Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
526/12.3TASJM.P2.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
PRESSUPOSTOS
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
BURLA
FALSIFICAÇÃO OU CONTRAFAÇÃO DE DOCUMENTO
COMPARTICIPAÇÃO
AÇÃO EXECUTIVA
Data do Acordão: 02/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - A prática de um crime é possível fundamento de duas pretensões contra os seus agentes: uma ação penal, para condenação e aplicação das sanções penais adequadas e uma ação cível, para ressarcimento dos danos a que o crime tenha dado causa.
A unidade da causa entre as duas ações, a sua estrita conexão, levou o legislador a estabelecer no art. 71.º do CPP, que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.
O pedido de indemnização a deduzir no processo penal deve ter por causa de pedir os mesmos factos que são também o pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado.
II - Todos os arguidos, foram absolvidos da prática dos crimes de burla de que vinham pronunciados e pelos quais haviam sido condenados em 1.ª instância.
A arguida/demandada foi condenada, com os coarguidos J[…] e M[…], apenas pela prática de um crime de falsificação de documento, mais concretamente, da falsificação da letra de câmbio dada à execução pela M[…]. Assim, os prejuízos causados pela demandante à demandada, que emergem do crime de falsificação de documento, são os que resultam da falsificação da letra de câmbio dada à execução, existindo, no caso, um nexo de causalidade adequada entre a falsificação da letra de câmbio dada à execução e o prejuízo decorrente da demandada não conseguir pagar-se dos bens penhorados nessa execução, avaliados em € 10.115,00.
III - Entendemos, em face do exposto, não merecer censura a decisão recorrida no sentido de que a responsabilidade solidária da demandada M[…] na obrigação de indemnizar a demandante não poderá ultrapassar o valor de € 10.115,00.
Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 526/12.3TASJM.P2.S1

Recurso Penal

Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I- Relatório

1. Pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., foram submetidos a julgamento nos presentes autos, em processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, os arguidos AA, BB, CC, DD, EE e FF, todos devidamente identificados e, no final do mesmo, foi proferido acórdão em 16/112020, que julgando a pronúncia procedente, decidiu:

A- Condenar a arguida CC pela prática, em coautoria material com os arguidos AA e BB, de:  - um crime de burla qualificada tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º, 217º, n.º 1 e 218º, n.ºs 1 e 2 al. a) do Código Penal, na pena de prisão de 1 ano e 9 meses (um ano e nove meses) (Processo n.º 887/11…) e

- um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa (Processo n.º 887/11…);

- um crime de burla qualificada tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º, 217º, n.º 1 e 218º, n.ºs 1 e 2 al. a) do Código Penal, na pena de prisão de 2 anos (dois anos) (Processo n.º 763/11…) e

- um crime de falsificação de documento simples, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa (Processo n.º 763/11…); - um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2 al. a) com referência ao art. 202º, al. b) do Código Penal, na pena de prisão de 3 anos e 9 meses (três anos e nove meses) de prisão (Processo n.º 1857/11…); 

- um crime de falsificação de documento simples, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa (Processo n.º 1857/11…); - um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 1) com referência ao art. 202º, al. a) do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa (Processo n.º 1192/11…); 

- um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.ºs 1 als. d) e e) e 3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa (Processo n.º 1192/11…); 

- Condenar a arguida CC nas penas únicas de: 

a) 5 (cinco) anos de prisão, suspensa por igual período mediante a condição de pagar à assistente “Ribacouro - Comércio Internacional de Couros, Lda, Lda.”, o montante de €18.000,00 (dezoito mil euros) devendo comprovar nos autos até metade do período de suspensão da pena de prisão o pagamento de metade do valor ora fixado e

b) 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de €9,00 (nove euros), perfazendo €3.600,00 (três mil e seiscentos euros); 

B - Condenar o arguido AA, em coautoria material com os arguidos CC e BB: 

- um crime de burla qualificada tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º, 217º, n.º 1 e 218º, n.ºs 1 e 2 al. a) do Código Penal, na pena de prisão de 1 ano e 9 meses (um ano e nove meses) (Processo n.º 887/11…) e 

- um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa (Processo n.º 887/11…); - um crime de burla qualificada tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º, 217º, n.º 1 e 218º, n.ºs 1 e 2 al. a) do Código Penal, na pena de prisão de 2 anos (dois anos) (Processo n.º 763/11…) e 

-  um crime de falsificação de documento simples, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa (Processo n.º 763/11…); - um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2 al. a) com referência ao art. 202º, al. b) do Código Penal, na pena de prisão de 3 anos e 9 meses (três anos e nove meses) de prisão (Processo n.º 1857/11…); 

- um crime de falsificação de documento simples, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa (Processo n.º 1857/11…); - um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 1) com referência ao art. 202º, al. a) do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa (Processo n.º 1192/11…);

- um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.ºs 1 als. d) e e) e 3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa (Processo n.º 1192/11…); 

- Condenar o arguido AA nas penas únicas de:  

a) 5 (cinco) anos de prisão, suspensa por igual período e

 b) 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de €6,50, perfazendo €2.600,00 (dois mil e seiscentos euros); 

      C- Condenar o arguido BB pela prática, em coautoria material com os arguidos CC e AA, de: 

- um crime de burla qualificada tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º, 217º, n.º 1 e 218º, n.ºs 1 e 2 al. a) do Código Penal, na pena de prisão de 1 ano e 9 meses (um ano e nove meses) (Processo n.º 887/11…) e

- um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa (Processo n.º 887/11…); 

- um crime de burla qualificada tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º, 217º, n.º 1 e 218º, n.ºs 1 e 2 al. a) do Código Penal, na pena de prisão de 2 anos (dois anos) (Processo n.º 763/11…) e

- um crime de falsificação de documento simples, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa (Processo n.º 763/11…); - um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2 al. a) com referência ao art. 202º, al. b) do Código Penal, na pena de prisão de 3 anos e 9 meses (três anos e nove meses) de prisão (Processo n.º 1857/11…); 

- um crime de falsificação de documento simples, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa (Processo n.º 1857/11…); - um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 1) com referência ao art. 202º, al. a) do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa (Processo n.º 1192/11.); 

- um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.ºs 1 als. d) e e) e 3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa (Processo n.º 1192/11…); 

- Condenar o arguido BB nas penas únicas de: 

a) 5 (cinco) anos de prisão, suspensa por igual período mediante a condição de pagar à assistente “Ribacouro – Comércio Internacional de Couros, Lda”, o montante de €12.000,00 (doze mil euros) devendo comprovar nos autos até metade do período de suspensão da pena de prisão o pagamento de metade do valor ora fixado e 

b) 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de €8,00 (oito euros), perfazendo €3.200,00 (três mil e duzentos euros); 

D - Absolver a arguida DD, da prática, em coautoria, de: 

- 1 (um) crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 22º, 26º, 73º, 217º/1 e 2, 218º/2, a), do Código Penal (processo 763/11…); 

- 2 (dois) crimes de burla qualificada na forma consumada, um, previsto e punido pelo disposto nos arts. 217º/1 e 218º/1 do Código Penal (processo 1192/11…) e outro previsto e punido pelo disposto nos arts. 217º/1 e 218º/2, a), do Código Penal (processo 1857/11…); 

- 2 (dois) crimes de falsificação de documento simples, previstos e punidos pelo disposto no art. 256º/1, d) e e) do Código Penal (cada um dos contratos promessa usados nos processos 763/11…, 1857/11…);

- 1 (um) crime de falsificação de documento agravado, previsto e punido pelo disposto no art. 256º/1, d) e e), e 3 do Código Penal (a letra de câmbio usada no processo executivo 1192/11. ...; 

E - Condenar a arguida DD pela prática, em coautoria material com os arguidos BB e FF, de:  - um crime de burla qualificada tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º, 217º, n.º 1 e 218º, n.ºs 1 e 2 al. a) do Código Penal, na pena de prisão de 1 ano e 9 meses (um ano e nove meses) suspensa por igual período mediante a condição de pagar à assistente “Ribacouro – Comércio Internacional de Couros, Lda”, o montante de €3.150,00 (três mil cento e cinquenta euros) devendo comprovar nos autos, até metade do período de suspensão da pena de prisão, o pagamento de metade do valor ora fixado (Processo n.º 887/11…) e 

- um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo €780,00 (setecentos e oitenta euros) (Processo n.º 887/11…); 

F - Condenar o arguido FF pela prática, em coautoria material com os arguidos BB e DD, de:

- um crime de burla qualificada tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º, 217º, n.º 1 e 218º, n.ºs 1 e 2 al. a) do Código Penal, na pena de prisão de 1 ano e 9 meses (um ano e nove meses) suspensa por igual período mediante a condição de pagar à assistente “Ribacouro – Comércio Internacional de Couros, Lda”, o montante de €4.200,00 (quatro mil e duzentos euros) devendo comprovar nos autos, até metade do período de suspensão da pena de prisão, o pagamento de metade do valor ora fixado (Processo n.º 887/11…) e 

- um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. d) e e) do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de €8,00 (oito euros), perfazendo €960,00 (novecentos e sessenta euros) (Processo n.º 887/11…); 

G - Condenar a arguida EE, pela prática em coautoria material com os arguidos AA e BB de:  - um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 1) com referência ao art. 202º, al. a) do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa (Processo n.º 1192/11…); 

- um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.ºs 1 als. d) e e) e 3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa (Processo n.º 1192/11…);

Em cúmulo jurídico, aplicar-lhe a pena única de multa de 260 (duzentos e sessenta) dias à taxa diária de €7,5 (sete euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante global de € 1.950,00 (mil novecentos e cinquenta euros); 

H - Condenar cada um dos arguidos nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça devida em 4 UCs (cf. artigo 513.º, nºs 1 a 3, do CPP e artigo 8.º, nº9, do RCP, por referência à tabela III);  

I - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante “Ribacouro – Comércio Internacional de Couros, Lda”, contra os demandados CC, AA, BB, DD, FF e EE, e condenar estes a pagar-lhe, solidariamente, a quantia de €121.267,16, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação dos demandados até efetivo e integral pagamento; 

J - Custas cíveis por demandante e demandados na proporção do respetivo decaimento que se fixa em 30% e 70% respetivamente.

2. Inconformados com a decisão proferida em 1.ª instância, dela interpuseram recurso para o Tribunal da Relação ..., os arguidos EE, BB, DD, AA e FF.

Por acórdão de 23 de junho de 2021, o Tribunal da Relação ..., decidiu (transcrição):

 “…conceder provimento parcial aos recursos interpostos pelos arguidos e, em consequência:

- Revogam a decisão recorrida no que respeita à condenação dos arguidos pela prática dos crimes de burla na forma consumada e tentada pelos quais foram condenados em primeira instância, absolvendo-os da prática de tais crimes, aqui se incluindo a arguida CC, não recorrente.

- Confirmam a decisão recorrida no que respeita às condenações pelos crimes de falsificação de documento simples e agravado e as respectivas penas concretas parcelares e unitária aplicadas aos recorrentes.

- Reduzem a responsabilidade solidária da arguida EE no que respeita à indemnização devida à demandante cível a qual terá como limite máximo o valor de € 10.115, 00, (dez mil cento e quinze euros).

No que respeita aos restantes arguidos mantém-se inalterada a condenação cível constante do Acórdão recorrido.”.

3. Inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a assistente Ribacouro – Comércio Internacional de Couros, Lda, concluindo do modo seguinte (transcrição):

1. O Venerando Tribunal da Relação ... proferiu Acórdão, que com o devido respeito, não se pode concordar, e que, revogou o acórdão proferido no processo comum, com julgamento em Tribunal Coletivo, no processo n.º 526/12...., Juiz ..., do Juízo Criminal ..., no que respeita i) à condenação dos arguidos pela prática dos crimes de burla na forma consumada e na forma tentada, absolvendo-os da prática de tais crimes, e, bem assim, no que respeita ii) à responsabilidade solidária da arguida EE, quanto à indemnização devida à demandante cível, aqui recorrente, fixando à mesma o limite máximo o valor de 10.115,00 €, revogando a condenação solidária de todos os arguidos, em co-autoria no montante de 121.267,16 €, efetuada pelo acórdão do Coletivo em primeira instância.

2. É quanto a estes dois segmentos do Acórdão do Tribunal da Relação ..., que a Recorrente não se conforma e sobre os quais incide o presente recurso da Assistente.

I – Quanto à absolvição quanto aos crimes de burla

3. O Tribunal da Relação ... decidiu revogar a anterior condenação, nos termos constantes no ..., para o que teceu as seguintes considerações:

“Vejamos!

Seguindo os ensinamentos do Acórdão desta Relação de 16 de Fevereiro de 2005, publicado in Col. Jurisprudência ano 2005, T.I, pág. 219, citado pelo Acórdão recorrido:

«Para distinguir os pressupostos da burla do mero incumprimento de obrigações civis, o critério tradicional consiste em assinalar que os negócios civis se criminalizam quando o propósito de enganar precede a celebração do contrato ou concorre no momento da celebração do contrato, determinando a vontade da outra parte. O dolo de incumprimento das obrigações tem, pelo contrário, carácter subsequente e surge posteriormente à conclusão de um negócio lícito contraído de boa fé, na fase de cumprimento e execução. Vives Antón, (Derecho Penal, parte especial citado no referido arresto, pág, 403), refere diversas sentenças do Supremo Tribunal de Espanha que fixaram a linha divisória entre a burla e o incumprimento civil no momento da aparição da vontade do incumprimento da prestação: se o ânimo de não cumprir existia ab initio haverá burla se surge posteriormente não.» Trata-se, pois, de saber se no momento da conclusão do negócio se verificava por parte dos arguidos um intuito de obtenção de lucro ilícito para além do lucro que é inerente ao negócio.

Passemos então à análise dos factos para aferir da intenção inicial que determina o comportamento dos arguidos.

O crédito e subsequente prejuízo da assistente Ribacouro – Comércio Internacional de Couros, Lda., resulta das transacções comerciais com a Brasipel – Importação & Exportação, Lda, gerida pelos arguidos AA e BB.

Ponto nº4 dos factos provados:

«4. No âmbito dessas relações comerciais a assistente forneceu à “Brasipel”, em datas não apuradas do ano de2011, mas anteriores a Agosto, mercadoria que ascendia ao montantede€178.936,11,para cujo pagamento foram entregues quatro cheques pré-datados, vindo o primeiro, de €40.000,00 a ser pago no seu vencimento, em 31/05/2011, mas os demais, apresentados a pagamento nas datas neles apostas, viriam a ser devolvidos por falta de provisão, deixando assim em dívida a quantia de €138.936,11.»

Não resulta destes factos que no momento inicial da conclusão do negócio os arguidos estivessem com reserva mental e intenção de não proceder ao pagamento desde logo porque pagaram o primeiro dos cheques oferecidos como meio de pagamento.

Posteriormente foi acordado com a assistente o pagamento do referido montante, acrescido de juros no montante de €5.148,24, no total de€144.084,24, em doze prestações mensais, iguais e sucessivas, de 12.007,02€ cada uma – parte final do ponto 5 da matéria de facto provada.

«6. Para o efeito, a sociedade arguida, através daqueles seus representantes legais, entregou em 11/8/2011 à assistente 12 letras de câmbio correspondentes àquelas prestações mensais, vencendo-se a primeira em 31/10/2011, as quais foram aceites pela sociedade e avalizadas pessoalmente pelos referidos representantes, AA e BB, e ainda por DD, casada com BB, assinando todos, nessa mesma data, uma declaração escrita cujo teor consta de fls. 12 a 14 e aqui se dá por reproduzido.

7. O pagamento da primeira letra, aceite 463/..., foi efetuado no prazo de vencimento acordado, sendo que o pagamento da segunda letra, aceite 464/..., já aconteceu no âmbito do processo executivo n.º 519/11.... da secção única do Tribunal Judicial ..., em acção executiva instaurada para o efeito em 15/11/2011, com o pagamento a ser declarado pelo Sr. Solicitador de Execução em 27/12/2011.

(...)

9.Os arguidos não procederam ao pagamento de qualquer outro montante inscrito nas demais letras de câmbio que, entretanto, se venceram.»

Entretanto os arguidos AA e BB, na qualidade de gerentes da Brasipel em 20/02/2012 apresentaram a sociedade à insolvência.

Houve lugar à publicidade da insolvência da “Brasipel” no portal “Citius” mas apenas em 24.4.2012 (dia designado para realização da assembleia de credores) por lapso de um funcionário judicial, o que levou a que, aquando da assembleia de credores apenas estivessem representados e presentes os cinco maiores credores e a Fazenda Nacional.

Mercê de tal lapso, a assistente, a par de outros credores, não participou na assembleia de credores, nem realizou a respectiva reclamação de créditos dentro do prazo legal, assim como não se pronunciou quanto ao incidente de qualificação de insolvência que, na ausência de qualquer contestação ao parecer do Administrador da Insolvência nomeado sob indicação da insolvente "Brasipel", foi qualificada de fortuita.

Como se vê a circunstância de à assistente não ter sido facultada a reclamação do seu crédito no processo de insolvência da Brasipel não foi imputável a nenhum dos arguidos, na verdade, ao contrário do alegado pela assistente, esta sempre fez parte da lista de credores apresentada pela Brasipel no processo de insolvência, que na petição inicial, quer quando da apresentação da lista definitiva.

Ficou apurado que as razões da insolvência ficaram a dever-se ao elevado número de créditos incobráveis, resultado da declaração de insolvência de vários clientes, o que se veio a repercutir na liquidez da empresa como é lógico. No encerramento da empresa havia cerca de 400 000 euros que ficaram por cobrar e as existências foram alienadas por baixo valor atenta a sua diminuta qualidade.

Mais se apurou que nos últimos 3 anos de exercício da actividade da Brasipel, os incobráveis chegaram a atingir mais de um milhão e quinhentos mil euros.

A empresa sofreu o impacto da introdução no mercado da concorrência feita pelos fabricantes do ... e da ... que têm custos de fabrico mais baixos e por isso apresentam preços mais competitivos.

Não se apuraram quaisquer atos lesivos da empresa e dos respectivos credores por parte dos responsáveis.

A sociedade ao apresentar-se à insolvência reflectiu na contabilidade a sua verdadeira situação económico-financeira.

Nos autos de insolvência não houve notícia que algum interessado tenha requerido   da insolvência como culposa e o Acórdão desta Relação que recaiu sobre o despacho de pronúncia entendeu que os arguidos não deviam ser pronunciados pelo crime de insolvência dolosa p.p. pelo art. 227 do CP.

É certo que quando viram a sua situação económica a complicar-se os arguidos usaram todo tipo de expedientes para esvaziar o seu património de bens e defraudar as garantias e expectativas dos seus credores, o que é eticamente censurável, mas insere-se no chamado dolo de incumprimento que surge em momento posterior ao negócio, não se vislumbrando nos factos que se possam ter por preenchidos os crimes de burla relativamente aos quais assistente seja ofendida, dado que não se prova que no momento em que realizaram os negócios os arguidos estivessem de má fé, sendo certo que os arguidos GG, DD, FF e EE, nunca mantiveram quaisquer relações com a assistente.

No caso sub judice também não podem subsumir-se os factos ao crime de frustração de créditos

p.p. pelo art. 227-A do CP, por o crédito da assistente não ser titulado por sentença condenatória exequível, mas por outro tipo de títulos executivos.

Tais comportamentos moralmente censuráveis por parte dos arguidos tiveram por base a salvaguarda do remanescente do seu património, e não visaram como objectivo principal, o prejuízo dos credores.

Nestes termos, concluímos que assiste razão aos recorrentes no sentido de que os factos constantes da matéria de facto assente não são de molde a preencher os elementos típicos dos crimes de burla pelos quais foram pronunciados e condenados em primeira instância, e por esse motivo, terão os arguidos de ser absolvidos dos mesmos, incluindo a arguida não recorrente por força do disposto no art. 403 nº 3 do CPP.”

4. Salvo o devido respeito que é muito, o Acórdão do Tribunal da Relação, efetuou uma errada subsunção dos factos provados ao tipo legal do crime de burla, sendo que, desconsiderou factos provados que necessariamente conduzem a decisão diversa da proferida, aliás, a aprofundada motivação do Coletivo de Primeira instância, efetuou uma correta apreciação dos factos provados e subsunção dos mesmos ao tipo de crime, não merecendo qualquer reparo.

5. A matéria de facto considerada provada pelo Coletivo, apesar de ter sido impugnada pelos recorrentes, não foi alterada pelo Tribunal da Relação, pelo que se encontra definitivamente fixada.

6. O certo é que o Tribunal da Relação fundamentou a revogação da condenação, por referência à matéria provada nos pontos 4, parte final do ponto 5, e pontos 7 e 9 dos factos provados.

7. Foi desconsiderada a restante matéria factual considerada provada, designadamente, a matéria vertida no Ponto 8 dos factos provados, a qual por si determinaria conclusão diversa da alcançada.

8. Apesar da factualidade provada e da extensa fundamentação constante do acórdão do Tribunal de primeira instância, o Tribunal da Relação não atentou no momento em que nasceu na vontade e o propósito dos arguidos em enganar a assistente, fazendo uma errada subsunção dos factos provados ao tipo de crime de burla.

9. O acórdão de que se recorre considerou que o momento não se verificou aquando da formalização do negócio enunciado no ponto 4 dos factos provados, e, nessa medida bem, pois que o acórdão do Tribunal de primeira instância também não o valorou nesse sentido.

10. Com efeito, o enunciado no ponto 4 dos factos provados “4. No âmbito dessas relações comerciais a assistente forneceu à “Brasipel”, em datas não apuradas do ano de 2011, mas anteriores a Agosto, mercadoria que ascendia ao montante de €178.936,11, para cujo pagamento foram entregues quatro cheques pré-datados, vindo o primeiro, de € 40.000,00 a ser pago no seu vencimento, em 31/05/2011, mas os demais, apresentados a pagamento nas datas neles apostas, viriam a ser devolvidos por falta de provisão, deixando assim em dívida a quantia de €138.936,11.”, apenas determinou o ponto de partida para o desiderato dos arguidos, em estabelecerem o cenário e o propósito de enganar a assistente.  

11. Atente-se que, os cheques entregues pelos arguidos, para pagamento das mercadorias fornecidas pela assistente, foram devolvidos por falta de pagamento, e os arguidos necessitavam justificá-los perante a respetiva instituição bancária de modo a obviarem a inibição, e, bem assim, evitarem o desencadear das respetivas diligências executivas por parte da assistente, com vista à cobrança coerciva dos montantes neles titulados.

12. Atente-se que, aquando da devolução dos cheques, a Brasipel, LDA, detinha património suficiente para a assistente executar a cobrar os respetivos montantes.

13. Porém, os arguidos decidiram que iriam colocar a salvo da cobrança da assistente os bens da referida sociedade, e, bem assim, os seus bens próprios, sendo que para o efeito necessitavam do tempo suficiente para concretizar as respetivas ações judiciais, a que se propuseram.

14. A factualidade provada no ponto 8, omitida no acórdão da Relação ... aqui colocado em crise, estabelece o início da “mise em scene” em que consistiu a astúcia, o estratagema a maquinação para enganar a assistente, tendo sido considerado provado que sic “8. Ao aceitar prestar os avales pessoais, os arguidos AA e BB sabiam que a assistente aguardaria pelo pagamento das letras, não desenvolvendo diligências de cobrança coerciva das mesmas enquanto aquelas fossem sendo pagas, procedendo por essa razão ao pagamento das duas primeiras letras que se venceram.”

15.Não poderemos esquecer que também foi considerado provado nos pontos 5 e 6 dos factos provados, sic “5. A sociedade arguida “Brasipel”, representada pelos arguidos AA e BB, propôs à assistente o pagamento diferido, em prestações, do valor em dívida, tendo, após negociações, acordado com a assistente no pagamento do referido montante, acrescido de juros no montante de €5.148,24, no total de €144.084,24, em doze prestações mensais, iguais e sucessivas, de 12.007,02€ cada uma.” , e bem assim“6. Para o efeito, a sociedade arguida, através daqueles seus representantes legais, entregou em 11/8/2011 à assistente 12 letras de câmbio correspondentes àquelas prestações mensais, vencendo-se a primeira em 31/10/2011, as quais foram aceites pela sociedade e avalizadas pessoalmente pelos referidos representantes, AA e BB, e ainda por DD, casada com BB, assinando todos, nessa mesma data, uma declaração escrita cujo teor consta de fls. 12 a 14 e aqui se dá por reproduzido. – Sublinhados nossos.

16. Se atentarmos, no facto provado 6, o mesmo refere e dá por reproduzido o documento que titula a entrega das letras à assistente.

17. Ora, aquando da entrega das letras à assistente já os arguidos haviam dado início às ações destinadas a “esvaziar” os respetivos patrimónios de todos os obrigados cambiários das letras, não apenas o da sociedade que as aceitou, como também dos arguidos que lhes prestaram os avales.

18. O acórdão da Relação errou, quando assumiu que o propósito de enganar ocorreu após a emissão das letras e por não ter sido possibilitado à assistente a reclamação do seu crédito no processo de insolvência, em virtude do lapso na publicação no CITIUS da declaração de insolvência.

19. Com efeito, o erro do Tribunal da Relação resulta da fundamentação do acórdão que refere sic “Como se vê a circunstância de à assistente não ter sido facultada a reclamação do seu crédito no processo de insolvência da Brasipel não foi imputável a nenhum dos arguidos, na verdade, ao contrário do alegado pela assistente, esta sempre fez parte da lista de credores apresentada pela Brasipel no processo de insolvência, que na petição inicial, quer quando da apresentação da lista definitiva.

Ficou apurado que as razões da insolvência ficaram a dever-se ao elevado número de créditos incobráveis, resultado da declaração de insolvência de vários clientes, o que se veio a repercutir na liquidez da empresa como é lógico. No encerramento da empresa havia cerca de 400 000 euros que ficaram por cobrar e as existências foram alienadas por baixo valor atenta a sua diminuta qualidade. Mais se apurou que nos últimos 3 anos de exercício da actividade da da Brasipel, os incobráveis chegaram a atingir mais de um milhão e quinhentos mil euros.

A empresa sofreu o impacto da introdução no mercado da concorrência feita pelos fabricantes do ... e da ... que têm custos de fabrico mais baixos e por isso apresentam preços mais competitivos.”

20. Desde logo não compreendemos de onde o Tribunal da Relação retirou tal factualidade como apurada, muito menos como provada, pois, dos factos provada nada permite retirar tais conclusões ou afirmações.

21. O Acórdão Tribunal da Relação não poderia dar como “apurada” tais “razões” como causa da insolvência da Brasipel, porquanto as mesmas não resultam da matéria dada como provada pelo Coletivo do Tribunal de primeira instância.

22. Antes pelo inverso, foi considerada provada pela primeira instância, que a situação de insolvência derivou do plano estabelecido pelos arguidos, para transferirem a atividade para a nova sociedade (Popularside), para a qual transferiram o património, clientes e funcionários, da Brasipel, que conduziram à insolvência.

23. Para tal, bastaria atentar que foi considerado provado, pelo Tribunal de primeira instância, a factualidade seguinte, sic: Ponto 10 - “10. Pelo que, em 20/2/2012 os arguidos AA e BB, na qualidade de gerentes, apresentaram à insolvência a sociedade arguida “Brasipel”, que viria a ser decretada por decisão judicial de 23/02/2012, no processo que corre termos sob o n.º 184/12…, do Juízo de Comércio ..., anteriormente no extinto ... Juízo do Tribunal Judicial ...; indicaram para o cargo de Administrador de Insolvência HH que viria a ser nomeado na sentença de declaração da insolvência.” Ponto 11 “11. Antes dessa apresentação à insolvência, especialmente no decurso da segunda metade do ano de 2011 e início de 2012, os referidos arguidos, em representação da “Brasipel” foram alienando todas as existências de peles, máquinas e veículos que constituíam o património social, ao mesmo tempo que prosseguiram, e prosseguem, a actividade de comércio de peles até aí exercida pela “Brasipel, Lda.”, através da sociedade “Popularside, Unipessoal, Lda.”. Ponto 12– 12. Com efeito, AA e BB constituíram em 19/07/2011 uma nova sociedade com a designação “Popularside Unipessoal, Lda.”, cujo objecto – comercialização de curtumes, couros e peles -, clientela, instalações – em ... e em ...-, bem como funcionários, passaram a ser os que tinha a insolvente “Brasipe” antes da declaração de insolvência. Ponto 13 “13. Até à apresentação à insolvência os arguidos procederam ao abate de quase todos os bens que compunham o activo fixo tangível (imobilizado corpóreo) da “Brasipe”, transferindo parte deles para a titularidade desta “Popularside”, e, bem assim, a clientes da sociedade insolvente, como a “Lamifil, Lda.”, e a familiares diretos dos mesmos, remanescendo apenas os bens constantes do auto de apreensão na insolvência: alarme, multifunções, armário e secretária, todos adquiridos no ano de 1998, avaliados em €300,00, além de peles e croutes que, pela sua baixa qualidade, viriam a ser vendidas, juntamente com aqueles mencionados objectos, pelo preço de €10.000,00, sendo pagos pelo comprador apenas €5.300,00, insuficientes para pagamento de qualquer crédito da insolvente. – Sublinhados e realces nossos.

24. Atenta a matéria dada como provada, não poderemos compreender, muito menos aceitar que o acórdão do Tribunal da Relação, consigne, na fundamentação para revogar a anterior condenação, que sic “Não se apuraram quaisquer atos lesivos da empresa e dos respectivos credores por parte dos responsáveis. A sociedade ao apresentar-se à insolvência reflectiu na contabilidade a sua verdadeira situação económico-financeira.”, isto, fazendo letra morta e esquecendo o que ficou provado, nomeadamente, que antes da apresentação à insolvência foi transferido todo o património, clientes, trabalhadores para uma sociedade constituída para tal efeito, e com a qual prosseguiram a mesma atividade social.

25. A respeito da não qualificação da insolvência da sociedade Brasipel, sempre se dirá, e resultou provado que, o incidente da qualificação não foi movimentado, pois que a declaração de insolvência não foi publicitada no CITIUS, o que que apenas sucedeu já após a realização da assembleia de credores e do decurso do prazo para a sua dedução, conforme resulta da motivação da primeira instância que transcrevemos sic “- ata da empresa Brasipel datada de 15.2.2012 em que os sócios deliberam apresentar a empresa à insolvência – fls. 364 e declaração de insolvência da mesma em 23.2.2012 – fls. 365 a 369; - consulta no programa “Citius” de fls. 949 a 957, de onde resulta que houve lugar no portal “Citius” à publicidade da insolvência da “Brasipel” mas apenas em 24.4.2012 por lapso de um funcionário judicial; - De facto, seja por falta de publicitação da sentença de declaração da insolvência, seja por omissão da sua indicação na lista provisória de credores, a assistente acabou excluída da participação no processo, nomeadamente do incidente da qualificação da insolvência nos termos dos arts. 186º e sgs. do Código da Insolvência e Recuperação de Empresa;”

26. Com isto, não percebemos se o Tribunal da Relação não atentou na matéria considerada provada (saliente-se que não foi alterada), nem conseguimos descortinar qual o percurso lógico que levou a considerar como “provada” factualidade relativamente à qual inexiste prova.

27. Por outro lado, o acórdão do Tribunal da Relação motiva a revogação da condenação pelos crimes de burla, pela forma seguinte sic “É certo que quando viram a sua situação económica a complicar-se os arguidos usaram todo tipo de expedientes para esvaziar o seu património de bens e defraudar as garantias e expectativas dos seus credores, o que é eticamente censurável, mas insere-se no chamado dolo de incumprimento que surge em momento posterior ao negócio, não se vislumbrando nos factos que se possam ter por preenchidos os crimes de burla relativamente aos quais assistente seja ofendida, dado que não se prova que no momento em que realizaram os negócios os arguidos estivessem de má fé, sendo certo que os arguidos GG, DD, FF e EE, nunca mantiveram quaisquer relações com a assistente. Tais comportamentos moralmente censuráveis por parte dos arguidos tiveram por base a salvaguarda do remanescente do seu património, e não visaram como objectivo principal, o prejuízo dos credores.”

28. Mais uma vez, considerados os factos provados, a documentação junta aos autos e minuciosamente identificada na motivação do acórdão do Coletivo da primeira instância, não conseguimos compreender como é que o acórdão do Tribunal da Relação alcança o desiderato de concluir que os arguidos não estavam de má-fé quando propuseram dar os avales pessoais à assistente, para dessa forma conseguirem retirar da suas esferas jurídicas todos os bens de que eram proprietários, em concretização de plano que estabeleceram.

29. Com efeito, o acórdão da primeira instância, na motivação esclarece de forma transparente, o plano delineado pelos arguidos para burlarem a assistente, nomeadamente que, o propósito de enganarem antecedeu a celebração do contrato.

30. Ora, da prova existente nos autos, o Tribunal Coletivo ... formulou convicção positiva quanto à factualidade vertida no Acórdão, conforme consta da motivação que aqui damos por integralmente reproduzida (que nos dispensamos de transcrever).

31. Acompanhando o entendimento do Tribunal da primeira instância, não poderemos de forma alguma concordar com o entendimento do Tribunal da Relação, que tenha existido por parte dos arguidos “um mero dolo de incumprimento”, que que surgiu em momento posterior ao negócio celebrado com a assistente, caso assim fosse, não teriam instaurado os processos judiciais, em momento anterior à formalização dos avales pessoais nas letras, nem constituiriam a nova empresa a Popularside, para aí transferirem o património da Brasipel.

32. Com efeito, basta atentar nas datas da prática dos atos pelos arguidos (que melhor enunciamos na motivação supra e aqui damos por reproduzidas) e por referência aos factos provados, para conseguirmos fixar o propósito de enganar, em momento que precede a formalização do acordo com a assistente.

33. Ora, resulta, pois, que o propósito dos arguidos enganarem a assistente, ocorreu muito antes desta aceitar o acordo de pagamento através das letras, que é fixável em 11-08-2011, sendo que, enquanto decorriam as negociações, já os mesmos praticavam os atos de disposição patrimonial de modo que a mesma nada recebesse.

34. Os arguidos nunca quiseram pagar à Assistente, sendo que apenas       propuseram dar os respetivos avales pessoais, não sem que antes, tivessem colocado em marcha o plano para esvaziar as respetivas esferas jurídicas, o que concretizaram falsificando documentos que juntaram aos processos judiciais que instauraram.

35. No seu plano tiveram de convencer a assistente a deixar de fora dos avales a arguida CC, sob o argumento de que estaria divorciada, para esta poder receber o património detido pelo avalista AA (seu ex-cônjuge), com quem mantém vivem análoga à dos cônjuges.

36. Ainda assim, os arguidos intervenientes nos avales das letras entregues à assistente não eram suficientes, pelo que alargaram o plano à intervenção dos arguidos EE e FF, pessoas da confiança dos arguidos, por relações pessoais e profissionais, os quais receberam o património de que os restantes arguidos eram proprietários, apenas com o intuito de enganar a assistente.

37. Ora, para tal instauram as ações judiciais cíveis, que constituíram os expedientes destinados a salvaguardar o património pessoal dos três arguidos obrigados pessoais em relação ao crédito da assistente, com recurso a documentos falsos, por envolverem os arguidos não obrigados cambiários – CC, FF e EE, que neles tiveram que apor assinaturas suas, assim como emissão de procurações judiciais a favor de advogados para instauração das ações em que esses documentos seriam usados como fundamento do pedido, teriam que ser fabricados e usados segundo um plano previamente gizado entre todos e que todos se dispuseram a executar na parte que lhes competia.

38. Contudo nesse plano, os arguidos estabeleceram que as ações seriam instauradas, e, considerando que autor e réus nas mesmas, faziam parte do acordo, nunca seriam contestadas, e, por essa razão a intervenção do juiz, seria apor-lhe uma condenação de preceito por adesão aos factos alegados pelos respetivos autores, como de resto aconteceu no processo 1857/11...., que na falta de contestação do réu, veio a ser proferida em 09/03/2012 sentença julgando a ação procedente, declarando substituída a declaração de venda do réu suposto promitente vendedor, AA, tendo por objeto o prédio ali identificado, que, com base nessa sentença, veio a ser promovido o registo a favor da arguida CC (factos provados ponto 22).

39. Face ao acordo estabelecido entre os arguidos, a intervenção do Juiz em cada um dos processos seria residual, com a prolação da sentença, em adesão aos factos articulados pelos supostos autores, não estando sujeitos a qualquer escrutínio da prova, inquirição de testemunhas, fruto da acordada ausência de contestação, logrando desta forma enganar os juízes encarregues dos processos.

40. Com efeito, verifica-se a subsunção ao tipo legal do crime de burla, previsto no artigo 217º Código Penal, de condutas processuais tendentes ao aproveitamento dos efeitos da falta de contestação, em que o demandado foi devidamente identificado e citado, porém este faz parte do plano e da astúcia engendrada, de comum acordo por todos os arguidos, pois, haviam acordado que as ações não seriam contraditadas.

41. No plano engendrado, os arguidos, conceberam que os processos não chegariam ao escrutínio do Juiz, que não tomaria uma decisão de mérito sob o processo, pois por via da falta de contestação seria afastado do uso da plenitude dos amplos poderes que a lei lhe confere, dado que apenas seria proferida uma decisão a condenar de preceito aderindo aos factos alegados pelos pretensos Autores.

42. O preceito incriminador do crime de burla, exige, ainda, que o prejuízo patrimonial decorra da atuação do agente.

43. Ora, numa situação como a dos autos, em que o juiz é intencionalmente afastado de proferir uma decisão de mérito, por nessa situação ser colocado pelo conluio dos arguidos, que vestiram as vestes quer de autores quer de réus que não contestam, o prejuízo patrimonial da assistente (terceiro nesta relação), ocorre pela prolação da sentença e consequente registo do prédio a favor do pretenso Autor, para que dessa forma este não ser chamado a responder pelo pagamento das letras avalizadas pelo efetivo proprietário e pretenso réu na ação.

44. As consequências patrimoniais desfavoráveis no património da assistente, decorreram da conduta astuciosa dos arguidos que apresentaram ações em tribunal, usando documentos falsos no processo, que não chegam a ser avaliados pelo Juiz, fruto do conluio desses mesmos arguidos, que no âmbito do plano acordaram em não contestar os factos alegado nas petições iniciais.

45. Donde, a forma como engendraram o plano, tiveram a astúcia de “programar” a intervenção do juiz ao mínimo possível, de modo a que não fosse proferida uma decisão de mérito, sendo que, a falta de contestação das ações, fazia parte integrante e determinante do engano, o que implicaria, de forma automática o prejuízo exigido pelo preceito incriminador do crime de burla, pois os arguidos afastaram por completo não apenas o escrutínio do Juiz como as formas de reagir à decisão judicial “desfavorável”, pois esta nunca lhes seria desfavorável, dado ser objetivamente o fim último, pretendido com o engano.

46. Tal como resulta do Acórdão do Tribunal Coletivo ... instância, com as condutas adotadas pelos arguidos, estão preenchidos todos elementos típicos do crime de burla, pelo que damos aqui por reproduzida toda a motivação nele expendida, assim como, a fundamentação de direito quanto ao preenchimento dos elementos do tipo de crime de burla, sendo certo que, o Tribunal da Relação não alterou nem interpretou de forma divergente, ainda que, incompreensivelmente tenha revogado o acórdão, sem qualquer justificação.

47. Donde, a propositura de uma ação judicial pode revelar-se apenas um meio de execução de um desígnio criminoso, num arquétipo em que o recurso aos tribunais representa apenas um artificio fraudulento, de molde a se obter um enriquecimento ilegítimo e causar a outrem um prejuízo patrimonial.

48. De tal sorte, a burla processual não pode ser autonomizada como uma categoria não punível, devendo antes ser reconduzida à tipificação geral do crime de burla e ser considerada, apar de muitos outros, como um comportamento astucioso que integra o elemento objetivo do ilícito-típico em causa.

49. Pelo exposto, mal andou o acórdão do Tribunal da relação ao revogar o acórdão do Tribunal Coletivo, proferido pela primeira instância, porquanto, a conduta adotada pelos arguidos preenche todos os elementos do tipo de crime de burla.

50. Em consequência, deverá ser revogado o acórdão da Relação, o que efetuou uma errada interpretação da norma prevista no artigo 217º do Código penal, porquanto deveria ter dado como verificados os elementos do tipo de crime de burla, nos exatos termos em que o fez o acórdão do Coletivo do Tribunal de primeira instância, mantendo as condenações quanto aos crimes de burla, nas formas tentada e consumada, nele aplicadas.

51. Pelo exposto, o Tribunal da Relação violou o disposto nos artigos 22º, 23º, 73º, 217º, nº 1 e 218º, n.ºs 1 e 2 alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea b) todos do Código Penal do Código penal, que deveriam ter sido aplicados no sentido da motivação supra, mantendo as condenações nos exatos termos em que foram feitas pelo Coletivo do Tribunal de primeira instância, com a fundamentação aí vertida.

52. Pelo que, deve ser revogado o Acórdão recorrido, e, consequentemente, mantendo-se o Acórdão proferido pelo Tribunal Coletivo ... em 16-11-2020, nos seus exatos termos.

II – Do quantum da indemnização Cível a pagar pela arguida EE

53. A recorrente EE, alicerçou o seu recurso, sob o argumento, diga-se desde, já falso, que foi condenada por factos atinentes à instauração de uma ação executiva que teve por base uma letra, cujo montante ascende a 10.000,00 €.

54. Com efeito, no seu recurso, sic “Considera a recorrente que na obrigação de indemnizar teriam de ser tidos em conta os critérios da responsabilidade civil extracontratual previstos no artigo 483 do C. Civil e que a atuação da recorrente não constitui causa adequada do ressarcimento da totalidade dos danos invocados pela demandante cível, os quais ascendem a €121.267,16.”

55. Ora, tal entendimento é errado, e não tem qualquer suporte na matéria factual considerada provada pelo Tribunal Coletivo ....

56. Salvo o devido respeito, não se poderá concordar com a interpretação efetuada pelo Acórdão do Tribunal da Relação, o qual aderiu à argumentação veiculada pela arguida EE, não considerando a factualidade considerada provada.

57. Com efeito, para revogar o Acórdão proferido pelo Tribunal Coletivo primeira instância, o Tribunal da Relação  a motivação que se transcreve pela forma seguinte:

“Ficou demonstrado nos autos que:

A arguida EE foi a técnica oficial de contas responsável pela contabilidade da sociedade “Brasipel, Lda.” desde a sua constituição em 1998 até 2010, e no segundo semestre de 2011. – ponto nº 15 dos factos provados.

Tendo como título executivo uma letra de câmbio titulando a quantia de €10.000,00, com vencimento em 30/09/2011, na qual figura a arguida EE como sacadora, como sacado o arguido AA e aceitante o arguido BB, arguidos que apuseram nessa letra, nos locais próprios, as suas assinaturas, por aquela arguida, na qualidade de exequente, em conluio com os arguidos BB e AA, na qualidade de executados, foi instaurada em 16/12/2011 acção judicial de processo executivo sob o n.º 1192/11…. – parte final do ponto nº 19 dos factos provados.

A quantia constante da letra de câmbio dada à execução por EE no processo nº 1192/11…, de 10.000€, nunca transitou da sua esfera patrimonial para a dos arguidos sacado e aceitante da letra, tendo todos acordado entre si no preenchimento da referida letra e instauração da execução com base nela apenas com intuito de colocar a salvo de penhora os bens móveis pessoais dos supostos executados, designadamente os recheios das casas de habitação dos arguidos AA e BB, obviando a que fossem penhorados, designadamente pela assistente. – ponto nº 26 dos factos provados.

Nesse processo nº 1192/11.... foram penhorados todos os bens penhoráveis do domicílio dos arguidos DD e BB e de AA. – pontos 31 e 32 dos factos provados.

Os recheios das habitações dos pretensos executados, avaliados nos respectivos autos de penhora no valor global de €10.115,00, com vista a impedir que outras penhoras se pudessem efectuar sobre esses bens para pagamento aos credores que os tinham como garantia patrimonial do seu crédito, como era o caso da assistente, assim lhes causando o inerente prejuízo, o que conseguiram. – parte final do ponto 37 da matéria de facto provada.

Em face dos factos assentes não se vislumbra efectivamente que a conduta da ora recorrente possa ter frustrado o direito de crédito da ora demandante em quantia superior à da avaliação dos bens penhorados na citada execução com o título de crédito forjado.

Assim, consideramos que a sua responsabilidade solidária na obrigação de indemnizar não poderá ultrapassar o valor de € 10.115,00.

Nesta parte se concedendo provimento ao recurso da arguida EE.

58. Salvo o devido respeito, que é muito, esta fundamentação expendida pelo Tribunal da Relação, além de curta, não tem assento na prova factual colhida nos autos, nem nos factos provados, sendo redutora da participação da arguida EE, na trama montada, em

conluio por todos os arguidos.

59. Com efeito, o Tribunal da Relação desconsiderou, talvez levado em erro pela motivação do recurso, que a participação da arguida EE foi muito mais abrangente que a instauração do processo executivo 1192/11….

60. A arguida EE, participou ativamente na factualidade atinente ao desvio do património da sociedade Brasipel para a nova sociedade Popularside, da qual era a única sócia.

61. Além dos factos referidos pelo Tribunal da Relação, quanto à participação da arguida EE, foi considerado provada factualidade (melhor identificada na motivação), que identifica a forma como a esta arguida participou ativamente nos desígnios criminosos levados a efeito e em co-autoria por todo os arguidos.

62. Ora, a participação da arguida EE, foi muito além da instauração de uma ação execução, na qual lhe vieram a ser adjudicados os bens penhorados, conforme resulta da motivação do ... sic “De resto, como conviria, esses mesmos bens acabariam adjudicados formalmente em 4/6/2012 a EE pelo valor da dívida exequenda, num título de transmissão que nem sequer indica qual seria o seu valor ... (fls. 255 do Anexo “A”).”

63. A arguida EE, falsificou a letra de cambio que nunca chegou a ser apresentada a pagamento nem entrar em circulação no sistema bancário, conforme resulta da motivação expressa no ..., sic “Não se divisa ainda qualquer evidência na letra dada à execução em 16/12/2011, emitida com data de 30/9/2011, que tenha sido sequer apresentada a pagamento. Tudo aponta, pois, para que a letra dada à execução por EE não tenha correspondência com a realidade, tendo como único fito subtrair o recheio das habitações dos sócios da “B..., Lda.” obrigados cambiários nas letras dadas em pagamento à assistente, às execuções que estavam já a ser instauradas por esta assistente (em 18/11/2011 e 15/12/2011), a segunda das quais com nomeação à penhora desse mesmo recheio, penhora que se frustraria precisamente porque pendia penhora anterior naquela dita execução instaurada por EE.”

64. Donde a participação da arguida EE, foi muito além da mera falsificação de documento e consequente instauração da ação executiva, pois teve participação ativa nas restantes condutas criminosas que rodearam a transferência de património da sociedade Brasipel para a nova sociedade Popularside, sendo que, na primeira sociedade era contabilista e na segunda assumiu a qualidade de única sócia.

65. Efetivamente, da ponderação das provas constantes dos autos, não sobram quaisquer dúvidas de que o comportamento ilícito perpetrado pelos seis arguidos, nas respetivas medidas, foi resultado de um primeiro acordo estabelecido entre os arguidos AA e CC e do arguido BB e ação conjunta destes, abrangendo depois a colaboração da arguida DD, FF e EE.

66. Sendo certo que esta última, as suas funções enquanto contabilista da Brasipel, foi fundamental na organização da transferência do acervo patrimonial desta sociedade para a nova sociedade, permitindo desta forma assegurar uma “falsa aparência de independência e distinção” entre as duas sociedades face aos anteriores sócios da Brasipel, de modo conferir uma “certa aparência de legalidade” à manutenção da atividade pela nova sociedade, de que seria a única investidora e detentora do capital social, bem, como, a transferência para a sua titularidade de todo o património mobiliário detidos pelos arguidos por via da ação executiva.

67. O ..., condenou, e bem, os arguidos a indemnizarem a assistente de forma solidária, porquanto ficou demonstrada a co-autoria e participação de todos os arguidos nos autos que causaram prejuízo à demandante e aqui recorrente.

68. Porém, o Tribunal da Relação ao revogar tal condenação relativamente à arguida EE, esqueceu o laço de comparticipação em co-autoria que marca a ilicitude de todos os arguidos aqui em presença, abrangendo o nexo de co-responsabilidade no desvio patrimonial através da execução do acordo, que os reuniu em torno da prática destes crimes.

69. Se é certo que não é indiferente para a responsabilização criminal de cada um dos arguidos saber em qual dos atos participaram, que estarão conexionados com os documentos que falsificaram e as ações que instauraram, a verdade é que a responsabilização criminal com o nexo de co-autoria se afirma na concomitância na execução conjunta dos crimes, sendo que será indiferente para esse nexo de responsabilização (ao nível da ilicitude) qual o arguido que efetivamente executou determinados atos materiais ou veio a beneficiar mais ou menos das condutas ilícitas realizadas.

70. No plano objetivo, o co-autor torna-se senhor do facto, que domina globalmente, tanto pela positiva, assumindo um poder de direção, preponderante na execução conjunta do facto, como pela negativa, podendo impedi-lo, sem que se torne necessária, para a comparticipação estabelecida, a prática de todos os atos que integram o iter criminis.

71. Aliás, a motivação do Acórdão do Tribunal da Relação, também não coloca em causa a existência de co-autoria nos factos praticados pelos arguidos, nem tal seria possível retirar-se da factualidade considerada provada pelo Coletivo na primeira instância, cuja motivação não merece qualquer reparo.

72. Como se afere dos factos considerados provados, esta co-autoria marca a responsabilização de cada um dos arguidos em presença, sendo que, na ponderação dos pressupostos da responsabilidade civil, do nexo de solidariedade e do quantum indemnizatório correspondente,

teremos de ter presentes o nexo de responsabilização em co-autoria e das suas implicações ao nível da responsabilização criminal e civil.

73. Ora, a responsabilidade dos arguidos é solidária relativamente aos períodos em que perdurou o plano para desviar o património para fora da esfera jurídica dos arguidos, e, a medida da responsabilidade civil de cada um dos arguidos, porque de responsabilidade aquiliana se trata, há-de corresponder ao prejuízo causado com a atuação conjunta (em co-autoria) e não com a conduta que cada um deles individualmente consideradas.

74. Como resulta da matéria de facto provada, tratou-se de uma atuação conjunta e concertada, em que durante todo o tempo participaram todos os arguidos, designadamente a arguida EE, que de resto teve intervenção em várias frentes, devendo assim a mesma ser responsável e responsabilizada pela totalidade do prejuízo causado através daquela mesma atuação de forma solidária com os demais arguidos.

75. Donde deverá ser revogado o acórdão do Tribunal da relação, quando determinou que a responsabilidade solidária da arguida EE, não poderia ultrapassar o valor de 10.115,00 €, o que se terá ficado a dever-se a erro na apreciação da prova.

76. Pelo exposto, o Tribunal da Relação violou o disposto nos artigos 26º, 129º do Código penal e artigos 483º, 490º e nº 1 do artigo 497º do Código Civil, que deveriam ter sido aplicados no sentido da motivação supra, mantendo as condenações nos exatos termos em que foram feitas pelo Coletivo do Tribunal de primeira instância, com a fundamentação aí vertida.

77. Pelo que, deve ser revogado o Acórdão recorrido, e, consequentemente, mantendo-se o Acórdão proferido pelo Tribunal Coletivo ... em 16-11-2020, nos seus exatos termos.

4. A arguida/demandada EE, por um lado, e os arguidos/demandados BB, DD e AA conjuntamente, por outro lado, responderam ao recurso interposto pela assistente, pugnando todos pelo não provimento do recurso, dado o acórdão recorrido não merecer qualquer censura ou reparo.

5. A Ex.ma Desembargadora, por despacho de 10-10-2021, decidiu, face ao disposto no art. 400 nº 1 al. d) do C.P.P., não admitir o recurso ordinário da assistente no que respeita à parte criminal; rejeitar os recursos extraordinários para fixação de jurisprudência por extemporâneos, que haviam sido interpostos pelos arguidos BB, DD e AA, EE e FF, atento o disposto no art. 438.º, n.º 1, do C.P.P., dado que o acórdão da Relação ainda não transitou; e, admitir todos os recursos ordinários interpostos relativamente à ação cível enxertada, isto é, pela assistente Ribacouro, Lda. e pelos arguidos/demandados BB, DD e AA, e FF. 

           

6. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça consignou não emitir parecer, porquanto os recursos visam unicamente a apreciação de matéria de natureza cível e não é interveniente qualquer entidade a quem o Ministério Público deva representação, nem este é, de alguma forma, afetado pelo resultado da decisão que vier a ser proferida.

7. Por despacho do relator, neste Supremo Tribunal, foram rejeitados, nos termos dos artigos 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, os recursos interpostos pelos demandados BB, DD e AA e FF, por inadmissibilidade, face à existência da dupla conforme a que alude o n.º 3 do art. 671.º do C.P.C., sendo ordenado o prosseguimento unicamente do recurso da assistente, quanto à parte cível.

8. Colhidos os vistos foram os autos à Conferência.

II – Fundamentação

          

9. A matéria de facto fixada definitivamente pelo Tribunal da Relação ... tem o seguinte teor (transcrição):

3.1 - Os factos provados

1. A assistente “Ribacouro – Comércio Internacional de Couros, Lda.”, com sede em ..., tem por objecto a actividade de comércio, importação e exportação de couros, seus derivados, produtos químicos e máquinas para a indústria de curtumes.

2. A arguida “Brasipel – Importação & Exportação, Lda.”, com sede em ..., constituída em 21/9/1995, tinha por objecto o comércio de couros e peles, importação e exportação, sendo sócios e gerentes os arguidos AA e BB.

3. A assistente e a arguida “Brasipel” mantiveram relações comerciais entre Março de 2009 e Agosto de 2011, com transações comerciais que ascenderam a cerca de 4.000.000,00 €.

4. No âmbito dessas relações comerciais a assistente forneceu à “Brasipel”, em datas não apuradas do ano de 2011, mas anteriores a Agosto, mercadoria que ascendia ao montante de €178.936,11, para cujo pagamento foram entregues quatro cheques pré-datados, vindo o primeiro, de € 40.000,00 a ser pago no seu vencimento, em 31/05/2011, mas os demais, apresentados a pagamento nas datas neles apostas, viriam a ser devolvidos por falta de provisão, deixando assim em dívida a quantia de €138.936,11.

5. A sociedade arguida “Brasipel”, representada pelos arguidos AA e BB, propôs à assistente o pagamento diferido, em prestações, do valor em dívida, tendo, após negociações, acordado com a assistente no pagamento do referido montante, acrescido de juros no montante de €5.148,24, no total de €144.084,24, em doze prestações mensais, iguais e sucessivas, de 12.007,02€ cada uma.

6. Para o efeito, a sociedade arguida, através daqueles seus representantes legais, entregou em 11/8/2011 à assistente 12 letras de câmbio correspondentes àquelas prestações mensais, vencendo-se a primeira em 31/10/2011, as quais foram aceites pela sociedade e avalizadas pessoalmente pelos referidos representantes, AA e BB, e ainda por DD, casada com BB, assinando todos, nessa mesma data, uma declaração escrita cujo teor consta de fls. 12 a 14 e aqui se dá por reproduzido.

7. O pagamento da primeira letra, aceite 463/..., foi efetuado no prazo de vencimento acordado, sendo que o pagamento da segunda letra, aceite 464/..., já aconteceu no âmbito do processo executivo n.º 519/11.... da secção única do Tribunal Judicial ..., em acção executiva instaurada para o efeito em 15/11/2011, com o pagamento a ser declarado pelo Sr. Solicitador de Execução em 27/12/2011.

8. Ao aceitar prestar os avales pessoais, os arguidos AA e BB sabiam que a assistente aguardaria pelo pagamento das letras, não desenvolvendo diligências de cobrança coerciva das mesmas enquanto aquelas fossem sendo pagas, procedendo por essa razão ao pagamento das duas primeiras letras que se venceram.

9. Os arguidos não procederam ao pagamento de qualquer outro montante inscrito nas demais letras de câmbio que, entretanto, se venceram.

10. Pelo que, em 20/2/2012 os arguidos AA e BB, na qualidade de gerentes, apresentaram à insolvência a sociedade arguida “Brasipel”, que viria a ser decretada por decisão judicial de 23/02/2012, no processo que corre termos sob o n.º 184/12…, do Juízo de Comércio ..., anteriormente no extinto ... Juízo do Tribunal Judicial ...; indicaram para o cargo de Administrador de Insolvência HH que viria a ser nomeado na sentença de declaração da insolvência.

11. Antes dessa apresentação à insolvência, especialmente no decurso da segunda metade do ano de 2011 e início de 2012, os referidos arguidos, em representação da “Brasipel” foram alienando todas as existências de peles, máquinas e veículos que constituíam o património social, ao mesmo tempo que prosseguiram, e prosseguem, a actividade de comércio de peles até aí exercida pela “Brasipel, Lda.”, através da sociedade “Popularside, Unipessoal, Lda.”.

12. Com efeito, AA e BB constituíram em 19/07/2011 uma nova sociedade com a designação “Popularside Unipessoal, Lda.”, cujo objecto – comercialização de curtumes, couros e peles -, clientela, instalações – em ... e em ... -, bem como funcionários, passaram a ser os que tinha a insolvente “Brasipel” antes da declaração de insolvência.

13. Até à apresentação à insolvência os arguidos procederam ao abate de quase todos os bens que compunham o activo fixo tangível (imobilizado corpóreo) da “Brasipel”, transferindo parte deles para a titularidade desta “Popularside”, e, bem assim, a clientes da sociedade insolvente, como a “Lamifil, Lda.”, e a familiares diretos dos mesmos, remanescendo apenas os bens constantes do auto de apreensão na insolvência: alarme, multifunções, armário e secretária, todos adquiridos no ano de 1998, avaliados em €300,00, além de peles e croutes que, pela sua baixa qualidade, viriam a ser vendidas, juntamente com aqueles mencionados objectos, pelo preço de €10.000,00, sendo pagos pelo comprador apenas €5.300,00, insuficientes para pagamento de qualquer crédito da insolvente.

14. O arguido AA e a arguida CC casaram um com o outro em 23/07/1988, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio em 13/12/1999; no entanto, continuam os mesmos a apresentar-se perante todos como um casal e a viver em condições análogas às dos cônjuges.

15. A arguida EE foi a técnica oficial de contas responsável pela contabilidade da sociedade “Brasipel, Lda.” desde a sua constituição em 1998 até 2010, e no segundo semestre de 2011.

16. No ano de 2011, os arguidos AA, BB, CC, DD, EE e FF, estes três últimos apenas em relação aos actos em que foram respectivamente intervenientes, mediante plano previamente delineado e em conjugação de esforços, declararam falsamente em escrituras públicas factos juridicamente relevantes relativos à transmissão de imóveis, e bem assim emitiram e aceitaram letra de câmbio que não correspondia a qualquer crédito, tendo ainda simulado a celebração de contratos-promessa, usando aquelas letras e estes contratos como fundamento da instauração de acções judiciais, tudo com o único objectivo de fazer desaparecer todo o património pessoal dos três primeiros, colocando os seus bens fora do âmbito de execuções a instaurar pelos credores da “Brasipel” com garantias pessoais, designadamente a aqui assistente, e a salvo de execuções e penhoras sobre esses bens, impedindo a assistente de obter o pagamento do seu crédito.

17. Assim, e na execução desse plano, usando documentos fabricados para simular contratos promessa de compra e venda, nos quais apuseram as suas assinaturas, foram pela arguida CC, como autora, em conluio com o arguido AA, como réu, instauradas as seguintes acções judiciais:

a. o processo declarativo n.º 763/11...., do extinto ... Juízo do Tribunal Judicial ..., instaurado em 28/7/2011, peticionando a execução específica do contrato promessa de compra e venda alegadamente celebrado em 29/04/2011 entre a autora e o réu, tendo como objeto a transmissão do direito de nua propriedade, com reserva para o réu e para o filho de ambos, II do direito de uso e habitação vitalício, simultâneo e sucessivo, dos prédios urbanos, inscritos na matriz sob os n.ºs ...33 e ...91, respectivamente descritos na C.R.P. ... sob os n.ºs ...56 e ...72, e sitos na Rua ... da freguesia ..., pelo preço de €400.000,00;

b. o processo declarativo n.º 1857/11…, do extinto ... Juízo Cível do Tribunal Judicial ..., instaurado em 28/7/2011, peticionando a execução específica do contrato promessa de compra e venda alegadamente celebrado em 10/05/2010 entre autora e réu, tendo como objecto a transmissão do direito de propriedade sobre o prédio urbano sito em ..., inscrito na matriz sob o n.º ...87 (antigo artigo urbano ...88) e descrito na C.R.P. ..., sob o n.º ...84 da freguesia ..., pelo preço de €150.000,00.

18. Em execução do mesmo plano, pelo arguido FF, em conluio com os arguidos BB e DD, foi instaurada em 14/9/2011 acção judicial com processo declarativo que correu termos sob o n.º 887/11.... do extinto ... Juízo do Tribunal…, peticionando a execução específica de contrato promessa de compra e venda simulado, no qual apuseram as suas assinaturas, mas que foi fabricado apenas para esse efeito, alegadamente celebrado em 20/10/2008 entre o autor, como promitente comprador, e os réus, como promitentes vendedores, tendo por objecto a transmissão pelo preço global de €220.000,00 da titularidade sobre a nua propriedade dos seguintes prédios urbanos:

i. fracção ... sito na Praça ..., ..., ..., descrito na C.R.P. ... sob o n.º ...08– BB da freguesia ...;

ii. fracções designadas pelas ..., do prédio urbano sito na Rua ..., ..., inscrito na matriz sob o n.º ...76, e descritos na C.R.P. ... sob os n.ºs ...95, ...28 e ...28, respetivamente.

19. Ainda em execução daquele mesmo plano, tendo como título executivo uma letra de câmbio titulando a quantia de €10.000,00, com vencimento em 30/09/2011, na qual figura a arguida EE como sacadora, como sacado o arguido AA e aceitante o arguido BB, arguidos que apuseram nessa letra, nos locais próprios, as suas assinaturas, por aquela arguida, na qualidade de exequente, em conluio com os arguidos BB e AA, na qualidade de executados, foi instaurada em 16/12/2011 acção judicial de processo executivo sob o n.º 1192/11.....

20. A acção declarativa sob o processo n.º 763/11.... não foi contestada pelo réu, mas viria a findar por desistência do pedido apresentada pela ali autora e aqui arguida CC, alegando doação dos imóveis prometidos vender ao filho em comum com o réu, o arguido AA, isto depois de ter sido proferido em 26/10/2011 despacho preconizando eventual uso anormal do processo em virtude de o aviso de recepção da citação estar assinado pela autora, que na petição inicial tinha morada distinta; a desistência viria a ser homologada por sentença de 02/05/2012.

21. Com efeito, apenas para lograrem atingir o objetivo de retirar do património do arguido AA os imóveis objecto desse processo e sem que tal correspondesse à sua real vontade, em 30/04/2012, os arguidos AA e CC, outorgaram escritura pública declarando, o primeiro, doar os mesmos ao filho de ambos II, e a segunda desistir daquela referida acção, autorizando o cancelamento do respectivo registo.

22. No processo nº 1857/11…, na falta de contestação do réu, veio a ser proferida em 09/03/2012 sentença julgando a acção procedente, declarando substituída a declaração de venda do réu suposto promitente vendedor, AA, tendo por objecto o prédio ali identificado; com base nessa sentença, veio a ser promovido o registo a favor da arguida CC.

23. No processo nº 887/11...., por falta de contestação dos réus, viria a ser proferida em 30/11/2011, decisão pela qual se consideraram confessados os factos articulados na petição inicial, fixando-se, porém, em 30 dias o prazo para o autor consignar em depósito a sua prestação no valor de €190.000,00 nos termos do disposto no art. 830º/5 do Código Civil, com a cominação de improcedência da acção; feita a notificação por ofício de 05/12/2011, por omissão da consignação em depósito, bem como de qualquer requerimento ou justificação, foi a acção julgada improcedente por decisão de 10/04/2012.

24. Nessa sequência, logo no dia 27/04/2012 os arguidos BB e DD, na qualidade de vendedores, e o arguido FF, na qualidade de comprador, outorgaram escritura pública de compra e venda, mediante a qual declararam falsamente vender e comprar todos os imóveis objecto daquele referido processo, pelo preço global de €220.000,00, já recebido, o que não correspondia à verdade.

25. O arguido FF vive em união de facto com JJ, filha dos arguidos BB e DD, réus no processo 887/11.... e depois promitentes vendedores dos bens objecto desse processo.

26. A quantia constante da letra de câmbio dada à execução por EE no processo nº 1192/11...., de 10.000€, nunca transitou da sua esfera patrimonial para a dos arguidos sacado e aceitante da letra, tendo todos acordado entre si no preenchimento da referida letra e instauração da execução com base nela apenas com o intuito de colocar a salvo de penhora os bens móveis pessoais dos supostos executados, designadamente os recheios das casas de habitação dos arguidos AA e BB, obviando a que fossem penhorados, designadamente pela assistente.

27. A assistente tomou conhecimento da instauração destas acções judiciais apenas na sequência das diligências de penhora levadas a cabo nas seguintes acções executivas que, para cobrança do seu crédito, veio a instaurar contra a sociedade comercial “Brasipel – Importação e Exportação, Lda.”, AA, BB e mulher DD, as quais correram termos no Tribunal Judicial ...:

a. Uma, instaurada no dia 15/12/2011, no extinto ... Juízo sob o n.º 1188/11…;

b. Outra, instaurada no dia 16/2/2012, no extinto ... Juízo sob o n.º 179/12….

28. No âmbito da execução com processo nº 1188/11…, mediante registo efectuado a 18/01/2012, foi realizada penhora do direito de propriedade sobre o imóvel sito na Praça ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...66, e descrito na C.R.P. ... sob o número ...08, ..., a favor dos arguidos BB e DD.

29. No entanto, nessa data, constava já inscrita no registo com data de 19/09/2011, a acção judicial nº 887/11…, acima indicada, instaurada pelo arguido FF, abrangendo esse e mais três prédios.

30. Ainda no âmbito da execução com processo nº 1188/11…, foi tentada em 2012 a penhora da pensão por velhice auferida pelos arguidos BB e DD, a qual se mostrou inviável por via de penhoras anteriores de 1/3, nos processos executivos 4/12…, 77/12.... e 78/12…, instaurados por KK, em que foi Sr. Solicitador de Execução LL, irmão da arguida CC; o primeiro destes processos foi instaurado em 03/01/2012, no extinto ... Juízo do Tribunal Judicial ..., tendo-se iniciado os descontos, respectivamente de €536,66 e €391,48, em Março de 2012; foi esse processo arquivado por extinção da execução por pagamento, em Setembro de 2016.

31.No âmbito da execução com processo nº 179/12.... foi requerida e realizada em 03/05/2012 diligência de penhora no domicílio dos arguidos e executados BB e DD, no âmbito da qual se veio a apurar que todos os bens que compunham o recheio do imóvel já se encontravam penhorados no âmbito do processo n.º 1192/11…, do ... Juízo do Tribunal Judicial ....

32. No mesmo dia, realizada igual diligência de penhora no domicílio do arguido e executado AA, veio-se a apurar que todos os bens que compunham o recheio do imóvel já se encontravam penhorados no âmbito do mesmo processo n.º 1192/11….

33. Por via de tudo o acima descrito, a assistente continua sem lograr o pagamento do seu crédito sobre a “Brasipel” e sobre os arguidos BB, DD e AA, que ascende a €105.000,00, considerando apenas o capital em dívida.

34. Nos processos judiciais declarativos acima referidos, os arguidos AA, CC, BB, DD e FF concertada e deliberadamente, declararam falsamente factos relevantes para o direito, designadamente, a celebração de contratos promessa que nunca haviam de facto celebrado e que fabricaram apenas para a instauração desses processos, e a emissão de uma letra de câmbio que, na realidade, não correspondia a qualquer direito da sacadora ou obrigação do sacado e do aceitante.

35. Mais fizeram juntar aos processos 1857/11…, 763/11.... e 887/11.... os documentos designados de “contrato promessa de compra e venda” apenas para dar suporte probatório à declaração inscrita na petição inicial com vista a, na falta de contestação, que entre si haviam concertado, determinar o julgador a proferir decisão de execução específica desses pretensos contratos-promessa, transferindo para terceiros a si ligados familiarmente os bens objecto desses contratos, e desse modo mantê-los sob o seu domínio de facto, causando prejuízo aos credores que os tinham como garantia patrimonial do seu crédito, como era o caso da assistente.

36. Objectivo que lograram por via da acção judicial apenas no processo 1857/11…, não o havendo logrado nos processos 763/11.... e 887/11.... por razões alheias à sua vontade.

37. Fizeram ainda os arguidos juntar ao processo 1192/11.... uma letra de câmbio apenas para dar suporte probatório ao requerimento executivo com vista a determinar a ordem de penhora sobre os bens móveis que compunham os recheios das habitações dos pretensos executados, avaliados nos respectivos autos de penhora no valor global de €10.115,00, com vista a impedir que outras penhoras se pudessem efectuar sobre esses bens para pagamento aos credores que os tinham como garantia patrimonial do seu crédito, como era o caso da assistente, assim lhes causando o inerente prejuízo, o que conseguiram.

38. De igual forma, os arguidos AA, CC, BB, DD, FF e EE, respectivamente, nas escrituras públicas que outorgaram e na letra de câmbio que emitiram, concertada e deliberadamente, declararam falsamente factos relevantes para o direito, designadamente a declaração de que são devedores (BB e AA) e credora (EE) da quantia de 10.000,00€, quando não existia qualquer crédito entre eles, nem a intenção de comprar, de vender ou de doar, tudo com o mesmo objectivo de, mantendo-os sob o seu domínio de facto, subtrair os bens objecto das escrituras públicas e os que fossem penhorados na execução instaurada com base na letra, à garantia patrimonial dos credores, como a assistente, e assim prejudicá-los pela impossibilidade de virem a cobrar coercivamente os seus créditos.

39. Os arguidos AA, CC, BB, DD, FF e EE, estes dois últimos em relação aos actos em que intervieram respectivamente, sabiam que os factos que fizeram constar quer dos processos judiciais, quer da letra dada à execução no processo nº 1192/11...., quer dos contratos-promessa, todos acima descritos, não correspondiam à verdade e que constituíam factos juridicamente relevantes, visando com a sua invocação e declaração retirar do alcance dos seus credores os bens de que eram proprietários os arguidos obrigados cambiários nas letras entregues à assistente, BB, DD e AA, e que, que dessa forma a assistente teria um prejuízo correspondente pelo menos ao valor do seu crédito, de €105.000,00, o qual, por causa disso, não seria pago.

40. Com a sua actuação os arguidos puseram também em crise a fé pública e credibilidade de que gozam os processos judiciais, dos quais fizeram um uso anormal induzindo em erro o magistrado chamado a neles proferir decisão, e bem assim a fé pública de que gozam as declarações vertidas em letras de câmbio e nos atos notariais.

41. Todos os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Do percurso de vida dos arguidos, sua condição socioeconómica e antecedentes criminais:

AA é natural de uma família de modesta condição socioeconómica, constituída para além do próprio, pelos seus progenitores e três irmãs.

O progenitor do arguido exercia atividade como vendedor de peles com negócio estabelecido por conta própria, enquanto a sua progenitora dedicava-se às lides domésticas.

A natureza das relações familiares caracteriza-se como adequada, tendo o processo de desenvolvimento do arguido decorrido em ambiente familiar considerado como equilibrado, assente em laços de afetividade e coesão.

Em idade considerada ajustada integrou no sistema de ensino pautando-se o seu percurso como regular, tendo abandonando os estudos após a conclusão do 9.º ano de escolaridade. Após, e quando tinha cerca de 16/17 anos de idade, o arguido começou a trabalhar com o seu progenitor na venda de peles junto de empresas em representação de uma fábrica de curtumes, como comissionistas.

Em 1989 e na sequência de doença súbita do seu progenitor, o arguido assumiu os negócios do mesmo até à constituição da empresa “BRASIPEL”.

Em 1995 em sociedade AA, BB (coarguido nos autos) e MM fundaram a sociedade comercial “Brasipel- Importação e Exportação, Lda.”, a qual tinha por objeto o comércio de couros e peles, importação e exportação. Em 2003, MM terá deixado a referida sociedade comercial.

A mencionada empresa terá prosperado e granjeando AA e respetivo grupo familiar estabilidade económica que, contudo, posteriormente se começou a desvanecer, especialmente a partir de 2008, devido a alegada falta de cumprimento de pagamentos por parte de vários clientes, o que acabou por determinar a sua insustentabilidade e insolvência, que veio a ser decretada em 2012.

Sensivelmente em 2011/2012, o arguido e ex-cônjuge (coarguida nos autos) constituíram a empresa “Popularside Unipessoal, Lda” que foi cedida por um dos seus credores, objetivando de alguma forma ainda a salvação da empresa “Brasipel”.

Em termos afetivos, o arguido contraiu matrimónio com CC em 1989. Desta união têm um filho, II, atualmente com 30 anos de idade e a trabalhar em ... na área da ... há cerca de cinco anos.

Quando o filho tinha cerca de 9/10 anos de idade, o casal divorciou-se, alegadamente, por desentendimentos pessoais. Dois anos após a separação, o arguido e CC retomaram relação afetiva com vivência em comum.

O arguido e CC residem na morada supra indicada, sensivelmente desde 2011/2012, tendo adquirido a habitação com recurso a crédito, que, entretanto, deixaram de efetuar o pagamento das prestações. Trata-se de uma moradia com boas condições de conforto inserida no centro de ....

Atualmente e em termos profissionais, o arguido refere trabalhar como vendedor de peles para a empresa “Popularside Unipessoal, Lda” em que o sócio-gerente é a sua companheira /ex-cônjuge CC (co-arguida nos autos), auferindo o salário mínimo nacional. A sua companheira CC aufere cerca de 1, 500€ mensais, sendo a mesma a suportar as despesas domésticas do agregado familiar.

O quotidiano de AA é organizado em função da sua atividade laboral, passando os seus tempos livres em casa e no ginásio.

Em termos sociais, a informação apurada aponta a AA uma inserção sociocomunitária e familiar regular e cordata na interação social.

AA foi declarado insolvente em 27.11.2018.

No Processo n.º 4685/18.... - incidente de qualificação de insolvência, por decisão transitada em julgado em 29.09.2020, foi decidido:

a) qualificar como culposa a insolvência de AA, nos termos previstos nos arts. 185º, 186º nºs 1 e 2, als. a) e d), e 4 e 189º, todos do CIRE;

b) considerar afectado, pela qualificação da insolvência o requerido AA;

c) decretar a inibição do requerido AA para administrar patrimónios de terceiros pelo período de 4 (quatro) anos;

d) decretar a inibição do requerido AA para o exercício do comércio pelo período de 4 (quatro) anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.

BB provém de um grupo familiar de condição socioeconómica mediana, sendo o mais novo dos dois filhos do casal NN, falecido há 20 anos, e OO, falecida há 3 anos.

Cresceu num contexto familiar estruturado, referenciado como coeso em termos afetivos e socialmente inserido. O pai foi industrial de calçado.

BB tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade, na área da serralharia, da vulgarmente apelidada “antiga escola industrial”. Iniciou o seu trajeto profissional aos 16 anos como operário de uma fábrica de espumas, atividade que exerceu até cerca dos seus 35 anos e a que seguiram 5 anos em que se ocupou como vendedor de colchões e eletrodomésticos.

Cerca dos 40 anos, o arguido passou a dedicar-se à venda de peles como comissionista e, com 47 anos, fundou com o co-arguido AA a sociedade comercial “Brasipel- Importação e Exportação, Lda”, a qual tinha por objeto o comércio de couros e peles, importação e exportação. A “Brasipel” prosperou, granjeando o próprio e respectivo grupo familiar estabilidade económica que começou a desvanecer, essencialmente a partir de 2008, acabando por determinar a sua insustentabilidade e insolvência, que veio a ser decretada em 2012.

Entretanto, BB providenciou pelo seu pedido de reforma à Segurança Social, encontrando-se atualmente reformado.

BB casou em 1972 com DD e desta união, que se mantém coesa e reciprocamente apoiante a todos os níveis, resultou o nascimento das filhas PP, atualmente com 46 anos, e JJ, com 39 anos, ambas autonomizadas. O casal tem um neto, o jovem QQ, de 16 anos, filho de PP.

BB vive com a mulher, de 69 anos, 6º ano de escolaridade, reformada, ..., detendo ambiência intrafamiliar harmoniosa. O casal mantém bom relacionamento com as filhas e neto, sendo regulares os seus contactos.

Moram em apartamento arrendado, sediado em zona próxima do centro de ..., reunindo o imóvel adequadas condições de habitabilidade e espaço.

Em termos económicos, BB aufere pensão de reforma no valor mensal de cerca de 1070 euros e a esposa recebe de reforma cerca de 750 euros, também mensais.

O seu quotidiano desenvolve-se essencialmente em torno da sua permanência em casa/convívio com esposa. Gosta também de frequentar o café/estabelecimentos de restauração para interação com conhecidos e amigos.

Em termos de saúde, padece de problemas cardíacos, vem como diabetes e colesterol, seguindo os necessários tratamentos médicos.

Em termos sociais, a informação apurada aponta a BB uma inserção ordeira e sem desajustes no trato com a comunidade envolvente.

CC, natural de ..., é a terceira de uma fratria de quatro elementos. Com origem numa família de satisfatória condição económica, força da atividade profissional dos seus pais empresários do setor de calçado, situação que terá permitido a si e aos seus irmãos beneficiar de adequadas condições de vida.

Em idade considerada normal, CC insere-se no sistema de ensino, vindo a concluir o 9º ano sem retenções. Posteriormente integra ensino noturno concluindo aos 18 anos o 12º ano por unidade capitalizáveis. Com 15 anos iniciou o seu trajeto profissional na empresa dos seus pais, dedicada à área de calçado, como operária fabril, ascendendo à área administrativa dedicando-se ao mercado de exportações e gestão de compras da empresa, área que viria a ser da sua profissionalização.

Em 2010 investiu na sua valorização académica obtendo Licenciatura na área de Solicitadoria no ... regime noturno, frequentando ainda formação superior na área de Contabilidade, que não veio a concluir.

Posteriormente trabalhou em loja de vestuário em ..., propriedade de uma cunhada, situação que manteve até integração na empresa do seu ex-cônjuge – AA (coarguido nos presentes autos) - “Brasipel – Importação e Exportação, Lda.”, dedicada ao comércio de couros e peles no mercado interno e externo, indicando o desempenho de funções na área de contabilidade. Esta empresa veio a ser declarada insolvente em 2012.

Aproveitando cedência por um dos credores da “Brasipel” CC juntamente com ex-cônjuge (coarguido nos presentes autos) terão constituído a empresa “Popularside - Soc Unipessoal” mantendo anterior ramo de atividade.

Em termos afetivos, a arguida contraiu matrimónio com AA em 1989, tendo o casal desta união um filho, II, atualmente com 30 anos, a residir e trabalhar em ..., na área de ..., engenheiro mecânico de formação.

Contava o filho com 10 anos quando ocorreu a dissolução do matrimónio, alegando desentendimentos pessoais/conjugais. Volvidos dois anos, arguida e AA reataram relacionamento afetivo com vivência em comum.

A arguida e AA (coarguido) mantêm residência na morada supra indicada, há sensivelmente 9 anos, tendo adquirido a habitação com recurso a crédito bancário, que, entretanto, deixaram de cumprir.

A habitação corresponde a moradia inserida no centro da cidade ....

Em termos profissionais, a arguida refere manter atividade profissional na empresa “Popularside, Soc. Unipessoal” desempenhando funções de sócio-gerente, estando o seu companheiro ali inserido como operário.

Em termos económicos, CC aufere o montante de 1.500.00 € mensais, enquanto o seu companheiro AA aufere o valor proporcional ao salário mínimo nacional. Possui situação financeira modesta, força de situação de licença sem vencimento (450,00 €) acrescentando ainda constrangimentos decorrentes de processo de insolvência pessoal de AA, seu companheiro. As despesas domésticas (600,00 €) são suportadas pela arguida.

O seu quotidiano desenvolve-se em torno da atividade profissional a lides domésticas.

Em termos sociais, a informação apurada aponta a CC uma inserção adequada inserida no normativo social vigente.

DD é natural de ..., localidade onde decorreu o seu processo de crescimento, tendo origem numa família de modesta condição socioeconómica e cultural, estruturada na sua dinâmica interna e coesa no relacionamento.

Concluiu o 6º ano de escolaridade e cedo iniciou atividade laboral, tendo trabalhado durante 47 anos na empresa F... (fábrica…) em ..., onde iniciou funções como operária, mas vindo a progredir e a ser valorizada no seu desempenho, tendo sido promovida a empregada de escritório.

Conheceu o cônjuge, BB/coarguido, na empresa onde ambos trabalhavam, vindo o casal a contrair matrimonio a … maio de 1972.

Fixaram residência em ..., inicialmente em casa arrendada, vindo a alcançar uma situação económica de maior desafogo, nomeadamente decorrente do exercício profissional do cônjuge, como trabalhador por conta própria no ramo…, tendo adquirido habitação própria há cerca de 30 anos, onde residem atualmente. O casal tem duas filhas em comum, PP, de 46 anos de idade, com formação superior, autonomizada por via do casamento há já alguns anos, mas a residir próximo dos pais e JJ, de 39 anos de idade, também com formação superior, a residir com o companheiro nos ....

DD encontra-se reformada desde os 62 anos de idade (Novembro de 2012), vindo, desde então, a dedicar o seu tempo à família, aos cuidados com a habitação e à sua mãe, idosa de 93 anos de idade. Também gosta de conviver com as suas amigas em contexto de café.

A sua situação económica é equilibrada, dispondo de rendimentos decorrentes da sua pensão de reforma, no montante de 710€ e da reforma do cônjuge/c-arguido, no montante de cerca de 1100€. Os valores de reforma recebidos foram sujeitos a ações de penhora.

As despesas decorrem essencialmente da renda da casa, no montante de 500€, dos consumos domésticos, em montante que não especificou e das despesas com a saúde do cônjuge, de cerca de 60€ mensais.

As vicissitudes económicas vividas pelo agregado familiar, sobretudo a partir de 2008, na sequência do insucesso da atividade profissional do cônjuge, levaram o casal a despojar-se de bens entretanto adquiridos, nomeadamente do apartamento onde hoje reside, o qual terá sido adquirido por FF/coarguido, companheiro da filha JJ. Trata-se de um apartamento localizado em zona central de ..., com boas condições de habitabilidade e conforto.

Em termos sociais, a arguida detém uma imagem positiva, sendo considerada pessoa simpática e cordial, com um estilo de vida que expõe bem-estar económico.

EE é a quarta de uma fratria de quinze (15) filhos nascidos ao casal de progenitores (pai, … e mãe, ...), sendo oriunda de uma família de condição socioeconómica média.

Quando a arguida tinha 23 anos quando faleceu a sua mãe, vindo o seu pai a falecer no ano seguinte.

Desde sempre manteve, com os irmãos, uma relação caracterizada pela proximidade e solidariedade, baseada nos valores do trabalho transmitidos pelos progenitores.

A arguida é natural da freguesia ..., concelho ..., tendo, com 8 anos de idade, sido internada em colégio de cariz religioso, em ..., onde estudou até aos 14 anos.

Prosseguiu os estudos no ..., até à idade de 19 anos, igualmente internada em colégio, sendo que frequentava a Escola Secundária ..., onde veio a concluir o 12º ano de escolaridade. No seu percurso escolar, não refere ter registo de retenções, apresentando um aproveitamento escolar acima da média.

Profissionalmente, a arguida trabalhou durante 30 anos e até à idade de 49 anos em gabinete sito na freguesia ..., concelho .... Após este período, estabeleceu-se em ..., em gabinete próprio, onde se manteve até à atualidade.

EE casou com RR, aos 26 anos de idade, altura em que sai da casa da sua família de origem, tendo ao casal nascido 2 filhos, SS, atualmente com 32 anos e TT, atualmente com 30 anos, passando a residir, primeiramente e durante cerca de quatro (4) anos em ..., tendo-se mudado após este período para ..., onde se mantém a residir até hoje.

EE reside juntamente com o agregado, composto pelos seguintes elementos:

a)- RR, marido da arguida, 67 anos, reformado;

b)- TT, filho da arguida, 30 anos, programador informático;

c)- Própria.

O agregado descrito ocupa, desde o ano de 1999, um apartamento de tipologia 3, adquirido pelo casal com recurso a crédito bancário, tendo este espaço habitacional as condições de conforto asseguradas.

EE disfruta de boa situação profissional atual, descrevendo a situação económica do agregado como estável e equilibrada, sendo garante a sua subsistência suportando-se no rendimento de €750 mensais que a arguida retira do seu trabalho e na reforma do marido no valor de €550, sendo que o filho TT colabora pontualmente nas despesas domésticas.

EE retira ainda pontualmente rendimentos provenientes dos lucros da sua empresa unipessoal, em situações de necessidade.

EE confirma continuar a colaborar como contabilista na empresa “Popularside Unipessoal, Lda”, sociedade mencionada nos autos, como tendo sido constituída em 19-07-2011, pelos arguidos AA e BB.

No seu contexto de residência, a arguida desfruta de uma imagem social adequada, sem registo de sentimentos de hostilidade ou rejeição, na medida em que, segundo nos referiram, apresenta uma conduta cordata e humilde no domínio da interação social, não sendo conotada com grupos ou condutas contrárias ao normativo.

EE dedica os seus tempos livres ao convívio com amigos e ao convívio familiar, em visitas à sua terra de origem, dedicando ainda algum tempo ao artesanato… e pequenos trabalhos...

FF, natural ..., ..., oriundo de um agregado familiar composto pelo progenitor (contabilista), progenitora (...) e irmã mais velha (faleceu em 2002). Descreve a infância e a juventude sem problemas, com um ambiente familiar estável e gratificante.

Desde 2008 que vive uma relação com JJ (filha dos arguidos BB e DD). Atualmente, a companheira trabalha numa empresa …, sendo a dinâmica familiar descrita como sólida e equilibrada.

FF descreve que o agregado tem uma situação económica estável.

Possui moradia própria, na Freguesia ..., sendo esta edificada em dois pisos e composta por quatro quartos, para além das habituais áreas comuns.

Está habilitado com um Bacharelato em ..., pela Universidade ..., encontrando-se atualmente a trabalhar numa empresa …, desde 2017.

Desde muito novo que iniciou a atividade profissional, colaborando com o progenitor, na empresa deste, antes de ter ido estudar para .... Após término do curso, deu continuidade ao negócio do progenitor, na área da contabilidade, até ao ano de 2016, data em que encerrou, na sequência da perda de clientes.

No que diz respeito aos tempos livres, o arguido não tem nenhuma atividade, usando o tempo, após a atividade laboral, em contexto familiar.

Os arguidos não possuem antecedentes criminais.

Do pedido de indemnização civil

1. Para pagamento do montante em dívida elencado em 5) da pronúncia a sociedade arguida “Brasipel”, representada pelos arguidos AA e BB, propôs à assistente o pagamento diferido, em prestações, do valor em dívida, tendo, após negociações, acordado com a assistente no pagamento do referido montante, acrescido de juros no montante de €5.148,24, no total de €144.084,24, em doze prestações mensais, iguais e sucessivas, de 12.007,02€ cada uma.

2. Para o efeito, a sociedade arguida, através daqueles seus representantes legais, entregou em 11/8/2011 à assistente 12 letras de câmbio correspondentes àquelas prestações mensais, vencendo-se a primeira em 31/10/2011, as quais foram aceites pela sociedade e avalizadas pessoalmente pelos referidos representantes, AA e BB, e ainda por DD, casada com BB, assinando todos, nessa mesma data na qual os arguidos signatários prestavam o os avales a titulo pessoal à arguida Brasipel.

3. A assistente aceitou este acordo porque os arguidos BB e AA, no período em que duraram as negociações tendentes à emissão das doze letras, entre fins de Julho e início de Agosto de 2011, disseram ao representante legal da assistente, UU que, encontrando-se com alguma falta de liquidez, teriam muito dinheiro para receber de clientes e mostraram ainda àquele UU um armazém em ... com peles em valor não apurado mas superior ao montante em dívida para com a assistente.

4. Os arguidos AA e BB convenceram o gerente da assistente que a “Brasipel, Lda.” estava em boas condições económicas financeiras, com grande implementação no mercado e a vender bastante apesar de ter sofrido um revés com a declaração de insolvência de um dos seus clientes, sendo que, em última análise, tinham capacidade financeira pessoal para pagar o crédito da "Ribacouro", que garantiram mediante avales pessoais.

5. Com efeito, quando aceitaram celebrar com a assistente o acordo de pagamento acima referido, os arguidos AA, BB e DD não tinham intenção de o cumprir, visando apenas ganhar tempo para retirarem da sua esfera jurídica enquanto co-obrigados cambiários e da esfera patrimonial da arguida "Brasipel", todo o património que pudesse responder pelo pagamento da dívida à assistente, segundo um plano que previamente conceberam juntamente com os coarguidos EE, FF e CC, e que em conjunto implementaram, conforme descrito no despacho de pronuncia.

6. O representante legal da assistente, UU, também aceitou subscrever o acordo pelo qual foi diferido o pagamento do montante em dívida em doze prestações porque os arguidos BB, DD e AA deram os seus avales pessoais às letras entregues em pagamento, o que os arguidos sabiam.

7. Os arguidos bem sabiam que, de outra forma, a assistente “Ribacouro” exigiria de imediato o capital em dívida, para cujo pagamento bastaria a entrega das existências de peles no armazém de ... da arguida “Brasipel”

8. Ao aceitar prestar os avales pessoais, os arguidos AA e BB sabiam também que a assistente aguardaria pelo pagamento das letras, não desenvolvendo diligências de cobrança coerciva das mesmas enquanto aquelas fossem sendo pagas.

9. Procederam por essa razão ao pagamento das duas primeiras letras que se venceram, embora a segunda já em sede de acção executiva, desse modo ganhando tempo para dissiparem o seu património pessoal e o da sociedade arguida “Brasipel”.

10. Com esta conduta os arguidos, em conjugação de esforços, quiseram e lograram manter o seu domínio de facto sobre os bens que constituíam a garantia patrimonial do crédito da assistente, impedindo que esta obtivesse pela sua execução o pagamento do seu crédito.

11. A demandante é titular de crédito, titulado pelas dez letras de câmbio de câmbio não pagas, no montante de 120.070,20 € (cento e vinte mil e setenta euros e vinte cêntimos).

12. AA e BB constituíram em 19/07/2011 uma nova sociedade com a designação “Popularside Unipessoal, Lda”, cujos objecto — comercialização de curtumes, couros e peles clientela, instalações — em ... e em ... bem como funcionários, passaram a ser os que tinha a insolvente "Brasipel" antes da declaração de insolvência.

13. Foi nomeada gerente da "Popularside" a arguida CC, a qual apesar de figurar como empregada de escritório da sociedade insolvente "Brasipel, Lda.", sempre exerceu a gerência de facto da mesma.

14. Não obstante, formalmente a "Popularside Unipessoal, Lda." teve como única sócia fundadora a sociedade "Wind-Bound — SGPS, S.A.", cujos órgãos sociais são os mesmos da principal credora da insolvente, "Ecoleather — Indústria de Curtumes Unipessoal, Lda.", a qual, no processo de insolvência da "Brasipel", votou favoravelmente a liquidação do património, reclamando um crédito no montante de 1.063.892,32€; o capital social da "Ecoleather — Indústria de Curtumes Unipessoal, Lda." é detido na totalidade pela sociedade "Wind-Bound - SGPS, S.A.", sendo presidente do conselho de administração VV.

15. A sociedade "Wind-Bound - SGPS, S.A.," nunca foi titular de facto da participação social na "Popularside", assim como nunca controlou ou exerceu qualquer poder ou acto de gestão relativo à actividade da "Popularside, Lda."

16. A Presidente do Conselho de Administração da "Wind-Bound - SGPS, SA", VV, aceitou, a solicitação dos arguidos AA, BB e CC, que a sociedade por si administrada figurasse como sócia única da "Popularside", como forma de os ajudar a prosseguir a actividade de comércio de peles que exerciam sob a égide da arguida "Brasipel".

17. A quota social única de €5.000,00 viria a ser transmitida pela "Wind-Bound - SGPS, SA" à arguida EE a solicitação do arguido AA, tendo EE aceitado essa transmissão por mero favor a este, registando a aquisição em 06/01/2012.

18. No entanto, essa quota social sempre pertenceu na realidade aos arguidos AA, CC e BB desde a constituição da "Popularside, Unipessoal, Lda" em 19/07/2011, tendo como gerente inscrita no registo a arguida CC e, desde 11/11/2015, o arguido AA.

19. O arguido AA e a arguida CC casaram um com o outro em 23/07/1988, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio em 13/12/1999; no entanto, continuam os mesmos a apresentar-se perante todos como um casal e a viver em condições análogas às dos cônjuges.

20. A arguida EE foi a técnica oficial de contas responsável pela contabilidade da sociedade "Brasipel, Lda." desde a sua constituição em 1998 até 2010, e no segundo semestre de 2011.

21. Foram transmitidos para a "Popularside, Lda", mediante factura de 28/11/2011 indicando o valor de €5.000,01, os seguintes veículos pertençam da insolvente "Brasipel, Lda.":

- dois empilhadores, um ... e um ...;

- dois veículos automóveis ligeiros de mercadorias de marca ... com as matrículas ...-...-ZO e ...-...-VP, com propriedade inscrita a seu favor no registo em 28/10/2011.

22. A propriedade sobre a viatura ...-...-ZO viria, em 8/5/2014, a ser inscrita no registo a favor da empresa "Curtidos Martinez Leal, S.L. - Representação Permanente, da qual o arguido AA é representante em Portugal.

23. A viatura com matrícula ...-CC-..., com propriedade registada a favor da arguida "Brasipel", passou a apresentar registo de propriedade em nome de JJ, filha dos arguidos BB e DD, apresentação de 15/07/2011, embora com factura de 13/12/2011.

24. Além destes, constavam do imobilizado e da contabilidade da sociedade arguida "Brasipel" pelo menos desde 2009 os seguintes veículos, em relação aos quais ocorreram os seguintes registos de propriedade:

- veículo de marca ..., ano de 2007, matrícula ...-FF-..., inscrição em 24/10/2011 a favor de WW;

- veículo de marca ..., ano de 2007, matrícula ...-FF-..., inscrição em 03/10/2011 a favor de II, filho dos arguidos AA e de CC;

- veículo de marca ..., ano de 2004, matrícula ...-...-ZT, inscrição em 11/05/2011 a favor de XX;

- veículo de marca ..., ano de 2006, matrícula ...-BS-.., inscrição em 03/09/2010 a favor de "Rua ...", cuja sócia e gerente é a arguida CC, e em 03/09/2012 a favor da própria.

25. O veículo ... com a matrícula ...-LT-..., foi adquirido novo pela "Brasipel" em 30/06/2011 com recurso a crédito, tendo registada hipoteca a favor do "BNP — Paribas Personal Finance, S.A."; com data de 13/04/2012 foi inscrita no registo a propriedade sobre esse veículo a favor de YY, sócio e gerente da sociedade "Lamifil, Lda.", credora da insolvente "Brasipel"

26. Apesar disso, tal veículo nunca deixou de estar na posse dos arguidos BB e AA, que continuaram a usá-lo, fazendo-se transportar nele, designadamente, para o exercício da atividade de compra e venda de peles no âmbito da "Popularside, Lda"

27. Relativamente ao activo fixo tangível (imobilizado corpóreo) a sociedade arguida "Brasipel" apresentou a seguinte evolução em valores brutos:

- 2009 - 289.330,83 €;

- 2010 - 256.561,93;

- 2011 - 2.609,28 €,

sendo os valores líquidos respetivamente de 54.648,72 €, 28.046,39 € e 0,00 €. Os seus inventários registaram os valores seguintes:

 2009 - 3.153.325,20 €;

 2010 - 2.323.978,30 €;

 2011 - 82.483,50 €.

29.O volume de negócios da "Brasipel" apresentou os valores seguintes: 2009-5.276.210,96€

 2010 - 5.898.116,82 €

 2011 - 4.112.832,69 €

30. Houve lugar à publicidade da insolvência da “Brasipel” no portal “Citius” mas apenas em 24.4.2012 (dia designado para realização da assembleia de credores) por lapso de um funcionário judicial, o que levou a que, aquando da assembleia de credores apenas estivessem representados e presentes os cinco maiores credores e a fazenda nacional.

31. Mercê de tal lapso, a assistente, a par de outros credores, não participou na assembleia de credores, nem realizou a respetiva reclamação de créditos dentro do prazo legal, assim como não se pronunciou quanto ao incidente de qualificação de insolvência que, na ausência de qualquer contestação ao parecer do Administrador da Insolvência nomeado sob indicação da insolvente "Brasipel", foi qualificada de fortuita.

32. Os arguidos BB e AA, enquanto gerentes da "Brasipel", a arguida CC na qualidade de gerente de facto da "Brasipel" e de direito e facto da "Popularside", e EE, na qualidade de contabilista responsável pela contabilidade da "Brasipel", de comum acordo e em conjugação de esforços, realizaram as transmissões de bens referidas e a transferência da actividade para a "Popularside", deixando a "Brasipel" sem bens nem capacidade produtiva, em situação de insolvência, com intenção de subtrair o património desta sociedade ao pagamento das suas dívida e prejudicar os respectivos credores, retirando-lhes a possibilidade de cobrar os seus créditos.

A quantia constante da letra de câmbio dada à execução por EE n processo no 1192/11...., de 10.000€, nunca transitou da sua esfera patrimonial para a dos arguidos sacado e aceitante da letra, tendo todos acordado entre si no preenchimento da referida letra e instauração da execução com base nela apenas com o intuito de colocar a salvo de penhora os bens móveis pessoais dos supostos executados, designadamente os recheios das casas de habitação dos arguidos AA e BB, obviando a que fossem penhorados, designadamente pela assistente,

34. Em consequência da conduta dos arguidos que, em conjugação de esforços, dissiparam o património pessoal dos arguidos AA, BB e DD, de modo a impedir que a Assistente obtivesse pela sua execução o pagamento do crédito de que era titular sobre os mesmos.

35. Com o referido plano, os arguidos, em conjugação de esforços, quiseram e lograram manter o domínio de facto sobre os bens que constituíam a garantia patrimonial do crédito da demandante.

36. Efetivamente, através de documento de 11 de Agosto de 2011, e a entrega das letras de câmbio, os arguidos Brasipel - Importação e Exportação, Lda., AA, BB e DD, assumiram-se responsáveis pelo pagamento de um conjunto de responsabilidade provenientes de transaçöes comerciais que tiveram por base o fornecimento de peles pela Assistente à arguida Brasipel, Lda.

37. A sociedade arguida Brasipel - Importação e Exportação, Lda e os arguidos AA, BB e DD, entregaram à demandante 12 letras de câmbio, aceites pela primeira arguida e avalizadas pelos demais, correspondentes aos aceites n.ºs 463/..., 464/..., 465/..., 466/..., 467/..., 468/..., 469/..., 470/..., 471/..., 472/..., 473/... e 474/....

Destas letras apenas foram pagos os correspondentes aos Aceites n.ºs 463/... e 464/1....

Os demais aceites não foram pagos nos prazos de vencimento, nem posteriormente, apesar das ações executivas instauradas pela Demandante, porquanto todo o património dos arguidos foi dissipado, por via da conduta dos arguidos, descrita no despacho de pronúncia.

40. Em consequência da conduta dos arguidos a demandante deixou de receber, e pretende ser ressarcida do montante de 120.070,20 € (cento e vinte mil e setenta euros e vinte cêntimos), correspondente às letras de câmbio seguintes:

- Letra correspondente ao aceite 465/..., no montante de 12.007,02€, com vencimento em 30/11/2011;

- Letra correspondente ao aceite 466/..., no montante de 12.007,02€, com vencimento em 30/12/2011;

- Letra correspondente ao aceite 467/..., no montante de 12.007,02€, com vencimento em 31/01/2012;

- Letra correspondente ao aceite 468/..., no montante de 12.007,02€, com vencimento em 29/02/2012;

- Letra correspondente ao aceite 469/..., no montante de 12.007,02€, com vencimento em 31/03/2012;

- Letra correspondente ao aceite 470/..., no montante de 12.007,02€, com vencimento em 30/04/2012;

- Letra correspondente ao aceite 471/..., no montante de 12.007,02€, com vencimento em 31/05/2012;

- Letra correspondente ao aceite 472/..., no montante de 12.007,02€, com vencimento em 30/06/2012;

- Letra correspondente ao aceite 473/..., no montante de 12.007,02€, com vencimento em 31/07/2012;

- Letra correspondente ao aceite 474/..., no montante de 12,007,02€, com vencimento em 31/08/2012;

A Demandante suportou ainda as seguintes despesas bancárias de devolução e de protesto das referidas letras:

- Devolução da letra vencida 30/11/2011, descontada no BES 91,51 €;

- Devolução da letra vencida 31/12/2011, descontada no BES 91,51 €;

- Devolução da letra vencida 31/01/2012, descontada no BES 91,51 €;

- Devolução da letra vencida 29/02/2012, descontada no BES 91,51 €;

  - Devolução da letra vencida 31/03/2012, descontada no BES 91,51 €;

- Devolução da letra vencida 30/04/2012, descontada no BES 91,51;

- Devolução da letra vencida 31/05/2012, descontada no Santander 110,76 €;

- Devolução da letra vencida 31/05/2012, descontada no Santander 147,45 €;

- Despesas de protesto das letras (Notária ZZ) 389,69 €. 42.

A título de despesas de devolução e protesto das letras a demandante suportou a quantia total de 1.196,96 € (mil cento e noventa e seis euros e noventa e seis cêntimos).

43. Os arguidos obtiveram assim uma vantagem patrimonial indevida à custa da Demandante “Ribacouro, Lda.”, que sofreu um dano patrimonial no montante total de 121.267,016 € (cento e setenta e quatro mil trezentos e dois euros).

Da contestação da arguida EE

1 – A arguida EE exercia as funções de técnica oficial de contas na Brasipel;

2- nunca teve qualquer relação comercial com a assistente Ribacouro, Lda.;

3 -nunca lhe ficou a dever o que quer que fosse;

4 - não participou em qualquer acordo de pagamento,

5 - nunca avalizou quaisquer letras;

6 - nunca fez parte dos órgãos sociais da Brasipel, nunca exerceu de facto ou de direito a sua gerência e nunca assumiu ou se obrigou ao pagamento de qualquer divida dessa empresa ou dos seus sócios.”.

           

10. Âmbito do recurso

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, como resulta, entre outros, dos acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e expandem Simas Santos e Leal Henriques na obra “Recursos em Processo Penal”, 6.ª edição, 2007, pág. 103. São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

No caso dos autos, face às conclusões da motivação da demandante “Ribacouro - Comércio Internacional de Couros, Lda.”, a questão a decidir é a seguinte:

Se o Tribunal da Relação violou o disposto nos artigos 26.º e 129.º do Código Penal e 483.º, 490.º e 497.º, n.º 1, do Código Civil, ao reduzir o quantum da indemnização fixada em € 121.127,16 pela 1.ª instância para €10.115,00, pelo que deve ser revogado o acórdão do Tribunal da Relação e manter-se o acórdão proferido em 1.ª instância.

 

11. Do direito

11.1. A assistente/demandante “Ribacouro - Comércio Internacional de Couros, Lda.” sustenta, no recurso que interpôs para o S.T.J., que os prejuízos que a demandada EE lhe causou correspondem ao montante de €121.127,16, fixado na 1.ª instância, e não ao montante de € 10.115,00, para que o acórdão do Tribunal da Relação os reduziu em violação do disposto nos artigos 26.º e 129.º do Código Penal e 483.º, 490.º e 497.º, n.º 1, do Código Civil, apresentando, no essencial, os seguintes argumentos:

- A fundamentação do acórdão expendida pelo Tribunal da Relação é redutora da participação da arguida/demandada EE, pois foi muito mais abrangente que a instauração do processo executivo n.º 1192/11…, na qual lhe vieram a ser adjudicados os bens penhorados. Participou ativamente na factualidade atinente ao desvio do património da sociedade Brasipel para a nova sociedade Popularside da qual era a única sócia, como resulta da factualidade dada como provada nos pontos n.ºs 11 e 12 da pronúncia e 12 a 18 do pedido de indemnização civil e da prova documental;

- O comportamento ilícito perpetrado pelos seis arguidos, nas respetivas medidas, foi resultado de um primeiro acordo estabelecido entre os arguidos AA e CC e do arguido BB, e ação conjunta destes, abrangendo depois a colaboração da arguida DD, FF e EE.

- A EE nas suas funções de contabilista da Brasipel, foi fundamental na organização da transferência do acervo patrimonial desta sociedade para a nova sociedade, permitindo desta forma assegurar uma “falsa aparência de independência e distinção” entre as duas sociedades face aos anteriores sócios da Brasipel, de modo conferir uma “certa aparência de legalidade” à manutenção da atividade pela nova sociedade, de que seria a única investidora e detentora do capital social, bem, como, a transferência para a sua titularidade de todo o património mobiliário detidos pelos arguidos por via da ação executiva;

- A responsabilização criminal com o nexo de coautoria afirma-se na concomitância na execução conjunta dos crimes, sendo indiferente para esse nexo de responsabilização (ao nível da ilicitude) saber qual o arguido que efetivamente executou determinados atos materiais ou veio a beneficiar mais ou menos das condutas ilícitas realizadas;

- Decorre dos artigos 483.º, 490.º e 497.º, n.º 1, do Código Civil, que a responsabilidade civil dos arguidos é solidária relativamente aos períodos em que perdurou o plano para desviar o património para fora da esfera jurídica dos arguidos e, a medida da responsabilidade civil de cada um dos arguidos, porque de responsabilidade aquiliana se trata, há-de corresponder ao prejuízo causado com a atuação conjunta (em coautoria), que corresponde à quantia de  € 121.127,16, e não com a conduta que cada um deles individualmente consideradas.

11.2. Antes da apreciação desta argumentação, fixemos o regime legal que lhe subjaz.

A prática de um crime é possível fundamento de duas pretensões contra os seus agentes: uma ação penal, para condenação e aplicação das sanções penais adequadas e uma ação cível, para ressarcimento dos danos a que o crime tenha dado causa.

A unidade da causa entre as duas ações, a sua estrita conexão, levou o legislador a estabelecer no art. 71.º do Código de Processo Penal, que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

O pedido de indemnização a deduzir no processo penal deve ter por causa de pedir os mesmos factos que são também o pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado.

O art. 129.º do Código Penal, sob a epígrafe «Responsabilidade civil emergente de crime», remete a disciplina da responsabilidade civil “emergente de um crime” para a “lei civil”, afastando o entendimento que existia na vigência do Código de Processo Penal de 1929, de que essa responsabilidade tinha natureza diversa da meramente civil.

Para Henriques Gaspar, a expressão «regulada pelo direito civil» presente no artigo 129.º do Código Penal “significa, no contexto e na economia da norma, regulada nos termos, condições, pressupostos, fontes, consequências, efeitos, imputação e responsáveis, pelos campos normativos não penais que dispuserem especificamente sobre o tipo, espécie e forma de responsabilidade civil que estiver em causa como fonte da obrigação de indemnizar (…)”.[4]

É o art. 483.º do Código Civil que enuncia os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, que obrigam a indemnizar o lesado.

São pressupostos da responsabilidade civil: a existência de um facto voluntário do agente; a ilicitude; o vínculo de imputação do facto ao agente a título de dolo ou mera culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.[5]

Sobre eles, em termos sucintos, recordamos o seguinte:

- O elemento básico da responsabilidade por factos ilícitos é o facto voluntário, a conduta objetivamente controlável ou dominável pela vontade. Por meio dele, se excluem os factos que não dependem da vontade humana e se apresentam por ela objetivamente incontroláveis. Em regra, a conduta do agente constitui um facto positivo ou ação, que viola um dever jurídico de não intromissão na esfera de outra pessoa, no entanto, um facto negativo ou omissão também pode ocasionar danos.

- A ilicitude traduz a reprovação da conduta do agente, sendo duas as formas essenciais da ilicitude no âmbito desta responsabilidade: violação de um direito de outrem e violação de preceito de lei tendente à proteção de interesses alheios.

Na violação de direitos subjetivos, incluem-se, tipicamente, as ofensas de direitos absolutos, de que constituem exemplos os direitos reais e os direitos de personalidade.

Ao lado da violação de direitos subjetivos, como segunda forma da ilicitude, prevê-se a infração de norma destinada a proteger interesse alheios, que - como observa Antunes Varela, que aqui vimos seguindo- “…tem a maior importância prática, antes do mais, quanto aos interesses particulares criminalmente protegidos ou tutelados pelas meras ordenações sociais. Se tais interesses ou valores (como a vida, a integridade física, a honra, a saúde, a intimidade da casa, a liberdade, o sigilo da correspondência, a autenticidade dos documentos e das assinaturas, por exemplo), são tutelados pela lei penal, é porque a violação deles afeta, não só o círculo de bens da pessoa lesada ou dos seus familiares, mas outros interesses coletivos, ligados à paz, à perfeição e á segurança da coletividade. (…)”. Assim, (…) havendo violação das normas (penais) que tutelam, entre outros, esses interesses particulares – como sucede, por exemplo, com a falsificação de documentos ou de assinaturas, certas infrações das regras do tráfego, da construção civil, etc. – haverá lugar à obrigação de indemnizar.”.[6]       

A ilicitude será afastada quando se verificarem causas de justificação do facto, designadamente, quando este é praticado em legítima defesa, no exercício de um direito ou no cumprimento de um dever imposto pela lei ou por ordem legítima da autoridade.

- A responsabilidade por facto ilícito exige um vínculo de imputação do facto ao agente a título de dolo ou mera culpa. Para a conduta do arguido ser censurável a título de culpa, deve o agente agir com conhecimento e vontade de realização das circunstâncias de facto que integram a violação do direito ou de uma norma tuteladora de interesses alheios e com consciência da ilicitude do facto (dolo), ou então, sem representar a possibilidade de realização do facto ou representado o mesmo como possível e sem se conformar com essa realização, proceder sem o cuidado a que segundo as circunstâncias está obrigado e de que é capaz (negligência ou mera culpa).

- Os danos são os prejuízos sofridos pelo lesado, podendo ser de natureza não patrimonial e patrimonial. Os danos de natureza não patrimonial, são os que atingem bens de carácter imaterial, desprovidos de conteúdo económico, insuscetíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro

Danos patrimoniais são aqueles que incidem sobre interesses de natureza material ou económica, uma vez que se refletem no património do lesado. São danos que atingem em si o património, fazendo-o diminuir ou frustrar o seu acréscimo.

O dano patrimonial mede-se, em princípio, pela diferença entre a situação real atual do lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse o facto lesivo.   

- Por fim, para o preenchimento integral dos requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos, deve estabelecer-se um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Nos termos do art. 563.º do Código Civil «A obrigação de reparação só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

A jurisprudência e a doutrina nacionais têm maioritariamente entendido que a lei consagra a nesta norma a teoria da causalidade adequada.

Esta teoria considera que uma condição sine qua non do dano – sem ela o dano não teria acontecido – só pode ser a causa dele se, nas condições de vida normais, for idónea, capaz e adequada a produzir aquele tipo de dano/consequência. É preciso que, em concreto, a condição esteja apta a produzir aquele dano.

A teoria da causalidade adequada apresenta uma formulação positiva:  o facto só será causa do dano sempre que, verificado o facto, se possa prever o dano como consequência natural ou como efeito provável dessa verificação; e, uma formulação negativa: o facto que atuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada quando, para a produção, tiverem contribuído, decisivamente, circunstâncias anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercedam no caso concreto

O art. 490.º Código Civil, estabelece que «Se forem vários os autores, instigadores ou auxiliares do ato ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado.».

Por sua vez, o art. 497.º, n.º 1, do Código Civil dispõe: «Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.».  

O art. 512º, nº 1 do Código Civil esclarece que «A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, (…)».

Quanto à coautoria, invocada ainda pela recorrente, consiste ela num acordo prévio com vista à realização do facto, acordo esse que pode ser expresso ou implícito, a inferir razoavelmente dos factos materiais comprovados, ao qual se pode aderir inicial ou sucessivamente, não sendo imprescindível que o coautor tome parte na execução de todos os atos, mas que aqueles em que venha a participar sejam essenciais à produção do resultado.

Posto isto.

10.3 O acórdão sob recurso, ex adverso do sustentado em 1.ª instância, entendeu que a demandada EE não poderia ser responsabilizada solidariamente por todos os danos sofridos pela demandante, que ascendem a € 121.267,16, mas apenas até ao limite de € 10.115,00.  

Lê-se, na fundamentação do acórdão da 1.ª instância, que estão em causa 4 ações judiciais instauradas entre os arguidos, sendo três declarativas, e uma executiva.

Nas ações declarativas foi peticionada a execução específica de contratos promessa de compra e venda alegadamente celebrados entre autor e réu, tendo por objeto a transmissão do direito de propriedade sobre imóveis pertencentes aos arguidos vinculados ao pagamento do crédito da assistente por via dos avais dados às letras de câmbio, AA, BB e DD.

No que respeita à letra de câmbio, dada à execução pela arguida EE, no âmbito de um acordo existente entre si e os arguidos AA e e BB, consigna-se que “no caso do processo 1192/11...., atento o valor atribuído aos bens nos respetivos autos de penhora de €10.115, o prejuízo ocasionado será de pelo menos essa quantia que, não fosse essa execução, poderia ter revertido a favor da assistente e do pagamento do seu crédito, tanto mais que logo em seguida tentou obter a penhora dos mesmos bens na execução que instaurou contra os arguidos sob o n° 179/12....; a qualificativa da burla será neste caso a prevista no art. 218° n.º 1 por referência ao conceito de valor elevado (€5400), previsto no art. 202°, al. a), ambos do Código Penal.”.          

Considerando que qualquer das quatro ações instauradas judicialmente tiveram em vista, por meio de documento falsificado, enganar o decisor judicial, levando-o a tomar decisão favorável à sua pretensão e, desse modo, necessariamente causar prejuízo à assistente pela impossibilidade daí decorrente de cobrar coercivamente o seu crédito, decidiu-se que os arguidos preencheram com as suas condutas todos os elementos do tipo dos crimes de burla e de falsificação de documento.

Na sequência desta decisão foi a arguida EE e condenada em coautoria material, com os arguidos AA e BB, pela prática de um crime de burla qualificada e de um crime de falsificação de documento.

Na parte relativa ao pedido de indemnização formulado pela demandante “Ribacouro - Comércio Internacional de Couros, Lda.”, contra os demandados CC, AA, BB, DD, FF e EE, escreveu-se:

In casu”, decorrendo a obrigação de indemnizar da prática de crime (burla e falsificação de documento), tem-se por verificada a ocorrência de um facto ilícito e culposo.

Quanto ao nexo de causalidade entre as burlas processuais (efetuada com recurso a falsificação de documento), apurou-se a existência do mesmo em relação ao prejuízo causado à assistente, por aquela via impossibilitada de cobrar o seu legítimo crédito proveniente de atividade comercial.

Os danos supra assinalados – prejuízo causado à assistente “Ribacouro” no valor total de €121.267,16, são consequência direta e necessária da conduta dos aqui arguidos.

Estão, pois, preenchidos todos os pressupostos que fundamentam a obrigação de indemnizar.

Sendo caso de responsabilidade por facto ilícito, traduzido na prática de um crime, a responsabilidade dos arguidos é solidária, nos termos do art. 497º, nº 1, do Código Civil.

Em relação aos juros peticionados, recorda-se que este Tribunal aprecia a responsabilidade extra-contratual dos arguidos/demandados e não a responsabilidade contratual dos mesmos. Significa isto que não pode a demandante nesta sede peticionar juros comerciais sobre as letras vencidas.

O montante indemnizatório a fixar compreende o valor dos prejuízos causados pelos demandados - €121.267,16, acrescido de juros à taxa legal (art. 559º do Código Civil) desde a data da citação dos demandados do pedido de indemnização civil até efetivo e integral pagamento (cfr. arts. 566.º, 804.º, 805.º, n.ºs 2, al. b), e 3, e 806.º do C. Civil).”

No acórdão ora sob recurso, o Tribunal da Relação ..., decidiu, na parte da responsabilidade penal, absolver todos os arguidos da prática dos crimes de burla de que vinham acusados, referindo a propósito, nomeadamente: “É certo que quando viram a sua situação económica a complicar-se os arguidos usaram todo tipo de expedientes para esvaziar o seu património de bens e defraudar as garantias e expectativas dos seus credores, o que é eticamente censurável, mas insere-se no chamado dolo de incumprimento que surge em momento posterior ao negócio, não se vislumbrando nos factos que se possam ter por preenchidos os crimes de burla relativamente aos quais assistente seja ofendida, dado que não se prova que no momento em que realizaram os negócios os arguidos estivessem de má fé, sendo certo que os arguidos GG, DD, FF e EE, nunca mantiveram quaisquer relações com a assistente.

Na parte cível, decidiu-se que a demandada EE não pode ser responsabilizada solidariamente em relação a todos os danos apurados, uma vez que em relação aos mesmos é diversa a medida da sua comparticipação, aduzindo a seguinte fundamentação:

A arguida EE foi a técnica oficial de contas responsável pela contabilidade da sociedade “Brasipel, Lda.” desde a sua constituição em 1998 até 2010, e no segundo semestre de 2011. – ponto nº 15 dos factos provados.

Tendo como título executivo uma letra de câmbio titulando a quantia de €10.000,00, com vencimento em 30/09/2011, na qual figura a arguida EE como sacadora, como sacado o arguido AA e aceitante o arguido BB, arguidos que apuseram nessa letra, nos locais próprios, as suas assinaturas, por aquela arguida, na qualidade de exequente, em conluio com os arguidos BB e AA, na qualidade de executados, foi instaurada em 16/12/2011 acção judicial de processo executivo sob o n.º 1192/11…. – parte final do ponto nº19 dos factos provados.

A quantia constante da letra de câmbio dada à execução por EE no processo nº 1192/11...., de 10.000€, nunca transitou da sua esfera patrimonial para a dos arguidos sacado e aceitante da letra, tendo todos acordado entre si no preenchimento da referida letra e instauração da execução com base nela apenas com o intuito de colocar a salvo de penhora os bens móveis pessoais dos supostos executados, designadamente os recheios das casas de habitação dos arguidos AA e BB, obviando a que fossem penhorados, designadamente pela assistente. – ponto nº 26 dos factos provados.

Nesse processo nº 1192/11.... foram penhorados todos os bens penhoráveis do domicílio dos arguidos DD e BB e de AA. – pontos 31 e 32 dos factos provados.

Os recheios das habitações dos pretensos executados, avaliados nos respectivos autos de penhora no valor global de €10.115,00, com vista a impedir que outras penhoras se pudessem efectuar sobre esses bens para pagamento aos credores que os tinham como garantia patrimonial do seu crédito, como era o caso da assistente, assim lhes causando o inerente prejuízo, o que conseguiram - parte final do ponto 37 da matéria de facto provada.

Em face dos factos assentes não se vislumbra efectivamente que a conduta da ora recorrente possa ter frustrado o direito de crédito da ora demandante em quantia superior à da avaliação dos bens penhorados na citada execução com o título de crédito forjado.

Assim, consideramos que a sua responsabilidade solidária na obrigação de indemnizar não poderá ultrapassar o valor de € 10.115, 00.

Nesta parte se concedendo provimento ao recurso da arguida EE.”.

Sendo certo que os factos narrados e dados como provados, que constituem a causa de pedir, são os mesmos nas 1.º e 2.ª instâncias, pois a matéria de facto não foi alterada pelo Tribunal da Relação ..., é incontornável, do ora exposto, que a condenação numa e noutra instância não emerge da prática dos mesmos crimes e, por outro, que o acórdão da 1.ª instância não esclarece a razão pela qual condenou a demandada EE, solidariamente com todos os restantes demandados condenados na quantia de € 121.267,16, quando anteriormente apenas refere que no processo executivo o prejuízo ocasionado será de pelo menos a quantia de €10.115,00 por ser esse o valor atribuído aos bens nos respetivos autos de penhora e que não fosse essa execução poderia ter revertido a favor da assistente e do pagamento do seu crédito.

O percurso argumentativo da recorrente/demandante “Ribacouro, Lda.” no sentido de que a demandada EE deveria ter sido solidariamente condenada com os restantes demandados no pagamento do montante de  € 121.267,16, resume-se ao seguinte: a participação daquela não ficou pela instauração do processo executivo n.º 1192/11...., na qual lhe vieram a ser adjudicados os bens penhorados, pois participou ativamente na factualidade atinente ao desvio do património da sociedade “Brasipel” para a nova sociedade “Popularside”, da qual era a única sócia.

Invocando em favor da sua argumentação a factualidade dada como provada nos pontos n.ºs 11 e 12 da pronúncia e 12 a 18 do pedido de indemnização civil e da prova documental, passemos à análise sintética da factualidade dada como provada no acórdão recorrido.

Dos pontos n.ºs 11 e 12, da factualidade provada, resulta que antes da apresentação à insolvência, em 20/2/2012, especialmente no decurso da segunda metade do ano de 2011 e início de 2012, os arguidos AA e BB, em representação da “Brasipel, Lda.” foram alienando todas as existências de peles, máquinas e veículos que constituíam o património social, ao mesmo tempo que prosseguiram, e prosseguem, a atividade de comércio de peles até aí exercida pela “Brasipel, Lda.”, através da sociedade “Popularside Unipessoal, Lda”. Com efeito, AA e BB constituíram em 19/07/2011 uma nova sociedade com a designação “Popularside, Unipessoal, Lda”, cujo objeto – comercialização de curtumes, couros e peles -, clientela, instalações – em ... e em ... -, bem como funcionários, passaram a ser os que tinha a insolvente “Brasipel” antes da declaração de insolvência.

Os pontos n.ºs 12 a 18 do pedido de indemnização civil, constantes da factualidade provada, descrevem a constituição, a transmissão da quota social e a gestão da citada sociedade “Popularside Unipessoal, Lda”. No que respeita à intervenção da EE na vida desta nova sociedade, resulta dessa factualidade, no essencial, que a pedido do arguido AA a EE veio a aceitar a transmissão da quota social única da sociedade “Wind-Bound”, que formalmente era a sócia da Popularside Unipessoal, Lda”, quando essa quota sempre pertenceu na realidade aos arguidos AA, CC e BB.

Esta situação, que no entender da demandante demonstra a coautoria da EE, com os arguidos AA, CC e BB, no desvio do património da sociedade Brasipel para a nova sociedade “Popularside” em prejuízo da assistente/demandante, e consequente prática de um crime de burla, não pode determinar, salvo o devido respeito, a condenação da demandada EE nos termos pretendidos pela recorrente/demandante.

É que a condenação civil deve emergir da prática de crime e todos os arguidos, foram absolvidos da prática dos crimes de burla de que vinham pronunciados e pelos quais haviam sido condenados em 1.ª instância.

O crime de burla imputado à arguida EE, por em conluio com os arguidos AA e BB, ter participado na colocação a salvo da cobrança pela assistente dos bens móveis pessoais destes arguidos, designadamente dos recheios das suas casas de habitação, através do saque da letra de câmbio de € 10.000,00 que foi dada à execução, não pode fundamentar a condenação daquela demandada no pedido de indemnização cível, pois foi absolvida da sua da prática em coautoria com os arguidos AA e BB, no Acórdão do Tribunal da Relação ..., já transitado em julgado na parte criminal.

A arguida/demandada foi condenada, com os coarguidos AA e BB, apenas pela prática de um crime de falsificação de documento, mais concretamente, da falsificação da letra de câmbio dada à execução pela EE. Assim, os prejuízos causados pela demandante à demandada, que emergem do crime de falsificação de documento, são os que resultam da falsificação da letra de câmbio dada à execução, existindo, no caso, um nexo de causalidade adequada entre a falsificação da letra de câmbio dada à execução e o prejuízo decorrente da demandada não conseguir pagar-se dos bens penhorados nessa execução, avaliados em € 10.115,00.

Entendemos, em face do exposto, não merecer censura a decisão recorrida no sentido de que a responsabilidade solidária da demandada EE na obrigação de indemnizar a demandante não poderá ultrapassar o valor de € 10.115,00.

Assim, impõe-se manter a decisão condenatória da demandada EE nos termos aí definidos.

III - Decisão

       

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes desta Secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pela demandante “Ribacouro - Comércio Internacional de Couros, Lda” e manter o acórdão recorrido.

Custas pela demandante, pelo decaimento do recurso na parte cível.

*

(Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.P.). 

                                                                                             

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Lisboa, 17 de fevereiro de 2022

Orlando Gonçalves (Relator)

Adelaide Sequeira (Adjunta)

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[1]  Cfr. BMJ n.º 458º, pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] In Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2014, pág. 257
[5] Cf. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 8.ª edição, volume I, pág.533.
[6]Cf. obra cit. pág. 544.