Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
413/14.0IDBRG-BLG1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: EMIDIO SANTOS
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
ARRESTO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PRAZO DE PROPOSITURA DA AÇÃO
PRAZO PERENTÓRIO
ANALOGIA
ANULABILIDADE
MENOR
REPRESENTANTE
PROGENITOR
ARGUIDO
INQUÉRITO
PROCESSO PENAL
Data do Acordão: 03/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I – Não é aplicável ao prazo de dedução de embargos de terceiro, previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC, o regime do artigo 125.º, n.º 1, alínea b) do Código Civil ou o da segunda parte do n.º 1 do artigo 320.º do mesmo diploma quando for menor de idade aquele cuja posse ou direito é ofendido por um acto judicial de apreensão ou entrega de bens.

II - Quando um acto judicial de apreensão de bens ofender a posse ou um direito de que seja titular um menor, é na pessoa do seu representante ou dos seus representantes que deve verificar-se o conhecimento da ofensa.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça

Em 15 de Março de 2023, AA, residente na Urbanização de ..., ..., deduziu embargos de terceiro contra o Ministério Público e BB, opondo-se ao arresto dos seguintes bens:

• Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número .92 – ... e inscrito na matriz predial sob o artigo .58, composto de casa de habitação de rés-do-chão, andar com uma dependência e quintal, sito na Rua do ..., ..., freguesia de ..., concelho de ...;

• Conta bancária do banco Abanca, identificada pelo IBAN PT.............. ........ 5.

Pediu se determinasse a extinção do arresto sobre os bens acima indicados e, quanto ao imóvel, se oficiasse à Conservatória do Registo Predial competente para averbar o cancelamento do registo do arresto, de modo que ficasse livre de quaisquer ónus ou encargos.

Para o efeito alegou em síntese:

• O embargante atingiu a maioridade no dia 2-04-2022;

• Há menos de 30 dias, na circunstância no dia 19-02-2023, o embargante tomou conhecimento de que o prédio herdado da sua avó encontrava-se arrestado à ordem do processo n.º 413/14;

• O embargante é terceiro em relação ao processo criminal promovido pelo Ministério Público, pois não interveio nem intervém a qualquer título nos autos principais;

• O embargante é proprietário e possuidor dos bens acima indicados;

• O embargante adquiriu a propriedade do imóvel, em regime de compropriedade com a sua irmã, por lhe ter sido doado pelos seus pais em 02-06-2011;

• A conta arrestada foi constituída em 2011 para ser destino das pequenas poupanças que o embargante pudesse aforrar;

• A posse a propriedade do embargante foi ofendida através do despacho judicial, proferida pela Meritíssima juíza de instrução, datado de 26-11-2016, que determinou o arresto dos bens acima identificados;

• O arguido BB foi notificado do arresto referido através da Polícia Judiciária, através de ofício datado de 5-12-2016;

O Meritíssimo juiz da 1.ª instância rejeitou liminarmente os embargos com o fundamento de que eram intempestivos.

Apelação

O embargante não se conformou e interpôs recurso de apelação, pedindo se revogasse a decisão de rejeição liminar dos embargos e se substituísse a mesma por decisão que determinasse o prosseguimento da instância incidental.

O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão proferido em 21-03-2024, julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Revista

O embargante não se conformou e interpôs recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, pedindo se revogasse a decisão que julgou intempestivos os embargos de terceiro, substituindo-a por decisão que determinasse o prosseguimento do processo até ao seu decesso final.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:

1. O aresto do TRG acrescentou que o prazo de caducidade, em princípio não se suspende nem se interrompe.

2. Refere (e bem) a doutrina de Aníbal castro para afirmar que “o prazo de caducidade é um prazo prefixo, não sujeito á interrupção ou suspensão, que pressupõe o interesse da rápida definição do direito, o que não se compadece com dilações”.

3. E nós questionamos: onde radica a rapidez na definição dos direitos, no caso concreto, quando os bens estão arrestados, na fase de inquérito, quase há 8 anos (sim porque ocorreu a acusação depois de mais de 7 anos de investigações; e ainda não foi aberta a fase de instrução). Justificar-se-á um prazo decadencial tão curto?

4. Por que não admitir um embargo de terceiro impetrado nos 30 dias, após o conhecimento, por parte do embargante; sendo certo que teria de ser exercido o direito, dentro de um ano após a maioridade, e apodictamente nunca depois da venda;

5. Pois semelhantemente, temos um prazo de caducidade, no âmbito do regime da menoridade (o previsto no artigo 125.º, n.º 1, alínea b), do CC) e nessa situação já não se alude ao interesse da rápida definição do direito e admite-se que o prazo de caducidade fique suspenso até à maioridade do menor que não viu o seu direito acautelado pelos progenitores;

6. A intervenção do progenitor arguido foi desacompanhada do seu cônjuge, logo não deu cumprimento ao artigo 1901.º do CC, nem ao artigo 16.º, n.º 1, do CPC.

7. Parece ao recorrente que a situação factual supra relatada não dispõe de regime jurídico que se aplique de forma directa; aliás julgamos mesmo estarmos perante uma lacuna verdadeira e própria, segundo os ensinamentos de Baptista Machado.

8. O caso deve ser resolvido através da integração de lacunas e segundo o regime da analogia legis; regime esse que deverá resultar da combinação concatenada de confluência ou simbiose (metamorfoseada) dos artigos 344.º, n.º 2, do CPC e artigos 125.º, n.º 1, alínea b) e 320.º, n.º 1, ambos do Código Civil.

9. No caso sub judice inexistem razões de tratamento diferenciado, no plano das soluções jurídicas a aplicar ao caso vertente, em relação ao regime da possibilidade de anular negócios jurídicos depois de o menor atingir a maioridade, durante um ano, quando os progenitores não tiverem intervindo no interesse do menor, entretanto maior.

10. O acórdão da TRG rejeitou a admissibilidade dos embargos de terceiro por entender que os mesmos se revelam intempestivos porquanto caso os progenitores estivessem de acordo “deveriam ter solicitado ao tribunal a resolução do conflito, nos termos do disposto no artigo 18.º do CPC”.

11. Não explica o TRG como supriria a dupla qualidade em que deveria intervir o pai (arguido): se na qualidade de autor, em representação do filho, conjuntamente com a mãe, ou se deveria figurar como réu, para assegurar a legitimidade passiva do embargo de terceiro.

12. O progenitor nunca poderia intervir numa dupla qualidade: como arguido e réu, na qualidade de embargado; e como autor e embargante, em representação de seus filhos menores.

13. De nada valeria recorrermos à figura do suprimento judicial para a eventual resolução do conflito, nos termos do artigo 18.º do CPC, porque o progenitor pai não podia vestir a dupla qualidade: não poderia actuar o arguido BB e o seu heterónimo (ou alter ego)!...

14. No que tange à representação legal de menores, para suprimento da sua incapacidade judiciária, a lei dispõe no artigo 16.º do CPC que só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes; mas estatui o n.º 2 do mencionado artigo que “os menores cujo exercício de responsabilidade parentais compete a ambos os pais são por estes representados em juízo”.

15. Estatui o artigo 1901.º do CPC que “na constância do matrimónio o exercício do poder paternal pertence a ambos os pais”.

16. Os institutos da caducidade e da prescrição assemelham-se entre si porque ambos decorrem dos efeitos extintivos do decurso do tempo. No primeiro caso tem por efeito a extinção do direito em si mesmo (o direito esfuma-se da ordem jurídica), ao passo que a segunda situação (prescrição) implica a extinção do último elemento da relação jurídica, isto é a garantia (a obrigação não desaparece ... passa a ser obrigação natural).

17. No direito vigora o princípio da eventualidade ou preclusão, isto é, os actos jurídicos deverão ser praticados dentro de determinado prazo, sob pena de não ser tempestivo. Chama-se a isto intempestividade (diferente de extemporaneidade que significa praticar o acto fora do momento próprio; isto é, um acto é extemporâneo... se praticado antes do prazo; e será intempestivo ... se realizado além do prazo).

18. É nosso entendimento que o TRG confundiu alguns dos conceitos supra descritos, concretamente rejeitou os embargos de terceiro com fundamento em intempestividade devido ao facto de ter ocorrido “caso julgado” porque o arguido (e pai do embargante) reagiu ao arresto e nessa medida terá, no entendimento da decisão recorrida, debalde, defendido os interesses do embargante (ao tempo menor). E por outro lado, a mãe do menor (ao tempo) tomou conhecimento e não reagiu; e, por virtude dessa circunstância omissiva não pode agora o menor (entretanto maior) reagir porque o seu direito terá caducado.

19. No segmento decisório afirma-se: “O A., durante a menoridade, poderia ter exercido os seus eventuais direitos por intermédio dos seus legais representantes, mas tal não aconteceu.

20. Conclui o arresto recorrido: os embargos de terceiro são intempestivos”.

21. Acontece que o pai arguido reagiu em nome próprio e sozinho; logo teria de estar acompanhado pelo seu cônjuge ou com suprimento judicial necessário.

22. O pai não poderia figurar na instância na dupla qualidade de autor (em representação do filho) e de réu para assegurar a legitimidade passiva dos embargos de terceiro.

23. A tempestividade nos embargos de terceiro, afere-se por referência á data em que o embargante (terceiro) teve conhecimento da turbação da sua posse.

24. Acha-se alegado (na petição de embargos) que o embargante teve conhecimento há menos de 30 dias em relação à data da propositura.

25. Para rejeitar os embargos liminarmente com fundamento em intempestividade seria necessário que dos autos constassem elementos que de forma inequívoca permitissem concluir que o embargante tomou conhecimento da turbação da sua posse há mais de 30 dias e não constam quaisquer elementos nesse sentido.

26. A tese do tribunal recorrido é que o embargante (agora maior) teve conhecimento através dos seus representantes e o seu pai (arguido) reagiu através da oposição ao arresto (no qual enxertou a defesa do filho); o que implica a verificação do caso julgado e, por sua vez, a mãe teve conhecimento; e não obstante não impugnou (esteve passiva... conformou-se) o que determina que o menor (ao tempo) agora maior, não possa apresentar, neste momento, embargos porque são intempestivos.

27. A decisão recorrida aferiu a tempestividade, não por referência ao cômputo do prazo como deveria ser), mas tendo em consideração um suposto caso julgado (que não se verifica) e ainda com fundamento no comportamento omissivo da mãe do embargante que não exerceu os seus deveres de representante legal e menor;

28. A incapacidade do menor não foi regulamente suprida porque não intervieram naquela oposição ambos os progenitores conforme estatui os artigos 1901.º do CC e 16.º do Código Civil.

29. Os representantes do menor deveriam ter intervindo nos autos na qualidade de autores (já vimos que apenas interveio o pai) e nestes embargos o pai do embargante intervém na qualidade de demandado.

30. Revela-se apodíctico que não se verifica a coincidência subjectiva, no plano da repetição de uma acção com as mesmas partes; porque para tal ocorresse necessário seria que ambos os progenitores do menor (entretanto maior) tivessem embargado do arresto decretado em representação do (agora) embargante, o que não aconteceu.

31. A causa de pedir dos pressentes embargos assenta na posse e na ofensa da posse (por virtude do arresto decretado), ao passo que na oposição ao arresto preventivo decretado (deduzido pelo pai do arguido) apenas aborda incidentalmente a questão da titularidade dos bens arrestados em nome do terceiro (na circunstância o aqui embargante).

32. Inexiste coincidência de pedidos, porquanto o pedido formulado nos embargos de terceiro acha-se vertido no item 107 e é diferente do pedido formulado na oposição ao arresto o qual se acha vertido no item 109.

33. O embargante invocou o artigo 320.º, n.º 1 (segundo o qual “a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade”) e o artigo 125.º, n.º 1, alínea b) do CC, que dispõe o seguinte: A requerimento do próprio menor, no prazo de um ano a contar da sua maioridade ou emancipação), para servidor de analogia legis face à falta de reacção, por parte de ambos os progenitores.

34. Constitui parâmetro legal o seguinte: sempre que os interesses do menor não sejam acautelados pelos progenitores, durante a sua menoridade, o menor (entretanto maior) poderá em quaisquer circunstâncias – no prazo de 1 ano a contar da sua maioridade – impetrar uma acção destinada a proteger os seus direitos.

35. Não se mostra irrelevante ao caso que o ora embargante (filho do arguido BB) tenha, entretanto, atingido a maioridade e que o arresto lhe tenha sido ocultado pelos pais, tomando dele conhecimento pela avó.

36. No caso presente, estamos perante uma lacuna legislativa (e não política), logo uma lacuna verdadeira e própria (e não imprópria), a qual deverá ser colmatada através da combinação concatenada de confluência ou simbiose dos artigos 344.º, n.º 2, do CPC e artigos 125.º, n.º 1, alíneas b) e 320.º, n.º 1, ambos do CC.

37. Verdadeiramente a tempestividade de um embargo de terceiro afere-se nos termos do artigo 344.º, n.º 2, do CPC, isto é, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento por banda do embargante, sendo certo que a única fronteira limite à tempestividade flutuante (de 30 dias) é circunstância dirimente prevista naquele normativo: “nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados”.

38. Somos forçados a afirmar que a decisão sob escrutínio não se mostra consentânea face aos dispositivos legais aplicáveis porquanto a tempestividade afere-se pelo transcurso do prazo (que não aconteceu) e não por outros critérios, nomeadamente pela verificação de um qualquer caso julgado que não vislumbramos existir.

39. O direito não é uma ciência exacta; porém assenta em conceitos sedimentados que não deverá sofrer “entorses” para se argumentar aquilo que não tem sustentação possível, isto é, que não liga com a realidade jurídica.

40. Se tal fosse admissível – e não é – viveríamos uma incerteza permanente, na medida em que qualquer processo decisório poderia ser invertido, ou seja, definia-se o interesse a tutelar (ao fim e ao resto decidia-se) e à posteriori encontrar-se-ia a argumentação possível (nem que para tanto tivéssemos de “atropelar” ou proceder a “entorses” sobre conceitos assentes) para sustentar o insustentável.

41. Os embargos de terceiro impetrados são tempestivos porque intentados no prazo de 30 dias, a contar do conhecimento por parte do embargante e acrescente-se (apesar de estarem apreendidos quase há 8 anos) os bens ainda não foram alienados.

42. O embargante chamou à colação os normativos constantes dos artigos 320.º, n.º 1, do CC, e artigo 125.º, n.º 1, alínea b) do CC porquanto tais dispositivos legais servem de parâmetro legal norteador da questão decidenda, os quais deverão ser aplicados por analogia legis, face á constatação da lacuna legislativa.

43. O único critério aferidor da tempestividade dos embargos é o consignado no artigo 344.º, n.º 2, do CPC (e não outro).

44. Nunca – por nunca- devemos olvidar que, cabendo o poder paternal a ambos os pais (como sucedia no caso) o menor deveria ter sido representado conjuntamente por ambos os progenitores, nos termos do artigo 1901.º do CC.

45. A representação legal na constância do matrimónio é cumulativa e não alternativa como resultou claro da decisão proferida pelo tribunal recorrido.

46. São, pois, tempestivos os embargos deduzidos pelo que a decisão de rejeição liminar proferida na 1.ª instância e conformada pela 2.ª instância deverá ser revogada pelo Supremo por outra que determine o prosseguimento da instância conforme se sacha peticionado na petição.

Não houve resposta ao recurso.

A revista foi admitida pela formação prevista no artigo 672.º, n.º 3 do CPC, considerando o ineditismo, a especificidade e a complexidade jurídica da questão enunciada, que era a possibilidade de aplicação da causa de suspensão do prazo de prescrição previsto no art.º 320º n.º 1 do Código Civi e se tal impossibilidade pode configurar uma lacuna legal.


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O ora relator solicitou ao processo n.º 413/14.0IDBRG, Juízo de Instrução Criminal de ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, o envio de certidão, com nota do trânsito em julgado, do acórdão que conheceu do recurso interposto pelo Ministério Público em 15-02-2017 contra o despacho do Juiz de instrução criminal proferido, em 30 de Janeiro de 2017, que ordenou o levantamento do arresto sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .92, freguesia de ....

Mais ordenou a notificação do recorrente para esclarecer se a conta bancária do Banco Abanca, identificada pelo IBAN PT.. .... .... .... .... .... 5, tinha alguma relação com as contas arrestadas e, em caso afirmativo, qual.

O pedido de esclarecimento foi motivado pelo seguinte. Não decorria do despacho do Juiz de instrução criminal, proferido em 26-11-2016, nem da oposição ao arresto deduzida por BB, nem do despacho proferido em 30 de Janeiro de 2017 que tivesse sido arrestada a conta acima indicada. De resto, o Meritíssimo juiz da 1.ª instância que apreciou os embargos de terceiro referiu no despacho “que, com referência à conta ora indicada pelo embargante, não a descortinamos como arrestada”.

Foi junta aos autos certidão do acórdão, com nota do trânsito em julgado.

O recorrente, respondendo ao pedido de esclarecimento, veio dizer que tal conta encontra-se (pelo menos boqueada), pois desloca-se ao balcão do Banco e no respectivo balcão é informado de que a conta está “presa” à ordem do processo 413/14.0IDBRG. Mais disse que supõe que tal conta tenha sido arrestado (ou por outro meio apreendida) porquanto através de despacho proferido em 25-11-2016 no processo n.º 413/14.0IDBRG, foi determinado o arresto de todas as contas tituladas pelos pais do recorrente.


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Questão suscitadas pelo recurso:

Saber se o acórdão recorrido incorreu em erro ao não aplicar, por analogia, ao prazo previsto para a dedução de embargos de terceiro previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC, o disposto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 320.º, do Código Civil, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 125.º, n.º 1, do mesmo diploma, por o ora recorrente ser menor à data do arresto.


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Factos considerados provados:

1. No processo de inquérito n.º 413/14.0IDBTG, a Meritíssima juíza de instrução criminal decretou em 26-11-2016, a pedido do Ministério Público, o arresto dos seguintes bens ao suspeito BB:

• Todos os saldos das contas bancárias de depósitos à ordem tituladas ou co-tituladas pelo suspeito, incluindo as contas de depósito a prazo e outras aplicações financeiras que estejam associadas àquela e que não constituam garantia de contratos de mútuo domiciliadas nas instituições bancárias Banco BPI, SA, Barclays Bank, Banco Comercial Português, SA, Caixa Geral de Depósitos, Caixa Económica Montepio Geral, Montepio Investimento, SA, Banco BIC Português, SA, Bankinter, SA, e as contas tituladas ou co-tituladas pelo seu cônjuge CC, no Novo Banco, SA, e Deutsche Bank;

• A fração U do artigo .58, da matriz de ..., .92 da CRP, sita no Lugar de ..., com valor patrimonial de € 47 014,55.

2. BB opôs-se ao arresto alegando em síntese:

• Que não era proprietário da fracção urbana;

• Que conforme resultava das escrituras realizadas em 27 de Abril de 1995, 25 de Junho de 2008 e 2 de Junho de 2011, havia sido transmitido a terceiros há mais de 5 anos;

• Que acrescia que o imóvel havia sido transmitido aos terceiros por partilhas em vida dos avós destes, pelo que nunca poderia tal imóvel ter sido adquirido com qualquer rendimento ilícito por parte do arguido;

• Que foram arrestadas contas bancárias no Deutsche Bank, nomeadamente a conta BD Kids n.º ....................05, titulada por AA;

• Que tal conta bancária é do filho do arguido, aberta em 9/09/2009, e só figuram como cotitulares o arguido e a sua esposa por força da incapacidade de exercício dos menores.

3. Por despacho proferido em 30-01-2027, foi mantido o arresto das contas e levantado o arresto da fracção urbana.

4. O Ministério Público não se conformou com a decisão que ordenou o levantamento do arresto da fracção urbana e interpôs recurso para o tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão proferido em 3-07-2017, transitado em julgado em 1 de Setembro de 2017, revogou o despacho recorrido, mantendo o arresto imóvel.

5. O embargante AA nasceu em ...-...-2004 e é filho de BB e CC.


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Descritos os factos provados, passemos à resolução da questão suscitada pelo recurso.

Os presentes embargos de terceiro foram opostos a um arresto decretado, num inquérito criminal, pelo juiz de instrução, ao abrigo do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11-01-2002, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira. Segundo o n.º 1 do artigo 10.º, para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º, é decretado o arresto de bens do arguido. O valor que se refere o citado preceito é o da vantagem da prática dos crimes previstos no artigo, a declarar perdida a favor do Estado.

O arresto do imóvel e das contas foi decretado em 26-11-2016. Em 30-01-2017 foi levantado o arresto do imóvel. Porém, esta decisão foi revogada pelo acórdão do tribunal da Relação de Guimarães, acima referido.

Cerca de 6 anos e 4 meses após o arresto das contas (laborando no pressuposto que a indicada pelo recorrente está incluída entre as arrestadas) e cerca de 5 anos e 6 meses após o trânsito em julgado do acórdão da Relação que manteve o arresto da fracção urbana, o ora recorrente vem opor-se a tal medida cautelar mediante embargos de terceiro. A decisão da 1.ª instância e a Relação rejeitaram liminarmente a oposição, com o fundamento de que não havia sido apresentada no prazo previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC. As razões do acórdão foram as seguintes:

• A parte final do n.º 1 do artigo 320.º do CC não era aplicável ao caso por o prazo para a dedução de embargos ser um prazo de caducidade, não estando prevista na lei qualquer prazo de extensão desse prazo, nomeadamente através da remissão para o regime da prescrição, designadamente para a parte final do n.º 1 do artigo 320.º do Código Civil;

• Era irrelevante a circunstância de o arresto ter sido ocultado ao embargante pelos pais, pois aquando do arresto, sendo o ora embargante menor, a sua representação cabia aos seus pais;

• Os pais do autor podiam, em representação deste, por acordo, ter deduzido embargos de terceiro, com os fundamentos expostos na petição inicial dos presentes autos;

• Caso não houvesse acordo, deveriam ter solicitado ao tribunal a resolução do conflito, nos termos do disposto no art.º 18º do C. P. Civil, ou do art.º 12º do regime processual anterior;

• Deste modo, o autor, durante a menoridade, poderia ter exercido os seus eventuais direitos por intermédio dos seus legais representantes, mas tal não aconteceu;

• Assim, à data da interposição dos presentes embargos, o prazo estabelecido no art.º 344º, nº 2, do C. P. Civil há muito tinha decorrido, pois iniciou-se com o conhecimento da eventual ofensa do direito do autor por parte dos pais deste, seus legais representantes (o que não é posto em causa por este, apenas pretendendo a extensão desse prazo para além da sua maioridade).

O recorrente sustenta que os embargos foram deduzidos em tempo com a seguinte linha argumentativa:

• O prazo para deduzir embargos em situação como a dos autos – embargos deduzidos por quem era de menoridade quando se deu a ofensa dos seus direitos – não está previsto na lei, devendo aplicar-se por analogia ou o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 125.º do CC ou a parte final do n.º 1 do artigo 320.º do Código Civil;

• Não aproveita ao recorrente a oposição deduzida ao arresto pelo seu pai, BB, e não estavam reunidas as condições para o seu pai, arguido, se opor ao arresto em representação dele, recorrente, durante a sua menoridade.

Ao chamar à resolução da questão do prazo para a dedução dos embargos de terceiro o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Civil e a segunda parte do n.º 1 do artigo 320.º do mesmo diploma, o recorrente argumenta como se o prazo de 30 dias previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC não se aplicasse aos embargos de terceiro quando aquele, cuja posse ou outro direito tivessem sido ofendidos, fosse menor à data da ofensa. Nesta situação – que constituiria uma lacuna da lei – havia de aplicar-se por analogia o artigo 125.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil, ou a parte final do n.º 1 do artigo 320.º do mesmo diploma. Noutra formulação pode dizer-se que, na tese do recorrente, o prazo previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC aplica-se apenas aos embargos deduzidos por aquele que, tendo sido ofendido nos seus direitos, por um acto judicial de apreensão, fosse maior na data de tal ofensa. A aplicação por analogia dos mencionados preceitos significava que o menor podia deduzir embargos de terceiro no prazo de um ano a contar da sua maioridade ou emancipação (aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 125.º do CC) ou que o prazo de 30 dias, previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC, não se completaria sem ter decorrido um ano a partir do termo da menoridade.

A alegação do recorrente não colhe contra o acórdão recorrido.

Em primeiro lugar, não colhe o argumento de que o prazo previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC aplica-se apenas aos embargos deduzidos por aquele que, tendo sido ofendido nos direitos por um acto judicial de apreensão de bens, é maior na data de tal ofensa. Com efeito, esta interpretação não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, razão pela qual, por força do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, não pode ser considerado pelo intérprete.

O n.º 2 do artigo 344.º do Código de Processo Civil é de interpretar no sentido de que o prazo de 30 dias nele previsto tanto se aplica aos embargos de terceiro deduzidos por quem era maior quando viu a sua posse ou qualquer outro direito ofendido por um acto judicial de apreensão ou entrega de bens como por quem era menor à data de tal ofensa. Deste modo, é de afirmar que a situação dos autos não configura qualquer lacuna que justifique o chamamento, à resolução do caso, dos preceitos indicados pelo recorrente. A lacuna pressupõe que a lei não preveja nem regule uma determinada situação (n.º 2 do artigo 10.º do Código Civil) e, como se escreveu atrás, o n.º 2 do artigo 344.º do CPC também se aplica à dedução de embargos em casos como o dos autos.

Em segundo lugar, contra a aplicação, ao prazo de dedução de embargos de terceiro, da alínea b) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Civil e da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 320.º do mesmo depõe o regime do prazo previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC. Vejamos.

O regime deste prazo é o regime dos prazos processuais, pois decorre do n.º 4 do artigo 138.º do CPC que os prazos para a propositura de acções previstos no Código de Processo Civil – entre os quais figura o prazo em questão nos autos - seguem o regime dos prazos processuais.

Considerando a dicotomia prazo dilatório/prazo peremptório, o prazo para a dedução de embargos reveste esta última natureza. Tal significa, segundo o n.º 3 do artigo 139.º do CPC, que o decurso dele extingue o direito de praticar o acto.

Assim, decorrido o prazo de 30 dias previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC, extingue-se o direito de deduzir embargos de terceiro. Extinção que não obsta, no entanto, a que o embargante proponha acção em que peça a declaração da titularidade do direito que obsta à realização ou ao âmbito da diligência, ou reivindique a coisa apreendida (artigo 346.º do CPC).

Em terceiro lugar, a menoridade daquele que vê os seus direitos ofendidos por um acto de apreensão judicial de bens tem apenas as seguintes implicações.

• O menor só pode estar em juízo por intermédio dos seus representantes (1.ª parte do n.º 1 do artigo 16.º do CPC), visto que a oposição ao arresto, mediante embargos de terceiro, não integra os actos que o menor pode exercer pessoal e livremente. Estes são os previstos no n.º 1 do artigo 127.º do Código Civil e não abrangem a oposição mediante embargos de terceiro;

• É nos representantes – e não no menor - que deve verificar-se o conhecimento do acto ofensivo, pois de acordo com o n.º 1 do artigo 259.º do CC, aplicável aos actos jurídicos por remissão do artigo 295.º do mesmo diploma, é na pessoa do representante que deve verificar-se o conhecimento ou a ignorância dos factos que podem influir nos efeitos do negócio/acto jurídico.

Os representantes do ora recorrente eram os seus pais (1.ª parte do n.º 1 do artigo 124.º do Código Civil), sendo a eles que cabia deduzir, em representação dele, recorrente, oposição ao arresto dos bens e era, em relação a eles, que se colocava a questão do conhecimento do arresto.

Contra este entendimento não vale a alegação de que o pai do ora recorrente não o podia representar visto que era arguido no processo onde foi decretado o arresto, não podendo assumir a posição, no processo, de requerido e de requerente.

Em primeiro lugar, esta circunstância não impedia o pai do ora recorrente de representar o filho, em juízo, nos embargos de terceiro, pois o lado passivo deste procedimento estava assegurado pelo Ministério Público, entidade que havia requerido o arresto.

Em segundo lugar, mesmo laborando na hipótese em que labora o recorrente, este continuava a ter representante, a sua mãe. Em tal hipótese, havia que interpretar com as devidas adaptações o n.º 2 do artigo 16.º do CPC, segundo o qual os menores cujo exercício das responsabilidades parentais compete a ambos os pais, são por estes representados em juízo, sendo necessário o acordo de ambos para a propositura de acção. E a interpretação com as devidas adaptações significava que os embargos podiam ser interpostos pelo progenitor que não estava impedido de o fazer. Com efeito, não fazia sentido, do ponto de vista da unidade do sistema jurídico, dizer-se que o pai do ora recorrente não podia intervir como seu representante nos embargos de terceiro e dizer-se ao mesmo que o menor apenas podia estar em juízo por intermédio de ambos os pais.

Segue-se do exposto que não merece qualquer censura o acórdão recorrido ao afirmar que, à data da interposição dos presentes embargos, o prazo estabelecido no art.º 344.º, n.º 2 do C. P. Civil há muito tinha decorrido, pois iniciou-se com o conhecimento da alegada ofensa dos direitos do recorrente por parte dos pais deste, seus legais representantes.

Decisão:

Nega-se a revista e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de o recorrente ter ficado vencido no recurso, condena-se o mesmo nas respectivas custas.

Lisboa, 13 de Março de 2025

Relator: Emídio Santos

1.ª Adjunta: Ana Paula Lobo

2.ª Adjunta: Catarina Serra