Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00032486 | ||
Relator: | VIRGILIO OLIVEIRA | ||
Descritores: | DIREITO DE DEFESA MATÉRIA DE FACTO CONTESTAÇÃO MATÉRIA DE DIREITO NOTIFICAÇÃO INFRACÇÃO FISCAL FRAUDE FISCAL BURLA AGRAVADA CONCURSO APARENTE DE INFRACÇÕES | ||
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Nº do Documento: | SJ199710010012193 | ||
Data do Acordão: | 10/01/1997 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N470 ANO1997 PAG319 | ||
Tribunal Recurso: | TJ TAVIRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 625/94/A | ||
Data: | 07/05/1996 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Área Temática: | DIR CONST - DIR FUND. DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/PATRIMÓNIO. DIR PROC PENAL - RECURSOS. DIR TRIB - DIR FISC. | ||
Legislação Nacional: | CONST89 ARTIGO 32 N1. CP82 ARTIGO 30 ARTIGO 314. CPP29 ARTIGO 100 PAR1. CPP87 ARTIGO 17 N4 ARTIGO 113 N1 A B N2 ARTIGO 118 N2 ARTIGO 123 N1 ARTIGO 311 N1 N2 ARTIGO 312 N1 ARTIGO 313 N1 A N2 ARTIGO 315 N1. CPC67 ARTIGO 201 N1. DL 619/76 DE 1976/07/27. L 89/89 DE 1989/09/11 ARTIGO 2 N1. DL 20-A/90 DE 1990/01/15 ARTIGO 1 N1 ARTIGO 4 ARTIGO 5 N1 ARTIGO 10 ARTIGO 13 ARTIGO 23 N1 ARTIGO 26. DL 394/93 DE 1993/11/24. | ||
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Sumário : | I - Ao ser notificado para contestar, o arguido deve ser ciente quer dos factos que lhe são imputados, quer da sua qualificação jurídica. II - Se uma conduta, tipificada no Direito Penal Fiscal, apenas violar os interesses fiscais do estado, não há que a subsumir a qualquer tipo de Direito Penal comum, não só porque aquele ramo constitui um sistema jurídico fechado, com princípios próprios (nomeadamente sanções menos graves), mas também porque, no fundo, é especial. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - No Tribunal Judicial de Tavira, perante o tribunal colectivo, foi submetido a julgamento o arguido A, casado, comerciante, nascido a 17 de Junho de 1938, residente na Rua ..., Tavira. Havia sido acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 23, ns. 1, alínea a), 2 alíneas a) e d) e 3, alínea a) do Decreto-Lei n. 20-A/90, de 15 de Janeiro, mas por factos anteriores à publicação deste diploma legal. O arguido requereu a abertura da instrução, articulando factos e suscitando várias questões, nomeadamente imputando à acusação ofensa do princípio da legalidade estabelecido nos artigos 1 do Código Penal e 18, n. 3 da Constituição da República, bem como desrespeito pelo estabelecido no artigo 2 do Decreto-Lei n. 20-A/90. Após debate instrutório, o Excelentíssimo Juiz de Instrução julgou improcedentes as questões suscitadas e pronunciou o arguido como autor do crime de fraude fiscal acusado, portanto previsto e punido no artigo 23, ns. 1, alínea a), 2, alíneas a) e d) e 3, alínea a) do Decreto-Lei n. 20-A/90, de 15 de Janeiro. No que diz respeito à invocada ofensa do princípio da legalidade, justificou o Excelentíssimo Juiz a sua decisão frisando que os factos que na acusação haviam sido imputados ao arguido como constituindo o aludido crime de fraude fiscal já estavam previstos e punidos pelo artigo 1, alínea a) do Decreto-Lei n. 619/76, de 27 de Julho, sendo-lhes aplicável, conforme artigo 2 desse diploma, pena de prisão até 12 meses, havendo, por isso, necessidade de recorrer ao disposto no artigo 2, n. 4 do Código Penal e 29, n. 4 da Constituição da República Portuguesa e aplicar o regime mais favorável, ou seja o do Decreto-Lei 20-A/90, na sua primitiva redacção, que previa para o crime apenas pena de multa. Desse despacho, na medida em que havia desatendido as pretensões do arguido suscitadas no início do debate instrutório, interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação, mas tal recurso veio a ficar deserto por falta de pagamento da devida taxa. 2. - Remetidos os autos ao tribunal, para julgamento, o Excelentíssimo Juiz mandou autuar como processo comum perante o tribunal singular, mas que depois os autos lhe fossem conclusos, o que foi cumprido, lavrando então o mesmo Excelentíssimo Magistrado despacho com o seguinte conteúdo sintetizado: Os factos que a pronúncia atribui ao arguido, a fabricação de uma factura, pretensamente passada por uma sociedade fictícia, são aptos a integrar a previsão dos artigos 313 e 314, alínea c) do Código Penal de 1982. Se o tribunal de julgamento está vinculado aos factos que são apresentados, já não está sujeito à qualificação que lhes seja atribuída. Na eventualidade de concurso ideal de normas, o artigo 23 do Decreto-Lei 20-A/90, há-de ceder perante norma penal que puna mais severamente a conduta: caso do artigo 314 do Código Penal por efeito de relação de consumpção. Sendo caso de concurso ideal será caso de cumulação de punições, se os interesses jurídicos forem diversos - artigo 13 do Decreto-Lei n. 20-A/90. De qualquer modo, os factos trazidos pela pronúncia são aptos a preencher a previsão do artigo 314 do Código Penal, pelo que o julgamento cabe ao tribunal colectivo. Em consequência, ordenou-se a autuação como processo comum perante o tribunal colectivo e a sua remessa ao Meritíssimo Juiz, do Círculo Judicial tendo este designado dia para julgamento. 2.1. - Voltando os autos ao Excelentíssimo Juiz do processo, foi lavrado despacho de saneamento (artigo 311 do Código de Processo Penal) em que se deu conta de não existirem questões prévias ou incidentais a impedir o conhecimento da causa, acrescentando-se depois: "Recebo a pronúncia contra A deduzida a folhas 160 verso, 161 e 162 dos autos, pelos factos aí descritos e com a qualificação resultante da convolação de folhas 204. Para julgamento, o dia designado. Notifique as testemunhas e cumpra o disposto no artigo 313 do Código de Processo Penal". 2.2. - O arguido foi notificado desse despacho através da Polícia da Segurança Pública em 16 de Janeiro de 1995 e, no prazo legal de sete dias, então vigente, apresentou a sua contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação, tendo por base a incriminação da pronúncia e acusação e invocando a prescrição do procedimento criminal, a fundamentar a qual alegou: "Com efeito, o crime imputado ao réu ter-se-á consumado em 31 de Julho de 1989, data em que este terá apresentado na Repartição de Finanças de Tavira a declaração de modelo 2. O réu foi notificado pessoalmente da decisão instrutória, nos termos da qual foi pronunciado pela prática de um crime previsto e punido nos termos do artigo 23, ns. 1, alínea a), 2, alíneas a) e d) e 3, alínea a) do Decreto-Lei n. 20-A/90, de 15 de Janeiro, em 5 de Agosto de 1994 (...). O artigo 15 do Decreto-Lei n. 20-A/90, determina que o procedimento criminal por crime fiscal extingue-se por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do mesmo sejam decorridos cinco anos (...). Ora, entre a data em que eventualmente terá sido praticado o crime imputado ao arguido, 31 de Julho de 1989, e a data em que o arguido foi pessoalmente notificado do despacho de pronúncia, 5 de Agosto de 1994, já decorreram mais de cinco anos. É pois manifesto que o procedimento criminal se extingue pelo decurso da prescrição". 2.3. - Por fax, entrado no tribunal em 3 de Fevereiro de 1995, o arguido veio arguir irregularidade processual, arguição que substanciou na seguinte argumentação: "No despacho que recebeu a pronúncia, consta o seguinte: "Recebe a pronúncia (...) e com a qualificação resultante de convolação de folha 204. O despacho de folha 204 não foi notificado ao réu. No dia 31 de Janeiro de 1995 (data da tomada de termos de identidade ao arguido), ao consultar o processo, o réu apercebeu-se que o despacho em causa havia alterado a qualificação dos factos de que era acusado, passando a considerar os mesmos como integrando a prática de um crime de burla agravada, previsto e punido nos termos dos artigos 313 e 314 do Código de Processo Penal. Tal facto era aliás absolutamente inimaginável, uma vez que não obstante a referência à convolação constante do despacho que recebeu a pronúncia, sempre houve a convicção de que a mesma se tinha eventualmente operado no âmbito do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras. A não notificação do despacho de folhas 204 impediu pois que o réu tomasse conhecimento pleno e efectivo dos termos em que foi recebida a pronúncia, induzindo-o em erro e impedindo-o de poder apresentar a sua defesa nos temos que considerasse convenientes (...). Aliás, é de todo incompreensível, em termos processuais, porque é que o despacho de folhas 204 não foi proferido no âmbito do despacho que recebeu a pronúncia deduzida contra o réu. Nos termos dos artigos 118, n. 2 e 123 do Código de Processo Penal constituísse irregularidades do processo os actos contrários a lei que esta não cominar com a nulidade. A não notificação ao réu do despacho de folha 204, quando este foi notificado da pronúncia e do despacho que a recebeu, viola os seguintes preceitos legais: artigo 61, artigo 111, n. 1, alínea c), artigos 113, n. 5, 311 e 313 do Código de Processo Penal e ainda o artigo 32, n. 1 da Constituição da República Portuguesa. A irregularidade em causa, pela sua gravidade, afecta definitivamente a validade do acto de notificação do despacho de pronúncia e do despacho que a recebeu, praticado em 15 de Janeiro de 1995, tornando-o inválido. Nestes termos (...) requer-se que seja declarada a invalidade do acto referido (...) bem como de todos os actos subsequentes praticados no processo". 2.4. - Conclusos os autos ao Excelentíssimo Juiz, foi lavrado despacho de indeferimento, destacando-se a seguinte fundamentação: "(...) A pronúncia foi recebida integralmente. Os factos atribuídos ao arguido entendeu-se que eram aptos a preencher a previsão do artigo 314 do Código Penal, burla agravada, motivo pelo qual o processo foi autuado para julgamento em tribunal colectivo. Não se contesta que a notificação não tenha sido efectuada de forma perfeita. Também o despacho de folhas 204 havia de ser comunicado ao arguido. É todavia seguro que em nada foram prejudicados os seus direitos de defesa. A defesa é relativa aos factos imputados e não à qualificação jurídica que deles se faz. E é certo que esta não é definitiva nem se impõe ao julgador. Este não está vinculado à classificação da matéria de facto de quem recebe a pronúncia. Evita-se deste modo, ao receber os factos como aptos a integrar a burla agravada, que o tribunal singular após a instrução da causa, venha a declarar-se incompetente caso entenda que a infracção imputada não é afinal, como entendeu a pronúncia, mas do artigo 314 alínea c) do Código Penal, com o consequente dispendio de esforço e de tempo (...). No caso não há que proceder à reparação de qualquer irregularidade, artigo 123, n. 2 do Código de Processo Penal, uma vez que o arguido desde 31 de Janeiro de 1995 sabe da qualificação que foi dada à conduta que lhe é atribuída, não havendo pois necessidade de nova notificação do despacho que recebeu a pronúncia, com a qualificação dada pelo despacho de folha 204". 2.5. - Com tal decisão se não conformou o arguido, que dela interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, recebido depois para subir diferidamente e no efeito meramente devolutivo e no devido tempo motivado. 3. - Seguindo o processo para audiência de julgamento, decidiu o tribunal colectivo: 3.1. - Julgar o arguido autor material, em concurso real, de três crimes: a) - um crime de falsificação previsto e punido pelo artigo 228, n. 1, alínea c) do Código Penal de 1982 e actualmente pelo artigo 256, n. 1, alínea c) do Código Penal de 1995; b) - um crime de burla agravada previsto e punido pelos artigos 313 e 314, alínea c) do Código Penal de 1982 e actualmente previsto e punido pelos artigos 217, n. 1 e 218, n. 2, alínea a) do Código Penal de 1995; c) - um crime de fraude fiscal previsto e punido, pelo artigo 23, n. 5 do Decreto-Lei n. 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n. 394/93, de 24 de Novembro. 3.2. - Declarar extinto o procedimento criminal, por amnistia, relativamente ao crime de falsificação (artigo 1, Decreto de Lei n. 23/91, de 4 de Julho). 3.3. - Declarar extinto o procedimento criminal, por prescrição, relativamente ao crime de fraude fiscal. 3.4. Condenar o arguido pelo crime de burla agravada - regime do Código Penal e 1992 - na pena de três (3) anos de prisão, suspensa na sua execução por um período de dois (2) anos na condição de o arguido proceder ao pagamento dos impostos em dívida, referentes ao caso dos autos, e respectivos encargos, no prazo de seis meses, devendo vir aos autos fazer prova de tal pagamento neste prazo de seis meses. 4. - Do acórdão recorreram o Ministério Público e o arguido. 5. - As conclusões da motivação do recurso do arguido, tendo por objecto o despacho que indeferiu a arguição da irregularidade processual, são os seguintes: 5.1. - Mediante a alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao R., nos termos do despacho de folha 204, foi substancialmente agravada a posição do R., designadamente, no que respeita à possível sanção em que poderá vir a incorrer; 5.2. - O despacho em causa deveria ter sido notificado ao R. com o despacho que recebeu a pronúncia, pois só desta forma o Réu tomaria conhecimento pleno e efectivo dos factos que lhe são imputados, bem como das respectivas consequências em termos jurídicos, materializadas no conhecimento do crime de que é acusado e respectiva sanção; 5.3. - A falta de notificação do despacho de folha 204 induziu o R. em erro e impediu-o de apresentar a sua defesa perante o crime de burla agravada que lhe é imputado, bem como relativamente aos termos em que se operou a convolação, ficando definitivamente privado desse direito perante o tribunal de julgamento, uma vez que já se esgotou o prazo para a apresentação da contestação; 5.4. - A não comunicação do referido despacho ao R. no acto de notificação praticado em 15 de Janeiro de 1995, constitui violação manifesta das suas garantias de defesa, as quais são asseguradas pelo artigo 32 do Código de Processo Penal e violação do disposto nos artigos 51, 111, n. 1, alínea c), 113, n. 5, 311 e 313, todos do Código de Processo Penal; 5.5. - A falta de notificação do despacho de folhas 204 ao R., juntamente com a pronúncia e o despacho que a recebeu, em 15 de Janeiro de 1995, constitui irregularidade processual que, pela sua gravidade, afecta definitivamente o acto de notificação efectuado naquela data, bem como todos os actos subsequentes, nos termos dos artigos 118, n. 2 e 123 do Código de Processo Penal; 5.6. - Deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, substituído o despacho recorrido por outro que determine a anulação do acto de notificação praticado em 15 de Janeiro de 1995 e de todos os actos subsequentes. 6. - Por sua vez, o Ministério Público, na motivação do recurso, tendo por objecto a decisão final, concluiu como segue: 6.1. - O arguido podia ter optado por um regime mais favorável pagando a importância em dívida (218, n. 3 do Código Penal). No entanto persistiu em manter a sua deliberação criminosa, tentando ludibriar o tribunal; 6.2. - Essa persistência leva-nos a crer que a suspensão da pena nunca deveria ter sido aplicada porque a conduta posterior ao crime é um dos factores a ter em consideração e o arguido nunca quis reparar o dano que infligiu à Sociedade; 6.3. - Esse facto e o modo como o crime foi realizado, utilizando métodos que revelam uma total indiferença pelas consequências, levam a crer que a censura de facto a a ameaça de prisão são insuficientes para prevenção de futuros crimes, pelo que o tribunal violou o artigo 50 do Código Penal, suspendendo a pena; 6.4. - A orientação do Supremo Tribunal de Justiça na punição dos crimes de burla agravada, tem sido muito mais severa (cerca de seis anos), ainda que o grau de ilicitude seja menor; 6.5. - Neste caso, o grau de ilicitude e a intensidade do dolo são grandes; 6.6. - O arguido utilizou uma factura falsa, no montante de 282000000 escudos, com a qual tentou ludibriar a Administração Fiscal; 6.7. - O Estado, se a fraude não tivesse sido descoberta, sofreria um prejuízo de dezenas de milhares de contos 33840000 escudos devido à taxa de 12 por cento relativa ao IMVA referente ao montante de 282000000 escudos que declarou ter gasto nas obras que não fez, e 47940000 escudos que foram deduzidos nas declarações periódicas por ele remetidas aos serviços do IVA, o que lhe trouxe um avultado benefício económico; 6.8. - O arguido agiu motivado unicamente pela ambição do enriquecimento sem olhar a meios, não havendo qualquer justificação para a sua conduta e sabendo que com a mesma iria agravar a situação dos outros contribuintes, que podiam até ser pessoas carenciadas; 6.9. - O grau de ilicitude e a intensidade do dolo são elevados; 6.10. - O Tribunal, ao fixar a pena em três anos de prisão violou o disposto no artigo 72 do Código Penal de 1982 e 71 do Código Penal vigente, pelo que a medida da pena não deveria ser fixada em menos de seis anos de prisão. 7. - As conclusões na motivação do recurso do arguido, também da decisão final, são as seguintes: 7.1. - Relativamente aos factos não provados o tribunal colectivo não procedeu à sua enumeração nos mesmos termos em que os fez para os factos provados; 7.2. - O tribunal colectivo limitou-se a utilizar uma formulação genérica, por via da qual fez constar que não considerou provado o pagamento das obras, nem a sua realização; 7.3. - O tribunal não sujeitou a deliberação e votação os factos alegados pelo recorrente na sua contestação, designadamente, os constantes dos artigos 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31; 7.4. - Todos os factos referidos no número anterior tinham importância para apreciação da conduta do recorrente, sendo, pois, necessário que o tribunal tomasse especificadamente posição sobre cada um deles e indicasse no acórdão a posição tomada; 7.5. - Ao tomar apenas em consideração os factos da acusação, limitando-se a tomar posição sobre eles, o tribunal colectivo não investigou os factos apresentados pela defesa do recorrente e o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 32, ns. 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa e os artigos 368, n. 2 e 372, n. 1 do Código de Processo Penal; 7.6. - Não tendo procedido à enumeração dos factos não provados, nos mesmos termos em que o fez para os provados, o acórdão, para além dos preceitos referidos no número anterior, violou o disposto no artigo 374, n. 2 do Código de Processo Penal, o que determina a sua nulidade nos termos do artigo 379, alínea a) do mesmo diploma legal; 7.7. - Para que o enriquecimento seja relevante no âmbito do crime de burla, atento o disposto no artigo 313 do Código Penal de 1982, torna-se necessário que seja consequência da utilização de meios astuciosos que induziram o lesado em erro, determinando-o à prática de actos que lhe causaram prejuízo patrimonial, os quais se traduzirão na entrega de dinheiro ou outros bens ao prevaricador ou a terceiro; 7.8. - Deste modo, resultando enriquecimento do recorrente da falta de cumprimento de prestações a que estava obrigado (entrega ao Estado de quantias em dinheiro a título de Imposto de Mais Valia e IVA) no âmbito de relação jurídica (fiscal) validamente constituída, não pode o mesmo ser qualificado de ilegítimo para efeitos do disposto no artigo 313 do Código Penal de 1982; 7.9. - Tendo-se provado que, com a sua conduta, o recorrente apenas procurou eximir-se ao pagamento de impostos que sabia serem devidos, a sua conduta apenas poderá consubstanciar a prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punido nos termos do artigo 23 do RJIFNA, o qual se encontra prescrito conforme foi oportunamente alegado na contestação, pelo que o acórdão recorrido, ao entender que a conduta do recorrente consubstancia a prática de um crime de burla previsto e punido pelos artigos 313 e 314 do Código Penal, padece de erro na determinação da norma aplicável; 7.9. - Se assim não se entender, a conduta do recorrente apenas seria susceptível de consubstanciar um crime de burla, na forma tentada, pois embora tivessem sido praticados todos os actos necessários à prática do referido crime, este não chegou a consumar-se uma vez que o recorrente não conseguiu eximir-se ao pagamento dos impostos, pelo que o acórdão violou o disposto nos artigos 22 e 313 do Código Penal; 7.10. - O acórdão recorrido não determinou o montante efectivo do prejuízo patrimonial sofrido pelo Estado a título do IVA, pelo que violou o princípio da suficiência da acção penal, consagrado no artigo 7 do Código de Processo Penal, e o disposto no artigo 313 do Código Penal, que determina a necessidade de o tribunal definir qual o valor dos prejuízos efectivamente sofridos pelo lesado; 7.11. - Face ao disposto no número precedente, a condição imposta ao recorrente para efeitos da verificação da suspensão da pena é inconstitucional por violar o disposto no artigo 2 e no artigo 268, ns. 4 e 5 da Constituição; 7.12. - Conforme consta da matéria de facto considerada provada, o recorrente encontra-se em estado de falência desde 1990; 7.13. - O recorrente encontra-se inibido de administrar e de dispor dos seus bens, conforme lhe impõe o artigo 1189 do Código de Processo Civil; 7.14. - Neste contexto, o eventual pagamento ao Estado Português dos impostos em dívida constituiria um facto ilícito devido à inibição do recorrente; 7.15. - Pelo que, para além do vício indicado no n. 12 das presentes conclusões, a condição é nula, nos termos dos artigos 271 e 280 do Código Civil, uma vez que impõe ao recorrente a prática de um acto ilícito para que este possa beneficiar da suspensão da pena. 8. - Respondeu à motivação do arguido no recurso principal, o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público na 1. instância, para concluir pela sua improcedência. Da mesma forma, o arguido, respondendo ao recurso do Ministério Público, pugna pela improcedência deste. Com os vistos legais e audiência oral, cumpre decidir. 9. - A matéria de facto, tal como vem da 1. instância é a seguinte: 9.1. - O arguido desempenhava a actividade de comerciante em nome individual; 9.2. - Em data e circunstâncias não apuradas foi fabricada em nome do arguido a factura cuja fotocópia consta de folha 10 dos autos e que aqui se dá como integralmente reproduzida; 9.3. - Para tanto, nela foi aposta a denominação de "Videla, Máquinas Construção Civil, Limitada", Av. do Uruguai, 24-A, Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n. 43728, 1. secção - N.I.P.C. 501234693; 9.4. - Aquela sociedade não existe, correspondendo aquele número da matrícula a uma sociedade que se encontra extinta desde 11 de Janeiro de 1983, não existindo também aquele N.I.P.C.; 9.5. - No local indicado como sendo a sua sede encontra-se instalada, desde 1986, uma outra empresa, a "Incotra - Centro Internacional para o desenvolvimento de Importações e Exportações, Limitada"; 9.6. - Na dita factura foi aposta a data de 31 de Dezembro de 1988 e nela se fez referir a construção pela referida sociedade "Videla" de dois pavilhões destinados a comércio com área coberta de 4865 metros quadrados, incluindo pintura, instalação eléctrica, tectos falsos, alcatifas, vidros, incluindo todos os acabamentos, terraplanagens e vedações, tudo no valor total de 282000000 escudos, mais 47940000 escudos de IVA, no âmbito de obras de remodelação e beneficiação realizadas no edifício "Paga Pouco" de Elvas, propriedade do arguido; 9.7. Posteriormente à construção dos pavilhões, cuja conclusão ocorreu até 1983, foram sendo realizadas diversas outras obras de remodelação e beneficiação de valor não concretamente apurado, mas muito inferior ao valor da factura de folha 10; 9.8. - Tal factura ora em causa não corresponde a quaisquer obras em concreto, nomeadamente às nelas mencionadas; 9.10. - O arguido tinha conhecimento de tal situação; 9.11. - Sabia o arguido que é com base nos dados constantes nas declarações de imposto e nos elementos de escrita que, regra geral, se fixam as obrigações fiscais e se apuram os impostos; 9.12. - Sabia ainda que no caso do Imposto de Mais Valias as importâncias indicadas nas declarações dos contribuintes como despendidas em obras de valorização são de considerar negativamente na determinação da matéria colectável, pagando o sujeito passivo uma menor importância de imposto do que pagaria se os mesmos não existissem; 9.13. - Posteriormente, com base na referida factura, o arguido preencheu a declaração modelo 2, cuja cópia consta de folhas 7 e 8, referida no artigo 21 de Q.T.M.V. referente ao ano de exercício de 1988; 9.14. - A declaração modelo 2 foi preenchida posteriormente à venda do edifício "Paga Pouco" em Elvas que constava do activo imobilizado da empresa do arguido; 9.15. - Em 31 de Julho de 1989, o arguido entregou aquela declaração na Repartição de Finanças de Tavira, nela fazendo constar as obras de beneficiação e remodelação no edifício "Paga-Pouco" de Elvas, já referido, no montante de 282000000 escudos; 9.16. - Sendo a taxa de I.M.V.A. aplicável de 12 por cento, o arguido faria diminuir as receitas da Fazenda Nacional em 33840000 escudos; 9.17. - Fez ainda o arguido debitar em 31 de Dezembro de 1988 nos registos contabilísticos da sua empresa as contas 4711 - Conservação Patrimonial - e 2422 - Fazenda Pública IVA - IVA dedutivel pelas quantias respectivamente de 282000000 escudos e 47940000 escudos relativas àqueles trabalhos de beneficiação e remodelação; 9.18. - As obras constantes da factura em causa não foram realizadas, nem licenciadas pela Câmara Municipal; 9.19. - Com o comportamento descrito, designadamente com a utilização da factura fabricada e a declaração de folhas 7 e 8 conseguiu o arguido induzir em erro a Administração Fiscal que, inicialmente, convicta da veracidade dos factos constantes da factura, designadamente de ter o arguido pago a título de IVA a importância de 47940000 escudos, permitiu a dedução desse montante nas declarações periódicas por ele posteriormente remetidas aos Serviços de IVA, o que diminui sensivelmente o imposto efectivamente pago pelo arguido; 9.20. - Com o comportamento descrito, o arguido tinha por objectivo não proceder ao pagamento de montantes que sabia serem devidos à Fazenda Nacional, obtendo assim consequentes vantagens patrimoniais; 9.21. - O arguido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a conduta descrita não era permitida e que com ela incorria na prática de crime; 9.22. - O arguido está ligado a várias empresas do ramo comercial; 9.23. - Foi declarado em estado de falência em processo desta comarca por volta de 1990; 9.24. - Tem a 4. classe, vive com a mulher, tem quatro filhos já maiores e não tem antecedentes criminais. 10. - Não resultou provado que o valor da factura em causa tivesse sido pago nomeadamente à sociedade "Videla" nela mencionada ou a outrém e que representasse o pagamento das diversas obras de beneficiação e remodelação que foram sendo realizadas no edifício "Paga Pouco" do arguido, em Elvas, a que atrás se aludiu, no período de 1983 a 1988; 10.1. - Não resultou ainda provado que tivesse sido o próprio arguido quem fabricou a factura cuja cópia consta da folha 10. 11. - Como se deixou relatado, são dois os recursos interpostos pelo arguido e um o interposto pelo Ministério Público. 12. - Há que conhecer em primeiro lugar do recurso interposto pelo arguido do despacho interlocutório. 12.1. - Tanto na acusação como no despacho de pronúncia se atribuíram ao arguido factos aí tipificados como integrando o crime fiscal previsto e punido pelo artigo 23, ns. 1, alínea a), 2, alíneas a) e d) e 3, alínea a) do Decreto-Lei n. 20-A/90, de 15 de Janeiro. Remetidos os autos ao tribunal, tendo havido instrução, como houve, na competência funcional do Excelentíssimo Juiz cabia a pronúncia sobre as questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa e de que pudesse, desde logo, conhecer (311, n. 1, do Código de Processo Penal), estando fora de causa a aplicação do n. 2 do mesmo preceito. Resolvidas essas questões, o presidente designaria dia, hora e local para a audiência (312, n. 1), despacho que deveria conter, sob pena de nulidade, as especificações constantes do n. 1 do artigo 313, entre as quais a indicação dos factos e disposições legais aplicáveis, a quem, porém, poderia ser feito por remissão para a acusação ou para a pronúncia, se a houvesse (alínea a)). E, segundo a previsão do n. 2 do mesmo artigo 313, o despacho, acompanhado de cópia da acusação ou da pronúncia devia ser notificado, nomeadamente, ao arguido, notificação a efectuar nos termos do artigo 113, n. 1, então nos termos das alíneas a) e b) desse artigo na redacção que então vigorava. O arguido, em sete dias (prazo agora elevado para 20 dias) a contar da notificação do despacho a designar dia para a audiência, apresentaria, querendo, a contestação, acompanhada do rol das testemunhas (315). 12.2. - Porém, no presente caso, recebidos os autos no tribunal, o Excelentíssimo Juiz, um pouco fora do ritualismo processual, lavrou um primeiro despacho a alterar a incriminação, pois que, em seu juízo, "os factos trazidos pela pronúncia são aptos a preencher a previsão do artigo 314 do Código Penal, pelo que o julgamento cabe ao tribunal colectivo". Este despacho não foi notificado ao arguido. Sugerido dia para o julgamento pelo Excelentíssimo Juiz do Círculo, seguidamente, portanto em despacho autónomo, o Excelentíssimo Juiz do processo procedeu em conformidade com o n. 1 do artigo 313 do Código de Processo Penal, terminando a "receber a pronúncia" "com a qualificação resultante da convolação de folha 204" e designou dia para julgamento. Foi o arguido notificado desse despacho que designou dia para a audiência (313, n. 2), mas não se lhe entregou cópia do anterior despacho que alterava a qualificação jurídica de crime fiscal para crime de burla agravada. 12.3. - Contestou o arguido dentro do prazo legal e na base da incriminação feita na acusação e reiterada no despacho de pronúncia, neste se corrigindo a deficiência daquela acusação que não indicava as disposições legais vigentes ao tempo dos factos. 12.4. - Ao ser lavrado termo de identidade, o arguido tomou conhecimento da convolação operada, como se disse para uma imputação penal muito mais gravosa e situada fora do Direito Penal Fiscal. Arguiu então a irregularidade da notificação que, no entretanto, viria a ser desatendida. 12.5. - As razões para o indeferimento estão expressas no respectivo despacho, com consonância com o que se prescreve no artigo 17, n. 4 do Código de Processo Penal, sendo agora este Supremo Tribunal chamado a reapreciar a subsistência ou insubsistência dessas razões. 12.6. - Reconhece-se no despacho que apreciou a arguição da invalidade que "não se contesta que a notificação não tenha sido efectuada de forma perfeita", pois, "também o despacho de folha 204 havia de ser comunicado ao arguido". De salientar, por outro lado, que das razões do indeferimento não consta a arguição fora de prazo, pelo que essa questão não está agora em apreciação. O fundamento que o indeferimento radica, na verdade, no juízo de que a irregularidade em nada prejudicara os direitos de defesa do arguido, uma vez "que a defesa é relativa aos factos imputados e não à qualificação jurídica que deles se faz". Por outro lado - acrescenta o mesmo despacho -, não haveria necessidade de nova notificação "uma vez que o arguido desde 31 de Janeiro de 1995 sabe da qualificação que foi dada à conduta que lhe é atribuída". 12.7. - Salvo o devido respeito nenhum destes argumentos procede pois que a defesa do arguido (de um arguido) não se restringe por lei à mera contestação de factos e, por outro lado, a apresentação de nova contestação não prescinde do estabelecimento de um termo inicial, no caso a notificação regular do despacho que designa dia para julgamento. No que diz respeito ao primeiro fundamento, importa desde logo deixar frisado que o artigo 315 do Código de Processo Penal apenas diz que o arguido "apresenta, querendo, a sua contestação", a qual "não está sujeita a formalidades especiais". A lei não prevê, nem podia prever, qual o conteúdo de tal acto processual, de maior relevância para a defesa dos direitos do arguido. A este pertence orientar a defesa da maneira que, segundo ele, melhor acautele os seus interesses no âmbito das imputações que lhe são feitas, de facto e de direito. E tem-se como evidente que a posição de um arguido no exercício do direito de apresentar contestação sofre a influência não só dos factos que lhe são atribuídos, mas também da qualificação que deles é feita, qualificação que aponta para o seu grau de desvalor e bem assim para a sua natureza jurídica dentro do ordenamento legal. No caso presente, em que existe grande discussão doutrinal e jurisprudencial sobre a correcta qualificação jurídica das condutas como as dos autos, o problema assume grande acuidade para uma correcta modelação do conteúdo da contestação, seja a nível dos factos, seja a nível do direito. E por isso, para que a notificação que fornece o ponto fixo para o início do prazo da contestação atinja a sua finalidade, torna-se necessário que ao arguido se faça uma notificação sem preterição das formalidades legais, mormente no que diz respeito ao conteúdo dos despachos a notificar. Prevê-se no n. 2 do artigo 118 do Código de Processo Penal quer nos caso em que a lei não comina a nulidade, o acto ilegal é irregular. E, segundo a previsão do n. 1 do artigo 123, qualquer irregularidade do processo, se não estiver sanada, determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar. O preceito legal não prescreve que o acto é inválido apenas "quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa" (Código de Processo Civil, artigo 201, n. 1), nem que "o juiz só deverá atender a arguição das nulidades a que este artigo refere (...) ou se, tendo sido posteriormente arguidas, puderem influir no exame e decisão da causa" (100, § 1 do Código de Processo Penal de 1929). Como refere o Sr. Professor Germano Marques da Silva, "arguida atempadamente a irregularidade, o juiz deve sempre declarar a invalidade do acto a que a mesma se refere e os posteriores que dele dependerem e ela possa afectar" (Curso II, 1993, página 71). Mesmo que assim não fosse, a irregularidade sempre teria afectado o princípio do contraditório ao impedir uma defesa em conformidade com a incriminação mais grave, influindo, por isso, "no exame ou decisão da causa". A estatuição de um prazo resulta da indicação de um dia e de um período, constituindo aquele o ponto fixo. Ora, no n. 1 do artigo 315 do Código de Processo Penal, esse ponto fixo é a notificação do despacho que designa dia para a audiência, sendo, pois, a partir daí que se conta o prazo para ser apresentada a contestação. É, pois, irrelevante que no dia 31 de Janeiro de 1995 o arguido tenha tomado conhecimento da nova qualificação, uma vez que se lhe não abriu novo prazo para contestar, o que implicaria a declaração de invalidade da notificação feita com nova notificação sem defeito. "Os prazos funcionam no processo - lê-se em Anselmo de Castro - como garantia do interesse público (...) e do interesse particular, assegurando às partes o tempo necessário para a afirmação e defesa dos seus direitos, garantem, além disso, a condenação dos diversos actos, sob o ponto de vista temporal, evitando, assim, sobreposições, inversões, acavalamento de actos" (D.P.C., III, página 49). Tenha-se ainda em atenção o acórdão n. 445/94 do Tribunal Constitucional publicado no D.R. I-A, de 5 de Agosto de 1997, que, por violação do princípio constante do n. 1 do artigo 32, declarou inconstitucional a interpretação que conduzia à qualificação jurídica nova sem audição do arguido, ou como aí se diz "mas tão-somente na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídica dos factos à condenação em pena mais grave, não se prevê que esta seja prevenida da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa". No entanto, o recurso interposto pelo arguido do despacho interlocutório só deverá ser efectivamente provido com as respectivas consequências se o recurso por ele também interposto do acórdão final não obtiver procedência. 13. - É esse recurso que agora iremos analisar. 13.1. - O acórdão recorrido considerou que a conduta provada integrava, a um tempo, o crime de falsificação, o crime de burla e o crime de fraude fiscal do artigo 23 do Decreto-Lei n. 20-A/90, de 15 de Janeiro, depois alterado pelo Decreto-Lei n. 394/93, de 24 de Novembro. Houve, porém, por extinta a responsabilidade criminal quanto aos crimes de falsificação e de fraude fiscal. A punição foi, pois, consequência de se haver também subsumivel no tipo legal de burla do artigo 314 do Código Penal a factualidade que obteve prova. 13.2. - Está, assim, fundamentalmente para decidir se ao arguido, com os factos provados, pode ou não ser imputado aquele crime de burla e, por consequência, se tal crime concorre efectivamente com o de fraude fiscal. Este último crime integra o Direito Penal Fiscal, o qual teleologicamente se insere no âmbito do direito fiscal, definido este, em Soares Martinez, como o sistema de normas jurídicas que disciplinam as relações de imposto e definem os meios e processos pelos quais se realizam os direitos convergentes daquelas relações (Direito Fiscal, 1993, página 59). No âmbito do Direito Tributário ou Fiscal, se podem inserir, segundo esse mesmo Professor as normas de soberania, as normas de incidência, as normas de lançamento, as normas de liquidação, as normas de cobrança, as normas de aparição dos serviços, as normas de fiscalização e as normas de sanção, punitivas da violação dos comandos jurídico-fiscais, bem como as normas de contencioso tributário (obra citada 59/60). Em consonância, continuando a seguir o mesmo Autor, o Direito Fiscal tem natureza institucional, não se integrando as suas normas no Direito Comum, cuja disciplina é genérica, comum às mais diversas instituições, visando, pelo contrário, disciplinar certos tipos de relações, constituídas na base das instituições tributárias, as quais encontram a sua origem na ideia-força, enraizada no meio social, da necessidade da contribuição dos patrimónios dos particulares para sustentação da comunidade. Tal raiz institucional dá unidade ao Direito Fiscal, através do sentido teleologico das suas normas, a qual provém daquela mesma raiz (61). E como a generalidade da doutrina o assinala, também nesse autor se reconhece que "a repulsa social em face das violações dos preceitos tributários não pode comparar-se à suscitada pela violação da generalidade das normas criminais" e que "a provisão dessa repulsa social constitui uma barreira que aconselha moderação ao legislador quanto às sanções correspondentes à violação de normas fiscais" (65). 13.3. - Da estreita ligação das sanções punitivas fiscais à matéria de que trata o Direito Fiscal e da necessidade de um sistema punitivo adequado, próprio, é manifestação exuberante o modo como historicamente tem sido tratado tal tipo de sancionamento, sempre num sentido privilegiado, desagravam, relativamente ao direito penal geral, mesmo quando as descrições típicas coincidem. 13.4. - Pode, em tal orientação, ler-se no relatório do Decreto-Lei n. 619/76, de 27 de Julho, que procurou organizar tipos penais fiscais com sanções consistentes em penas de prisão: "O legislador fiscal português sempre se preocupou bastante com os fenómenos da evasão e da fraude fiscal. A tais factos sempre correspondem sanções mais ou menos gravosas, embora punidas só com multa. Para as combater mais eficazmente há que criminalizar as infracções tributárias mais graves - punindo-as com pena de prisão - especialmente aquelas em que o contribuinte, através do seu comportamento, procurar viciar, falsificar ou destruir os elementos de escrita, os registos ou os documentos destinados a comprovar a sua situação tributária (...). A mesma atitude se tem de ter presente perante o contribuinte que recebeu ou deduziu o imposto e não o entregou nos cofres do Estado (...). Só com medidas de certa severidade é que se poderá combater a evasão e a fraude fiscal (...)". Inequivocamente decorre deste pedaço do relatório que o sancionamento das normas fiscais sempre foi considerado dentro de um sistema penal autónomo, fechado, com tipos legais organizados de harmonia com a especificidade da matéria e com um sancionamento adequado, sem que se devesse chamar para o seu interior, onde a lei o não fosse expressamente, a regulamentação incriminadora do direito penal comum ou geral. Outro entendimento não seria curial, sob pena de o aplicador do direito estar a valorar em substituição do legislador. O sistema penal fiscal, pela natureza da sua matéria, reclamava e reclama, valoração própria dos comportamentos que lhe dizem respeito, pelo que, sem ofensa da unidade do ordenamento jurídico que visa regular, não podiam, nem podem, esses comportamentos inseridos no seu espaço, ser valorados ou desvalorados por recurso a um sistema estranho, mormente o direito penal geral. O articulado do Decreto-Lei n. 619/76, elaborado, aliás, de forma vaga e ampla, já continha os desvalores também sancionados pelo direito penal comum: viciação, falsificação, destruição, abusos de confiança, etc.. As infracções às normas tributárias (infracções fiscais) dividiam-se assim entre esse diploma e as penalidades próprias dos Códigos Tributários, sem qualquer fundamento para o recurso aos tipos penais comuns, antes logicamente os tendo por excluídos, por desconformes com a razão material que ditara o sancionamento institucional (ou especial) fiscal. Tudo a significar que havia um sistema punitivo próprio do Direito Fiscal, atenta a natureza deste. 13.5. - Essa visão normativa do campo jurídico em análise não sofreu alteração como o Decreto-Lei n. 20-A/90, de 15 de Janeiro. Deve, aliás, dizer-se que o referido Decreto-Lei 619/76 teve vida atribulada, sendo, nomeadamente considerado tacitamente revogado pela maior parte da doutrina e jurisprudência por virtude da entrada em vigor dos novos Códigos Tributários que, no capitulo das penalidades, introduziram normas de sancionamento de conteúdo idêntico às daquele Diploma. 13.6. Da lei de autorização legislativa n. 89/89, de 11 de Setembro, consta do seu artigo 2, n. 1: "No uso de autorização (...) pode o governo, em matéria penal, adaptar os princípios gerais, os pressupostos da punição, as formas de crime e as causas de suspensão do procedimento e de extinção da responsabilidade criminais, tipificando novos ilícitos penais e definindo novas penas, tomando para o efeito como ponto de referência a dosimetria do Código Penal, ainda que podendo alargá-la ou restringi-la". É, no fundo, uma autorização para elaboração de um Código Penal Fiscal. 13.7. - E, assim, da especificidade do Direito Penal Fiscal também nos dá conta o relatório do Decreto-Lei n. 20-A/90 (autorizado), do qual se respiga o seguinte: "Ora, a legislação referente às infracções fiscais não aduaneiras tem estado dispersa pelos vários Códigos Tributários e demais legislação complementar, com as inerentes dificuldades de sistematização e consulta. Acresce que a própria reforma dos impostos sobre o rendimento, com a consequente revogação global dos anteriores Códigos, sem que, paralelamente, os novos diplomas incluam normas referentes a infracções fiscais (...) transferiu para diploma autónomo o tratamento normativo das referidas infracções. Lembre-se, ainda, que, se por um lado, o movimento de eticização que perpassa o direito penal secundário aconselhava a que se criminalizassem certos comportamentos lesivos dos interesses da Fazenda Nacional (...), por outro a contestação de que o ordenamento jurídico-penal português (...) se apresenta estruturado numa visão bipartida entre crimes e contra-ordenações aconselhava a que, lege ferenda e a par da criminalização, se encaminhassem para o ilícito de mera ordenação social as restantes condutas ilícitas, mas, em princípio, axiologicamente neutros (...). Ponderados os interesses em confronto, optou-se tão só pela previsão de penas de multa (...)". 13.8. - E no relatório do Decreto-Lei n. 394/93, de 24 de Novembro, escreveu-se, "Com a publicação do Decreto-Lei n. 20-A/90 que aprovou o Regime Jurídico (..) foi sistematizado num só diploma a legislação relativa aos crimes e contra-ordenações fiscais, como corolário da profunda reforma que se desencadeou então no sistema jurídico-tributário português (...). Nos tempos que correm, factores vários (...) têm contribuído para o progresso da evasão ilegítima e fraude fiscal, cujas proporções revelam uma danosidade muitas vezes superior à dos crimes comuns (...). Daí que agora o Regime (...) venha prever a pena de prisão a título principal até cinco anos (...). Deixa assim de vigorar o sistema de mera multa criminal de acordo com o sentido ético que cada vez mais impugna o ordenamento jurídico-tributário (...)". É, pois, patente a intenção do legislador de que as condutas em infracção às normas fiscais tenham tratamento autónomo em face do direito penal comum, continuando a serem formulados juízos de valor subjacentes aos tipos penais fiscais e respectivo sancionamento baseados numa valoração objectiva própria de um ordenamento jurídico-penal específico e sem curar de regular os interesses de terceiros, esses sim, com protecção no direito penal comum. 13.9. - "Sempre, pois, que o Estado trate as infracções ficais - lê-se em Eduardo Correia - com reacções diferentes, na natureza ou na gravidade, das que aplica às infracções comuns importa ter presente a regra da especialidade ou da alternatividade. Assim, quando uma conduta seja subsumivel ao domínio da lei criminal e ao das disposições penais tributárias, estas e só estas teriam aplicação: o preceito especial revoga o geral" (Os artigos 10 ... do RJ, ano 100, página 306). Prossegue: "Dada a natureza e grau de ilicitude ou de culpa em matéria fiscal; ou considerados os fins de pacificação entre o Estado e o contribuinte (...) é-se conduzida a que os interesses do Estado, que com as infracções tributárias são violados, sejam protegidos através de sanções especiais que não de sanções comuns. Mas assim, seria clara violação do princípio ne bis in idem e de especialização das sanções fiscais aplicá-las cumulativamente com as penas - lei geral (...). E mais à frente: "Daí que, se através de uma infracção fiscal se violam também interesses de terceiros, deverão aplicar-se as penas comuns para além das sanções tributárias. Os bens jurídicos cuja violação estas procuram evitar - os interesses da Fazenda Nacional - não contém e, por isso, não absorvem, nesse caso, a protecção dos interesses de terceiros, a um tempo ofendidas por essa mesma infracção" (323) (...) "Todos os ensinamentos da nossa tradição jurídica e do direito comparado mostram, na verdade, que as sanções por infracções fiscais são privilegiadas relativamente às comuns (...) (371). 13.10. - Estes ensinamentos de Eduardo Correia estão em perfeita sintonia com o Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras. Trata-se de um Regime total, fechado, orientado para a tutela dos interesses tributivos do Estado (dos credores tributários). Enquanto regime jurídico das infracções fiscais não é "um mais", algo que acresça, ao Direito Penal comum. Dentro desse âmbito, o Regime não contém "lacunas" de incriminação. A censura criminal é apenas a que resulta dos tipos penais nele organizados. Para o direito penal comum ficam apenas os casos de protecção dos interesses que não os interesses fiscais do Estado. O desvalor da violação das normas tributárias é o desvalor constante do referido Regime Jurídico e não de outro. 13.11. - Na visão que se tem do problema, não se trata tanto de procurar hierarquias ou relações entre normas particulares do direito penal comum e do direito penal fiscal, como se tais normas pertencessem ao mesmo sistema e houvessem sido editadas em obediência a uma valoração unitária racionalizada. Do que realmente se trata é de uma relação de especialidade entre ramos de direito, entre o direito penal comum e o direito penal fiscal, em que este, pela sua especialidade, exclui aquela. "O certo é que o direito no seu todo abrange diversos aspectos e relações da vida comunitária, as normas que o constituem tomam por objecto da sua regulamentação problemas e matérias as mais diversas. Ora acontece que as normas que regulam as diferentes matérias ou se reportam às diferentes áreas institucionalizadas da vida social tendem a constituir diversos subconjuntos normativos organizados em torno de certos princípios comuns e de certas técnicas regulamentadoras que lhes conferem uma relativa especificidade. Temos, então, vários ramos do direito" (Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1989, página 64). A propósito do direito especial, as palavras de Galvão Telles: "O segundo - o direito especial - reporta-se a uma zona mais ao menos restrita, existe para particulares relações da vida ou para certas classes de pessoas ou coisas, como um jus próprio que procura ajustar-se tanto quanto possível às peculiares exigências da matéria regulada. Destaca-se assim do Direito geral, assumindo uma fisionomia específica (...). Não sendo as leis especiais excepções, elas constituem um Direito normal, um sistema autónomo que tem em si as suas regras e as suas excepções (...)" (Introdução ao Estudo do Direito, volume 2, reimpressão, 1990, 455/457). 13.12. - O Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n. 20-A/90, de 15 de Janeiro, contem em si um Direito penal especial, a que acresce a sua estruturação como "lei que contém a disciplina fundamental de certa matéria ou ramo de direito, disciplina essa elaborada por uma forma científica-sistemática e unitária" (Baptista Machado), assumindo, assim, a natureza de um verdadeiro Código. 13.13. - O artigo 5, n. 1, do referido Decreto-Lei 20-A/90, ao prever que o diploma revoga a legislação em contrário, sem prejuízo da subsistência dos crimes previstos no Código Penal e legislação complementar não pretende, pois, significar que os crimes comuns e fiscais se cumulem quando apenas estiverem em causa interesses fiscais do Estado, mas tão somente deixar claro que se os factos violarem interesses de terceiros esses crimes subsistem e se aplicam. 13.14. - No âmbito do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, o Código Penal e legislação complementar só apenas chamado como Direito Subsidiário, na sua função integradora genérica (artigo 4), não se lhes reconhecendo vigência quanto aos tipos incriminadores e sancionadores. Os tipos penais são apenas os que o Regime Jurídico citado organizou, sendo estranhos à sua regulamentação os tipos penais do Direito comum. Este, mas então tal questão fica já fora do âmbito do Regime, apenas tem vigência para os casos em que são ofendidos interesses distintos dos tutelados no Regime, ou seja interesses, que não rigorosamente bens jurídicos, de terceiros, entre os quais os próprios credores fiscais quando, no caso, não tenham essa qualidade. 13.15. - Neste sentido se deve interpretar o artigo 13 do Regime (...), disposição que, aliás, tem a sua origem na doutrina expressa por Eduardo Correia o citado artigo da Revista. Na verdade, segundo o n. 1 do artigo 1 daquele Regime, este "aplica-se às infracções às normas reguladoras dos Impostos e demais prestações tributárias". Toda a disciplina jurídica do Regime está orientada para a protecção dos interesses tributários do Estado (credores fiscais), na parte que agora interessa e, por isso, quando no referido artigo 13 se alude a interesses jurídicos distintos, estão a contrapor-se interesses tributários, de que se ocupa o Regime e, por isso, nesse normativo se encontram pressupostos, e interesses que não assumem essa qualidade, sendo de notar que o conceito de interesses jurídicos não é, em rigor, sinónimo de valores ou bens jurídicos abstractos. Uma concepção objectiva de interesses vê-se "no interesse apenas a relação (quod inter est, inter esse) entre uma pessoa e um bem capaz de satisfazer as necessidades dela" (Castro Mendes, Teoria Geral II, AAFDL, 1978, página 324). 13.16. - A redacção actual do artigo 23 (redacção do Decreto-Lei n. 394/93) é bem sugestiva do campo de aplicação do Regime do n. 1 desse artigo: "Constituem fraude fiscal as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento do imposto ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causar diminuição das receitas tributárias". E depois substancia as modalidades de acção típica. Portanto, o que está em causa é a relação jurídica tributária, em última instância a defesa da prestação tributária, para o apuramento e constituição da qual é vital o comportamento dos sujeitos passivos do imposto. 13.17. - No caso em apreciação apenas se mostram violadas normas tributárias, relações jurídico-tributárias, interesses fiscais do Estado. Assim, nomeadamente, pontos 9.12. da matéria de facto ("pagando o sujeito passivo uma menor importância de imposto do que pagaria (...)), 9.16. ("o arguido faria diminuir as receitas da Fazenda Nacional em (...)"), 9.19. ("o que diminui sensivelmente o imposto efectivamente pago pelo arguido"), 9.20. ("com o comportamento descrito, o arguido tinha por objectivo não proceder ao pagamento de montantes que sabia serem devidos à Fazenda Nacional, obtendo assim consequentes vantagens patrimoniais"). Nem sequer está em causa, na factualidade típica provada, qualquer reembolso do Estado e, note-se, que mesmo em relação a este, embora, eventualmente, reclame interpretação não tão manifestamente abrangente, ele se mostra considerado expressamente no artigo 23 do Regime, após a redacção do Decreto-Lei n. 394/93, de 24 de Novembro. 13.18. - Em consequência, sendo a conduta do arguido subsumivel ao Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (artigo 23), aprovado pelo Decreto-Lei n. 20-A/90, tem-se por excluído o direito penal comum e, portanto, o crime de burla constante do Código Penal, na base do qual o arguido acabou por ser condenado. Não será, assim, ousadia concluir-se que o disposto no artigo 30 do Código Penal entra no Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras integrado no direito subsidiário para resolver eventuais casos de concurso intra-sistemáticos, ou seja dentro daquele Regime, sendo, por isso, estranho à resolução de concursos entre tipos legais do Código Penal e do Regime. 13.19. - Mesmo que a questão devesse ser analisada no âmbito da hierarquia das normas, vistas singularmente e considerando as normas do Código Penal e do Regime no mesmo plano, sem nenhum acto legislativo a separá-las e, por isso, a integrá-las em ordenamentos jurídicos autónomos, ainda assim a conclusão seria a de que o desvalor da acção e do resultado encontraria no Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, dadas as relações de especialidade quanto à burla, o seu sancionamento único (artigo 23). A tanto não obsta a circunstância de o crime do artigo 23 estar estruturado por forma a que o tipo subjectivo ultrapasse o tipo objectivo, pois que, substancialmente, o que no tipo legal do artigo 23 se tutela é o erário público, sendo o resultado eventual valorado dentro da moldura legal daquele tipo de crime. 13.20. - Seria uma violação do princípio da igualdade que o comportamento do arguido fosse tipificado como burla (e ainda mais se à burla se somar a fraude fiscal e a falsificação) com as graves consequências penais dai decorrentes e que o comportamento integrante do crime de "abusos de confiança fiscal" (24) ficasse sujeito a uma pena privilegiada, a não ser que, violando flagrantemente o princípio ne bis in idem, tal crime concorresse efectivamente com o de abuso de confiança do Código Penal. Tenha-se também em atenção a doutrina (e as razões subjacentes) do artigo 26 do Regime e veja-se o que se dispõe no artigo 10, n. 1 (redacção primitiva) e agora 10 (redacção actual) do mesmo Regime: "A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, far-se-á de acordo com as disposições aplicáveis do Código Penal e considerando, sempre que possível, o prejuízo sofrido pela Fazenda Nacional". 13.21. - Ficam, assim, prejudicados no seu conhecimento as restantes razões do recurso do arguido, bem como o efectivo provimento do seu recurso intercalar e de idêntica forma o recurso interposto pelo Ministério Público, atenta a procedência do recurso interposto pelo arguido do acórdão final. E como a eventual responsabilidade criminal pelos crimes de fraude fiscal e falsificação se mostra extinta por correspondente extinção do procedimento criminal por prescrição e amnistia, com a consequência, nessa parte, do arquivamento dos autos, resta apenas absolver, como se absolve, o arguido do crime de burla por que foi condenado. Sem custas. Lisboa, 1 de Outubro de 1997. Virgílio Oliveira, Mariano Pereira, Flores Ribeiro, Brito Câmara. Decisão impugnada: Tribunal Judicial de Tavira - Processo n. 625/94/A. |