Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | FALTAS INJUSTIFICADAS JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO COMPENSAÇÃO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
Data do Acordão: | 03/21/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA EM PARTE | ||
Área Temática: | DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / INVALIDADE DE CONTRATO DE TRABALHO / PRESTAÇÃO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO / REVOGAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / MODALIDADES DE DESPEDIMENTO / DESPEDIMENTO POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR / ILICITUDE DE DESPEDIMENTO. DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO E INDEMNIZAÇÃO. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 128.º, N.º 1, ALÍNEA B), 248.º, N.º 1, 351.º, N.º 2, ALÍNEA G) E 390.º, N.º 2, ALÍNEA C). CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 570.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 01-05-2011, PROCESSO N.º 638/06.2TTSNT.L1.S1; - DE 09-09-2015, PROCESSO N.º180/10.7TTVRL.P1.S1. | ||
Sumário : | I. A existência de pelo menos cinco faltas injustificadas seguidas ou dez interpoladas no mesmo ano civil não constitui automaticamente justa causa de despedimento, havendo que atender, designadamente, ao grau de culpa do trabalhador. II. No caso, tendo em conta a situação pessoal vivida pela trabalhadora, que foi sujeita a uma forte perturbação psicológica, e considerando que a trabalhadora procurou, como no passado lhe fora permitido, que os seus dias de ausência fossem contados como dias de férias e que o empregador não recusou o referido pedido, mantendo uma situação de incerteza quanto ao mesmo, não se verifica uma conduta com culpa grave da trabalhadora, com a consequente inexistência de justa causa para o seu despedimento. III. A compensação por danos não patrimoniais na sequência de um despedimento ilícito pressupõe a alegação e demonstração de um dano não patrimonial sério a exigir a tutela do direito e não pode deixar de atender ao grau de culpa das partes. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam na 4.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
Relatório A Autora, AA, intentou processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra o Réu, Banco BB, SA, apresentando o competente formulário e requereu que fosse declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento, com as legais consequências. a) Reintegrá-la no seu posto de trabalho, com respeito pela sua categoria, retribuição, local de trabalho e demais direitos e regalias; b) Pagar-lhe as retribuições intercalares, com juros sobre o respetivo vencimento, descontadas que sejam as quantias legalmente devidas; c) Pagar-lhe, pelo menos, € 15.000, a título de danos morais.
O Réu defendeu a improcedência do pedido deduzido e apresentou pedido reconvencional, o qual foi admitido.
No final da audiência de discussão e julgamento a Autora declarou optar pela reintegração.
Foi, posteriormente, proferida sentença com o seguinte teor:
“Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência, declarando ilícito o despedimento da autora promovido pelo banco réu, absolvendo-o do demais peticionado, condena-se o réu "BB, S.A.": - a reintegrar a autora AA no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; - a pagar à autora AA as retribuições vencidas e vincendas que deixou de auferir desde a data do despedimento (22/07/2016) até ao trânsito em julgado da decisão, nos termos do artigo 390.º n.º 1 do Código do Trabalho, sujeitas à dedução do que esta recebeu (nesse período) a título de subsídio de desemprego; - a pagar à autora AA a indemnização de € 10.000 (dez mil euros)”.
Inconformado, o Réu recorreu, impugnando parcialmente a matéria de facto, por um lado e pedindo que fosse revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que considerasse lícito o despedimento verificado e absolvesse o Réu dos pedidos feitos pela Autora. A Autora contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso interposto pelo Réu e a manutenção da sentença recorrida. Foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação com o seguinte teor: “Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação da ré improcedente quanto ao despacho recorrido, mantendo o efeito devolutivo do recurso, e improcedente quanto à impugnação da matéria de facto e procedente quanto à questão de direito e considerar que a empregadora teve justa causa para despedir a A., sendo lícito o seu despedimento, pelo que decidem revogar a sentença recorrida na parte impugnada e absolver a ré do pedido.” Inconformada a Autora interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões: “1.º Não obstante a sua capa de aparência formal de licitude, a decisão ora em apreço enferma de errada aplicação do direito, desde logo por fazer equivaler, sem mais, os dias de ausências à justa causa, não se tendo atendido às razões subjacentes às mesmas, à prática anterior de substituição de ausências por dias de férias, ao comportamento dos superiores hierárquicos da Trabalhadora, ao estado de espírito da mesma e ao facto de a mesma não ter passado disciplinar ou faltas injustificadas prévias. Ora, 2.º A jurisprudência, tem sido unânime no sentido de afirmar que, mesmo nos casos em que se verifica o número de faltas previsto, para que exista justa causa é forçoso que se demonstre a impossibilidade de manutenção da relação laboral, o que, in casu, não se verificava. Na verdade, 3.º A Trabalhadora tinha motivos sérios e ponderosos para não ter comparecido ao seu local de trabalho e para, temendo pela sua integridade física, se ter mantido no resguardo do seu lar, como resultou provado dos factos n.° 23, 24 e 25. E, 4.º Esta mera circunstância, principalmente quando associada ao facto de terem sido criadas expectativas sérias e fundadas de que as suas ausências seriam imputadas a título de férias, basta, a nosso ver, para que se confirme a ilicitude do despedimento. Até porque, 5.º Após a aparição do dito cidadão à porta de casa da Recorrente, nesse mesmo dia 21 de Março de 2016 e de imediato, a Trabalhadora solicitou ajuda ao irmão que, inclusivamente, se deslocou de imediato a casa dela e viu o dito indivíduo, à porta, posto o que este a acompanhou ao posto médico, onde o médico, Dr. CC, a aconselhou a ficar de baixa, atento o estado em que se encontrava. Sucede que, 6.º Com vista a não causar constrangimentos na agência e pensando nos seus colegas, a Trabalhadora julgou ser menos prejudicial alterar as suas férias e imputar esse período de ausências a dias de férias, até porque a imputação de dias de férias não era uma prática estranha no seio do Empregador, como se demonstra pelo teor dos documentos constantes de fls. 145-180 e resultou provado no facto 25. Dito de outra forma, 7.º A Trabalhadora poderia ter optado por permanecer de baixa médica, na sequência do que lhe fora aconselhado, o que não fez para não sobrecarregar os colegas e por julgar que, atenta a prática que sempre fora seguida, que poderia substituir as ditas ausências por dias de férias, à semelhança do que fizera nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 (isto no período compreendido entre 2011 e 2015...) – cfr. Facto n.° 25. Ainda assim, 8.º Não obstante estar em pânico e medicada, a Trabalhadora demonstrou preocupação, efectuando sucessivas chamadas telefónicas e enviando emails, aos quais nunca obteve resposta. 9.º É violador do princípio da boa fé, princípio este que se aplica a ambos os outorgantes num contrato de trabalho, que, em primeiríssimo lugar, não se responda às comunicações da Trabalhadora, criando-lhe a mais do que legítima expectativa de que a substituição seria, como fora em anos anteriores, autorizada, comportamento omissivo perpetrado pelo Senhor DD, para, depois, num segundo momento, aquando do seu regresso, se lhe exigirem justificações para a dita substituição (o que, em si, radica desde logo num vício de raciocínio, porquanto, a ser assim, então não haveria necessidade de qualquer substituição...), sendo que, após a reunião solicitada por aquela ao superior hierárquico de ambos, lhe foi transmitido que não existiria problema e que deveria retomar o trabalho normalmente, pelo que esta não curou mais de arranjar os ditos comprovativos. 10.º Os factos que integram os pontos 6, 8, 10, 26, 27, 28, 29 e 37 são, também e por si só, aptos a criarem a fundada convicção de que a Trabalhadora julgou e pensou poder imputar tais dias a férias, até porque não apenas o escreveu reiteradamente, como tais comunicações não foram contrariadas pelo seu superior hierárquico. 11.º Tal convicção, não apenas gerada por conduta sua mas, ao invés, por condutas de terceiros, só veio a ser abalada com o recebimento do vencimento e com a notificação da suspensão preventiva - factos n.ºs 41 e 42. Ora, 12.º Não pode, portanto, concluir-se sem mais, como se fez no acórdão ora recorrido, 13.º Por um lado, tal sucedeu mais de um mês depois das ditas ausências, sendo que a 14.º Acima de tudo, a Trabalhadora não juntou os comprovativos que tinha porque o superior hierárquico do próprio Senhor DD, Dr. EE lhe disse para estar descansada, ordenando-lhe que retomasse o trabalho – já referido facto n.º 40. Ora, 15.º Se a Trabalhadora tivesse sido informada ab initio, isto é, quando começou a faltar, que as suas ausências não seriam substituíveis por dias de férias, teria seguramente recorrido à situação de baixa médica, mas, volvido um mês sobre tais ausências, o dito recurso à situação de baixa, que lhe foi expressamente aconselhado, era inviável. E, 16.º Uma vez mais ressalvado o devido respeito, quer a preocupação da Trabalhadora que, insistentemente enviou comunicações, quer a própria conduta dos dois superiores hierárquicos da Trabalhadora, a saber o Senhor DD (que nunca lhe respondeu e apenas no seu regresso se limitou a solicitar comprovativos para uma troca que, até então, nunca careceu de outro elemento que não o pedido do Trabalhador) e o Senhor Dr. EE (que expressamente disse à Trabalhadora para retomar o trabalho normalmente, sem requerer a junção de quaisquer comprovativos...), quer, por último, o estado anímico da Trabalhadora, o qual foi dado como provado que era, já então, de depressão, não podem deixar de relevar para efeitos de consideração da (in) existência de justa causa. Nestes termos, 17.º A decisão recorrida não apenas não contempla ou considera o enquadramento factual que esteve subjacente às ditas faltas como, ainda, desatende ao próprio estado anímico da Trabalhadora. 18.º Como é entendimento absolutamente pacífico entre nós, mesmo nos casos em que os trabalhadores dêem mais de cinco faltas consecutivas, não basta a sua constatação para que se considere existir justa causa, antes se exigindo, também, que o comportamento revista um grau de gravidade que torne inexigível a manutenção da relação de trabalho. 19.º Os factos que deram origem às faltas, isto é, a presença de um arguido, anterior 20.º Factos que não foram, pura e simplesmente, atendidos no douto Acórdão ora recorrido, mas que não podem deixar de relevar na imputação de qualquer grau de culpa à Trabalhadora. Por outro lado ainda, 21.º A circunstância de a Trabalhadora, aquando do seu regresso, ter retomado a sua atividade normal, designadamente com saídas para clientes, é demonstrativa de que não existe impossibilidade de subsistência da relação laboral. Paralelamente, 22.º No que tange aos danos morais, ao contrário do que alude a Empregadora, a
Concluía, pedindo que o recurso fosse julgado procedente, “revogando-se o acórdão ora em análise e substituindo-se o mesmo por outro que declare a inexistência de justa causa e reintegre a ora Recorrente, com as consequências legais, devendo também ser o Réu condenado no pagamento dos correspondentes danos morais”.
O Réu contra-alegou, tendo apresentado, por seu turno, as seguintes Conclusões: A Ré pedia, assim, que fosse declarado improcedente o recurso interposto pela Autora.
Admitido o recurso, e em cumprimento do disposto no artigo 87.º, n.º 3 do CPT, foi o processo a vista ao Ministério Público, o qual emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Fundamentação
De Facto Foram os seguintes os factos dados como provados nas instâncias: 1. A Autora foi admitida ao serviço do Banco BB em 16/06/2008, com contrato de trabalho, detendo, à data da cessação do seu contrato de trabalho, a categoria de gerente e a função de gestora de cliente, e exercendo funções na agência de ... desde 21/10/2015. 2. A Autora, à data dos factos em apreciação, prestava o seu trabalho de segunda a sexta-feira, no horário de expediente do Banco, ora Réu, compreendido entre as 8 horas e trinta minutos e as 16 horas e trinta minutos, com intervalo de uma hora, entre as 12 e as 15 horas. 4. No dia 21/03/2016, pelas 8h18, o Diretor de Agência recebeu, no seu telemóvel de serviço, uma mensagem de SMS da Autora, informando-o de "que estava ligeiramente atrasada por causa dos filhos". 5. Face ao atraso invocado, e continuando a Autora sem se apresentar ao serviço, o Diretor de Agência tentou o contacto telefónico com a mesma pelas 9h30 do dia em causa, não tendo, no entanto, a correspondente chamada sido atendida. 6. Pelas 11h58 (do mesmo dia 21/03/2016), a Autora enviou novo SMS ao seu referido superior hierárquico, transmitindo-lhe, segundo as suas palavras, que "estava com um grande problema pessoal por resolver" e "pedindo-lhe, por não estar em condições de ir trabalhar, o favor de descontar o dia como férias". 7. Posteriormente, nos dias 22 e 29 de março de 2016, o Diretor de Agência voltou a receber novas mensagens escritas da Autora, desta vez por e-mail. 8. Na primeira das mensagens recebidas pelo seu superior hierárquico, a Autora descreveu uma situação do foro pessoal que o próprio entendeu como "muito caricata": "segundo ela, teria sido aconselhada pela Polícia Judiciária, por razões de segurança, a não sair de sua casa e consequente[mente] de ir trabalhar", "pedindo por esse facto alguns dias de férias, mas não dando uma data concreta para o seu regresso". 9. Na segunda dessas referidas mensagens, enviada a 29 de março, a Autora voltou a referir ao Diretor de Agência, "não poder ainda sair de casa face ao sucedido, pedindo novamente a alteração do seu plano de férias em conformidade com os dias em que esteve e estará ausente, não dando mais justificações ou informando de uma data concreta para o seu regresso". 12. Que o seu depoimento fora reagendado para o dia 05/04/2016, pelo que ainda estava em Lisboa e o seu regresso seria adiado para o dia seguinte (SMS enviado às 08h04 do dia 05/04/2016).
De Direito A única questão que se discute no presente recurso é a de saber se existiu justa causa para o despedimento da Recorrente, despedimento esse que foi decidido com fundamento em violação do dever de assiduidade, por ter a Recorrente, alegadamente, faltado injustificadamente 13 dias úteis seguidos. Decorre do facto provado n.º 3 que a Autora e ora Recorrente “não compareceu ao serviço nos dias 21 de março (segunda-feira) a 7 de abril (quinta-feira) de 2016” (cfr., igualmente o facto n.º 15: “A Autora só voltou ao serviço no dia 8 de abril de 2016 depois de ter estado ausente desde o dia 21 de março”). Uma vez que se tratava de dias em que, em princípio, a trabalhadora deveria apresentar-se ao serviço, verifica-se, à partida, a existência de uma situação de prática de faltas, à luz do n.º 1 do artigo 248.º do CT. Um dos deveres do trabalhador subordinado é o dever de assiduidade e de pontualidade (artigo 128.º, n.º 1, al. b), sendo que a violação culposa desse dever constitui infracção disciplinar. A lei, aliás, esclarece que constitui justa causa de despedimento a prática de faltas injustificadas, mormente quando o seu número atinja cinco seguidas ou dez interpoladas, em cada ano civil, independentemente neste caso de qualquer prejuízo ou risco (parte final da alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º do CT). As faltas praticadas pela trabalhadora deverão considerar-se justificadas ou injustificadas? A lei consagra, a respeito das ausências ao serviço dois deveres: o trabalhador deve, desde logo, comunicar ao empregador a ausência acompanhando tal comunicação da indicação de motivo justificativo (artigo 253.º n.º 1). Tal comunicação deverá ser feita com a antecedência mínima de cinco dias quando a ausência for previsível; não o sendo, deverá a comunicação fazer-se logo que possível (números 1 e 2 do artigo 253.º do CT). O incumprimento deste dever acarreta que a ausência será injustificada (n.º 4). Um segundo dever é o de provar o motivo justificativo, se tal prova lhe for exigida pelo empregador, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência (artigo 254.º n.º 1), sendo que tal prova poderá ser prestada em prazo razoável. E sublinhe-se que, mais uma vez, o incumprimento deste dever de prova do motivo justificativo da ausência também determina que a mesma seja considerada injustificada (n.º 5 do artigo 254.º CT). Analisando-se o comportamento da Recorrente torna-se claro que a mesma cumpriu aquele primeiro dever de comunicar a ausência e de invocar o motivo justificativo da mesma. Tratou-se de um facto da sua vida pessoal que não era previsível e que foi decorrendo de um modo que determinou uma ausência mais prolongada do que aquela com que inicialmente contou. Se no primeiro SMS enviado (facto n,º 4) invocou um ligeiro atraso por causa dos filhos, ainda no primeiro dia de falta comunicou já ter “um grande problema pessoal por resolver” (facto n.º 6) e à medida que a situação se foi desenvolvendo manteve o empregador a par das vicissitudes (factos 7 a 13) e das razões graves do foro pessoal que a impediam de comparecer, bem como da sua necessidade de comparecer em Tribunal. Cumpriu, pois, de forma cabal, o dever de comunicar a ausência, logo que possível e o de a justificar. Sublinhe-se, também, que já no segundo SMS do dia 21 de março (facto n.º 6) a Autora pedira “por não estar em condições de ir trabalhar, o favor de descontar o dia como férias", tendo reiterado este pedido de modo mais abrangente posteriormente, tanto no SMS de 22 de março, como no SMS que enviou no dia 29 (factos 7 a 9) em que inclusive afirmou "não poder ainda sair de casa face ao sucedido, pedindo novamente a alteração do seu plano de férias em conformidade com os dias em que esteve e estará ausente, não dando mais justificações ou informando de uma data concreta para o seu regresso". Este pedido de alteração da marcação das férias correspondeu a algo que já tinha ocorrido no passado, como decorre do facto n.º 25: a substituição posterior de ausências por dias de férias já ocorrera anteriormente nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015. Por outro lado, a Autora tentou insistentemente, mas sem sucesso, obter uma resposta a este seu pedido, como resulta dos factos 27 a 31. A 7 de abril de 2016 a Autora foi confrontada com um email dos recursos humanos, solicitando que regularizasse as faltas (n.º 32). Tratando-se de um email “padronizado e enviado a todos os colaboradores que tenham registadas ausências, por forma a poderem justificá-las” (n.º 33), a Autora encaminhou o referido email ao seu superior hierárquico, formalizando o que já tinha solicitado e acreditava até ter sido aceite, o seu pedido de alteração da marcação das férias (factos 33 a 35). O director da agência, DD, insistiu, pedindo “a apresentação de justificativos, auto de polícia, declaração de presença em tribunal ou outro documento com carácter oficial que corrobore a fundamentação apresentada” (facto n.º 38). Por email de 8 de abril de 2016 enviado pela Autora a DD, director de agência e com conhecimento para FF e GG, aquela disse que "face à solicitação para alteração do período de férias, parece-me descabido a documentação solicitada, até ofensivo" (facto n.º 16). Face aos factos dados como provados a Autora não satisfez o pedido de apresentação da prova que lhe foi dirigido pelo director da agência. O Acórdão recorrido atribui grande importância a este incumprimento da Autora, afirmando, inclusive, que: “A trabalhadora deveria ter oferecido os comprovativos solicitados e, em face deles, a empregadora poderia tomar uma de duas decisões: ou deferia a pretensão daquela e considerava o tempo das faltas como tempo de férias, ou, em caso de indeferir a pretensão, a autora teria comprovado a justa causa para a ausência e não ficaria sujeita às consequências legais decorrentes de faltas injustificadas. Não se compreende a atitude revel da trabalhadora, tanto mais que até foi ao médico e este deu-lhe baixa por doença, embora não se saiba por quanto tempo, sempre poderia esgrimir com mais esse facto, a juntar aos eventuais documentos que justificassem a sua ida a entidades oficiais, como seja tribunais, polícia ou outras. Todas estas entidades estão legalmente obrigadas a emitir os documentos comprovativos de presença. Não teria sido difícil à trabalhadora provar as razões da sua ausência, caso fosse verdadeiro o alegado, com vista a ver deferida a sua pretensão e/ou obter a justificação das faltas.” Antes de mais sublinhe-se que a circunstância de as faltas serem injustificadas por violação do dever de apresentar a prova do motivo justificativo invocado não significa automaticamente que exista justa causa para o despedimento da Autora. É que, mesmo quando há cinco faltas injustificadas ou dez interpoladas em um mesmo ano civil, tal não acarreta inelutavelmente a existência de justa causa, como, aliás, a nossa jurisprudência tem sublinhado. É que não se pode descartar a possibilidade de tais faltas, ainda que injustificadas, não estarem associadas a um comportamento com culpa grave do trabalhador. É o que sucede no caso vertente. Em primeiro lugar, um juízo de culpa não pode deixar de ter em conta a situação pessoal vivida pela trabalhadora. Esta passou por uma situação gravemente traumática em que sentiu fundado receio pela sua própria vida e foi sujeita a uma forte perturbação psicológica a que não pode deixar de atender-se ao aferir do seu grau de culpa. Acresce que tratou-se de factos da sua vida pessoal, relativamente aos quais é compreensível que tenha tentado manter alguma reserva e procurado não os expor demasiado no seu local de trabalho. Além disso, não pode deixar de ter relevância a circunstância de que a trabalhadora procurou, como no passado lhe fora permitido, que os seus dias de ausência fossem contados como dias de férias. A trabalhadora insistiu, em vão, que o seu empregador respondesse a tal pedido; este não acedeu, mas também não recusou o referido pedido, mantendo uma situação de incerteza quanto ao mesmo. Essa situação de incerteza explica também, pelo menos em parte, a resposta da Autora e a sua convicção de que o pedido de informação padronizado não lhe era verdadeiramente dirigido, porquanto a sua situação caberia, a final, no gozo de dias de férias. Não se vislumbra, pois, ao contrário do Acórdão recorrido, qualquer atitude de rebeldia ou arrogância, mas sim de uma incerteza – face à atitude do próprio empregador que não anuiu, mas também não rejeitou expressamente o pedido de alteração da marcação das férias – quanto ao modo como o empregador encararia a situação – como gozo de férias ou como faltas. Face a todo o exposto não pode afirmar-se a culpa grave da Autora com a consequente inexistência de justa causa para o seu despedimento. Concluindo-se pela inexistência de justa causa porque não se verifica uma conduta com culpa grave da Autora há que concluir igualmente, nos termos legais, pela condenação do empregador na reintegração da Autora, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade (artigo 389.º, n.º 1, alínea b) do CT). Deverá também o empregador, nos termos do artigo 390.º n.º 1 do CT pagar à Autora as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzido o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador, montante que deverá ser entregue pelo empregador à segurança social, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 390.º do CT. A Autora pediu, ainda, a condenação da Ré no pagamento de uma compensação por danos não patrimoniais, tendo-se provado no processo que o despedimento agravou o estado de depressão da Autora (facto n.º 45). É certo que o n.º 1 do artigo 389.º do CT prevê a obrigação de o empregador indemnizar os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados por um despedimento ilícito. No entanto, a condenação a pagar uma compensação pelos danos não patrimoniais não pode, pela sua finalidade preventiva, deixar de atender ao grau de culpa das partes e à contribuição causal de cada uma para os danos. Acresce que, como este Tribunal já decidiu, no seu Acórdão de 11 de Maio de 2011 (FERNANDO PEREIRA RODRIGUES), processo n.º 638/06.2TTSNT.L1.S1, “em direito laboral, para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador de provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável”. Sublinhe-se que também a prova de um dano não patrimonial sério merecedor da tutela do direito há-de ser inequívoca; se é certo que em qualquer despedimento ilícito haverá alguma angústia, tristeza e receio quanto ao futuro por parte do trabalhador, importa, como se pode ler no Acórdão do STJ de 9 de Setembro de 2015 (PINTO HESPANHOL), processo n.º180/10.7TTVRL.P1.S1, que os elementos de facto provados no processo “permitam ajuizar sobre o correspondente grau de gravidade”, de modo a poder apurar-se em que medida é que os danos não patrimoniais “se prolongaram ou não no tempo e de que maneira afectaram a vida quotidiana pessoal, familiar, social e profissional” do trabalhador. No caso estamos perante um despedimento ilícito, por se tratar de uma sanção desproporcionada face ao grau de culpa da trabalhadora. No entanto, esta agiu culposamente – ainda que não com um grau de culpa que justifique o despedimento – ao não cumprir o dever de provar as justificações apresentadas para a sua ausência, quando essa prova lhe foi exigida, o que lhe seria, aliás, relativamente fácil (juntando provas das deslocações ao tribunal, autos de polícia e atestado médico), tendo contribuído com a sua conduta culposa para a verificação do próprio dano, razão pela qual, à luz do artigo 570.º do Código Civil, se exclui o direito a compensação por danos morais. Tanto mais que o próprio empregador não terá agido com culpa grave, tendo procedido “em aparente convicção de estar a proceder de harmonia com o que a lei lhe faculta” (como se pode ler no já citado Acórdão de 11 de Maio de 2011) porquanto a trabalhadora cometeu efetivamente uma infração disciplinar (ainda que sem gravidade suficiente para constituir justa causa de despedimento).
Decisão: Concedida parcialmente a revista, declarando-se a ilicitude do despedimento da Autora e condenando-se o Réu a reintegrar a Autora e a pagar-lhe as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzido o subsídio de desemprego atribuído à Autora, montante que deverá ser entregue pelo Réu à segurança social, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 390.º do CT. O Réu é absolvido do pedido de compensação de danos não patrimoniais. Custas pela Autora e pelo Réu na proporção de ¼ para a Autora e de ¾ pelo Réu.
Lisboa, 21 de março de 2018.
Júlio Gomes (Relator) Ribeiro Cardoso Ferreira Pinto |