Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
287/20.2T8MTA.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
ANULABILIDADE
ERRO SOBRE O OBJECTO DO NEGÓCIO
ERRO ESSENCIAL
PRESUNÇÃO JUDICIAL
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
ÓNUS DA PROVA
PODERES DE COGNIÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 03/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Numa acção em que se pede a anulabilidade do contrato de compra e venda com fundamento em erro-vício (erro sobre o objecto), o requisito da cognoscibilidade do erro pelo vendedor pode ser provado com base numa presunção judicial.

II - Julgando a Relação provado determinado facto com base numa presunção judicial, ao STJ apenas compete conhecer da sua admissibilidade legal e se o juízo de inferência é desrazoável e de todo improvável.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – RELATÓRIO



1.1.- A Autora Marserra Alimentar, Lda, com sede na Zona Industrial, Lote …, …, instaurou acção declarativa, com forma de processo comum, contra a Ré Francisgood - Indústria e Comércio de Carnes, Lda, com sede na Zona Industrial, …, Rua …, nº …, ….

Alegou, em resumo:

Em 26 de Agosto de 2019, a Autora que celebrou com a Ré contrato de compra e venda de uma máquina embaladora, com forno de retracção, de marca …, pelo preço de €30.750,00, destinada ao exercício da actividade comercial da Autora.

A Ré, conhecendo a verdadeira data de fabrico (2004) dos equipamentos e com intenção de enganar a Autora, apôs películas nos equipamentos com data de fabrico errada (2014) provocando o erro da Autora, que não teria realizado o negócio não fosse acreditar serem os equipamentos do ano de fabrico de 2014. O legal representante da Ré, ao indicar as características da máquina, sabia que o ano de fabrico era importante para o legal representante da Autora tomar a decisão de a comprar.

O negócio é anulável, com base no erro sobre o objecto (arts.251 e 289 CC), sendo que para além da restituição do valor do preço, teve ainda danos patrimoniais.

Concluiu pedindo cumulativamente:

a) A anulação do contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e a Ré, mediante a qual a Autora adquiriu à Ré, sob erro quanto ao objecto, uma máquina retráctil e forno de marca …, respectivamente com os n.°s de série 350…30 e 420…3;

b) A condenação da Ré a restituir à Autora a quantia de 30.750,00€ (trinta mil setecentos e cinquenta euros), acrescidos de juros de mora comerciais desde a data de citação até à data de efectivo e integral pagamento;

c) Condenação da Ré a pagar uma indemnização à Autora, no valor global de 7.972,44€ (dois mil novecentos e setenta e dois euros e quarenta e quatro cêntimos) por danos patrimoniais sofridos por esta, acrescidos de juros de mora comerciais desde a data de citação da presente acção até à data de efectivo e integral pagamento;

d) Condenação da Ré a pagar indemnização à Autora, em montante a fixar em momento posterior à sentença, por danos que a Autora sofrerá desde a data de propositura da presente acção até à data em que a Ré devolver a quantia paga a título de preço, ou seja, 30.750,00€ (trinta mil setecentos e cinquenta euros).


A Ré contestou, defendendo-se por impugnação, pois negou ter colocado qualquer película na máquina com indicação errada da data de fabrico e que a máquina é efectivamente do ano de 2014. Em momento algum o legal representante da Autora afirmou perante si que só compraria a máquina se fosse do ano de 2014.


1.2. Realizada audiência de julgamento, foi proferida (2/12/2020) sentença a julgar a acção improcedente e absolver a Ré dos pedidos.


1.3. Autora recorreu de apelação e a Relação de …, por acórdão de 21/10/2021 (fls.188 e segs.), decidiu julgar apelação procedente e declarar a anulabilidade do negócio de compra e venda entre as partes e condenou a Ré a restituir à Autora o montante de € 33.229,02 (trinta três mil duzentos e vinte nove euros e dois cêntimos), acrescidos de juros de mora comerciais desde a data de citação do presente acção até à data de efectivo e integral pagamento.


1.4. Inconformada, a Ré recorreu de revista (fls. 208 e segs.) com as seguintes (aqui resumidas) conclusões:

1) O problema dos autos está em saber se o tribunal da relação utilizou ou não abusivamente, em sede de presunção judicial, as regras previstas pelos arts. 349.º e 351.º do CC, que aplicou erroneamente os princípios subjacentes a essas regras, quando concluiu no sentido de que se podia dar como assente a factualidade, aditando os seguintes pontos:

12-A “A Ré sabia que os equipamentos objecto do contrato de compra e venda haviam sido fabricados no ano de 2001, sabendo, por isso, que a informação relativamente à data de fabrico que constava nas chapas de matrícula era falsa”

12-B “A Ré não ignorava que o ano de fabrico dos equipamentos dos que forma por si vendidos à Autora, era uma característica determinante para que esta os adquirisse”.

6-A “A Autora, na pessoa do seu legal representante, disse a AA, técnico da sociedade comercial T… , Lda., que não se importava de comprar o equipamento usado, desde que este não tivesse muitos anos, já que tinha maquinaria com data de fabrico de 2009.”

2. A questão da utilização das presunções judiciais pode ser apreciada pelo STJ se o acórdão do Tribunal da Relação, nesse segmento, ofender norma legal, padecer de manifesta ilogicidade ou se partir de factos não provados (ou, no inverso, desconsiderar factos provados)

3. O que se discute neste recurso é a ilogicidade da presunção, no quadro da aplicação dos arts. 349.º e 351.º do CC. Tal apreciação desse nexo lógico é matéria de direito, nos termos que têm vindo a ser consagrados pela jurisprudência do STJ.

4. A questão jurídica que está em causa no presente recurso é saber que poderes o Supremo Tribunal de Justiça tem sobre a matéria de facto apurada e na utilização de presunções judiciais pelo julgador, ou seja, das ilações que se retiram de um facto

5. Para fundamentar o aditamento do ponto 12-A da matéria de facto nos termos em que o fez, a Relação de …, resume-se a dizer tão simplesmente que, no que respeita à factualidade, “A Ré sabia que os equipamentos objecto do contrato de compra e venda haviam sido fabricados no ano de 2004, sabendo, por isso que a informação relativamente à data de fabrico que constava nas chapas de matrícula era falsa”

6) Conforme se flui do artigo 662.º, n.º1 do CPC, a decisão de primeira instância sobre a matéria de facto pode efectivamente ser alterada pela Relação se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

7) Ora, neste recurso de revista, a Recorrente sindica junto deste Tribunal de Justiça o uso errado como a Relação de … fez uso de tal faculdade. Efectivamente, como é pacificamente aceite e resulta claramente da lei de processo, a decisão de facto é da competência das instâncias, porém, pode o Supremo Tribunal de Justiça interferir na decisão de facto quando haja erro de direito, isto é, quando o aresto recorrido afronte disposição expressa de lei, quando ponha em causa preceito que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova, ou quando o Tribunal recorrido tenha incorrido em manifesta ilogicidade no uso das presunções judiciais.

8) Contudo, no caso dos autos, o Tribunal da Relação estava impedido de recorrer à presunção judicial da forma como o fez (art.º 351º do Cód. Civil).

9) Tribunal de 1.ª Instância considerado como ‘não provado’, por considerar que a prova produzida pela A. não foi suficiente, não podia a Relação suprir por via da presunção judicial a carência de prova dum facto sujeito a julgamento pois tal constitui violação do princípio do dispositivo e do princípio geral do ónus da prova.

10) Nessa medida, ao socorrer-se de presunções judiciais, a Relação violou frontalmente a lei substantiva por erro de interpretação ou aplicação, não só por aquelas não serem aqui admissíveis, como também por in casu não poder suprir-se por via de presunção judicial a carência de prova dum facto sujeito a julgamento.

11) Do teor da fundamentação do Acórdão recorrido ao alterar a matéria de facto nos termos em que o fez, resulta inequivocamente ilogicidade manifesta e, no uso das presunções judiciais a que chegou, partiu de factos inexistente ou falsos em termos tais que permite a censura e sindicância por parte deste Tribunal de Revista.

12) Basicamente, presume a Relação de … no Acórdão recorrido que, do depoimento de BB e das regras de experiência comum, permite concluir (presunção judicial) que se o A. tivesse exato conhecimento da realidade - não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou; se conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu.

13) Ora, esta presunção judicial é totalmente desprovida de racionalidade, ponderação e justificação, tendo sido desrespeitado as mais elementares regras de adequação lógica.

14) O raciocínio desenvolvido pela Relação no sentido de dar como provado e aditar os factos vertidos nos pontos 12-A, 12-B e 6-A, apenas com base em regras da experiência comum e no depoimento da filha do representante da A., que não presenciou as negociações, revela ilogicidade manifesta, e partir de factos inexistentes, pelo que é permitida a sua censura pelo STJ.

15) O erro que recaia sobre os motivos determinantes da vontade, quando reportado ao objecto do negócio, torna este anulável desde que o declaratário, neste caso a Ré, conheça, ou não deva ignorar, a essencialidade, para o declarante, do objecto sobre que haja incidido o erro (artºs. 251º e 247º nº 2 CC). Ora, a R. poderia saber a data do equipamento, porém, em momento algum do processo está demonstrado que a R. sabia que o A. pretendia um equipamento com data de fabrico posterior à da maquinaria que já possuía!

16) Ora, como é que se pode concluir que “a data de fabrico” era essencial para a concretização do negócio se, em momento algum o representante da R. procurou saber a data de fabrico dos equipamentos?

Acresce que, comete dolo aquele que sabe e quer que o enganado preste a declaração que de outro modo não prestaria.

17) O erro que recaia sobre os motivos determinantes da vontade, quando reportado ao objecto do negócio, torna este anulável desde que o declaratário conheça, ou não deva ignorar, a essencialidade, para o declarante, do objecto sobre que haja incidido o erro. Uma qualidade é essencial quando se mostra decisiva para a celebração do negócio, conforme a finalidade económica ou jurídica deste.

18) No caso dos autos, a Relação de …, ao considerar que “o negócio de compra e venda dos equipamentos outorgado entre as partes é anulável, porquanto à data da sua outorga o A. desconhecia que a data de fabrico não era a que ele percepcionava como determinante para a realização do negócio. Esta circunstância, data de fabrico e importância da mesma para a celebração do negócio era conhecida do R.”, errou na interpretação do art.º 251 e 247º do CC, violou, gravemente, e uma vez mais, o uso da presunção, pois não há nos autos um único documento/testemunho/indício/prova que demonstre que o o representante da A. à data da celebração do negócio procurou saber, de qualquer forma, a data de fabrico, quer questionando as testemunhas AA quer ao CC, quer procurando saber junto da R. a data de fabrico dos equipamentos.

19) O representante da A. apenas procurou saber o estado de conservação e funcionamento do equipamento, para o efeito, efetuando os necessários testes. Nada nos autos indicia que a data de fabrico era importante para a celebração do negócio, tendo, assim, a Relação de …, violado grosseiramente faculdade que lhe é permitida pelo art.º 662 n.º 1 do CPC, que permite apenas a alteração da matéria de facto “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

20) Efectivamente, encontra-se vedado ao Tribunal da Relação proceder à alteração da matéria de facto em violação do art.º 622 do CPC, i.e., sem haver prova idónea e suficiente no processo que justifique e imponha tal alteração e sem partir de uma prova assente no processo.

21) A Relação de … interpretou erradamente o art.º 251 º e 247º.º do CC, tendo violado, também, o disposto no art.º 622 n.º 1 do CPC, porquanto não há uma única prova, nem uma, no sentido da A. tentar saber a data de fabrico do equipamento e e que tal era determinante para a realização do negócio, sendo esta violação sindicável junto do STJ - art.º 674.º do CPC.

22) O ónus da prova dos factos demonstrativos da verificação dos requisitos constantes nos artº 247º e 251º do CC deverá recair sobre a A. e, a pretensão da A. só deveria ser julgada procedente se se viesse a demonstrar em audiência de julgamento, a reunião dos referidos requisitos. Só que, a A. não fez essa prova!

22) A Relação de … alterou a matéria de facto em completa e flagrante violação dos artigos 5.°, 413.º, 574.°, 607.º n.º 5 e 662.º n.º 1, todos do CPC.

23) Assim, não tendo a A. feito prova dos factos por si alegados, e logrando a Recorrente tornar duvidosa a versão do Autor, a prova dos factos terá de ser decidida em desfavor deste (art. 346º do CC).

24). Donde, tendo a Relação de … violou grosseiramente as normas que, no caso sub judice regulam tal matéria (direito probatório), i.e., artigos 342.º, 352.º, 363.º, n.º 2, e 369.º, n.º 1, todos do CC, sendo tal circunstância, tal violação, cai na esfera de competência própria e normal do Supremo Tribunal de Justiça por consistir em matéria de direito.


1.5.- A Autora contra-alegou (fls.239 e segs.) no sentido da improcedência da revista, havendo suscitado previamente a inadmissibilidade do recurso, dizendo que o mesmo incide sobre a matéria de facto, por, no seu entender, não ter sido produzida prova suficiente, no sentido da prova dos pontos da matéria de facto aditados aos factos dados como provados. Contudo, não há não há qualquer indicação, como competia à Recorrente, nos termos do artigo 674.º, n.º 1 e 3 do CPC, de normas que tenham sido violadas por parte do Tribunal da Relação na apreciação da matéria de facto e a recorrente não indica quais as normas de direito probatório material que foram violadas.



II – FUNDAMENTAÇÃO



2.1.- A questão prévia da (in)admissibilidade do recurso de revista

A Autora/recorrida suscitou a questão prévia da inadmissibilidade do recurso de revista, alegando, por um lado, que a revista incide sobre matéria de facto alterada pela Relação, o que não é legalmente admissível (arts.662 nº4 e 674 nº3 CPC), e, por outro, que a Ré/recorrente não indica quais as normas jurídicas de direito probatório que foram violadas, como impõe o art.639 nº2 e 674 nº1 a) e b) CPC.

Verifica-se que logo na motivação a Ré/recorrente diz que o recurso incide sobre “ (1) - A violação da lei substantiva, designadamente erro de interpretação da lei aplicável ao caso dos autos, anulabilidade do contrato, mormente artigos 247.º e 251º, todos do Código Civil.; (2)- A violação ou errada aplicação da lei de processo, designadamente artigos 5.°, 413.º, 574.°, 607.º n.º 5 e 662.º, todos do Código Processo Civil e seus basilares princípios; (3) Recurso indevido à presunção judicial, (4)O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa (uso incorrecto dos poderes da Relação de … de alteração da matéria de facto), designadamente por a)Ter dado como provado factos sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência; e, ainda b) Manifesta ilogicidade, racionalidade e justificação no uso de presunções judiciais para ter alterado a matéria de facto nos termos em que o fez”.

Por seu turno, nas conclusões indicou concretamente quais as normas jurídicas violadas ( arts.5, 413, 574, 607 nº5 e 662 nº1 CPC, 247, 25, 342, 352, 363 nº2 e 369 nº1 CC).

Uma coisa são os requisitos de admissibilidade do recurso (que estão verificados), outra o conhecimento do mérito.

         Improcede a questão prévia da rejeição liminar do recurso.


2.2.- Delimitação do objecto do recurso


As questões essenciais submetidas a revista, delimitada pelas conclusões, são, no essencial, as seguintes:

a) Se a Relação ao alterar os factos, aditando aos factos provados os pontos 6-A, 12-A e 12-B, violou o art.662 CPC - inadmissibilidade do recurso às presunções judiciais e a ilogicidade no uso das presunções judiciais.

b) Se se verificam os requisitos para a anulabilidade do contrato de compra e venda com base no erro sobre o objecto.


2.2.- Os factos provados (descritos no acórdão)

1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à indústria de transformação do pescado, aquicultura de produtos a base de carne congelada, comércio de produtos alimentares, takeaway e comércio de produtos alimentares.


2. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à indústria e transformação e comercialização de carnes, catering.


3. A Autora é proprietária de uma máquina embaladora e forno de retracção, de marca GSP, do ano de 2009, para higienizar e embalar postas de peixe.

4. Em 2019, a Autora decidiu comprar outra máquina embaladora e forno de retracção, mais recentes do que os que possuía.

5. Através de técnicos da sociedade comercial T…, Lda., o legal representante da Autora teve conhecimento que a Ré estava interessada em vender uma máquina embaladora usada.

6. A Autora, na pessoa do seu legal representante, disse a AA, técnico da sociedade comercial T…, Lda., que não se importava de comprar o equipamento usado.

6A- A Autora, na pessoa do seu Legal representante, referiu ao vendedor da T…,Lda ,que não se importava de comprar equipamento usado, desde que este não tivesse muitos anos , já que tinha maquinaria com data de fabrico do ano de 2009.

7.. No seguimento dessa conversa, no dia 14/08/2019, o legal representante da Autora foi às instalações da Ré, acompanhado (entre outros) por AA, tendo sido recebidos por DD, legal representante da Ré.

8.O legal representante da Ré DD informou o legal representante da Autora que tinha uma máquina embaladora e forno de retracção, ambas da marca … para venda.

9.O legal representante da Autora, acompanhado por AA, viu, analisou e testou os equipamentos - uma máquina retráctil e forno de marca …., respectivamente com os n.°s de série 350…30 e 42…3.

10. Os referidos equipamentos foram fabricados no ano de 2004.

11. Após negociação do valor de venda/compra dos bens, Autora e Ré acordaram como preço de venda, o montante de 30.750,00€ (trinta mil setecentos e cinquenta euros).

12. Nas chapas de matrícula dos referidos equipamentos foi colocada uma película com as datas "20-04-2014".

12-A A Ré sabia que os equipamentos objeto do contrato de compra e venda haviam sido fabricados no ano de 2004, sabendo, por isso, que a informação relativamente à data de fabrico que constava nas chapas de matrícula era falsa.

12-B A Ré não ignorava que o ano de fabrico dos equipamentos dos que foram por si vendidos à Autora, era uma característica determinante para que esta os adquirisse"

13. Para instalação dos equipamentos, a Autora solicitou a intervenção técnica de AA, ao serviço da empresa I…, Lda., em 10/2019 e 11/2019.

14. Por essa intervenção técnica, a Autora despendeu o montante de €1.894,77.

15. A Autora solicitou uma intervenção técnica especializada à … PACKAGING, Sociedade Unipessoal, Lda..

16. No dia 06/12/2019, EE, técnico da … PACKAGING, Sociedade Unipessoal, Lda. informou a Autora que os equipamentos haviam sido fabricados em 2004 e não em 2014.

17. A Autora pagou à … PACKAGING, Sociedade Unipessoal, Lda. a quantia de 584,25€ (quinhentos e oitenta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos).

18.. Desde a data em que tomou conhecimento da data de fabrico dos equipamentos, a Autora apenas usa a máquina embaladora e forno retráctil que já possuía.

19. A Ré comprou os equipamentos em 08/05/2015, através da empresa I… EQUIPAMENTOS, LDa, no âmbito de um projecto de financiamento estatal, a fundo perdido.


2.3. Os factos não provados


1. O legal representante da Ré DD informou o legal representante da Autora que os equipamentos tinham sido fabricados em 2014.

2. A película colocada nas chapas de matrícula dos equipamentos foi-no pelos legais representantes da Ré.

3. No dia 14/08/2019, o legal representante da Autora verificou que nos equipamentos estavam apostas datas do ano de 2014.

4. A Autora não pode comprar outro equipamento porque não tem liquidez financeira.

5.  A Ré adquiriu os equipamentos pela quantia de €110.700,00.

6. A empresa I… EQUIPAMENTOS, LDa, entregou à Ré toda a documentação referente ao equipamento, da qual constava a data de 20/04/2014.

7.. Pela intervenção técnica da I…, Lda., a Autora pagou €2.388,19.


2.4 - Se a Relação ao alterar os factos, aditando aos factos provados os pontos 6-A, 12-A e 12-B, violou o art. 662 CPC - inadmissibilidade do recurso às presunções judiciais e a ilogicidade no uso das presunções judiciais.


A primeira questão consiste em saber se a Relação ao alterar a matéria de facto e aditar os factos enunciados nos pontos 12-A, 12-B e 6-A violou a regra do art.662 nº1 do CPC.

A Relação, porque o recurso de apelação incidiu sobre a impugnação de facto, julgou provado que:

“6-A - A Autora, na pessoa do seu Legal representante, disse o provado em 6, desde que não tivesse muitos anos de antiguidade, tendo referido que possuía equipamento que foi fabricado em 2009”

“12-A - A Ré sabia que os equipamentos objeto do contrato de compra e venda haviam sido fabricados no ano de 2004, sabendo, por isso, que a informação relativamente à data de fabrico que constava nas chapas de matrícula era falsa”

“12-B - A Ré não ignorava que o ano de fabrico dos equipamentos dos que foram por si vendidos à Autora, era uma característica determinante para que esta os adquirisse.

        

O nosso modelo processual contém a garantia do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, pois o Tribunal da Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar a decisão da 1ª instância nas situações previstas no art.662 nº1 CPC (als a), b) e c) do nº1 do anterior art.712 do CPC).

O Tribunal da Relação no âmbito de reapreciação e modificabilidade da decisão da matéria de facto tem autonomia decisória que lhe permite formar a sua própria convicção (livre valoração) reapreciando não só os meios probatórios constantes do processo, como determinar a renovação ou a produção de novos meios de prova. Sendo assim, para formar a sua própria convicção, pode a Relação proceder não só à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, como de todos aqueles que estejam adquiridos no processo.

Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova (art. 607 CPC) o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, a Relação (tal como a 1ª instância) indique os fundamentos suficientes (convicção motivada) para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão (concepção racional da prova).

Decorre directamente da lei e está consolidada na jurisprudência a afirmação de que o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de direito e não julga de facto, a não ser em situações excepcionais, conforme impõe o art.46 da Lei nº62/2013 de 26/8 (“Fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece da matéria de direito” ).

Na verdade, o art. 662 nº4 do CPC é claro e imperativo ( “ Das decisões da Relação previstas nos nº1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” ), bem como o disposto no art.674 nº3 ( primeira parte) CPC ( “ O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista” ) e ainda o art.682 nº2  CPC (“ A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº3 do artigo 674” ).

Por isso, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça está limitada aos casos previstos no art.674 nº3 (2ª parte) e 682 nº3 CPC, ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova ( isto é, violação das regras direito probatório material) , reenvio do processo para ampliação dos factos (devido ao vício da insuficiência )ou contradições na decisão da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica.

Daqui resulta que o Supremo Tribunal de Justiça não pode interferir no juízo que a Relação faz com base na reapreciação dos meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como os depoimentos testemunhais, documentos sem força probatória plena ou uso de presunções judiciais.

No entanto, constitui jurisprudência prevalecente no sentido de que ao Supremo Tribunal de Justiça compete decidir se o uso de presunções judiciais ofende qualquer norma legal de proibição de presunções, se padece de manifesta ilogicidade ou se parte (base da presunção) de factos não provados ( cf., por ex., Ac STJ de 19/1/2017 ( proc. nº 1/12.6TBMG), Ac STJ de 28/3/2019 ( proc. nº 281648/11.7YIPRT), Ac STJ de 24/10/2019 ( proc. nº 6/14.9T(VNF), Ac STJ de 19/10/2021 ( proc. nº 295/20.3T8VRL ), todos disponíveis em www dgsi.pt ).

Note-se que a orientação jurisprudencial sobre a competência do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer da manifesta ilogicidade parece ter subjacente uma interpretação extensiva do art.674 nº3 CPC, pois esta norma possibilita o conhecimento apenas “quando haja ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, não cabendo na letra da lei a o ilogicismo.

É conhecida a clássica distinção entre prova directa e prova indirecta ou indiciária, incidindo aquela directamente sobre o facto probando, enquanto esta – também chamada de prova “circunstancial”, “de presunções”, de “inferências” ou “aberta” – reporta-se sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.

As presunções judiciais, também designadas materiais, de facto ou de experiência ( art.349 do CC ), não são, em rigor, verdadeiros meios de prova, mas antes “ meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência” ( Vaz Serra, RLJ ano 108, pág.352 ), ou, noutra formulação, “operação de elaboração das provas alcançadas por outros meios”( Antunes Varela, RLJ ano 123, pág.58), reconduzindo-se, assim, a simples “prova da primeira aparência”, baseada em juízos de probabilidade.

Na definição legal, são ilações que o julgador tira de um facto conhecido (facto base da presunção) para afirmar um facto desconhecido (facto presumido), segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas, ou da lógica.

Não podendo o Supremo Tribunal de Justiça sindicar o juízo de valoração feito pela Relação (quando a apelação incide sobre a impugnação de facto) já lhe compete verificar se nesse juízo foram violadas as regras de direito probatório material.

Neste contexto, verifica-se que a Ré/Revistante questiona o uso das presunções utilizadas pela Relação, quanto à sua admissibilidade e ilogicidade, sendo este o enfoque essencial da revista, no tocante aos factos atinentes à relevância do erro.

A este propósito, é manifesto ser legalmente admissível no caso concreto o uso de presunção judicial, por força do art.351 CC, já que, dada a natureza da acção, não há qualquer restrição à admissão da prova testemunhal.


Quanto ao ponto 6-B

A Relação julgou provado que - “A Autora, na pessoa do seu Legal representante, disse o provado em 6, desde que não tivesse muitos anos de antiguidade, tendo referido que possuía equipamento que foi fabricado em 2009”.

A Relação baseou-se do depoimento da testemunha BB (“depôs de forma muito objetiva e clara”), justificando que “dá-nos uma explicação credível acerca da necessidade de aquisição de maquinaria com poucos anos de fabrico. Aliás, essa explicação é também sustentada pelas regras da experiência”.

Tendo a Relação formado a sua convicção com base no depoimento da testemunha, o julgamento de facto (facto 6B) não é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, como já se referiu.


Quanto ao facto 12-A

A Relação julgou provado que - “12-A - A Ré sabia que os equipamentos objeto do contrato de compra e venda haviam sido fabricados no ano de 2004, sabendo, por isso, que a informação relativamente à data de fabrico que constava nas chapas de matrícula era falsa”

A Relação, aderindo à fundamentação adrede produzida na sentença, julgou provado com base na prova documental (mensagens de correio electrónico juntas pela … Packaging, Sociedade Unipessoal, Lda., datadas de 13/03/2015 e 17/04/2015. (cf. documentos juntos a fls. 99 a 109). Note-se que na mensagem dirigida pela … à Ré é expressamente mencionado que “o ano de fabrico dos equipamentos é de 2004”.

Também aqui, uma vez que a Relação fundamentou em documentos particulares submetidos à livre apreciação, verifica-se que não há qualquer violação do art.662 nº1 CPC.


Quanto ao ponto 12-B

A Relação deu como provado que - “A Ré não ignorava que o ano de fabrico dos equipamentos dos que foram por si vendidos à Autora, era uma característica determinante para que esta os adquirisse”.

Este facto corresponde ao alegado pela Autora na petição inicial (art.24º).

A Relação refere que “conjugando a factualidade vertida nos pontos 3 e 4, bem como o depoimento destas testemunhas concluímos, inequivocamente, que a A. não podia pretender uma máquina fabricada em 2014”.

Resulta, portanto, que a convicção da Relação para julgar provado o facto descrito em 12-B, baseou-se na prova testemunhal (EE e AA), e partindo desses depoimentos e da factualidade provada em 3 (“.A Autora é proprietária de uma máquina embaladora e forno de retracção, de marca GSP, do ano de 2009, para higienizar e embalar postas de peixe” ) e 4 ( “Em 2019, a Autora decidiu comprar outra máquina embaladora e forno de retracção, mais recentes do que os que possuía” ) e nas regras da experiência comum, por ser do conhecimento geral de que quem adquire um bem usado tem todo o interesse em apurar a data do fabrico.

A Ré/recorrente objecta dizendo que a presunção judicial retirada pela Relação “constitui um salto ilógico , na medida em que não é minimamente suportada pela prova testemunhal ou documental nem por qualquer outra prova existente nos autos, pois da referência que é feita às regras da experiência comum não se pode concluir, de forma automática, leviana e simplista que a relevância da data de fabrico dos equipamentos para a decisão da compra era relevante e se foi tidas em conta nas declarações negociais pelos representantes da A. e R..”

A Recorrente alega que a Relação violou o princípio do dispositivo e das regras do ónus da prova já que não podia suprir a carência de prova através da presunção judicial.

Já se anotou que a Relação pode usar de presunções judicias para o julgamento de facto, e no caso em apreço não há impedimento legal, por ser admissível prova testemunhal. Daí que não haja violação do princípio do dispositivo ( tanto que o facto presumido foi alegado( art.15º petição inicial) e das regras do ónus da prova (enquanto regras de decisão).

Por outro lado, a presunção extraída pela Relação não partiu de factos inexistentes ou não provados, contrariamente ao alegado pela Recorrente. A base da presunção assentou em factos provados, em factos descritos pelas testemunhas e nas regras da experiência comum.

Coloca-se a questão de saber se a presunção enferma de manifesta e evidente ilogicidade.

Considerando a noção da presunção judicial, já definida, está em causa aferir o nexo lógico da presunção e que se traduz no elemento de ligação entre o facto conhecido (facto base) e o facto desconhecido, e esse liame decorre do reconhecimento de uma máxima da experiência. Ora, as máximas da experiência comum que possibilitam o raciocínio inferencial assumem carácter geral e seguem um padrão de normalidade para o raciocínio inferencial, atentas as particularidades do caso concreto.

Neste sentido, Luís Filipe de Sousa, ao discorrer sobre as presunções judiciais, refere que “o nexo lógico não é um facto, mas um juízo de probabilidade qualificada que assenta e deriva de uma máxima da experiência, tida por aplicável ao caso, segundo a qual, perante a ocorrência de um facto, gera-se uma probabilidade qualificada que se tenha produzido outro” (Direito Probatório Material, 2020, pág. 69).

Conforme Ac STJ de 11/4/2019, em wwwdgsi.pt- “Para aferir da ocorrência de uma tal ilogicidade, importa, assim, indagar se da decisão de facto e/ou da respetiva motivação constam, ou não, os factos instrumentais a partir dos quais o tribunal tenha extraído ilações em sede dos factos essenciais, nos termos dos artigos 349º do C. Civil e 607º, nº4 do Código de Processo Civil”. Na verdade, “o erro sobre a substância de um tal juízo presuntivo só será sindicável pelo Tribunal de Revista em caso de manifesto contra senso e/ou desrazoabilidade” (Ac STJ de 24/11/2020 (proc. nº2350/17.8T8PRT), em wwwdgsi.pt ).

Ora bem, contrariamente ao que alega a Recorrente, a presunção assentou em factos provados e depoimentos das testemunhas e nas regras da experiência comum, no sentido de ser do conhecimento geral de que quem adquire um bem usado tem todo o interesse em saber a data do fabrico por razões atinentes ao bom funcionamento do equipamento, garantias comerciais, peças de substituição, ao seu valor comercial, como se realçou no acórdão recorrido. De resto, sabe-se que a Autora decidiu comprar uma máquina embaladora e forno de retracção mais recentes (ponto 4) e que nas negociações intervieram ambos os legais representantes de cada uma das sociedades (cf. pontos 7, 8, 9 e 10), sendo que o legal representante da Ré sabia que o ano de fabrico do equipamento era de 2004, e não de 2014.

Note-se que, conforme se exarou no acórdão, as testemunhas referiram que em termos usuais o valor comercial depende do ano de fabrico, sendo diferente uma máquina fabricada em 2004 ou em 2014 (EE) e que habitualmente os clientes perguntam pelo ano de fabrico, “é uma das questões essenciais a falar” (AA).

Neste contexto, a presunção usada pela Relação para julgar provado o ponto 12-B não enferma de manifesta ilogicidade.


2.6.- O erro e a anulação do negócio jurídico - Se se verificam os requisitos para a anulabilidade do contrato de compra e venda com base no erro sobre o objecto.


Autora e Ré celebraram um contrato de compra e venda comercial (arts. 874 CC e 3 C Comercial ).

A declaração negocial é um elemento essencial do negócio jurídico, apresentando-se constituída pela declaração propriamente dita (elemento externo), que consiste no comportamento declarativo, e a vontade (elemento interno).

Problematiza-se o erro sobre a qualidade do objecto (máquina embaladora com forno de retracção de marca … ).

Conforme se refere no acórdão recorrido e corresponde a orientação jurisprudencial e doutrinária, a relevância do erro sobre o objecto do negócio jurídico ou as suas qualidades depende, de acordo com os arts 247º e 251º do CC dos seguintes requisitos:

(i) Que a vontade declarada esteja viciada por erro sobre o objecto do negócio ou as suas qualidades e, por isso, seja divergente da vontade que o declarante teria tido sem tal erro.

(ii) Que, para o declarante, seja essencial o elemento sobre o qual incidiu o erro, de tal forma que não teria celebrado o negócio jurídico se se tivesse apercebido do erro.

(iii) Que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro para o declarante.

Cf, por todos, Ac STJ de 22/1/2008 (proc. 07A4326), em www dgsi.pt.  Sobre a temática da relevância do erro para a anulabilidade do negócio, cf. Paulo Mota Pinto, “Requisitos de Relevância do Erro, Nos Princípios de Direito Europeu dos Contratos e no Código Civil Português”, em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. IV, pág. 43 e segs.).

O acórdão da Relação, após introduzir a alteração de facto, considerou comprovado o erro sobre o objecto do negócio que implica a anulabilidade e a restituição do preço pago (arts.289 nº1 e 879 nº1 c) CC), bem como a indemnização de € 2.749,02, correspondente a despesas com a instalação do equipamento e deslocação de um técnico (art. 908 e 909 CC).

A Ré alegou a violação dos art.251, 342 nº1 CC, afastando o erro vício, mas fê-lo no pressuposto da violação das regras de direito probatório material e da neutralização dos factos provados pela Relação, nomeadamente por violação dos art.s 662 nº1 CC, mas que não logrou obter.

Por isso, estão comprovados os requisitos do erro-vício (erro sobre o objecto) a implicar a anulabilidade do contrato (arts. 247, 251, 289 nº1 CC), como se justificou no acórdão.

Sendo assim, porque o acórdão recorrido não violou por erro de interpretação e aplicação as normas jurídicas imputadas pela Recorrente, improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.


2.7.- Síntese conclusiva

a) Numa acção em que se pede a anulabilidade do contrato de compra e venda com fundamento em erro-vício (erro sobre o objecto), o requisito da cognoscibilidade do erro pelo vendedor pode ser provado com base numa presunção judicial.

b) Julgando a Relação provado determinado facto com base numa presunção judicial, ao Supremo Tribunal de Justiça apenas compete conhecer da sua admissibilidade legal e se o juízo de inferência é desrazoável e de todo improvável.



III – DECISÃO


Pelo exposto, decidem:

1) Julgar improcedente a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2) Condenar a Ré/revistante nas custas.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Março de 2022.



Jorge Arcanjo ( Relator )

Isaías Pádua

Nuno Ataíde