve.
Esta aparece, com efeito, como uma forma de luta dos trabalhadores para conseguirem melhores condições de trabalho ou maiores regalias sociais, representando uma arma que a lei lhes confere para - passamos a citar - "restabelecer os equilíbrios entre as partes, já que aqueles se encontram numa posição enfraquecida no plano económico e até no plano jurídico, porque estão sujeitos a esquemas de coerção como os do contrato de trabalho, onde se encontram subordinados, e aos da organização empresarial dirigida pelo empregador"
(Bernardo Lobo Xavier, in "Iniciação ao Direito do
Trabalho", página 86).
A greve, no dizer do citado autor, pode definir-se como
"a abstenção de prestação do trabalho por um grupo de trabalhadores, como meio de realizar objectivos comuns"
(ibidem página 36). Trata-se, assim, de uma omissão concertada de trabalho, promovida pelas organizações sindicais representativas dos grevistas, visando forçar a entidade patronal a satisfazer reivindicações de natureza profissional que aquela se recusa conceder.
Tratar-se de um direito consagrado na C.R.P. que a formula no seu artigo 59 (actual artigo 57) nos termos seguintes: "1. É garantido direito à greve. 2. Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito. 3. É garantido o loch-out".
Pese embora a latitude com que está formulado, o direito à greve comporta restrições ao seu pleno exercício, as quais estão contempladas no artigo 8 da
L.G., designadamente nos seus ns. 1, 2 e 3. Trata-se, aliás, da disposição legal que está no centro da questão que estamos a abordar.
As referidas restrições respeitam ao trabalho que é exigido aos grevistas para preservação da segurança e manutenção das instalações e equipamentos da empresa afectada pela greve (n. 3) e para a execução dos chamados "serviços mínimos" relativos a empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis (ns. 1 e 2).
Tais medidas visam a defesa de interesses da comunidade empresarial, os primeiros, e interesses gerais da sociedade, os segundos.
São estes que estão em causa, a eles se referindo o n.
1 do artigo 8 da L.G. nos termos seguintes: "Nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades impreteríveis ficam as associações sindicais e os trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades".
Não identifica a referida disposição legal qual a entidade que define e concretiza os "serviços mínimos" a prestar, mas o acórdão recorrido decidiu que "compete
às empresas a definição do quadro dos serviços mínimos, bem como a indicação do número e da qualificação dos trabalhadores necessários para o efeito".
Esta decisão está de acordo e confirma a tese que a
Ré, ora recorrente, sempre sustentou nos autos neste particular, o que significa que evite questão foi a mesma parte vencedora. Não pode dela obviamente recorrer por força do disposto no artigo 680 n. 1 do
Código de Processo Civil, sendo por isso irrelevante o n. 1 das conclusões, das suas alegações, em que pretenda ver reafirmado o que a tal respeito já consta da decisão recorrida que, neste aspecto, transitou em julgado.
É certo que o Sindicato A., ora recorrido, se opõe a tal decisão na alínea c) das conclusões das suas contra-alegações dizendo, nomeadamente, que "apenas às associações sindicais compete a definição dos serviços mínimos..". Trata-se, porém, de posição meramente académica e sem qualquer relevância prática. E que o referido Sindicato não interpôs recurso do acórdão em causa e, por isso, como é jursprudência assente, não pode, como recorrido, pretender, nas suas contra-alegações, a alteração da parte desfavorável da decisão de que não recorreu (cfr., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de
1995, in "Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal de
Justiça" n. 401, página 621).
Tem, assim, de concluir-se que a questão relativa à definição dos "serviços mínimos" se encontra resolvida por decisão transitada em julgado, não podendo, por isso, ser objecto de apreciação neste recurso.
Não assim, porém, no que respeita à da entidade competente para escolher individualmente os trabalhadores que deverão assegurar a prestação dos referidos "serviços mínimos".
A decisão recorrida pronunciou-se no sentido de que tal competência pertence unicamente às associações sindicais, enquanto a recorrente pretende que a mesma lhe pertencia a ela, porque incluída nos seus poderes de gestão, sendo certo que os trabalhadores para o efeito designados não poderiam aderir à greve, não ocorrendo perante a eles, em consequência, a suspensão dos respectivos contratos de trabalho.
Não tem razão a recorrente.
Nos termos do n. 1 do artigo 7 da L.G. "A greve suspende, no que respeita aos trabalhadores que a ela aderiram, as relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente, o direito à retribuição e, em consequência, desvincula-os dos deveres de subordinação e assiduidade". Por outro lado, o n. 1 do artigo 8 já atrás citado, atribui às "associações sindicais" e aos trabalhadores a obrigação de assegurarem, durante a greve, a prestação dos falados serviços mínimos.
Ao contrário do que sustenta a recorrente a prestação de trabalho pelos grevistas no cumprimento dos
"serviços mínimos" suspende os contratos de trabalho daqueles, nos termos consignados na lei. Ou seja, os grevistas deixam então de estar na dependência jurídica da entidade patronal, o que significa que esta deixa de poder exigir-lhes a prestação do trabalho pressuposto pelo respectivo contrato, ficando os mesmos desonerados do dever de assiduidade, ou seja, da comparência no local de trabalho. Em contrapartida, o empregador vê cessado o seu dever de pagar a retribuição enquanto durar a greve. A suspensão do contrato paralisa os principais direitos e deveres das partes, sem prejuízo de os empregados manterem deveres instrumentais ou acessórios, como os deveres de lealdade e custódia.
Este quadro aponta, sem dúvida, no sentido de que a entidade patronal perde durante a greve, a competência para escalar os trabalhadores necessários à satisfação dos "serviços mínimos", sendo as associações sindicais
- ou as assembleias de trabalhadores, no caso de serem estas a decidir do recurso à greve (artigo 2 n. 2 da
L.G.) - quem passa a der tal competência, como resulta de ser a elas que a lei comete a obrigação de
"assegurar" a prestação dos serviços em causa.
Embora pareça paradoxal que os trabalhadores que prestem a sua actividade durante a greve se devam considerar "em greve" enquanto esta pressuponha justamente a abstenção de trabalhar, a verdade é que mantém tal estatuto.
A tal respeito escreve Monteiro Fernandes em "Direito de Greve" - Notas e Comentários à lei 65/77 de 26 de
Agosto", página 60: "Cabe ao Sindicato que declarou a paragem e os trabalhadores aderentes assegurar, à margem da execução dos contratos de trabalho (pois estes ficam suspensos durante a greve e, de qualquer modo, as referidas obrigações não tem o empregador como sujeito activo) a prestação da actividade necessária e adequada à realização desses fins. Por isso se sustenta que a necessidade de executar o trabalho, imposta a alguns trabalhadores aderentes à greve, não traduz verdadeira privação do correspondente direito: a greve está de pé e a obrigação contratual não é cumprida; a actividade a exercer pode até nem coincidir com aquela para preencher o comportamento normalmente devido pelo trabalhador - pode ser reduzida ou aumentada, conforme as circunstâncias".
O mesmo Autor exprime a mesma ideia em "Noções Fundamentais de Direito do Trabalho - Relações
Colectivas de Trabalho", página 306: "A Obrigação imposta pelo n. 1 do artigo 8 envolve a necessidade de permanência ao serviço de um certo número (variável, nos termos apontados) de trabalhadores, ainda que participantes no concerto grevista e aderentes à paralisação".
Por seu turno, o Professor Bernardo da Gama Lobo Xavier em "Curso de Direito do Trabalho", página 179 escreve:
"Entendemos que a entidade patronal, em face do quadro das necessidades, definirá o número e a qualificação dos trabalhadores de que precisa, devendo as associações sindicais e os trabalhadores assegurar a satisfação em concreto dessas mesmas necessidades, designadamente individualmente aqueles que assegurarão os serviços essenciais".
Também o Professor Menezes Cordeiro em "Manual de
Direito do Trabalho" escreve a página 391: "Nas
Sociedades abertas à greve é, sobretudo" uma guerra da opinião pública. Fica, pois, claro para os trabalhadores em greve não deixam de o estar por, nos termos da lei e em obediência aos valores mais profundos da sociedade, assegurarem os serviços mínimos vitais".
De tudo se conclui, que a Ré ao "designar individualmente trabalhadores por ela própria escolhidos para a prestação desses "serviços mínimos, em cada um dos períodos da greve declarados pelo Autor"
(ponto n. 6 da Matéria de Facto) excedeu as suas competências e atribuições, violando o artigo n. 8 da
L.G.
Não merece, assim, qualquer censura o decidido a tal respeito acórdão recorrido, improcedendo os ns. 1 a 7 das conclusões.
B) NÃO COMPARÊNCIA DOS TRABALHADORES ESCALADOS PELA RÉ
À PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS MÍNIMOS.
Mostra-se provado que "os trabalhadores filiados no Sindicato-Autor, e designados para a prestação desses
"serviços mínimos" são eles em número não inferior a
600 ou 700"; que "esses trabalhadores não compareceram
à prestação dos "serviços mínimos" aludidos "; que" em
27 de Fevereiro de 1989 a Ré emitiu a sua circular n.
2/89, que foi junta aos autos pelo A., com a sua P.I., como doc. n. 11 e que esta a folha 86"; que "de harmonia com os termos da citada circular a Ré tratou como faltas injustificadas as ausências dos trabalhadores grevistas, nomeados para executarem os ditos "serviços mínimos", que não compareceram a esses serviços"; e que "a ré subtraiu, na retribuição desses trabalhadores não só os dias de cada greve, mas ainda os dias de descanso imediatamente anteriores e posteriores a esse período"; e que "também descontou, na antiguidade desses trabalhadores, os dias de greve e os dias de descanso imediatamente anteriores e posteriores a esse" (ns. 7 a 12, inclusive, da Matéria de Facto).
Dos factos acima descritos resulta que houve trabalhadores grevistas escalados pela Ré para prestarem os "serviços mínimos" que não compareceram à prestação dos mesmos e, por conseguinte, não os efectuaram; e que, por via disso, a Ré os considerou em situação de faltas injustificadas e lhes deu o tratamento que para as mesmas é previsto nos ns. 1 e 2 do artigo 27 do Decreto-Lei 874/76, de 28 de Dezembro, ou seja, o referido nos pontos 9, 10, 11 e 12 da M.F. atrás referida.
Podia fazê-lo?. Não podia e por várias razões.
Em primeiro lugar, a recorrente não tinha poderes para efectuar a designação ou escalação individual dos trabalhadores grevistas que deveriam executar os
"serviços mínimos", depois, porque a greve suspendeu os contratos de trabalho entre a Ré e os seus empregados grevistas no assento de subordinação jurídica destes
àquela, ou seja, subtraíndo-os ao dever de obedecer às ordens da entidade patronal; finalmente e ainda como decorrência da suspensão do contrato estavam os grevistas desobrigados do dever de assiduidade, ou seja, de comparecerem ao serviço no quadro da relação contratual. A falta injustificada pressupõe a violação de tal dever e se este inexiste, é evidente que aquela não se verifica.
Daí que a única consequência de falta de comparência à prestação dos "serviços mínimos" seja a prevista no n.
4 do artigo 8 da L.G., cujo teor é o seguinte: "No caso de não cumprimento do disposto neste artigo, o governo poderá determinar a requisição ou mobilização, nos termos da lei aplicável".
Assim, face à falta dos trabalhadores que devessem efectuar os "serviços mínimos", a recorrente não podia mais do que descontar-lhes a retribuição por cada dia de greve nos termos do n. 1 do referido artigo 8 - nada mais.
Para além disto os faltosos ficavam sujeitos à requisição civil a ordenar pelo governo, sendo esta a
única reacção específica ao incumprimento dos deveres de que nos estamos ocupando. A este respeito observa
Monteiro Fernandes em "Direito de Greve": "A requisição civil, regulada pelo Decreto n. 637/74, de 20 de
Novembro, constitui, ela, uma verdadeira privação do direito da greve ser acto do governo, enquanto implica a objectiva prestação de serviços, porventura sob um regime disciplinar decalcados do da função pública.
A recusa da prestação de trabalho por um trabalhador requisitado configura-se, pois, como desobediência a uma ordem da autoridade pública, e é normalmente sancionada por meios disciplinares (quer de acordo com o regime do contrato de trabalho, quer por aplicação do da função pública, conforme o que for indicado na portaria reguladora da requisição" (páginas 69-70).
A este regime não obsta o preceituado no artigo 11 da
L.G., segundo o qual "A greve declarada com inobservância do disposto no presente diploma faz incorrer os trabalhadores grevistas no regime de faltas injustificadas". É que, como bem sublinha Monteiro
Fernandes, "As situações previstas neste artigo são apenas as que envolvam violação das exigências processuais definidas pela L.G. quanto ao exercício do direito..." (obra cit., página 71) - é manifesto que a situação dos autos nada tem a ver com os requisitos processuais subjacentes à "declaração" de greve e, por isso, a sua doutrina não se lhe aplica.
Não há, assim, lugar à alteração do decidido no aspecto em causa pelo douto acórdão da Relação improcedendo em consequência os ns. 8 a 11 das conclusões.
Nestes termos acorda-se nesta Secção Social em negar provimento ao recurso, confirmando-se por inteiro a decisão recorrida.
Custas legais a cargo da recorrente.
Lisboa, 4 de Outubro de 1995.
Loureiro Pipa.
Carvalho Pinheiro.
Correia de Sousa.