Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20310/17.7T8LSB-A.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: COBRANÇA DE DÍVIDAS
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
CONVERSÃO
CRÉDITO
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
EFEITOS
EXECUÇÃO
ADMISSIBILIDADE
HOMOLOGAÇÃO
Data do Acordão: 05/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Na jurisprudência, é dominante o entendimento de que a expressão “ações para cobranças de dívidas” abrange qualquer ação judicial – declarativa ou executiva – destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito resultante da atividade económica do devedor e que, por isso, contenda com o seu património. 

II - São “ações para cobranças de dívidas” as ações executivas para pagamento de quantia certa. As demais execuções (para prestação de facto ou entrega de coisa certa) apenas o serão quando se verifique a conversão das mesmas nos termos previstos no artigo 867.º ou 869.º do Código de Processo Civil.

III - Sendo o pretenso crédito do exequente posterior à homologação do PER não se encontra o mesmo impedido de o ver liquidado na execução, ao abrigo do disposto nos arts. 869º e 867º, do CPC.

IV - O PER só afeta os créditos que sejam suscetíveis de ser reclamados (que são os créditos constituídos até à data da abertura do processo, isto é, até à data da prolação do despacho de nomeação do administrador judicial provisório), pois só esses obterão reconhecimento e permitirão aos seus titulares votar o plano de recuperação.

V - No caso em analise o PER da recorrente não abrange o crédito da exequente que resultar da conversão da execução para prestação de facto em execução para indemnização do dano sofrido porque, só agora se transformou em ação para cobrança de dívida.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.



Soconsferma – Sociedade de Construções S.A., executada na execução instaurada pelo Condomínio do Prédio sito na Av. Arantes de Oliveira, n.º 21, Lisboa, veio deduzir embargos, invocando, em síntese, que a execução para prestação de facto não poderá ser convolada para execução para pagamento de quantia de certa; que nos termos do plano aprovado e homologado no PER da executada, o crédito da embargada constitui um crédito comum, pelo que, deverá receber o mesmo tratamento previsto para os restantes créditos comuns, sendo, por conseguinte, aplicável um perdão de 90%, sobre o capital em dívida e, bem assim, perdão total de juros moratórios e remuneratórios associados a tais dívidas; não poderá ser penhorado qualquer bem ou direito à embargante enquanto esta se encontrar a cumprir com o Plano de Recuperação; que inexiste título executivo para suportar o pedido formulado pelo exequente, pois a presente ação não ficou decidida apenas pela sentença dada à execução, mas igualmente, pelo despacho proferido pelo tribunal e que julgou extinto o pedido subsidiário formulado na ação declarativa; alega, ainda, que a perícia requerida na execução é desnecessária, porquanto, o valor eventualmente devido corresponderá a 10% do valor do pedido subsidiário formulado na ação declarativa pelo exequente.

Os embargos suscitavam, assim, duas questões essenciais, a primeira a de saber os efeitos do PER da executada sobre a execução, mormente no caso de convolação da execução para prestação de facto em execução para pagamento de quantia certa por via do incumprimento da prestação fungível em que a executada foi condenada (reparação dos defeitos elencados na sentença dada à execução), e a segunda questão a de saber que repercussão poderia ter na execução, face aos pedidos formulados pelo exequente, a decisão proferida na ação declarativa – extinção da instancia por inutilidade da lide – relativa ao pedido subsidiário de pagamento do valor de 250 mil euros necessário para reparação dos defeitos invocados pelo exequente, autor na mencionada ação.

Entretanto, por via da necessidade de tramitar a execução em conformidade com o que a lei dispõe para a execução especial para prestação de facto, foi proferido despacho na execução com o seguinte teor: “Após o curso do prazo para a executada Soconsferma S.A., cumprir a prestação a que está condenada pela sentença exequenda, veio o exequente requerer a nomeação de perito para avaliar o custo da prestação, tendo em vista o prosseguimento da execução com a penhora de bens. A tal requerimento opôs-se a executada invocado, em síntese e no que importa, que a execução não pode ser convolada em execução para pagamento de quantia certa, porque atravessa um processo de revitalização em que foi homologado o plano de recuperação em 13.1.2016 e que prevê o perdão de 90% dos créditos comuns e perdão integral de juros; na acção declarativa o exequente fez um pedido subsidiário de condenação da executada a pagar-lhe a quantia de 250 mil euros de indemnização destinada a custear a reparação dos defeitos, mas esse pedido foi extinto por inutilidade superveniente da lide por causa da existência do PER, o que a exequente omite, entendendo que tal despacho estende os seus efeitos aos pedidos principais. Diz ainda que a quantia correspondente à prestação de facto encontra-se determinada no âmbito da acção declarativa, pelo que, o crédito da exequente é um crédito comum e deverá receber o tratamento dos restantes créditos do PER com perdão de 90%, e não poderá ser penhorado qualquer bem enquanto estiver a cumprir o plano de recuperação; acresce, diz, que a sentença não permite à exequente peticionar a totalidade do que peticionou na acção declarativa, fazendo a exequente tábua rasa das decisões proferidas na acção declarativa, pretendendo com a acção executiva os efeitos que pretendia com o pedido subsidiário. Por seu turno, o exequente, parecendo qualificar o requerimento da executada como articulado superveniente vem dizer que não é admissível e defender o prosseguimento da execução por não lhe ser aplicável o decidido no PER já que o seu direito à data não estava constituído, era litigioso e o pedido principal da acção declarativa não respeitava a qualquer crédito, tendo a executada sido condenada numa prestação de facto. A questão pertinente nesta fase processual é a de saber se a execução deve prosseguir com a nomeação de perito para avaliar o custo da prestação, seguindo-se os demais termos previstos no art.870.º do CPC, ou em virtude da existência do PER invocado pela executada a execução não pode prosseguir para a fase seguinte na qual se prevê já a penhora de bens. E por tal questão importar à tramitação processual impõe-se que seja decidida. Em primeiro lugar haverá de deixar claro que o título executivo da presente execução é uma sentença que condenou a executada numa prestação de facto fungível, ou seja, na reparação dos defeitos identificados na decisão, donde a execução não nasce para cobrança de divida (cfr. art.17.º -E n.º1 do CIRE), pelo que, nada obstava ab initio à sua instauração ainda que existisse o PER, porquanto, sendo a prestação efectuada pela executada ainda que no âmbito da execução, todas as questões ficavam ultrapassadas. Sucede que a executada não cumpriu a prestação de facto a que estava obrigada pela sentença, e a exequente pretende que seja avaliado o custo da reparação dos defeitos para que a prestação possa ser feita por terceiro. E aqui chegados resolvamos a questão seguinte que é pressuposta para resolução da principal, é na execução através do mecanismo da avaliação do custo da prestação que é fixado o valor pelo qual pode seguir a execução para pagamento de quantia certa em que a execução inicial para prestação de facto se transmuta (art.870.º do CPC). Por isso, irreleva para a execução o valor do pedido subsidiário de condenação no pagamento da quantia de 250 mil euros a título de indemnização para reparação dos defeitos, deduzido na ação declarativa. Sendo um pedido subsidiário como alegado pela executada e se comprova da leitura do relatório da sentença, o mesmo só era apreciado na improcedência do pedido principal como é mister dos pedidos subsidiários, pelo que, tendo procedido o pedido de reparação dos defeitos o tribunal na acção declarativa não apreciou de mérito esse pedido, nada decidindo sobre se o exequente tinha ou não direito a indemnização e no valor peticionado. E tanto assim é que relativamente a esse pedido subsidiário a instância foi declarada extinta por inutilidade da lide, ou seja, contrariamente ao que diz a executada o pedido não foi julgado improcedente. A extinção da instância desse pedido subsidiário por inutilidade da lide, numa situação em que o pedido principal vem a proceder e estamos a executar a sentença que condenou no pedido principal, a nosso ver nenhuma consequência tem na execução, porque, contrariamente, também ao pugnado pela executada, inexiste identidade jurídica entre o dito pedido subsidiário e o valor que venha a ser fixado como valor do custo da prestação não cumprida pela executada. São realidades jurídicas completamente distintas, não se impondo na execução qualquer efeito de caso julgado por via da extinção do pedido subsidiário formulado na acção declarativa. Aliás, salvo o devido respeito por opinião diferente, afigura-se-nos que a situação haverá de ter o mesmo tratamento que teria se não tivesse havida a extinção do pedido subsidiário por inutilidade da lide e a sentença viesse a condenar no pedido principal. Só no caso de improceder o pedido principal é que se divisam efeitos daquela extinção por inutilidade, quais sejam os de dispensar o tribunal da acção declarativa de o apreciar, caso em que inexistia a sentença dada à execução. Pelo que se acaba de expor as decisões proferidas na acção declarativa sobre o pedido subsidiário aí formulado pela exequente e que, repete-se, pedido que não faz parte da condenação que se executa, têm os seus efeitos limitados à acção declarativa, sem repercussão nesta acção executiva cuja tramitação se terá que fazer em conformidade com a lei processual relativa ao processo executivo e em função do título executivo e do direito da exequente aí plasmado e do correspondente dever da executada. A sentença exequenda não reconhece à executada nenhum direito de crédito mas sim o direito a uma prestação de facto. Também na execução não há que falar em pedido alternativo, a exequente instaura a execução para obter o cumprimento da prestação, aplicando-se no mais o previsto na lei para as situações em que a prestação, sendo fungível, ou seja, podendo ser prestada por terceiro, não é voluntariamente cumprida no prazo que veio a ser fixado já neste tribunal. Assim, o direito da exequente a obter um pagamento e seu montante surge no âmbito da execução em função da avaliação que aqui se faz do custo necessário à reparação dos defeitos. A exequente se não executar a sentença que condenou na prestação de facto não tem ainda qualquer direito de crédito sobre a executada, nem sequer um crédito ilíquido. Nessa medida se compreende, também, que irreleve qualquer valor que a exequente tenha entendido na acção declarativa corresponder à indemnização para custear as obras, o falado pedido subsidiário. A prestação pode aqui vir a ser avaliada em valor inferior ou superior e será este que baliza os termos subsequentes, sem qualquer influência, a nosso ver, de quaisquer decisões interlocutórias proferidas no processo declarativo. E tanto assim que apesar do PER a acção prosseguiu para a apreciação do pedido principal, não se tendo entendido por conseguinte que o PER impedia esse prosseguimento. Assim, as questões do âmbito da execução terão que ser decididas na execução, pelo que, haverá de ser aqui que se tem que apreciar os efeitos do PER sobre a execução, estando ultrapassados os efeitos que esse mesmo PER teve na ação declarativa em conformidade com as decisões aí proferidas. E quanto aos efeitos do PER nesta execução as partes estão em manifesto desacordo. A executada instaurou PER, no âmbito do qual veio a ser homologado acordo por decisão proferida em 13.1.2016, junta nos embargos de executado. O plano de recuperação homologado, prevê, entre o mais, o perdão de 90% do valor dos créditos comuns, com a consequente redução para 10% do seu valor nominal a serem pagos numa única prestação no prazo de dois anos a contar da data da data do trânsito em julgado da decisão de homologação judicial do plano. (cfr. plano junto nos embargos). A sentença exequenda está datada de 3.3.2017. Resulta desses factos que o plano de recuperação da executada foi homologado antes de ser proferida a sentença que reconheceu ao exequente o direito à eliminação dos defeitos. Como se já se disse o exequente por via da sentença não tem desde logo um direito de crédito sobre a executada, pelo aquando do PER, que finda em 2016 com a homologação do plano, o exequente, a nosso ver, não podia reclamar no PER qualquer direito de crédito sobre a executada. O direito de crédito embora se funde ainda na sentença por via da condenação na prestação constitui-se, cremos, já no âmbito da execução onde se vem a demonstrar o não cumprimento da prestação no prazo que foi aqui fixado. Por conseguinte à data em que é nomeado administrador judicial provisório no PER da executada, necessariamente antes do despacho que o homologa, o exequente não tinha constituído a seu favor um crédito sobre a executada. E afigura-se-nos ser o momento da constituição do crédito que determina a sujeição do exequente aos efeitos do PER, em conformidade com o disposto no art.17.º-F n.º10 do CIRE que estabelece “A decisão vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º4 do artigo 17.º -C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.” . Desta norma decorre um efeito para todos os credores cujo crédito esteja constituído na data de nomeação de administrador judicial provisório: ficam vinculados ao decidido no PER, ou seja, ao plano aí homologado. Em conformidade, e porque estando tais créditos constituídos podiam aí reclamá-los, não podem esses credores tomar medidas coercivas contra o devedor, pelo que, não podem instaurar acções para cobrança de dividas e as pendentes extinguem-se quando aprovado o plano a menos que este preveja a sua continuação (art.17.º-E n.º1 do CIRE). Mas estabelecendo a lei que a decisão vincula todos os credores quanto aos créditos constituídos à data da decisão de nomeação de administrador provisório, afigura-se-nos que não pode deixar de excluir desse carácter vinculativo os créditos não constituídos a essa data e que por isso não podiam ser reclamados nem considerados, não estando esses credores em igualdade de situações com aqueles que participaram no PER ou aí poderiam ter participado. Ademais se tais créditos não estavam constituídos (note-se que é coisa diferente de vencidos) não podiam os mesmos ter qualquer influencia na situação de dificuldade económica ou insolvência eminente que desencadeou o recurso ao PER, compreendendo-se que tais créditos não fiquem vinculados ao plano de recuperação homologado. E se assim é, como nos parece ser, então não tem razão de ser, por não lhe ser aplicável o plano nem as restrições que o mesmo consagra, que estejam inibidos de instaurar acções para cobrança desses créditos. Ao vincular todos os credores com créditos constituídos na data em que é nomeado administrador provisório a lei, ao plano aprovado quer hajam ou não reclamdo os créditos ou participado nas negociações, a lei pretende tratar de igual forma os credores que se encontravam em condições de aí participarem e puderem aprovar ou não o plano, obstando também a que esses credores obstem à recuperação, furtando-se aos efeitos do PER ao nele não participarem ou não reclamarem os créditos. Mas tal desiderato legal não se impõe a quem não podia participar nem reclamar créditos porque os mesmos não estavam constituídos. Poder-se-á, é certo, entender que embora não vinculados à decisão proferida no PER, mantendo v.g. incólumes os créditos que só se constituíram depois do despacho de nomeação de administrador provisório, ainda assim não podem instaurar acções de cobrança de divida, designadamente execuções. Mas a ser assim, afigura-se-nos, ficariam mais prejudicados de que os credores que estão vinculados ao plano e que ainda que com restrições possam obter algum pagamento no âmbito do mesmo, pelo que, somos levados a não perfilhar tal entendimento, e considerar da conjugação do n.º10 do art.17.º-F e n.º1 do art.17.º-E, que a impossibilidade de instaurar acções para cobrança de divida não se estende aos credores cujos créditos não estavam constituídos aquando da nomeação de administrador provisório, como é o caso da presente execução. Pelo exposto, decide-se que a presente execução deve prosseguir com a nomeação de perito para avaliação do custo da prestação tal como requerido pela exequente.”

A executada interpôs recurso desse despacho, mas o mesmo veio a ser confirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação, e de cujo sumário, por elucidativo ficou a constar: “1 - As questões que “sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado” e que se devem considerar integradas pela autoridade de caso julgado que decorre da sentença, são tão só aquelas que se apreendem do teor da mesma, e não as que decorrem de decisões tomadas no processo, mas não incluídas no conteúdo dessa sentença, como é o caso da decisão sobre a suspensão da instância e da decisão sobre a extinção da instância quanto ao pedido subsidiário, por impossibilidade superveniente da lide. 2 - A decisão sobre a suspensão da instância e a decisão sobre a extinção da instância quanto ao pedido subsidiário, por impossibilidade superveniente da lide, respeitam a decisões que apreciaram matéria de direito adjectivo, pelo que apenas produzem os seus efeitos na acção declarativa onde foram proferidas, não tendo qualquer efeito de caso julgado para além da mesma, designadamente no processo onde está a ser executada a sentença aí proferida e para efeitos do prosseguimento dessa acção executiva, nos termos do art.º 870º do Código de Processo Civil. 3 - O direito a uma prestação de facto fungível que não é considerado no plano de recuperação aprovado no PER (por estar a ser discutido numa acção declarativa pendente), e que mais de três anos depois dessa aprovação ainda não é susceptível de quantificação pecuniária, porque só então vai ter lugar a avaliação do custo dessa prestação (nos termos do art.º 870º do Código de Processo Civil), não é um direito que se mostre abrangido pelos efeitos do referido plano, no sentido de ser reduzido a 10% do “seu valor nominal” e de ser pago “numa única prestação, no prazo de dois anos” a contar do trânsito em julgado da homologação judicial desse plano aprovado.”

Resulta, assim, do decidido na execução que as questões suscitadas nos embargos se encontram já apreciadas em toda a sua extensão, porquanto, se encontra decidido que o direito dos exequentes não se encontra abrangido no PER da executada, encontra-se decidido que a decisão proferida sobre o pedido subsidiário formulado na ação declarativa não tem efeitos na execução, razão pela qual foi determinada a nomeação de perito para apurar o custo da prestação – ficando prejudicada dessa forma a questão invocada nos embargos relativa à desnecessidade de perícia -; e decorre dessas decisões que inexiste qualquer obstáculo à penhora de bens, face ao prosseguimento da execução.

Desta feita, os presentes embargos revelam-se supervenientemente inúteis.

Assim, declaro extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.277.º e) do CPC.

Custas pela embargante.

Notifique e registe.


*


Requeria a executada a suspensão da execução invocando o art.733.º n.º1 c), dizendo que “a quantia exequenda peticionada, no âmbito do pedido alternativo formulado não é exigível porquanto, no âmbito do Plano de Especial de Revitalização da Embargante, foi aprovado e homologado um plano que prevê o perdão de 90% dos créditos comuns e o perdão integral dos juros remuneratórios ou moratórios associados àqueles créditos.”, acrescentando “sendo evidente que 90% da dívida exequenda não existe, não sendo, por maioria de razão, exigível, encontram-se reunidos os pressupostos de aplicação do art.º 733º, n.º 1, c), aplicável ex vi do art.º 868º, n.º 3, ambos do CPC.”

*


Desse despacho/sentença recorreu a embargante para este STJ, recurso per saltum (art. 678 do CPC).

No recurso interposto conclui a recorrente:

“A. Como dito inicialmente, para alcançar o desiderato constante da Sentença sindicada, o Tribunal a quo considerou que as questões objeto dos embargos de executado haviam já sido apreciadas em sede de despacho já anteriormente proferido pelo Tribunal a quo nos autos principais (datado de 08.10.2019), referindo, ainda, que sobre tal decisão havia sido inclusivamente já proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa (datado de 18.06.2020).

B. Existem, porém, questões que não foram objeto de apreciação e que importa agora determinar, correspondentes, essencialmente, à data em que se deverá considerar constituído o crédito do Exequente, aqui Recorrido, perante a Executada, ora Recorrente e por referência ao n.º 10 do artigo 17.º-F do CIRE.

C. Em 1.º lugar, e relativamente aos principais factos em causa, recorde-se que na ação declarativa de condenação, que correu termos sob o n.º de processo 2301/11.3TVLSB, o ora Recorrido peticionou a condenação da Recorrente na reparação de vários defeitos de construção do prédio sino na Av. Engenheiro Arantes e Oliveira, n.º 21, Lisboa;

D. Subsidiariamente, peticionou ainda a condenação da ora Recorrente ao pagamento de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) a título de indemnização, destinados a custear os trabalhos necessários para reparar e eliminar os defeitos;

E. No decorrer daquela ação declarativa, foi instaurado um Processo Especial de Revitalização (PER) pela Recorrente, no âmbito do qual, por despacho com data de 18.05.2015, foi nomeado Administrador Judicial Provisório, tendo a aqui Recorrente apresentado, na ação declarativa, requerimento de suspensão desse processo (ao abrigo do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE);

F. Atendendo ao PER, o Tribunal de 1.ª instância, na ação declarativa, decidiu aplicar o artigo 17.º-E do CIRE e, consequentemente, por despacho, suspender a ação declarativa, tal como havia sido requerido pela Recorrente.

G. Inconformado com esta decisão de suspensão, o Recorrido interpôs recurso de apelação, o qual confirmou a decisão recorrida e manteve a suspensão da ação declarativa.

H. O PER veio a ser homologado por sentença no dia 13.01.2016 e previa um perdão de 90% do valor dos créditos comuns, com a consequente redução para 10% do seu valor nominal, a serem pagos numa única prestação no prazo de dois anos a contar da data da decisão de homologação.

I. Em face desta homologação, no âmbito da ação declarativa – que se encontrava suspensa – o Tribunal de 1.ª instância pronunciou-se, por despacho de 02.03.2016, concluindo pela extinção do pedido subsidiário (de condenação da aqui Recorrente ao pagamento da quantia identificada na ação declarativa) por inutilidade superveniente da lide, determinando a aplicação das disposições e efeitos do PER ao pedido principal em caso de convolação da prestação de facto em pagamento de quantia certa, isto é, reduzindo do seu valor nominal em 90%.

J. No dia 03.03.2017, o Tribunal proferiu sentença no âmbito da ação declarativa, condenando a Recorrente à reparação de vários defeitos de construção no supracitado prédio.

K. Com base naquela decisão condenatória, o ora Recorrido intentou, no dia 13.07.2017, a presente ação executiva, ainda que inicialmente como execução para prestação de facto, tendo a 15.02.2018 a aqui Recorrente deduzido Embargos de Executado, correspondentes ao presente apenso A).

L. Não tendo sido executada a prestação a que se reportava a execução para prestação de facto, em 11.07.2019 o Recorrido requereu ao Tribunal, para os efeitos do n.º 2 do artigo 870.º do CPC, a convolação da execução para pagamento de quantia certa e a nomeação de perito para avaliar o custo provável da prestação.

M. Notificada daquele requerimento, a Executada e ora Recorrente pronunciou-se, relembrando a homologação do plano do PER e o conteúdo das decisões já proferidas no âmbito da ação declarativa, requerendo o indeferimento da nomeação de perito, a extinção do pedido alternativo de pagamento de quantia certa e a redução da quantia exequenda a 10% do capital peticionado.

N. Posto isto, o Tribunal de 1.ª instância, nos autos principais, proferiu despacho de 08.10.2019, cujo sumário veio a ser citado na Sentença recorrida, tendo a Executada, aqui Recorrente, desse despacho interposto recurso, após o que foi proferido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.06.2020, cujo sumário foi igualmente feito constar da decisão recorrida.

O. Foi na sequência da prolação do despacho de 08.10.2019 e do acórdão de 18.06.2020 que o Tribunal a quo proferiu a Sentença que ora se sindica, na qual foi citado o teor daquele despacho de 08.10.2019 e citado o trecho do sumário do acórdão de 18.06.2020, concluindo-se ali – como anteriormente se referiu e se reitera – pela extinção do presente apenso de embargos de executado.

P. Em 2.º lugar, e quanto à admissibilidade do recurso per saltum, a Recorrente recorda que se encontram preenchidos os pressupostos do artigo 678.º do CPC;

Q. Pois a Sentença recorrida põe termo aos embargos de executado, extinguindo a instância, numa ação de valor superior à alçada da Relação, sendo a sucumbência da aqui Recorrente de igual montante [verificam-se os pressupostos enunciados nas alíneas a) e b)].

R. Por outro lado, no presente recurso são apenas suscitadas questões de direito  [assim se verificando o requisito imposto pela alínea c)], não sendo impugnadas quaisquer decisões interlocutórias [logo, considerando-se verificado, também, o requisito imposto pela alínea d)].

S. Acresce que, conforme enuncia o artigo 644.º, n.º 1, alínea a) e tal como permite o artigo 854.º do CPC, à aqui Recorrente sempre seria permitido interpor recurso de apelação, sendo-lhe ainda permitida a interposição de recurso de revista.

T. Assim se concluindo, como tal, pela admissibilidade da interposição do presente recurso per saltum pela Recorrente, à luz dos citados normativos.

U. Ainda assim, reitera-se que, em qualquer caso e em face do determinado no artigo 678.º, n.º 4 do CPC, que ainda que o presente recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça fosse julgado inadmissível – o que não se concede e apenas por exacerbada cautela de patrocínio se pondera – sempre o recurso deverá ser processado como recurso de apelação, caso em que o Supremo Tribunal de Justiça deverá ordenar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa.

V. Em 3.º lugar, e no sentido de que contra a admissibilidade deste recurso não obsta qualquer caso julgado, importa recordar que se é certo que no trecho citado na decisão recorrida (do despacho de 08.10.2019) se refere que o crédito do Recorrido se constituiu após o despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório (a que se reporta o artigo 17.º-C, n.º 4 do CIRE), na decisão que é proferida no tal Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, altera-se o que havia sido decidido pelo Tribunal de 1.ª instância de 08.10.2019, e refere-se que o que releva para se concluir pela aplicação do Plano do PER ao crédito exequendo é saber se o Plano do PER já previa, ou não, o pagamento a efetuar ao crédito do aqui Recorrido.

W. Logo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.06.2020 foram alterados os fundamentos ao abrigo dos quais se considerava que o Plano do PER da Recorrente não podia ser aplicado ao crédito de que o Exequente, aqui Recorrido, se arrogava credor perante a Recorrente pelo simples facto de, alegadamente, a Recorrente não ter incluído no Plano do PER qualquer referência ao crédito de que o Recorrido se arroga credor: ou seja, em tal Acórdão nada se referiu quanto aos efeitos do disposto no n.º 10 do artigo 17.º-F do CIRE;

X. Quando é precisamente esse um dos fundamentos apresentados pela Recorrente, em sede de Requerimento inicial de embargos de executado, ao dizer que “a aprovação, e homologação, do plano de recuperação no processo especial de revitalização vincula os credores, mesmo os que não tenham participado nas negociações ou discordem desse plano” (é exatamente isto que consta daquele n.º 10 do artigo 17.º-F do CIRE).

Y. Se assim é, então não se poderá afirmar – como fez o Tribunal a quo na decisão recorrida – que “Resulta, assim, do decidido na execução que as questões suscitadas nos embargos se encontram já apreciadas em toda a sua extensão, porquanto, se encontra decidido que o direito dos exequentes não se encontra abrangido no PER da executada”, pois a circunstância de o crédito do Recorrido se considerar constituído à data da instauração do PER não foi objeto de apreciação pelo Tribunal a Relação de Lisboa;

Z. Tendo este apenas sustentado que o crédito exequendo – reclamado pelo Recorrido – não podia ser considerado integrado no PER da Recorrente, fruto da circunstância de em tal Plano nada se prever especificamente quanto a tal crédito do Recorrido.

AA. Posto isto, e tal como amplamente explicado e demonstrado nas Alegações antecedentes às presentes Conclusões, não está em causa qualquer situação de caso julgado formal, já que é pressuposto do caso julgado formal que seja, de facto, proferida decisão – o que, como se viu, não foi o caso.

BB. Concluindo-se pela inexistência de qualquer obstáculo para a tomada de decisão derivada de qualquer caso julgado formal, não tendo o Tribunal da Relação proferido qualquer decisão tomando por base o aludido n.º 10 do artigo 17.º-F do CIRE, nada obsta ao conhecimento, pelo Tribunal ad quem, do objeto do presente recurso.

CC. Em 4.º lugar, e no que respeita à interpretação do n.º 10 do artigo 17.º F do CIRE (uma vez que a Sentença agora sindicada, fundamentada nas decisões anteriormente proferidas em sede de autos principais, conclui que o direito do Exequente, e aqui Recorrido, não se encontra abrangido no PER da aqui Recorrente), importa agora clarificar que o crédito do Recorrido se constituiu, de facto, aquando da instauração da ação declarativa– o que decorre dos precisos termos daquele n.º 10 do artigo 17.º F do CIRE.

DD. Com efeito, a Recorrente confirma e reitera – nesta parte acolhendo o entendimento que consta da decisão recorrida – que o crédito do Recorrido, aquando do início do PER da Recorrente e da respetiva homologação por sentença, constituía um crédito litigioso à luz do n.º 3 do artigo 579.º do Código Civil.

EE. Ora, à luz do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24.11.2020, proferido no processo n.º 1319/20.0T8VNG.P1, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.09.2018, proferido no processo n.º 190/13.2TBVNC.G1.S1 e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26.05.2021, proferido no processo n.º 15326/19.1T8SNT.L1-4 não há a mínima dúvida de que o crédito de que o Recorrido se arroga titular perante a aqui Recorrente, sendo um crédito litigioso à data da instauração do PER por parte da aqui Recorrente e, também, à data da homologação do Plano do PER, constituiu-se em data anterior ao PER – e tudo o que consta destes acórdãos é o inverso do que consta da decisão recorrida (e não foi abordado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.06.2020, citado parcialmente na decisão recorrida).

FF. Tal como referido nas presentes alegações, o direito de crédito do Recorrido surge na data em que os defeitos de obra são comunicados ao Recorrente, sendo que, no caso sub judice, como vimos, a ação declarativa foi intentada pelo Autor, aqui Recorrido, no ano de 2011, tendo a sentença dessa ação declarativa sido proferida a 01.02.2017 e, pouco antes, homologado por sentença o Plano do PER da Recorrente, a 13.01.2016.

GG. Logo, ainda que se entendesse que o crédito não nasce aquando da reclamação dos defeitos pelo Recorrido à Recorrente, o crédito do Recorrido sobre a Recorrente constituiu-se, pelo menos, no ano de 2011 – e não com a prolação da sentença naquela ação declarativa ou aquando de qualquer fixação do valor do crédito do Recorrido sobre a Recorrente em sede de ação executiva (o que ainda não ocorreu).

HH. Não existindo a mínima dúvida de que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.06.2020 não tomou qualquer decisão quanto à circunstância de o crédito (que é litigioso) do Recorrido – a aceitar-se que poderia ser objeto da presente ação executiva – se constituiu em data anterior ao PER e também em data anterior à respetiva homologação.

II. Sendo absolutamente indiferente que se conclua – como nesta parte fez o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa citado na decisão recorrida – que a Recorrente não identificou o crédito do Recorrido no seu Plano ou que a Recorrente não recorreu do despacho que declarou a impossibilidade superveniente da lide para a apreciação do crédito peticionado pelo Recorrido em sede de ação declarativa, pois como vimos, tais circunstâncias em nada abalam a conclusão quanto à efetiva constituição do crédito do Recorrido em data anterior ao PER.

JJ. Em abono desta argumentação repare-se que no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26.05.2021, proferido no processo n.º 15326/19.1T8SNT.L1-4 e também disponível em www.dgsi.pt se considerou que, por força do artigo 17.º-D, n.ºs 1 e 2 do CIRE, “todos os credores são chamados a reclamar os seus créditos, estejam ou não já reconhecidos judicialmente, e nos termos do art. 17º-F nº6, a decisão do juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações”..

KK. Razão pela qual, se conclui, que resulta da aprovação e homologação do PER da Recorrente, uma decisão que vincula todos os credores nos exatos termos do artigo 17.º-F, n.º 10 do CIRE.

LL. O que nos leva a concluir, tal como demonstrado detalhadamente em sede de alegações, que o crédito de que se arroga titular o Recorrido – ainda que não judicialmente fixado, porquanto faltará a determinação do seu quantum – já se encontrava plenamente constituído à data em que a Recorrente apresentou o PER.

MM. Logo, é também absolutamente contraditório com as decisões proferidas no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24.11.2020, proferido no processo n.º 1319/20.0T8VNG.P1, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.09.2018, proferido no processo n.º 190/13.2TBVNC.G1.S1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26.05.2021, proferido no processo n.º 15326/19.1T8SNT.L1-4, a decisão que foi feita constar da decisão recorrida, quando aí se refere que o crédito do Recorrido “constitui-se, cremos, já no âmbito da execução onde se vem a demonstrar o não cumprimento da prestação no prazo que foi aqui fixado. Por conseguinte à data em que é nomeado administrador judicial provisório no PER da executada, necessariamente antes do despacho que o homologa, o exequente não tinha constituído a seu favor um crédito sobre a executada”.

NN. Não servindo a argumentação do Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 18.06.2020, quando conclui que o crédito do Recorrido não pode ser incluído no PER, tanto mais que o próprio Recorrido poderia, assim querendo, ter reclamado tal crédito em sede de PER, tal como demonstrado supra e como conclui o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26.05.2021, proferido no processo n.º 15326/19.1T8SNT.L1-4.

OO. Improcedendo a posição do Tribunal, na Sentença Recorrida, ao afirmar “que o plano de recuperação da executada foi homologado antes de ser proferida a sentença que reconheceu ao exequente o direito à eliminação dos defeitos. Como se já se disse o exequente por via da sentença não tem desde logo um direito de crédito sobre a executada, pelo que aquando do PER, que finda em 2016 com a homologação do plano, o exequente, a nosso ver, não podia reclamar no PER qualquer direito de crédito sobre a executada.” (sublinhado nosso), pois como vimos, o Recorrido teria sempre direito a reclamar tais créditos.

PP. Tendo ficado claro, como demonstrado pela melhor aplicação do direito, que o crédito do Recorrido – que vier a ser fixado nos autos principais da ação executiva – estará de qualquer dos modos abrangido pelo Plano do PER já homologado;

QQ. Sendo essa a razão pela qual, aliás, se conclui, de harmonia com o vertido no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, que após a homologação do Plano do PER as ações instauradas contra o devedor deverão prosseguir os seus exatos termos até à definição concreta do crédito a pagar.

RR. Esta questão resulta transparente em face da opinião (transcrita em sede de alegações) de Artur Dionísio Oliveira, citado inclusive no mencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26.05.2021 (proferido no processo n.º 15326/19.1T8SNT.L1-4) e também, em sentido idêntico, em face do que é dito no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13.07.2017 (proferido no processo n.º 1515/13.6TVLSB.L1-2), bem como do que consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13.07.2017, proferido no processo n.º 1515/13.6TVLSB.L1-2, neste último caso se referindo que “Isto, obviamente, sem prejuízo de a decisão de homologação do plano vincular os credores da devedora, aqui R., nos termos do nº 6 do art. 17-F do CIRE, encontrando-se a A. obrigada a observá-la nos precisos termos previstos no processo especial de revitalização, com a única especificidade de os créditos “estabilizarem” deixando de depender da “condição” ali mencionada”.

SS. Se conclui uma vez mais, que o crédito do Recorrido foi constituído em data anterior ao PER, considerando-se que aquele se “estabilizará” (para utilizar a nomenclatura do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13.07.2017) com a fixação do crédito do Recorrido perante a Recorrente.

TT. Logo, nos precisos termos do n.º 10 do artigo 17.º-F do CIRE, considerando-se o crédito do Recorrido constituído em data anterior ao PER e considerando-se que o crédito do Recorrido “estabilizará” (para utilizar a nomenclatura do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13.07.2017) com a fixação do crédito do Recorrido perante a Recorrente, o Plano do PER da Recorrente deve ser aplicado ao crédito que venha a ser fixado nos autos principais da presente ação executiva;

UU. O que implica que, sendo o crédito do Recorrido um crédito comum, que a tal crédito já constituído e que venha a ser posteriormente fixado, deverão considerar-se aplicáveis as disposições previstas no Plano do PER da Recorrente para aquele  crédito do Recorrido.

VV. Em suma, e contrariamente ao decidido na Sentença Recorrida, deverá considerar-se que os i) créditos do Recorrido são litigiosos, tendo sido constituídos antes da homologação do PER da Recorrente;

WW. Por esse motivo, e como demonstrado, tais créditos, apesar de ainda ilíquidos, ii) estão abrangidos pelo Plano do PER da Recorrente, conforme n.º 10, do artigo 17.º-F do CIRE, pois é esse o espirito da norma.

XX. Deste modo, deve ser aplicado ao crédito do Exequente, ora Recorrido, e que venha a ser fixado nos autos principais, o previsto no PER, em concreto, a disposição que estabelece um perdão de 90% do valor nominal do crédito, sendo o crédito reduzido a 10% do valor apurado

YY. Posto isto, deve o presente recurso per saltum ser admitido, sendo a Sentença recorrida revogada e substituída por outra que decrete que o direito do Exequente, aqui Recorrido, encontra-se abrangido pelo PER da Recorrente / Executada, com todos os efeitos que dai advêm.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão,

a) Deve ser admitido o presente recurso per saltum e, nessa sequência,

b) Deve ser dado provimento ao presente recurso, com a inerente (e consequente), revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que conclua que deve ser aplicado ao crédito do Exequente, ora Recorrido (que venha a ser fixado nos autos de execução principais), o previsto no Plano do PER da Recorrente, em concreto, a disposição que estabelece um perdão de 90% do valor nominal do crédito, sendo o crédito reduzido a 10% do valor apurado”.

Contra-alegou o embargado, concluindo:

“A) O presente recurso é interposto da decisão proferida em 03/11/2021, notificada em 10/11/2021, que determinou a extinção dos embargos oportunamente deduzidos à instância executiva, por inutilidade superveniente da lide.

B) Considera o Exequente/Recorrido que o recurso apresentado da decisão da primeira instância, não constitui uma das situações previstas na lei, para o recurso per saltum, não se verificando nos presentes autos uma situação que propicia a especifica impugnação recursiva aqui utilizada pela Executada/Recorrente, o que não impede o Tribunal de apreciar a bondade da sua admissibilidade, embora como Apelação.

C) O princípio basilar para a admissão e conhecimento por banda do Supremo Tribunal de Justiça deste tipo de recurso – per saltum – dependerá, prima facie, que de harmonia com as regras gerais de admissibilidade da impugnação, caiba recurso para este órgão judicial.

D) Sem prejuízo dos casos em que o recurso de revista é sempre admissível (artigo 629º nº 2 Código do Processo Civil, nas suas diversas alíneas), a douta decisão ora recorrida não se mostra abrangida pela previsão da segunda parte da norma do artigo 854º Código do Processo Civil.

E) O recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça visa, fundamentalmente, suprimir um grau de recurso a favor da celeridade na resolução do litígio, mas não permitir a apreciação, pelo Supremo Tribunal de Justiça, de questões que, de outro modo, não seriam à partida suscetíveis de recurso de revista.

F) O cabimento do recurso de revista, afere-se pelo conteúdo do acórdão do Tribunal da Relação de que se recorre.

G) Cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quando a parte pretenda impugnar os acórdãos do Tribunal da Relação que:  Conheçam o mérito da causa;  Ponham termo ao processo através da absolvição da instância do réu ou alguns réus quanto ao pedido; ou dos reconvindos relativamente ao pedido reconvencional;  Os acórdãos que apreciem decisões interlocutórias nos casos em que o recurso é sempre admissível;  Os acórdãos que apreciem decisões interlocutórias quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça;

H) A expressão “conhecer o mérito da causa” equivale basicamente à decisão que resolve o litígio concernente à relação material controvertida, abrange, portanto, o conhecimento parcial da causa e de qualquer exceção perentória.

I) Ficam fora da possibilidade legal de interposição de recurso de revista o conhecimento por parte do Tribunal da Relação de questões de forma que não determinem o termo do processo.

J) Desde que o acórdão do Tribunal da Relação, conhecendo ou não do mérito do recurso, constitua decisão final do processo, haverá, em princípio e à partida, recurso de revista, reunidos que se encontrem todos os pressupostos gerais de recorribilidade que permitam a subida do recurso ao Supremo Tribunal de Justiça.

K) Por isso, nos termos do artigo 678º nº 1 do Código de Processo Civil, apenas são suscetíveis de recurso per saltum as mesmas decisões que — nos termos do artigo 671º nº 1 — comportam recurso sucessivo para o Tribunal da Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça: as que põem termo ao processo e as que, sem pôr termo ao processo, decidem do mérito da causa.

L) As restantes decisões nunca poderão ser suscetíveis de recurso per saltum, mesmo nos casos previstos no artigo 672º nº 1 para a revista excecional, estes pressupõem sempre um “… acórdão da Relação…”, como resulta literalmente do nº 1 do artigo e do carácter excecional deste recurso.

M) O fundamento dos sucessivos recursos apresentados pela Executada/Recorrente é sempre o mesmo – ou seja, a pretensa aplicação do plano de recuperação aprovado e homologado judicialmente no Processo Especial de Revitalização instaurado pela Executada/Recorrente, ao crédito futuro do Exequente/Recorrido.

N) As decisões proferidas pelas diversas instâncias são manifestamente contrárias ao entendimento defendido pela Executada/Recorrente, não tendo existido qualquer dúvida, em classificar-se, nas diversas decisões proferidas, o crédito do Exequente/Recorrido como um crédito constituído em momento posterior ao Processo Especial de Revitalização.

O) Não podia o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciar-se sobre a circunstância do crédito do Exequente/Recorrido se considerar constituído à data da instauração do Processo Especial de Revitalização, quando foi defendido entendimento contrário.

P) Ao juiz cabe resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação – os problemas concretos a decidir e não os argumentos utilizados pelas partes na defesa das suas posiçõesexcetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Q) Diz-nos J. Alberto dos Reis a tal propósito: “(…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”

R) A Executada/Recorrente, conclui que: “Existem, …, questões que não foram objeto de apreciação e que importa agora determinar, correspondentes essencialmente, à data em que se deverá considerar constituído o crédito do exequente, aqui Recorrido, perante a executada, ora Recorrente e por referência ao nº 10 do artigo 17-F do CIRE”, sendo, contudo, errada tal conclusão, atento o conteúdo das decisões proferidas nos autos que amplamente se pronunciaram sobre tal questão.

S) O Exequente/Recorrido deu à execução a douta sentença condenatória proferida em 03/03/2017, no âmbito da ação declarativa que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., no Juízo Central Cível ..., Juiz ... sob o nº 2301/11...., transitada em julgado.

T) Na pendência da ação declarativa de condenação, decorreu um Processo Especial de Revitalização da ora Executada/Recorrente, no âmbito do qual foi proferido em 19/08/2015 despacho no qual foi nomeado administrador judicial provisório, nos termos da alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C do CIRE.

U) Na sequência deste despacho, a ali ré, ora Executada/Recorrente, requereu a suspensão da instância, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 17º-E do CIRE.

V) No dia 09/09/2015, foi proferido despacho no qual decidiu o Tribunal de primeira instância, atento o pedido subsidiário, que a ação declarativa cabia na previsão do nº 1 do artigo 17º-E do CIRE, motivo pelo qual decidiu suspender a instância.

W) Inconformado com a referida decisão, o Exequente, ora Recorrido e então autor recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que se veio a pronunciar em 17/02/2015, decidindo-se pela suspensão da ação, atenta “…. a formulação de um pedido subsidiário correspondente a um direito de crédito …”.

X) Por despacho de 02/03/2016, foi extinto o pedido subsidiário por inutilidade superveniente da lide, prosseguindo a ação para conhecimento do pedido principal, vindo a culminar a ação com a sentença que condenou na reparação dos defeitos de construção, ou seja, uma prestação de facto.

Y) Já no âmbito da execução da sentença, por despacho de 04/03/2019 foi fixado prazo para o cumprimento da prestação de facto, que não veio a ser cumprida, obrigando o Exequente/Recorrido por requerimento de 11/07/2019 a requerer a nomeação de perito para avaliação do custo da obra, nos termos e para os efeitos do nº 2 do artigo 870º do Código do Processo Civil.

Z) Foi proferido despacho em 08/10/2019, no qual se decidiu, o prosseguimento da execução com a nomeação de perito para avaliação do custo da prestação tal como requerido pelo Exequente/Recorrido.

AA) A Executada/Recorrente, recorreu de tal despacho, vindo a ser proferido em 18/06/2020, acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa que declarou a manutenção do despacho, por não estar a prestação exequenda abrangida pelos efeitos do plano de recuperação aprovado e homologado judicialmente no Processo Especial de Revitalização instaurado pela Executada/Recorrente.

BB) Acrescentando-se no referido Acórdão de 18/06/2020 que: “…Não há incorreta interpretação do nº 1 do artigo 17-E e do nº 10 do artigo 17º-F do CIRE”.

CC) Do sumário do douto Acórdão ficou a constar, como se pode ler e cumpre destacar pelo seu relevo na questão a decidir: “… O direito a uma prestação de facto fungível que não é considerado no plano de recuperação aprovado no PER (por estar a ser discutido numa ação declarativa pendente) e que mais de três anos depois dessa aprovação ainda não é suscetível de quantificação pecuniária, porque só então vai ter lugar a avaliação do custo dessa prestação (nos termos do art. 870º do Código do Processo Civil) não é um direito que se mostre abrangido pelos efeitos do referido plano, no sentido de ser reduzido a 10 % do “se valor nominal” e de ser pago “numa única prestação, no prazo de dois anos” a contar do transito em julgado da homologação judicial desse plano aprovado.”

DD) A Executada/Recorrente alegando a existência dos pressupostos para uma revista excecional, veio interpor um recurso de Revista Excecional, para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão da Relação ... de 18/06/2020 que confirmou o despacho que decidiu “que a execução deve prosseguir, com a nomeação de perito para avaliação do custo da prestação tal como requerido pelo Exequente”.

EE) Não tendo sido admitido tal recurso veio a Executada/Recorrente reclamar para a Conferência, nos termos do artigo 652º, nº3 do Código do Processo Civil, do despacho do relator que não admitiu a revista excecional, uma vez que da decisão recorrida não cabia recurso de revista ordinária, concluiu-se que a mesma não admitia a revista excecional.

FF) A Conferência deliberou indeferir a reclamação apresentada pela Executada/Recorrente e decidiu confirmar a decisão singular do Relator, que considerou não admissível o recurso de revista excecional, sumariando que: “A revista excecional (art. 672º do CPC) está prevista para as situações de dupla conforme, nos termos delineados no nº 3 do art. 671º, do acórdão da Relação proferido sobre decisão de 1ª instância que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo. (nº 1 art. 671º); Como assim, não cabe revista excecional do acórdão da Relação que confirmou a decisão de 1ª instância que em execução para prestação de facto procedeu à nomeação de perito para avaliar o custo da prestação, nos termos do art. 870º do CPC;”

GG) A Executada/Recorrente continua apresentando recurso atras de recurso, defendendo um entendimento que não foi acolhido em nenhuma instância, de que alegadamente um eventual crédito do Exequente/Recorrido estará sujeito às regras resultantes do plano aprovado no Processo especial de Revitalização da Executada/Recorrente.

HH) Conforme bem se concluiu, na douta Sentença de 03/11/2021, objeto do presente recurso, as questões suscitadas nos embargos deduzidos pela Executada/Recorrente foram amplamente apreciadas “… em toda a sua extensão…”, designadamente consignou que: “… o direito dos exequentes não se encontra abrangido no PER da executada…” e ainda “… a decisão sobre o pedido subsidiário formulado na ação declarativa não tem efeitos na execução, razão pela qual foi determinada a nomeação de perito para apurar o custo da prestação…”.

II) Em sede de embargos à execução a Executada/Recorrente centrou a sua oposição nas seguintes questões: - O valor da condenação e um pretenso limite da responsabilização; - A alegada inexistência de título executivo bastante para suportar o pedido formulado; -A extinção do pedido alternativo para pagamento de quantia certa e inadmissibilidade da penhora de bens; - A suspensão da execução sem prestação de caução; - A perícia requerida e a sua alegada desnecessidade; - O prazo para a realização da prestação.

JJ) Quanto à interpretação e aplicação do disposto no nº 1 do artigo 17º E do CIRE, a decisão proferida é clara, ao dispor que: “… a ação declarativa em questão, bem como o direito de crédito aí reclamado pelo condomínio exequente, não estão abrangidos pelos efeitos do plano de recuperação da executada que foi aprovado e judicialmente homologado em 13/01/2016, designadamente no que respeita ao perdão de 90% do valor dos créditos comuns, com o remanescente de 10% a ser pago numa única prestação, no prazo de 2 anos a contar do transito em julgado da referida homologação judicial.

E se a ação declarativa em questão escapa aos referidos efeitos, ultrapassado o litigio ai instalado quanto ao direito à prestação de facto invocado pelo condomínio exequente, através do reconhecimento judicial (na sentença dada à execução) desse mesmo direito e da condenação da executada na correspondente prestação positiva (a realização das obras de reparação dos defeitos), a adopção das providencias adequadas à realização coactiva dessa prestação de facto positiva e fungível a que esta a obrigada a executada (concretizada na ação executiva para prestação de facto) escapa igualmente aos efeitos do mencionado plano de recuperação da executada.”

KK) O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, não deixou de se pronunciar, conforme o fez, ao decidir quanto à circunstância de o crédito do Exequente/Recorrido se ter constituído em data posterior ao Processo especial de Revitalização e também em data posterior à homologação do plano de recuperação.

LL) E se tal se decidiu, no referido acórdão, que bem decidiu sobre o caso dos autos, é por demais evidente que não podia o mesmo acórdão, ou seja, aquele que decidiu que o crédito do Exequente/Recorrido se constituiu depois do Processo Especial de Revitalização e consequentemente após a sua homologação, vir decidir que o crédito do Exequente/Recorrido se constituiu em data anterior ao Processo Especial de Revitalização da Executada/Recorrente, estando assim abrangido pelo Plano do Processo Especial de Revitalização homologado, como não podia.

MM) A interpretação jurídica acolhida pelo douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa reafirma o defendido na primeira instância, o que levou e bem ao consignado na douta sentença ora recorrida.

NN) Não é de aplicar o disposto no artigo 17º-E, nº 1 do CIRE, ao direito - então litigioso – do Exequente/Recorrido, correspondente ao direito à reparação dos defeitos de construção, que logrou o Exequente/Recorrido depois de homologado o plano, ver reconhecido por sentença que condenou a Executada/Recorrente, igualmente, não há que reduzir a condenação a que foi sujeita a Executada/Recorrente, em sede executiva, nem tal possibilidade decorre da correta aplicação e interpretação dos dispositivos normativos aplicáveis.

OO) Somente perante o incumprimento da Executada/Recorrente, o Exequente/Recorrido está na iminência de ver quantificado, em sede executiva, o seu direito, passando a deter a faculdade, de obter a penhora de bens para garantia de pagamento de determinada quantia que cumpre ainda apurar e que constituirá um “crédito”, convolada a execução para prestação de facto em execução para pagamento de quantia.

PP) Reforçando o entendimento plasmado no referido acórdão que bem interpretou e aplicou a lei, reitera a douta Sentença ora recorrida que: o alegado crédito do Exequente/Recorrido apenas surgirá em momento posterior ao da homologação do plano, pelo que não foi o mesmo nem reclamado, nem reconhecido nesse plano, não tendo sido abrangido no mesmo.

QQ) Conforme se invoca no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 02/07/2019, no processo nº 9264/18.2T8SNT-A. L1-7, em que foi relatora a Veneranda Desembargadora Ana Rodrigues da Silva se consignou entre o mais que: “… Os créditos litigiosos que não foram atendidos no plano de recuperação, não estão limitados pelo citado art. 17º-F, nº 10 do CIRE, o qual apenas se aplica aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão de nomeação do administrador, razão pela qual tais créditos não podem ser reclamados no âmbito de processo especial de revitalização…”

RR) No referido acórdão existe uma efetiva pronuncia sobre a problemática do direito do Exequente/Recorrido estar ou não abrangido pelo referido Processo Especial de Revitalização, e pronuncia-se acolhendo um entendimento contrário ao defendido pela Executada/Recorrente e não lhe agradando tal facto, nega que a decisão se pronuncia sobre a questão.

SS) Assim, afirma a Executada/Recorrente que nos termos do nº10 do artigo 17-F do CIRE o crédito do Exequente /Recorrido se constituiu com a instauração da ação, antes do início do Processo Especial de Revitalização, o que não se disse no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/06/2020, porque se disse exatamente o oposto.

TT) Defendendo entendimento contrário ao das decisões que a Executada/Recorrente invoca, alude-se ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30/10/2019, processo nº 518/15.0T9OAZ-A. P, no qual se consignou entre o mais, que: “…. Ainda que o crédito de indemnização por responsabilidade civil nasça quando se verifica o evento determinante da obrigação de indemnizar (artigos 483º e 562º do Cód. Civil), a verdade é que no PER, de acordo com a interpretação conjugada dos artigos 17.º C e 17.º D, decorre que apenas estão em causa dívidas vencidas, no máximo, até ao termo do prazo de reclamação de créditos.” “…. Estando em causa no pedido de indemnização civil a efetivação da responsabilidade emergente da prática de um crime praticado pelo demandado não é aplicável o disposto no art.º 17.º E, do CIRE, pois não estamos perante um procedimento processual destinado à cobrança de uma dívida que é a previsão do n.º 1 do art.º 17º E, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).”

UU) Pois não se baseando numa interpretação correta das normas, a Executada/Recorrente não quer acatar o julgamento acolhido na decisão proferida nos presentes autos, que por sua vez se baseia no acórdão do Tribunal Judicial da Relação de Lisboa, que decidiu não ser de aplicar o plano homologado no Processo Especial de Revitalização da Executada/Recorrente ao crédito do Exequente/Recorrido, referindo no seu sumário. “O direito a uma prestação de facto fungível que não é considerado no plano de recuperação aprovado no PER (por estar a ser discutido numa ação declarativa pendente), e que mais de três anos depois dessa aprovação ainda não é suscetível de quantificação pecuniária, porque só então vai ter lugar a avaliação do custo dessa prestação (nos termos do art. 870º do Código de Processo Civil), não é um direito que se mostre abrangido pelos efeitos do referido plano, no sentido de ser reduzido a 10% do “seu valor nominal” e de ser pago “numa única prestação, no prazo de dois anos” a contar do transito em julgado da homologação judicial desse plano aprovado.”

VV) Um crédito apenas se torna exigível judicialmente quando está reconhecido, no caso de o suposto devedor o impugnar, terá de ser comprovado e declarado por sentença. Só então o crédito é exigível.

WW) Enquanto não houve sentença transitada em julgado que declarasse a existência de tal obrigação, a mesma obrigação não podia, pura e simplesmente, ser invocada numa eventual reclamação de créditos.

XX) Não estava então em causa, o valor da obra, mas a obtenção de uma condenação à sua realização, na pendencia da ação declarativa tratou-se de uma obrigação cuja existência – ou inexistência – pertencia ao mero domínio da possibilidade, e no âmbito da ação executiva e somente nesta sede, evidencia-se a possibilidade de a Executada/Recorrente ficar obrigada ao pagamento de um eventual crédito, atento o incumprimento da obrigação que se pretendeu executar, por meio da convolação da execução para prestação de facto inicialmente apresentada na pertinente execução para pagamento de quantia certa.

YY) O crédito a que se refere a Executada/Recorrente constituía aquando da reclamação de créditos e posterior homologação do plano, uma mera expectativa do Exequente/Recorrido – um crédito hipotético.

ZZ) Não há sequer nesta data um crédito exigível e muito menos o era na data da homologação do plano, a obrigação estava então a ser discutida numa ação declarativa, o que implicava não ser ainda exigível no sentido de existir e ser desde logo oponível à outra parte.

AAA) Assim, estabelece a própria Executada/Recorrente o carácter meramente hipotético de um eventual crédito, na medida em que admitindo tratar-se de um crédito/direito litigioso, o mesmo, controvertido, estava a ser debatido na ação, intentada em 2011.

BBB) Importa notar que, o regime que decorre do Processo Especial de Revitalização é, nesta matéria, distinto do processo de insolvência: enquanto no processo de insolvência a declaração desta determina o vencimento imediato das dívidas (artigo 91º do CIRE), há possibilidade de reclamação de créditos condicionados (artigo 128º), bem como de verificação ulterior de créditos ou de outros direitos (artigo 146º), no Processo Especial de Revitalização, de acordo com a interpretação conjugada dos artigos 17º- C e 17º-D, decorre que apenas estão em causa dívidas vencidas, no máximo, até ao termo do prazo de reclamação de créditos.

CCC) É que o artigo 17º-F, nº 10, do CIRE, apenas se aplica aos créditos que já existiam à data da reclamação de créditos e, por sua vez, a partir do disposto no artigo 17°-E, nº 1, do CIRE, só se podem reportar dívidas existentes na data em que foi proferido o despacho de nomeação do administrador judicial provisório.

DDD) O que entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa, e antes o Tribunal de primeira instancia conforme decorre da leitura atenta da decisão ora impugnada, é que, não estão abrangidos pelo disposto no artigo 17º-E, nº 1, do CIRE, os créditos vencidos após o despacho que procedeu à nomeação do administrador provisório, na medida em que este normativo se reporta apenas às dívidas existentes à data da decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C do CIRE.

EEE) É certo que a homologação do acordo de recuperação é vinculativa para os credores que não hajam participado nas negociações, incluindo aqueles que nem sequer reclamaram os créditos (cfr. artigo 17º-F, nº 10, do CIRE).

FFF) Como assinala Carvalho Fernandes e João Labareda “(...) por um lado, e em boa verdade, este regime só pode compreender-se e atingir quem não participa por motivo que lhe é imputável, mas não a quem não participa porque é impedido...”.

GGG) Entenderam os Venerandos Desembargadores e os Meritíssimos Juízes que ao longo do processo tiveram oportunidade de se pronunciar - e bem - que o que releva no âmbito do Processo Especial de Revitalização e vincula os credores são os créditos existentes à data e não quaisquer eventuais créditos futuros.

HHH) Por um lado, tal acordo e consequente plano de recuperação não abrange créditos que à data não existiam.

III) Por outro, aprovado o acordo e homologado o plano de recuperação, não se extrai da lei, máxime do referido artigo 17º-E, nº 1, que um credor - neste caso o Exequente/Recorrido, a entender-se ser este detentor de um crédito - cujos créditos se venceram posteriormente à reclamação de créditos no Processo Especial de Revitalização e, portanto, não estejam enquadráveis neste, se encontre impedido de fazer valer os seus direitos e que numa fase de execução de sentença para prestação de facto e perante a necessidade da convolação dessa execução em execução para pagamento de quantia certa, veja reduzido esse valor a que tenha direito por efeito do incumprimento, por uma sentença que homologou um acordo da Executada/Recorrente com os seus credores de então, e sem que o Exequente/Recorrido pudesse intervir por não possuir nenhum credito exigível.

JJJ) O entendimento, de que os credores cujos créditos se vencessem posteriormente ficavam impossibilitados de ver reconhecido judicialmente o seu direito e eventual crédito futuro (não só não eram reconhecidos os créditos no âmbito do Processo Especial de Revitalização e, por isso, não eram por ele abrangidos, como também não podiam posteriormente ver reconhecidos esses créditos a existirem), não resultou da decisão que homologou o plano, nem resulta da lei.

KKK) Os créditos futuros na pendência do Processo Especial de Revitalização ou, caso se entenda restringir, após ter findado o prazo para a reclamação de créditos, como sucede – cumprindo realçar que tivesse a Executada/Recorrente acatado a sentença favorável ao autor ora Exequente/Recorrido, nem sequer, se colocaria a questão - estão fora do âmbito do Processo Especial de Revitalização.

LLL) A entender-se que o alegado direito/crédito do Exequente/Recorrido já existia – o que por mera hipótese se admite, embora não se conceda – era inexistente no sentido de não poder ser exigido – até ser reconhecido, nomeadamente, por decisão transitada em julgado ou por reconhecimento do próprio devedor [neste sentido, acórdão da Relação do Porto de 05/03/2009, processo 565/08.9TYVBNG, publicado in www.dgsi.pt/jtrp;

MMM) O douto acórdão invocado na douta decisão recorrida entendeu que a Exequente/Recorrida não está vinculada pelo plano homologado, fundamentando tal conclusão no facto de o direito de crédito, embora se funde ainda na sentença por via da condenação na prestação, se ter constituído no âmbito da execução onde ocorre o não cumprimento da prestação no prazo que lhe foi fixado, mais adianta que, à data em que é nomeado administrador judicial provisório no Processo Especial de Revitalização da Executada/Recorrente, necessariamente antes do despacho que o homologa, o Exequente/Recorrido não tinha constituído a seu favor um crédito sobre a Executada/Recorrente, pronunciando-se desse modo quanto à data em que se deve considerar constituído o direito/crédito do Exequente/Recorrido, por referencia ao nº 10 do artigo 17º-F do CIRE.

NNN) Deverão ser julgadas improcedentes as conclusões do recurso per saltum apresentado da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que bem decretou que as questões suscitadas nos embargos deduzidos pela Executada/Recorrente foram amplamente apreciadas e declarou extinta a instância dos embargos deduzidos, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º al. e) do Código do Processo Civil.

Nestes termos, deve o presente recurso per saltum ser julgado improcedente, determinando-se o prosseguimento dos autos, assim fazendo Vossas Excelências Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça o que é de inteira JUSTIÇA!”.


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O recurso per saltum (art. 678 do CPC) foi admitido pelo relator, com subida nos autos e efeito devolutivo, em despacho notificado às partes, não havendo reclamação para a conferência, cumprido que foi o disposto no nº 5 do referido art. 678.

Cumpre apreciar e decidir.


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A matéria de facto é a constante do despacho recorrido supratranscrito.

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Conhecendo:

São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608º, 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1, do C.P.C.        

A recorrente alega:

- Existem questões que não foram objeto de apreciação [na ação declarativa] e que importa agora determinar, correspondentes, essencialmente, à data em que se deverá considerar constituído o crédito do exequente, aqui recorrido, perante a Executada, ora recorrente e por referência ao n.º 10 do artigo 17.º-F do CIRE.

- Que os créditos do Recorrido são litigiosos, tendo sido constituídos antes da homologação do PER da Recorrente e por esse motivo, apesar de ainda ilíquidos, estão abrangidos pelo Plano do PER da Recorrente, conforme n.º 10, do artigo 17.º-F do CIRE.


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Linearmente, o que pretende a embargante é que, não tendo cumprido a prestação de facto objeto da execução que lhe foi movida, na conversão em quantia para indemnização do dano sofrido se aplique “o previsto no Plano do PER da Recorrente, em concreto, a disposição que estabelece um perdão de 90% do valor nominal do crédito, sendo o crédito reduzido a 10% do valor apurado”. 

Entendeu a decisão recorrida que se verifica caso julgado relativamente à não aplicação, in casu, do PER aplicado à recorrente.

Estamos no âmbito de oposição a execução especial para prestação de facto, mas no processo de execução, na sequência do não cumprimento da prestação de facto, foi proferido despacho, no qual é referido: “(…) A questão pertinente nesta fase processual é a de saber se a execução deve prosseguir com a nomeação de perito para avaliar o custo da prestação, seguindo-se os demais termos previstos no art.870.º do CPC, ou em virtude da existência do PER invocado pela executada a execução não pode prosseguir para a fase seguinte na qual se prevê já a penhora de bens.

(…) E aqui chegados resolvamos a questão seguinte que é pressuposta para resolução da principal, é na execução através do mecanismo da avaliação do custo da prestação que é fixado o valor pelo qual pode seguir a execução para pagamento de quantia certa em que a execução inicial para prestação de facto se transmuta (art.870.º do CPC). Por isso, irreleva para a execução o valor do pedido subsidiário de condenação no pagamento da quantia de 250 mil euros a título de indemnização para reparação dos defeitos, deduzido na ação declarativa.

(…) A sentença exequenda não reconhece à executada nenhum direito de crédito mas sim o direito a uma prestação de facto. Também na execução não há que falar em pedido alternativo, a exequente instaura a execução para obter o cumprimento da prestação, aplicando-se no mais o previsto na lei para as situações em que a prestação, sendo fungível, ou seja, podendo ser prestada por terceiro, não é voluntariamente cumprida no prazo que veio a ser fixado já neste tribunal. Assim, o direito da exequente a obter um pagamento e seu montante surge no âmbito da execução em função da avaliação que aqui se faz do custo necessário à reparação dos defeitos. A exequente se não executar a sentença que condenou na prestação de facto não tem ainda qualquer direito de crédito sobre a executada, nem sequer um crédito ilíquido.

(…) E tanto assim que apesar do PER a acção prosseguiu para a apreciação do pedido principal, não se tendo entendido por conseguinte que o PER impedia esse prosseguimento. Assim, as questões do âmbito da execução terão que ser decididas na execução, pelo que, haverá de ser aqui que se tem que apreciar os efeitos do PER sobre a execução, estando ultrapassados os efeitos que esse mesmo PER teve na ação declarativa em conformidade com as decisões aí proferidas.

(…) A executada instaurou PER, no âmbito do qual veio a ser homologado acordo por decisão proferida em 13.1.2016, junta nos embargos de executado.

(…) A sentença exequenda está datada de 3.3.2017. Resulta desses factos que o plano de recuperação da executada foi homologado antes de ser proferida a sentença que reconheceu ao exequente o direito à eliminação dos defeitos. Como já se disse o exequente por via da sentença não tem desde logo um direito de crédito sobre a executada, pelo aquando do PER, que finda em 2016 com a homologação do plano, o exequente, a nosso ver, não podia reclamar no PER qualquer direito de crédito sobre a executada. O direito de crédito embora se funde ainda na sentença por via da condenação na prestação constitui-se, cremos, já no âmbito da execução onde se vem a demonstrar o não cumprimento da prestação no prazo que foi aqui fixado. Por conseguinte à data em que é nomeado administrador judicial provisório no PER da executada, necessariamente antes do despacho que o homologa, o exequente não tinha constituído a seu favor um crédito sobre a executada.

(…)”.

Desta decisão (proferida no processo de execução) de não aplicação do PER a executada interpôs recurso, mas a mesma veio a ser confirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação.

Por isso, a sentença recorrida (proferida nos autos de oposição a execução especial para prestação de facto) entendeu que, “Resulta, assim, do decidido na execução que as questões suscitadas nos embargos se encontram já apreciadas em toda a sua extensão, porquanto, se encontra decidido que o direito dos exequentes não se encontra abrangido no PER da executada, encontra-se decidido que a decisão proferida sobre o pedido subsidiário formulado na ação declarativa não tem efeitos na execução, razão pela qual foi determinada a nomeação de perito para apurar o custo da prestação – ficando prejudicada dessa forma a questão invocada nos embargos relativa à desnecessidade de perícia -; e decorre dessas decisões que inexiste qualquer obstáculo à penhora de bens, face ao prosseguimento da execução.

Desta feita, os presentes embargos revelam-se supervenientemente inúteis”.

Os autos tratam de um processo de oposição a execução para prestação de facto, em que a prestação não foi cumprida, sendo que a executada havia requerido processo especial de revitalização (PER), tendo havido negociações que terminaram com o acordo de revitalização, tendo sido aprovado plano de recuperação.

No recurso importa averiguar se o plano de recuperação se aplica ao exequente.

Nos termos do nº 1, do art. 17º-E, do CIRE, que trata dos efeitos processuais da decisão a que se refere o nº 4, do art. 17.º-C, esta decisão que aprova o plano “obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.

Desde logo há que saber se a execução a que estes embargos se opõem é uma “ação para cobrança de dívida”.

Trata-se de execução para prestação de facto (sendo que o facto não foi prestado) e o exequente “pretende indemnização do dano sofrido” – arts. 869º e 867º, do CPC.

Em termos práticos trata-se de convolar a execução para prestação de facto em execução para pagamento de quantia de certa.

Tanto na doutrina como na jurisprudência são várias as posições acerca do que é “ação para cobrança de dívida”, incluindo uns as ações declarativas e outros não, havendo vantagens e desvantagens em incluir as ações declarativas nos efeitos do PER.

Nuno Salazar Casanova entende que ações de cobrança de dívida para efeitos do CIRE são as que visam realização coativa do crédito pecuniário.

Em “PER, o Processo Especial de Revitalização”, Coimbra Editora, 2014, págs. 97 e sgs., Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis consideram que a “expressão acções para cobrança de dívidas a que se refere o artigo 17.º-E, n.º 1, abrange apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa (e as demais execuções sempre e quando se verifique a conversão das mesmas nos termos previstos no artigo 867.º ou 869.º do Código de Processo Civil) e os procedimentos cautelares antecipatórios das acções que deveriam ser suspensas ao abrigo do citado normativo legal. Encontram-se excluídas, pois, do âmbito de aplicação do nº 1 do artigo 17.º-E, as acções declarativas, as acções executivas para entrega de coisa certa, as acções executivas para prestação de facto e a generalidade dos procedimentos cautelares” (sublinhado nosso).

No entendimento destes autores, “a expressão utilizada – cobrança de dívidas – remete-nos imediatamente para uma acção destinada a obter o pagamento coercivo duma quantia pecuniária. Aliás, a expressão cobrança de dívidas é habitualmente utilizada ou encontra-se associada à realização coactiva de uma prestação em dinheiro”. E acrescentam que a diferente redação utilizada nos artigos 17º-E e 88º do CIRE (mais restritiva no primeiro caso), leva a concluir que se pretendeu limitar a aplicação da norma aqui em apreço às ações executivas para cobrança de dívida, até porque “apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa podem ser consideradas como verdadeiras acções para cobrança de dívida para os efeitos do artº 17º-E, nº 1”.

No sentido de que apenas as ações executivas estão incluídas na previsão do art. 17º-E, nº 1, cfr. Isabel Alexandre, in “Efeitos Processuais da Abertura do Processo de Revitalização”, II Congresso de Direito da Insolvência, coordenação de Catarina Serra, pág. 246; Maria do Rosário Epifânio, in “O Processo Especial de Revitalização, pág. 33; e Madalena Perestrelo Oliveira, in “Limites da Autonomia dos Credores na Recuperação da Empresa Insolvente, pág. 47.

Em sentido diverso, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in “CIRE Anotado”, 2ª edição, Lisboa, 2013, pág. 164 e ainda, Ana Prata, Jorge Morais de Carvalho e Rui Simões, in “CIRE Anotado” (2013) pág. 64; João Aveiro Pereira, “A revitalização económica do devedor”, Revista O Direito, Ano 145/2013, tomos I/II, pág 37; Alexandre de Soveral Martins, in “Um Curso de Direito da Insolvência”, pág. 471; e Catarina Serra, “Revitalização – A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE”, I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2013, página 99.

Na jurisprudência, é dominante o entendimento de que a expressão “ações para cobranças de dívidas” abrange qualquer ação judicial – declarativa ou executiva – destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito resultante da atividade económica do devedor e que, por isso, contenda com o seu património. 

Seguimos o entendimento sufragado no Ac, deste STJ de 05-01-2016, no Proc. nº 172724/12.6YIPRT.L1.S1 de que, “A expressão “acções para cobrança de dívidas” que consta do art.º 17.º-E, n.º 1, do CIRE deve ser interpretada no sentido de que abrange quer as acções executivas quer as acções declarativas que tenham por finalidade obter a condenação do devedor numa prestação pecuniária” porque quando obtida sentença favorável, seguir-se-á, em termos lógicos, o pagamento/cobrança - voluntário ou coercivo - do crédito reconhecido.

No mesmo sentido, o Ac. da Rel. de Co., de 26-09-2017, no Proc. 1122/16.1T8GRD-A.C1 e a decisão singular da Relação de Coimbra, de 03-03-2015, no Proc. nº 1075/13.8TBVIS.C1, onde se refere, “Face à simplicidade da questão e atento o que dispõe o art. 656 do Código de Processo Civil, designadamente por a questão já haver sido apreciada de modo reiterado pela jurisprudência dos tribunais superiores, passa-se a conhecer do recurso através de decisão singular se bem que não necessariamente sumária”.

E consta do sumário elaborado: “I- Na previsão do art. 17º-E, nº1 do CIRE, e quanto à suspensão das acções aí previstas, cabem as de natureza executiva para pagamento de quantia certa e as acções declarativas destinadas ao cumprimento de obrigações pecuniárias. II - Fora da previsão desse normativo ficam as acções executivas que não tenham por finalidade o pagamento de quantia certa (v.g. as destinadas a entrega de coisa certa ou a prestação de facto); os procedimentos cautelares que não sejam antecipatórios de cobranças de dívida e as acções declarativas em que o pedido não seja o de cumprimento de obrigação pecuniária e, ainda, aquelas outras em que o pedido principal não seja o de cumprimento de obrigação pecuniária, mesmo que, de forma secundária e para o caso de o pedido principal obter procedência, se deduza pedido de indemnização”.

No caso em apreço, o objeto direto e imediato da execução era a prestação de facto positivo.

E a ação declarativa prosseguiu apesar do PER e houve condenação no pedido principal de prestação de facto e, a execução também prosseguiu e só “Após o curso do prazo para a executada … cumprir a prestação a que está condenada pela sentença exequenda, veio o exequente requerer a nomeação de perito para avaliar o custo da prestação, tendo em vista o prosseguimento da execução com a penhora de bens”.

Foi então que a executada deduziu oposição pelos presentes embargos.

A sentença exequenda não reconhece à executada nenhum direito de crédito, mas sim o direito a uma prestação de facto, sendo que do pedido subsidiário não foi tomado conhecimento por prejudicado com a procedência do pedido principal.

Assim que só com a liquidação do valor do prejuízo resultante da não realização do facto (incumprimento da prestação de facto) a execução prosseguirá com a finalidade de o exequente obter o pagamento de quantia certa.

Só nesta data, ou com o proferir do despacho que indeferiu o pedido de suspensão da execução, esta tem a finalidade de obter cobrança de dívida ou realização coativa de crédito pecuniário.

Por outro lado, o art. 17º-F, nº 10, do CIRE refere: “A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 17.º-C…”.

Significa que, estando em causa um crédito que já se havia constituído em momento anterior (que não é aqui o caso), o respetivo credor, ainda que não tenha reclamado o seu crédito e não tenha participado nas negociações, ficará também vinculado ao plano e às condições de pagamento que nele se encontram previstas.

E só nesta circunstância (que não abarca o caso vertente) tem aplicação o nº 10 do art. 17º-F, do CIRE.

Pelo que voltamos ao ar. 17º-E, nº 1 do CIRE.

No caso e porque agora se convolou a execução para prestação de facto em execução para cobrar o valor dos prejuízos/danos sofridos, a execução transmutou-se em ação para cobrança de dívida.

Mas o PER não abrange créditos que à data não existiam. Aprovado o acordo e homologado o plano de recuperação, não resulta do referido art. 17.º-E, n.º 1, que um credor cujos créditos se venceram posteriormente à reclamação de créditos no PER e, portanto, não estejam enquadráveis neste, se encontre impedido de fazer valer os seus direitos num qualquer processo.

E mesmo que se entendesse que na pendência do PER o processo não podia prosseguir, aprovado e homologado que foi o plano, não se vê obstáculo legal ao prosseguimento da execução com vista ao reconhecimento do crédito, pois que o mesmo ainda está pendente de liquidação.

Sendo o pretenso crédito do exequente posterior à homologação do PER não se encontra o mesmo impedido de o ver liquidado na execução, ao abrigo do disposto nos arts. 869º e 867º, do CPC.

Neste sentido, Catarina Serra in “O PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO E OS TRABALHADORES — UM GRUPO ESPECIAL DE SUJEITOS OU APENAS MAIS UNS CREDORES?”, in Revista Julgar Online, nº 31- 2017, que refere a pág. 34, nota 22, “A propósito do efeito extintivo, adverte-se para a necessidade uma leitura do artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE que se harmonize com o âmbito objetivo do plano. A questão será tratada adiante. Pode antecipar-se, porém, que a regra é a de que o plano (só) afeta os créditos que sejam suscetíveis de ser reclamados (pois só esses, em princípio, obterão reconhecimento e permitirão aos seus titulares votar o plano de recuperação). Por sua vez, os créditos suscetíveis de ser reclamados são os créditos constituídos até à data da abertura do processo (i.e., até à data da prolação do despacho de nomeação do administrador judicial provisório).

Em coerência, o efeito extintivo deve restringir-se às ações que respeitem a estes créditos, devendo as ações restantes poder retomar livremente o seu curso após a homologação do plano, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva. O acórdão do TRP de 17 de novembro de 2014, Proc. 295/14.2TTPNF.P1 (Relatora: Paula Leal de Carvalho) e o acórdão do TRC de 28 de janeiro de 2016, Proc.791/15.4TBGRD.C1 (Relator: Felizardo Paiva) são ilustrativos desta restrição. Neles se decidiu que não havia fundamento para julgar extinta a instância de uma ação declarativa comum em que um trabalhador pretendia fazer valer créditos constituídos posteriormente à reclamação de créditos no PER, uma vez que tais créditos não se encontravam abrangidos pelo plano de revitalização. Raciocínio idêntico mas levado (indevidamente) mais longe é exposto no acórdão do TRP de 5 de janeiro de 2015, Proc. 290/14.1TTPNF.P1 (Relatora: Fernanda Soares), no acórdão do TRC de 21 de abril de 2016, Proc. 4380/15.T8BRG.G1 (Relator: Sérgio Almeida), e no acórdão do TRE de 1 de outubro de 2015, Proc. 82/14.8TTSTR.E1 (Relator: João Luís Nunes). Nos últimos acórdãos as ações respeitantes a créditos laborais constituídos posteriormente à reclamação de créditos são excluídas de todos os efeitos do artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE (incluídos, portanto, os efeitos impeditivo e suspensivo)”.

E acrescenta a págs. 41 e questionando o tipo de créditos que o plano é suscetível de modificar, que: “Também aqui é razoavelmente evidente que não podem ser todos os créditos, mas apenas, em princípio, os créditos que já existam à data do início do processo.

(…) Ora, para serem reclamados, os créditos têm de estar, em princípio, constituídos até ao início do PER, ou seja, mais precisamente, até à prolação do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, sob pena de os respetivos titulares não poderem usar o prazo previsto para a reclamação e, consequentemente, os seus créditos poderem não ser reconhecidos e atendidos no PER. Em contrapartida, só estes créditos serão, em princípio, afetados pelo plano de recuperação. A regra é justificada pois os titulares dos restantes créditos não tiveram a oportunidade de participar nas negociações (de discutir e votar o plano)”.

Pelo que resta concluir que, no caso em analise o PER da recorrente não abrange o crédito da exequente que resultar da conversão da execução para prestação de facto em execução para indemnização do dano sofrido porque, só agora se transformou em ação para cobrança de dívida.

E o facto de na ação declarativa se formular subsidiariamente um pedido correspondente a quantia monetária, não transformou aquela ação em ação declarativa para cobrança de dívida (o pedido principal respeitava a prestação de facto para eliminação de defeitos).

Dispõe o art. 554º, nº 1, do CPC, que admite expressamente a formulação de pedidos subsidiários, “diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente em caso de não proceder um pedido anterior”.

Como se pode ler no acórdão deste STJ de 29-06-2017, no Proc. nº 825/15.2T8LRA.C1.S1, “O pedido subsidiário ou “eventual”, com larga tradição no nosso direito, pressupõe a formulação de um pedido “principal” ou “primário” (ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, 1946, pág. 139).

Com a formulação de um pedido principal e um pedido subsidiário, o autor declara uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder. Sendo julgado procedente o pedido principal, o tribunal não entra sequer no conhecimento do pedido subsidiário. Com semelhante formulação de pedidos, estabelece-se uma clara “graduação das pretensões do autor”, que assim se apresentam “hierarquizadas” (J. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2001, págs. 232 e 233)”.

Não se entrando no conhecimento do pedido subsidiário, como aconteceu no caso em analise, nunca se esteve perante ação para cobrança de dívida.

Como refere o sumário deste Acórdão, “Com a formulação de um pedido principal e um pedido subsidiário, o autor declara uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder”.

Assim que entendamos como na decisão recorrida que, do decidido na execução resulta que “as questões suscitadas nos embargos se encontram já apreciadas em toda a sua extensão, porquanto, se encontra decidido que o direito dos exequentes não se encontra abrangido no PER da executada, encontra-se decidido que a decisão proferida sobre o pedido subsidiário formulado na ação declarativa não tem efeitos na execução…”.

Ou seja, verifica-se caso julgado, contrariamente ao que entende a recorrente.

Refere Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. -307:

 “Caso julgado é a alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito que não admite recurso ordinário.

É material o que assenta sobre decisão de mérito proferida em processo anterior; nele a decisão recai sobre a relação material ou substantiva litigada; é formal quando há decisão anterior proferida sobre a relação processual.

Ele pressupõe a repetição de qualquer questão sobre a relação processual dentro do mesmo processo (ob. cit., 308).

 Ambos pressupõem o trânsito em julgado da decisão anterior”.

No caso em apreço estamos perante a figura do caso julgado não material, mas formal, já que está em causa uma decisão proferida no processo que, alegadamente, já tinha sido decidida com trânsito em julgado e que foi de novo suscitada (os embargos mais não são que incidente de oposição à execução).

O caso julgado formal, tal como o caso julgado material, visa evitar a repetição de decisões judiciais (iguais ou contrárias) sobre a mesma questão.

E no caso a recorrente pretendia com os embargos obter decisão contrária ao já decidido na execução.

Face ao exposto temos como improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.


*


Sumário elaborado nos termos do art. 663 nº 7 do CPC:

I - Na jurisprudência, é dominante o entendimento de que a expressão “ações para cobranças de dívidas” abrange qualquer ação judicial – declarativa ou executiva – destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito resultante da atividade económica do devedor e que, por isso, contenda com o seu património. 

II - São “ações para cobranças de dívidas” as ações executivas para pagamento de quantia certa. As demais execuções (para prestação de facto ou entrega de coisa certa) apenas o serão quando se verifique a conversão das mesmas nos termos previstos no artigo 867.º ou 869.º do Código de Processo Civil.

III - Sendo o pretenso crédito do exequente posterior à homologação do PER não se encontra o mesmo impedido de o ver liquidado na execução, ao abrigo do disposto nos arts. 869º e 867º, do CPC.

IV - O PER só afeta os créditos que sejam suscetíveis de ser reclamados (que são os créditos constituídos até à data da abertura do processo, isto é, até à data da prolação do despacho de nomeação do administrador judicial provisório), pois só esses obterão reconhecimento e permitirão aos seus titulares votar o plano de recuperação.

V - No caso em analise o PER da recorrente não abrange o crédito da exequente que resultar da conversão da execução para prestação de facto em execução para indemnização do dano sofrido porque, só agora se transformou em ação para cobrança de dívida.

Decisão:

Acordam na 1ª Secção do STJ em julgar improcedente o recurso e em consequência nega-se a revista, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 24-05-2022


Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo – Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua – Juiz Conselheiro 2º adjunto