Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B3623
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PIRES DA ROSA
Descritores: CONSIGNAÇÃO EM DEPÓSITO
MORA DO CREDOR
MÁ FÉ
Nº do Documento: SJ200803130036237
Data do Acordão: 03/13/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1 – Se em tempo de cumprimento em tempo da obrigação de apagar a parte do preço a devedora tinha ao seu dispor o número da conta bancária da ré, que lhe solicitara, e a necessária autorização para nela efectuar o depósito, não há qualquer mora da credora no recebimento da prestação e falece o fundamento para a consignação em depósito.
2 – Se a autora, ao propor a acção de consignação em depósito, escamoteia esta situação, justifica-se inteiramente a sua condenação como litigante de má fé.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


AA intentou, em 2 de Dezembro de 2005, no Tribunal Judicial da comarca de Chaves, contra BB acção especial de consignação em depósito, nos termos do art.1024º e seguintes do CPCivil pedindo que, por via dessa consignação, seja declarada extinta a obrigação.
Alegou, em resumo:
em 08 de Junho de 2004 prometeu comprar à ré, e esta prometeu vender-lhe, a parcela de terreno identificada no artº1º da petição inicial, pelo preço de 598 557,48 euros;
entregou à ré, nesse momento, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 79 807,66 euros;
e ficou acordado que 219 468,101 euros da restante quantia seriam pagos no prazo de 5 anos, em cinco prestações anuais e iguais, no montante unitário de 43 893,62 euros, vencendo-se a primeira no dia 08 de Junho de 2005, e assim sucessivamente;

não ficou estipulado no contrato-promessa o meio de pagamento dos reforços de sinal;
para definir com a ré uma tal questão, tentou contactá-la várias vezes em data anterior ao vencimento da primeira prestação, sempre sem êxito;
por isso, em 8 de Junho de 2005, abriu voluntariamente uma conta bancária, da qual é co-titular a ré, onde depositou a quantia de 40 000,00 euros;
e comunicou à ré, por via postal, a efectivação de tal depósito;
dias mais tarde, apercebendo-se do lapso da quantia depositada, inferior à devida, procedeu ( em 16 de Junho de 2005 ) ao depósito do remanescente em falta – 3 893,62 euros - facto este que comunicou à ré;
desde a data deste primeiro depósito, sempre a ré recusou a recepção da referida prestação de reforço do sinal, tendo “ameaçado” resolver o contrato promessa.
Contestou a ré ( fls.32 ), impugnando parcialmente os factos alegados pela autora e pedindo a condenação desta como litigante de má fé, em multa e indemnização que contemple o reembolso de todas as despesas suportadas com a acção, incluindo os honorários ao advogado.
Alegou, além do mais:
a autora solicitou-lhe, por carta datada de 30 de Maio de 2005, que viesse informá-la de « qual o banco e o número da sua conta bancária »;
o que ela, ré, veio a fazer por carta de 1 de Junho de 2005;
inexplicavelmente a autora não utilizou tal conta e, por carta datada de 7 de Junho de 2005, informou ter depositado em nome da ré a quantia de 40 000,000 euros, remetendo em anexo « uma cópia do que aparentava ser um talão de depósito numa conta do Banco Internacional de Crédito », não sendo todavia a ré nem nunca tendo sido titular da conta onde a autora alega ter feito o depósito;
informando-se na agência do BIC em Chaves concluiu a ré que a autora teria solicitado a abertura de uma conta em seu nome e em nome dela, autora, que só poderia ser movimentada com a assinatura de ambas as titulares, nenhuma quantia podendo ser levantada sem intervenção da autora;
em nenhum momento a ré foi informada ou lhe foi solicitado pela autora autorização para a abertura de tal conta.
Respondeu a autora de fls.84 a 88.
A ré, a fls.93, veio opor-se à possibilidade processual desta resposta e pediu o desentranhamento dela dos autos.
Por despacho de fls.99 e segs. foi indeferido « o requerido desentranhamento daquela peça processual e |decidido| ter em conta o aduzido nos arts.3º, 4º, 6º, 14º e 33º do articulado de fls.84 a 88 e ter por não escrito o demais articulado desse articulado ».
Efectuada audiência preliminar na qual não foi possível obter a conciliação das partes foi proferida o despacho saneador- sentença de fls.120 a 146 que julgou esta acção totalmente improcedente e, consequentemente, absolveu a ré do pedido formulado pela autora nestes autos. Mais decidiu condenar a autora como litigante de má fé na multa de três ( 3 ) UCs – arts.456º, nºs1 e 2 do CPCivil e 102º, a ) do CCJudiciais – bem como pagar à ré a indemnização que vier a ser fixada nos termos do art.457º do CPCivil.
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação.
Por acórdão de fls.319 a 348 o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a apelação e, em consequência, confirmou o despacho saneador recorrido.
De novo inconformada, pede a autora revista para este Supremo Tribunal.
Alegando a fls.398, apresenta a recorrente AA as seguintes CONCLUSÕES textuais:
1 - O Tribunal Recorrido decidiu manter a decisão da 1ª instância, que julgou totalmente improcedente o Recurso de Apelação, no qual se suscitara a violação do princípio do contraditório, e se colocava em causa a decisão de mérito, e bem assim, a condenação da Autora, Recorrente, enquanto litigante de má-fé.
2 - Não se conforma a Recorrente com a decisão do Tribunal Recorrido que decidiu do mérito da causa no despacho saneador, preterindo a selecção da matéria de facto controvertida, e a admissibilidade de produção de prova, diligências que a Recorrente reputava de essenciais para a decisão de mérito que viesse a ser proferida nos autos.
3 - A questão que cumpre averiguar nos presentes autos é determinar, se a causa de recusa da prestação invocada pela Recorrida, enquanto credora, consubstancia um fundamento legítimo, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 1027º do C. Civil.
4 - Em rigor, quer o Tribunal de 1ª instância, quer o Tribunal Recorrido, consideraram, enquanto questão em apreço, a motivação da Recorrente, contudo, dela não vieram a conhecer, não tendo seleccionado matéria de facto controvertida, nem admitindo a produção de prova que justificasse o pagamento do reforço de sinal a que estava obrigada, mediante a abertura de uma conta bancária, da qual a Recorrida era co-titular.
5 - Invocou a Recorrente, em sede de articulados, que, por várias vezes tentara contactar a Recorrida, promitente vendedora, no sentido de a questionar acerca do licenciamento da edificação que lhe prometera comprar, e a emergência do assunto resultou de uma informação obtida pela Recorrente junto da CMC - na sequência de um processo de fiscalização, motivado pela utilização de edificação não licenciada, que a Recorrida não desconhecia - segundo o qual, a parcela de terreno onde a edificação estava construída, integrava uma área RAN, e, portanto, seria insusceptível de licenciamento.
6 - Desta matéria o Tribunal Recorrido não conheceu, concluindo tão só que, através da correspondência junta aos autos, designadamente da correspondência troca da entre ambas em 30.05.2005 e 02.06.2005, ficara demonstrado que a Recorrente conseguira contactar a Recorrida.
7 - E a este respeito atente-se, segundo a prova documental junta aos autos, na posição da Ré relativamente aos factos: conhecia e ignorava as consecutivas tentativas de contacto da Autora, pois, de outra forma, não teria feito menção no Doc. nº1 junto à contestação de que: "Informo V.Ex. que não tomo conhecimento de cartas extraviadas, nem de recados nas sopeiras dos vizinhos”.
8 - Claramente, a Ré demonstra conhecer as tentativas de contacto da Autora, através dos meios informais, que até ali eram habituais entre as partes, e escusava-se a contactar a mesma, de resto, e caso estivesse disposta a prestar os esclarecimentos que aquela lhe havia solicitado, até o teria feito na própria missiva que remeteu à Autora em 8 de Abril de 2005, o que não fez, tendo antes negado qualquer esclarecimento atinente à legalização da construção existente, condição de realização do contrato prometido.
9 - Ora, como ficara alegado, as tentativas de contacto não existiam por si só; a Recorrente pretendia através delas obter informações concretas acerca do licenciamento da edificação que prometera comprar, e que, de resto, já se encontrava sob o seu gozo e fruição, por força do disposto na Cláusula 10ª do contrato promessa.
10 - Atendendo a que a tradição apenas ocorrera com vista a que a Recorrente, promitente compradora, utilizasse a edificação tendo como fim a exploração comercial, sucede que, com a instauração de um processo de contra-ordenação pela CMC, estava esta impedida de usufruir do fim a que o prédio se destinava, ao que acresciam as benfeitorias necessárias lá realizadas, e que agora reputava de inúteis.
11 - O dever de informação por parte da Recorrida, e a boa fé que lhe era exigida, enquanto responsável contratualmente obrigada, não foi considerada pelo Tribunal Recorrido, tendo este se limitado à apreciação formalista da causa, que naturalmente influiu no mérito da decisão, desmerecendo a justiça material da causa.
12 - Assim, e sob este ponto de vista, o Tribunal considerou que, na ausência de previsão contratual do meio de pagamento dos reforços de sinal, a correspondência trocada entre as partes, por meio da qual, a Recorrente solicitou, e a Recorrida indicou o NIB, para o qual, deveria ser feito o pagamento da prestação em causa, reveste a natureza de estipulação posterior ao contrato válida e validamente provada, na medida em que, terá que ser entendida como confissão da Recorrente, considerando a não impugnação dos documentos em causa.
13 - Desta forma, entendeu que a Recorrida não estava obrigada a receber a prestação, porquanto, a mesma não foi efectuada no local previsto, e, porque o valor não correspondia à totalidade da prestação devida.
14 - Quanto à segunda objecção suscitada, não lhe poderá ser assacada qualquer relevância jurídica, que não o eventual vencimento de juros, como invoca a própria Recorrida, mas que dadas as datas não se aplicará, considerando ter o mesmo sido depositado no prazo da interpelação admonitória concedida, e muito antes da declaração de resolução de contrato, que aconteceu após a apresentação ajuízo da presente acção especial de consignação em depósito.
15 - Pois, até à data, a Recorrida não havia recorrido a qualquer meio, previsto no artigo 436º, nº1 do CCivil, que convertesse a mora em incumprimento definitivo.
16 - Quanto à primeira das objecções levantadas pelo Tribunal Recorrido, cumpre referir que a Ré chegou a deslocar-se ao balcão da entidade bancária, onde a prestação havia sido depositada, para proceder ao seu levantamento, apenas não o tendo efectuado, porquanto, necessitava de contactar a Autora, no sentido de proceder a tal movimento.
17 - Ora, posto isto, resulta que a Ré, com este comportamento, admitiu expressamente como meio de pagamento, um outro que não a transferência do reforço de sinal para o NIB indicado, na anterior correspondência trocada, renunciando, clara e indubitavelmente, àquele meio como o único possível e por si admitido.
18 - Tal factualidade, seria matéria que os autos deveriam conhecer, e sobre a qual seria admissível a produção de prova, porquanto, não integraria qualquer derrogação de cláusula do contrato promessa, consubstanciaria simplesmente uma permissão acordada pelas partes em aceitar um meio alternativo de efectivação do pagamento, tal circunstância de permissividade, é, de resto, totalmente compatível com o "aligeiramento formal do contrato-promessa”, como escreve Ana Prata, em citação constante do Acórdão recorrido, a pág. 24.
19 - Esta recusa da Autora em querer receber a prestação de que era credora, nunca foi explicado aos autos, nem o Tribunal entendeu ser, porventura, relevante. Não obstante, atento o princípio da boa fé, a mesma demonstra ser essencial, considerando a resolução do contrato promessa declarado pela Autora, com fundamento na não realização da prestação dentro do prazo estabelecido.
20 - No que respeita à condenação como litigante de má fé, a Recorrente dá por reproduzida toda a alegação feita em sede de Mérito da Causa e violação do princípio do contraditório, designadamente no que respeita às tentativas de contacto à Ré e do facto de a Autora ter depositado a quantia numa conta bancária, da qual a ré era co-titular, sendo que esta sempre se recusara a receber qualquer prestação.
21 – Com estes fundamentos, deverá ser revogada a decisão da condenação da autora como litigante de má fé.
22 – O acórdão recorrido viola o disposto.
Contra – alega a recorrida BB a fls.421 começando por afirmar que « a recorrente alega, em sede de recurso, matéria nova ... pelo que devem ser dadas como não escritas as conclusões 5, 9, 10 e 16 », e concluindo por que se adensa no presente recurso a litigância de má fé por parte da autora, que deve ser condenada em multa e indemnização.
Estão corridos os vistos legais.
Cumpre decidir.
As instâncias, maxime o acórdão recorrido tiveram por assentes os seguintes FACTOS:
Por contrato-promessa celebrado em 08.06.04, a autora prometeu comprar à ré uma parcela de terreno com a área de 3962 m2, a qual se insere no prédio rústico, sito no Lugar do R , inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 559º da freguesia de Chaves, e descrito na CRP de Chaves sob o nº...../.........
A referida parcela confronta a Norte, e numa extensão de 21,93 m, com Herdeiros de CC; a Nascente, e numa extensão de 92,69 m, com DD; a Sul, e numa extensão de 60,19 m, com a Rua do R.., que flecte para Nascente numa extensão de 12,38 m, e depois flecte para Norte numa extensão de 55,95 m.
Na referida parcela está implantado um armazém com a área de 1182,27 m2 de superfície coberta, a confrontar a Norte com a promitente vendedora; a Nascente com DD; a Sul com a promitente vendedora e com a Rua do R e a Poente com a promitente vendedora; omisso à matriz e ao registo predial.
O preço acordado para a prometida compra e venda foi de € 598.557,48.
O pagamento ficou estipulado da seguinte forma: na data da outorga do identificado contrato-promessa de compra e venda, a autora entregou à Ré, a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de € 79.807,66, da qual a ré deu quitação.
Quanto ao montante de € 518.749,82, as partes acordaram que € 219.468,101 seriam pagos no prazo de cinco anos a contar daquela data, em cinco prestações anuais e iguais, no montante de € 43.893,62 cada uma, vencendo-se a primeira prestação a 08.06.05, e as outras sucessivamente a 08.06.06, 08.06.07, 08.06.08 e finalmente 08.06.09.
Quanto aos restantes € 299.281,72, a autora, promitente compradora, prometeu dar em pagamento, no acto da outorga da escritura prometida, as fracções autónomas, sitas no prédio urbano, constituído em propriedade horizontal designado Edifício Angola, em Chaves, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Chaves sob os artigos 5155-EO; 5155-EQ; 5155-ER; 5155-ES; 5155-ET; 5155-EX; 5155-EZ; 5155-FA; 5155-FB; 5155-FC; 5155-FD; 5155-FE; 5155-FF; 5155-FG; 5155-FH; 5155-FJ; 5155-EP.
No identificado contrato-promessa de compra e venda, não ficou estipulado o meio de pagamento dos reforços de sinal a realizar pela promitente compradora.
Em 21.03.05, a autora remeteu à ré uma carta com o seguinte teor: “Na sequência do negócio entre nós estabelecido, tenho, por diversos vezes, tentado contactá-la, através dos mais variados meios, contudo, V. Exª tem-se sempre furtado a tais contactos. Mais uma vez procuro, por este meio, contactá-la. Espero consegui-lo. BB: procuro contactá-la no sentido de saber qual é o estado em que se encontra o processo do armazém que negociamos, designadamente se já diligenciou no sentido de obter as licenças ou se já as obteve. Espero que me informe sobre tal assunto o mais rápido possível e que me mantenha ao corrente de todas as diligências (…).”.
A autora sabia que o prazo para efectuar o pagamento do reforço de sinal se vencia no passado dia 08.06.
Por carta datada de 30.05.05, a autora solicitou à ré que informasse qual o banco e o número da sua conta bancária.
Em 02.06.05 (1)., a ré respondeu à carta da autora acima aludida, a qual tinha o seguinte teor: “Venho por este meio informar do número de conta para o qual deverá ser feita a transferência bancária. NIB – 0000000000000000000. Informo a Exma. Srª de que a transferência terá de ser feita até à data prevista em contrato assinado por ambas as partes – dia 08 de Junho de 2005 – caso contrário estará sujeita a juros de mora contemplados na lei. Relembro Vª Exª de que ainda não me foram entregues a planta e as chaves da garagem com as devidas obras concluídas tal como foi estipulado por ambas as partes (…)”.
A autora procedeu voluntariamente à abertura de uma conta bancária, da qual é co-titular a ré, na qual depositou a quantia de € 40.000,00.
Por carta datada de 07.06.05, já na posse do talão de depósito supra identificado, a autora comunicou à ré a efectivação do depósito bancário no valor acima referido.
Por carta datada de 09.06.05, a ré informou a autora do seguinte:
“Informo V. Ex.ª que não foi cumprida a sua parte conforme estipulado no contrato-promessa de compra e venda da minha propriedade sita na Rua do R , em Chaves. Assim, tinha ficado estipulado contratualmente que a 1ª prestação, no valor de 43.893,62€ seria paga no dia 08 de Junho de 2005. Acontece que tal pagamento não foi efectuado. Em alternativa, V. Ex.ª optou por abrir uma conta conjunta entre mim e V. Ex.ª no Banco Internacional de Crédito, conta essa que eu não autorizei a abrir, e na qual o dinheiro só ficaria disponível com a assinatura de V. Ex.ª, ou seja, não me foi entregue a primeira prestação conforme combinado, apesar de lhe ter facultado o NIB da minha conta e V. Exª poder fazê-lo directamente por cheque visado ou outro meio correcto, antes utilizou um expediente de má fé que impediu que eu recebesse a primeira prestação do contrato. Assim entrou V. Ex.ª em mora a partir da data de vencimento da primeira prestação. Fica então V. Exª desde já notificada de que dispõe de um prazo de dez dias para proceder ao pagamento da primeira prestação do contrato e compra e venda referido, acrescido dos respectivos juros de mora. Findo esse prazo, deixa o presente negócio de ter qualquer interesse para mim pelo que irei resolver o mesmo com base no incumprimento do contrato por parte de V. Exª com todas as consequências legais (…)”.
Em 16.06.05, a autora procedeu ao depósito na conta bancária acima referida da quantia de € 3.893,62.
Tendo, neste seguimento, comunicado à ré o depósito da quantia em falta.
Por carta datada de 23.06.05, a autora informou a ré que o montante de € 43.893,62 estão depositados, à ordem, em nome da ré, conforme promessa de compra e venda realizada entre as partes e os respectivos advogados no dia 08.06.04.
Em 03.12.05, a ré enviou à autora uma carta com o seguinte conteúdo: “ (…) por carta de 9 de Junho de 2005, interpelei V. Exa. para pagar Euros 43.893,62, quantia que me ia ter sido entregue até ao dia 8 de Junho de 2005, conforme estabelecia o artº 9° do referido contrato promessa. Na mesma ocasião, informei V. Exª de que se não o fizesse no prazo de 10 dias, eu perderia o interesse na celebração do contrato prometido, dando o contrato promessa por imediatamente resolvido. Durante o referido prazo admonitóno V. Exª optou conscientemente por não pagar a quantia em dívida, pelo que a mora em que V. Exª se encontra desde o dia 8 de Junho de 2005 se converteu em incumprimento definitivo, com todas as consequências daí advindas. Não obstante, V. Exª, sem ter qualquer título que a habilite a tanto, mantém-se, abusivamente, na fruição e detenção do imóvel prometido vender. Nestes termos, serve a presente para reiterar a minha decisão de resolver o contrato promessa entre nós celebrado em 8 de Junho de 2005, e, de forma expressa, interpelar V. Exª para, no prazo máximo de 10 dias a contar da data de recepção a presente missiva, restituir o imóvel prometido vender, no estado em que o mesmo se encontrava à data da celebração do referido contrato promessa, incluindo, portanto, o armazém nele construído e, bem assim, os materiais e mercadorias nele armazenados naquela data. Findo este prazo, sem que V. Exª proceda à referida restituição, darei instruções ao meu Advogado no sentido de, com o mesmo propósito, accionar os competentes mecanismos legais (…)”.
Na cláusula 7ª do contrato-promessa pode ler-se que: “A primeira outorgante [ré], suportará todos os custos e é a única e exclusiva responsável pela formalização do processo de destaque da parcela de terreno identificada na cláusula sexta deste contrato, bem como, pela regularização da situação de clandestinidade as normas do urbanismo e ordenamento do território em que se encontra o armazém que vem descrito na cláusula terceira deste contrato e, que integra a referida parcela de terreno a destacar, comprometendo-se a obter junto das diversas entidades oficiais que tutelam a matéria, designadamente, Câmara Municipal, repartição de Finanças, Conservatória do Registo Predial, todas as autorização, licenças e demais documentação necessária, à regularização de toda a situação descrita, de modo a tornar possível a formalização de quaisquer negócios e actos e actos jurídicos sobre a referida parcela e o aludido armazém, designadamente, a transmissão da sua propriedade por escritura pública.”
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Dispõe o art.841º, nº1 do CCivil que o devedor pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida, nos casos seguintes:
a ) quando, sem culpa sua, não puder efectuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor;
b ) quando o credor estiver em mora.
Ora, nós estamos precisamente dentro de uma acção especial de consignação em depósito, que assim mesmo a acoimou a autora.
E assim mesmo a desenhou.
Dizendo na sua inicial petição que, vencendo-se em 8 de Junho de 2005 a primeira prestação que deveria pagar à ré no âmbito de um contrato-promessa entre ambas celebrado tentou por diversas vezes, antes do vencimento, para o efeito contactar esta última, tentativas todas infrutíferas.
E assim sendo, e por manter o interesse no contrato, « procedeu voluntariamente à abertura de uma conta bancária, da qual a ré é co-titular, na qual depositou a quantia de 40 000,00 euros ... e dias mais tarde, apercebendo-se do lapso cometido depositou mais 3 893,62 euros ».
E acrescenta a autora:
« desde a data da realização do primeiro depósito até à presente, a ré sempre recusou a recepção da referida prestação de reforço do sinal, da qual era legítima credora ...
Assim sendo, a ré, por se recusar, sem motivo justificado, a receber a prestação que lhe é devida, encontra-se em mora, nos termos do disposto no artigo 813º do CCivil ».
E por isso pede a autora que lhe sejam passadas guias para o depósito e que, por via da consignação, seja declarada extinta a sua obrigação.
Este é o seu pedido, aquela é a causa de pedir que o sustenta.
E, na verdade, dispõe o invocado art.813º do CCivil que o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não participa os actos necessários ao cumprimento da obrigação.
Só que – deixando de lado a inusitada invocação de que, por lapso ( ! ), depositou apenas 40 000,00 em vez dos devidos 43 893,62 euros devidos – a autora não teve qualquer necessidade de abrir « uma conta bancária, da qual a ré é co-titular » para cumprir a sua obrigação.
Porque – está já provado:
por carta datada de 30.05.05, a autora solicitou à ré que informasse qual o banco e o número da sua conta bancária.
em 02.06.05, a ré respondeu à carta da autora acima aludida, a qual tinha o seguinte teor: “Venho por este meio informar do número de conta para o qual deverá ser feita a transferência bancária. NIB – 00000000000000000000. Informo a Exma. Srª de que a transferência terá de ser feita até à data prevista em contrato assinado por ambas as partes – dia 08 de Junho de 2005 – caso contrário estará sujeita a juros de mora contemplados na lei ... ».
Ou seja: em tempo do cumprimento em tempo da sua obrigação a autora tinha ao seu dispor o número da conta bancária da ré que lhe solicitara e a necessária autorização para nela efectuar o depósito dos 43 893,62 euros da prestação a pagar em 8 de Junho de 2005.
E se é assim, a acção especial de consignação em depósito proposta pela autora contra a ré improcede desde já – art.1027, al. a ) do CPCivil – por ser inexacto o motivo invocado.
Por ser inexacto, não.
Mais do que isso.
Por ser falso.
Porque a ré não estava em mora, porque a ré tinha posto ao dispor da autora todos os elementos necessários para que esta pudesse cumprir, em tempo, a sua prestação.
E é exactamente por isso, também, por essa razão, que é inteiramente adequada a condenação da autora como litigante de má fé.
Porque ela escamoteou a sua carta e a carta de resposta que se transcreveram em negrito.
Ela omitiu factos relevantes para a decisão da causa alterando a verdade dos factos; ela colocou-se na situação prevista na al. b) do nº2 do art.456º do CPCivil.
Dizendo que fez várias tentativas, todas infrutíferas, para contactar a autora, escondeu que uma dessas tentativas ( ao menos uma, aceitando ter havida outras ) foi frutífera, tão frutífera que ela ficou desde logo de posse dos dados necessários para que por si, sem mais, pudesse cumprir a prestação que lhe competia.
E a sua má fé é tão mais evidente quanto, afirmando que « procedeu voluntariamente à abertura de uma conta bancária, da qual a ré é co-titular ... na qual depositou a quantia de 40 000,00 euros ... », esqueceu-se de dizer que
a referida conta só poderia ser movimentada com a assinatura de ambas as titulares, isto é, da autora e da ré,
razão pela qual nenhuma quantia poderia ser levantada sem a intervenção da autora.
São factos afirmados nos artigos 17º e 18º da contestação.
E quem,
devendo pagar uma determinada quantia em dinheiro a outrem, coloca essa quantia numa conta de que este outrem não pode livremente dispor,
não está efectivamente a transferir a propriedade do dinheiro para esse outrem. Não está a pagar, portanto.
E estes – os agora transcritos também a negrito - são factos que podem desde já ter-se por assentes ... por confissão.
Porque – na resposta – « a autora os impugna por desconhecer ».
Ora estes são factos pessoais. Claramente pessoais.
Foi pessoal abrir voluntariamente uma conta. É pessoal saber o tipo de conta que se está a abrir quando o objectivo dessa abertura é especificamente um objectivo concreto e determinado: pôr ao dispor de outrem determinada quantia.
Ora, a não impugnação destes factos - art.505º do CPCivil - tem o efeito previsto no art.490º.
Ou seja, nº2:
consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados ...
E nº3 – se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento ...
Aqueles são, então, factos assentes por confissão e que, por isso, este Supremo tribunal tem que considerar ainda que não tenham sido levados em consideração no acórdão recorrido.
Transcrevamos os arts.8º, 9º e 10º da petição inicial:
« 8º
No identificado contrato-promessa de compra e venda, não ficou estipulado o meio de pagamento dos reforços de sinal a realizar pela promitente compradora.

Neste considerando, a autora, na tentativa séria de definir conjuntamente com a ré o meio de efectuar o pagamento do reforço do sinal, tentou contactá-lo por diversas vezes, em data anterior ao vencimento da referida prestação.
10º
Tentativas essas que sempre resultaram infrutíferas, quer quando realizadas por via pessoal, telefónica ou postal ... ».
A transcrição que se faz tem por finalidade tornar transparente o que transparente é desde início: que é esta a causa de pedir na presente acção de consignação em depósito – a autora quer pagar o reforço do sinal e não consegue contactar a ré para o fazer.
Já se viu que não foi assim. Já se viu que a causa de pedir não se verificou e que a autora escamoteou factos decisivos para a decisão da causa, litigando de má fé.
E foi possível afirmar, ainda no despacho saneador, os factos necessários a uma conscienciosa decisão do pleito.
Tudo o que está para além deles é desnecessário, porque eles ( os que já se fixaram ) são os essenciais, necessários e suficientes para a decisão tomada.
Essencial é o que está dito.
E o que está dito, foi-o com inteiro respeito pelo princípio do contraditório. Andaram bem as instâncias quando decidiram a questão no despacho saneador ... porque está definitivamente apurado que a ré se não recusou a receber a prestação e, ao contrário, deu à autora todos os elementos necessários ao cumprimento dela por parte desta.

Resta dizer que as questões que a recorrente traz às suas conclusões e que têm a ver com a eventual contraprestação da ré no mesmo tempo contratual são questões que, por um lado, estão inteiramente fora da causa de pedir ( a não suscitarem, por isso, a necessidade de qualquer averiguação ) e, por outro lado, teriam um tratamento jurídico inteiramente fora do direito ( e do dever ) da autora de cumprir a sua própria prestação – veja-se o que dispõe o art.843º do CCivil.
Aí, nesse enquadramento, poderia a autora, se assim o entendesse e não o entendeu, tratar a questão da contraprestação da ré. Mas esse é um momento posterior à própria consignação e que por isso não interfere na definição do direito à sua efectivação como causa extintiva da obrigação própria.

D E C I S Ã O
Na improcedência do recurso, nega-se a revista, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 13 de Março de 2008

Pires da Rosa (Relator)

Custódio Montes

Mota Miranda
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(1)-Na sentença recorrida escreveu-se “02 de Junho de 2006” por evidente lapso de escrita, como se verifica pelas cópias da carta e do talão de registo, juntos a fls. 51 e 52.