Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01S498
Nº Convencional: JSTJ00041576
Relator: AZAMBUJA FONSECA
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
TRABALHO OCASIONAL
PENSÃO COMPLEMENTAR DE REFORMA
Nº do Documento: SJ20010404004984
Data do Acordão: 04/04/2001
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: L 2127 DE 1965/08/03 BII N2.
CCIV66 ARTIGO 342 N1.
LCT69 ARTIGO 2.
D 360/71 DE 1971/08/21.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC521/00 DE 2000/06/07.
Sumário : I - Tal como "trabalhava" tem um sentido comum mais lato do que o de prestação de actividade do trabalhador na execução de um contrato de trabalho, também "determinar" pode ser entendido e usado num sentido que não pressupõe necessariamente uma ordem dada a alguém que está sujeito à sua execução, mormente por uma relação jus laboral.
II - A realização, por um reformado, de trabalhos qualificados como "biscates" inculca a ideia de complementarização da sua pensão de reforma com o ganho auferido em tais tarefas, afastando a ideia de dependência económica desse trabalhador relativamente ao dono da obra em que ele executou esses "biscates".
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

A, com o patrocínio do Ministério Público, intentou, no Tribunal de Trabalho de Santa Maria da Feira acção emergente de acidente de trabalho, com processo especial, contra:
1º - Companhia de Seguros B;
2º - C; e
3º - D;
pedindo a sua condenação no pagamento de pensão vitalícia, indemnização por período de ITA, despesas de transporte e funeral e juros moratórios.
Para tanto, alegou que seu pai, E, foi vítima de acidente de trabalho mortal quando procedia a reparações numa parede da moradia pertença ao 3.º R., sendo trabalhador da 2.ª R., desde 1 de Março de 1991, para quem prestava serviços de manobra.
E que ela, Autora, é orfã e sofre de insuficiência respiratória severa de tipo misto, que a incapacita para o trabalho, com uma desvalorização de 80%, razão porque não exerce qualquer actividade profissional, tendo como únicos rendimentos uma pensão mensal no montante de 13000 escudos, paga pelo CRSS de Aveiro.
A Ré Seguradora contestou dizendo que o sinistrado não trabalhava para a 2.ª Ré pelo que, quanto a si, improcede a acção.
O 3.º R. alega que o falecido trabalhava para a sociedade segurada (2.ª Ré) e as ordens que lhe dava eram como garantia dela, pelo que é parte ilegítima.
A 2.ª Ré alega ter transferido a sua responsabilidade de infortunística para a 1.ª Ré, sendo certo que o falecido trabalhava para si. Entende, por isto, ser parte ilegítima.
A Autora e a 1.ª Ré responderam à excepção de ilegitimidade passiva deduzidas pelas 2.ª e 3.º Réus.
Proferido despacho saneador, que decidiu pela legitimidade de todos os Réus, elaborada especificação e questionário e instruída e julgada a causa, foi proferida Sentença que absolveu os Réus do pedido.
Inconformada, a Autora apelou para o Tribunal da Relação do Porto que, por douto Acórdão de fls. 272 a 279, "... tendo-se em atenção as deficiências e contradições antes referidas, e o disposto no n.º 2 do artigo 712º do Código de Processo Civil, decide-se, na procedência parcial da apelação, anular o julgamento para que, em nova audiência de discussão se colmatem as faltas antes aludidas, e se formulem os quesitos que se entenderem como de interesse para uma melhor decisão da causa, tendo-se em consideração o preceituado no artigo 66º do Código de Processo do Trabalho".
Informado nos autos o falecimento do Autor e junta certidão de óbito (fls. 285), foi a instância suspensa e, após incidente de habilitação dos herdeiros do falecido - A e seus irmãos, F, G, H, I e J - prosseguiu a acção, sendo os habilitados herdeiros representados pelo Ministério Público.
Foi, então, proferido o despacho de fls. 289 v. e 290, que alterou o constante da alínea E) da especificação, reformulou o quesito 12º-A e aditou os quesitos 14º e 15º.
Julgada a causa, foi proferida a, aliás douta, sentença de fls. 305 a 309, que absolveu as 1.ª e 2.ª Rés e condenou o 3.º Réu - D, nos seguintes termos:
"a) a pagar à Autora a pensão anual vitalícia e actualizável de 192480 escudos, devida desde 13 de Abril de 1991, em duodécimos e acrescida da prestação complementar legal, actualizada para os seguintes montantes anuais:
A partir de:
1 de Janeiro de 1992 - 213600 escudos
1 de Janeiro de 1993 - 227520 escudos
1 de Janeiro de 1994 - 236640 escudos
1 de Janeiro de 1995 - 249600 escudos
1 de Janeiro de 1996 - 262080 escudos, e até ao dia 11 de Julho de 1996 (data do óbito da A).
b) A pagar à autora a quantia de 112200 escudos de despesas de funeral, e;
c) 6760 escudos de despesas de transporte, e;
d) 18713 escudos de indemnização pelo período de ITA que o sinistrado sofreu desde a data do acidente à do falecimento (de 21 de Março de 1991 a 12 de Abril de 1991);
e) nos juros de mora à taxa legal, a contar da constituição em mora, conforme referido atrás."
Inconformado, o Réu D apelou para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de fls. 339 e 340, confirmou a Sentença recorrida.
De novo inconformado, recorre da revista para este Supremo Tribunal, concluindo nas suas doutas alegações:
"1 - O que importa no caso dos autos é saber se o E era trabalhador por conta de outrem ou, antes, trabalhador em nome próprio, bem como quem era a sua entidade patronal.
2 - Ou seja, qual a natureza do vínculo contratual.
3 - O Senhor Juiz entende estarmos perante um acidente de trabalho.
4 - Mas sem razão, pois o E não estava vinculado ao Réu D por um contrato de trabalho.
5 - Ou por qualquer contrato equiparado ao contrato de trabalho.
6 - Nem se encontrava em qualquer situação tutelada pela lei da sinistralidade laboral.
7 - A Autora alega a existência de um contrato de trabalho entre o E e o D.
8 - No entanto, não fez prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, designadamente que a sua actividade era prestada sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu D.
9 - Prova que incumbia à Autora nos termos do artigo 342º do Código Civil.
10 - Também tendo a Autora invocado que o E, à data do acidente, auferia uma retribuição mensal de 56100 escudos, acrescida de subsídio de férias e de Natal de igual montante, apenas se deu como provado que o E recebia uma remuneração pelas obras efectuadas na moradia.
11 - Não se sabendo, porém, se a remuneração que lhe era paga pelo Réu D tinha sido ou não objecto de um prévio ajuste entre ambos, correspondente ao preço global das reparações,
12 - factos que a provar-se consubstanciariam um contrato de empreitada.
13 - Apenas se deu como provado que, aquando do acidente, o E fazia pequenos serviços ou biscates de construção civil para o Réu D há pelo menos quatro dias, na moradia deste, procedendo às obras da reparação que aquele lhe determinara.
14 - O que é manifestamente pouco para sabermos que tipo de relação contratual vinculava o Réu ao E.
15 - O Senhor Juiz parte de determinados índices para concluirmos estar perante um contrato de trabalho ou legalmente equiparado.
16 - Mas nada se provou quanto
- à existência de horário de trabalho;
- à propriedade dos instrumentos de trabalho e das matérias primas;
- à existência de uma retribuição certa, ao dia, à semana ou ao mês;
- à existência ou não de ajudantes do E, por este pagos;
- à incidência do risco da inutilização do produto.
17 - O Tribunal na sentença a proferir tomará em consideração os elementos referidos no artigo 659º do C.P.C.
18 - E desses factos (constantes da especificação e dos factos provados pelo Tribunal em julgamento) não há acordo quanto a saber para quem "trabalhava" o E, tendo a Autora sempre o ónus da prova que o acidente foi um acidente de trabalho.
19 - Os contratos equiparados referidos no artigos 2º da L.G.T. não têm nada a ver com o caso dos autos, pois o E não estava na dependência económica do Réu D.
20 - Pois já estava reformado da construção civil e, á data do acidente, fazia pequenos serviços ou biscates de construção civil.
21 - Assim, para além da pensão de reforma que o E recebia, ainda recebia uma remuneração pelos serviços de construção civil que fazia.
22 - Daqui se conclui, sem margem para dúvidas, que o E não estava na dependência económica do Réu D.
23 - Não há, por isso, que deitar mão da presunção estabelecida no artigo 3º n.º 2 do Decreto-Lei 360/71.
24 - Violou o Senhor Juiz o disposto nos artigos 1º e 2º da Lei Geral do Trabalho, a base II, n.º 2 da Lei 2127, artigos 3º n.º 1 e 2 do Decreto-Lei 360/71, artigo 659º do C.P.C. e artigo 1152 do Código Civil.
25 - Por outro lado, o Acórdão recorrido, às variadíssimas questões levantadas pelo recorrente e condensadas nas conclusões das alegações, nenhuma resposta deu.
26 - Fazendo-se um uso indevido dos n.º 5 e 6 do artigo 713º do C.P.C.
27 - Pois nem sequer fez um exame crítico das provas ou das questões levantadas no recurso.
28 - Daí que haja nulidade do Acórdão proferido, nos termos dos artigos 668º do CPC, nomeadamente do constante das suas alíneas b) e d).
29 - E assim violando-se também o disposto nos artigos 713º, n.º 5 e 6, e 668º, alíneas b) e d), ambos do CPC.
Também doutamente, contra-alegou o Exmo. Magistrado do Ministério Público, concluindo:
"A - Como resulta do disposto no artigo 72º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho de 1981, aqui aplicável, a arguição das nulidades da sentença é feita no requerimento de interposição do recurso. Não o tendo feito o recorrente, o recurso não pode ser conhecido nessa parte.
B - Acontece, também, que o recorrente, aparentemente, não ataca o acórdão, em termos substantivos mas, apenas, em termos processuais: a violação da lei substantiva é apenas assacada à decisão da 1. instância.
C - Consequentemente, o recurso de revista não é o meio próprio para atacar a decisão, atentos os termos dos artigos 721 e 722 do Código de Processo Civil.
D - Por outro lado, o recurso não pode ser conhecido como agravo de 2. Instância, uma vez que o recorrente não alegou tempestivamente, dado que, nos termos do Código de Processo do Trabalho (artigo 76º n.º 1), a alegação no recurso de agravo tem que ser apresentada com o requerimento de interposição do recurso.
E - Daí que, nos termos do Assento n.º 1/94, de 2 de Dezembro de 1993, deste STJ, se não deva conhecer do recurso por apresentação tardia da alegação.
F - Apesar disso, e para a hipótese de assim se não entender, sempre o recorrente não tem razão, pois
G - Não padece a decisão recorrida da nulidade do artigo 668º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
H - Porquanto o tribunal não deixou de conhecer de quaisquer questões suscitadas pelas partes.
I - A Relação apreciou devidamente a matéria de facto fixada na 1.ª instância e tirou dela as devidas ilações;
J - As ilações ou conclusões tiradas em matéria de facto pelo tribunal sentenciador são legítimas, desde que apoiadas nos elementos positivos e concretos fixados nos autos, sem os alterar e simplesmente os desenvolvendo.
K - Por outro lado, não pode deixar de se entender que as disposições dos artigos 668º e 713º do Código de Processo Civil não são conflituantes.
L - E assim, se o Tribunal lança mão da faculdade do artigo 713º ns.º 5 e 6 do Código de Processo Civil e o faz de forma correcta, isto é de acordo com os termos legais, não pode, do mesmo passo, afirmar-se que de tal forma se está a desrespeitar os comandos do artigo 668º do Código de Processo Civil.
M - Como se afirma no acórdão recorrido, - e não merece contestação - a matéria de facto não foi impugnada. A mesma, não sofre, por outro lado, de qualquer vício que justificasse a sua alteração.
N - Tanto basta para que se deva considerar isento de reparo o recurso ao disposto no artigo 713º n.º 6 do Código de Processo Civil; mantendo a matéria de facto dada como provada na 1.ª instância.
O - Por outro lado, o recorrente ataca fundamentalmente as ilações tiradas pelo tribunal sobre a matéria de facto fixada, entendendo que, face à mesma, deveria ter-se concluído pela inexistência de uma relação contratual de trabalho.
P - Mas, porque a Relação, concorda com as ilações tiradas da matéria de facto, de modo algum as alterando e, também, porque o recurso se limita a expressar uma perspectiva diferente sobre a conclusão a extrair daquela, é desnecessário qualquer tipo de argumentação adicional aos utilizados na decisão da 1.ª instância, sendo, pois, perfeitamente correcto e justificado o recurso ao disposto no n.º 5 do artigo 713º do Código de Processo Civil.
Q - Finalmente, se o acórdão, por um lado, conhece de todas as questões suscitadas - já abordadas pela 1.ª instância - e se, por outro lado, as justifica, fundamentando-as, nos termos que a lei lhe consente, não comete qualquer das nulidades do artigo 668º do Código de Processo Civil referidas pelo recorrente.
R - E foram integralmente respeitadas as normas materiais que o recorrente considera violadas.
S - De facto, parece claro que se não se configura nitidamente uma relação de contrato de trabalho entre a vítima e o Réu, parece não ser legítima a dúvida de que se está perante uma situação de trabalho equiparado, permitindo considerar como de trabalho, o acidente a que os presentes autos se referem".
Foram colhidos os vistos.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada pelas Instâncias que, por não impugnada, nem passível de censura, nem passível de ampliação, se aceita (fls. 305 n. e 306):
1) A Autora, filha do falecido E e nascida em 21 de Agosto de 1966, sofre de insuficiência respiratória severa do tipo misto que a incapacita para o trabalho, com uma desvalorização de 80%;
2) Em razão da incapacidade referida e, 1), a Autora não exerce qualquer actividade profissional, tendo como único rendimento uma pensão de 13000 escudos, paga pelo CRSS de Aveiro;
3) À data do acidente (20 de Março de 1991) a Autora era já portadora da insuficiência respiratória mencionada em 1), sendo nessa data tal insuficiência determinante da incapacidade para o trabalho aí referida;
4) No dia 20 de Março de 1991, o E, quando procedia a reparações numa parede ou muro duma moradia sita na R. .... em Espinho, caiu duma escada, vindo a precipitar-se no solo;
5) E essa queda originou-lhe lesões traumáticas que foram causa directa e necessária de sua morte ocorrida em 12 de Abril de 1991;
6) O co-réu D era, à data do acidente, dono da moradia mencionada em 4);
7) O E recebia uma remuneração pelas obras efectuadas na moradia mencionada em 4);
8) Foi na execução dessas obras que o E efectuava, que ocorreu o acidente;
9) À data do acidente, o E fazia pequenos serviços ou "biscates" de construção civil, de cuja actividade estava na situação de reformado;
10) Informado pelo Eng. L, a indagação sua (do Eng. D, co-réu), da actividade de pintor desenvolvida pelo E, o réu D contactou com este, dirigindo-se para o efeito a sua casa (dele E);
11) Quando sofreu o acidente, o E estava a "trabalhar" para o co-réu D, procedendo às obras de reparação que este lhe determinara, aí trabalhando há pelo menos quatro dias;
12) A co-ré C., realiza reuniões de trabalho, quer nas suas instalações fabris em Paços de Brandão, quer na moradia sito em Espinho, quer ainda na "casa" do irmão do réu D, sendo que em qualquer dos locais se faziam contratos de fornecimento e de venda de mercadorias (cortiça e seus derivados), quer com clientes nacionais, quer com clientes estrangeiros;
13) À data do acidente, a co-ré C., tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a co-ré Companhia de Seguros B., mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 5236052;
14) O malogrado E esteve internado no hospital de Santo António no Porto desde 20 de Março de 1991;
15) O cadáver do falecido E foi transferido do Hospital de Santo António do Porto para o concelho de Santa Maria da Feira, tendo a Autora despendido em despesas de funeral a importância de 112200 escudos;
16) A Autora despendeu em transportes para se deslocar a este tribunal e ao tribunal do Porto, a importância de 6760 escudos.

Das conclusões das alegações de revista resulta que as questões postas pelo Recorrente são:
1) Nulidade do Acórdão recorrido; e
2) Qualificação como laboral da relação entre o Réu e o falecido E, por forma a que o acidente mortal por este sofrido seja considerado - como o foi no Acórdão recorrido - como acidente de trabalho.

Quanto à arguida nulidade, dela não é de conhecer por extemporânea.
É jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça que a arguição de nulidades tem de ser feita, obrigatoriamente, no requerimento de interposição do recurso por forma explícita e concreta (ainda que sucintamente, dado que o requerimento de interposição, neste caso de revista, constitui uma peça processual diferente das alegações, sendo que aquele é dirigido ao tribunal "a quo" e estas o são ao tribunal "ad quem".
A arguição efectuada fora deste enquadramento tem de ser considerada extemporânea, importando o seu não conhecimento.
Isto, atento o disposto no artigo 72º, n.º 1, do C.P.T./81, aplicável, nos termos do qual a arguição de nulidade da sentença é feita no requerimento de interposição do recurso, regime aplicável à invocação de nulidades do Acórdão da Relação, face ao preceituado no artigo 716º, n.º 1, do C.P.C., devendo a remissão aqui feita para o artigo 668º, do mesmo Código, considerar-se também realizada para o citado artigo 72º, n.º 1, no concernente à arguição de nulidades de decisões em processo laboral.
Neste sentido, por todos, os Acórdãos de 6 de Março de 1996 e 18 de Novembro de 1997, ambos no C.J./S.T.J., respectivamente, A.IV, T1, pág. 268 e A.V, TIII, pág. 293; de 20 de Junho de 2000 - Proc. 44/00; e de 25 de Outubro de 2000 - Proc. 128/01.
Dado que o Réu apenas nas alegações da revista arguiu a nulidade do Acórdão recorrido, dela não é de conhecer por extemporaneamente arguida.

Quanto à qualificação da relação contratual entre o Réu D e o infeliz E, recordemos os factos provados relevantes:
- O falecido E procedia a reparações numa parede ou muro duma moradia propriedade do Réu;
- Mediante uma remuneração pelas obras efectuadas na moradia, aí "trabalhando" há, pelo menos, quatro dias, procedendo às obras de reparação que o Réu lhe determinara;
- O E, à data do acidente - 20 de Março de 1991 - estava na situação de reformado da construção civil e fazia pequenos serviços ou "biscates" de construção civil.
Desta factualidade concluiu a 1.ª Instância tratar-se de um contrato de trabalho, com a seguinte fundamentação:
"No caso presente podemos constatar que foi o réu que determinou o trabalho que o sinistrado executava, o que inculca que lhe competia a sua organização, e que se pretendia não um determinado resultado, mas sim a prestação de uma actividade; O local da prestação do trabalho era propriedade do réu; o trabalho prestado exclusivamente ao réu, pelo menos assim era há 4 dias; O sinistrado não consta tivesse qualquer ajudante. Saliente-se ainda as circunstâncias de o autor se encontrar reformado (fazia biscates da sua actividade), ter sido contactado em sua casa pelo réu D (que com ele veio a contratar determinadas obras); Ter sido o réu que "determinou" ao sinistrado as obras a que o mesmo procedia, tratar-se de um contrato oneroso (recebia remuneração), e a própria natureza e circunstâncias em que os trabalhos eram prestados, levou-nos a considerar existir entre ambos um verdadeiro contrato laboral. Não se ignora que é normal este tipo de trabalho (pintura), ser realizado por trabalhadores autónomos, mas nada leva a crer que assim fosse, pois o falecido já estava reformado, limitando-se a fazer biscates, sem qualquer tipo de estrutura produtiva ainda que de rudimentar organização, não tendo qualquer pessoa a ajudá-lo.
Importa ressaltar o facto de os trabalhos terem sido determinados pelo réu. Daqui deduz-se que os trabalhos concretos a executar, não fizeram parte do contrato (...) e consequentemente, que havia poder de direcção por parte do réu.
(...)
- Por outro, face à presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 3º do Decreto-Lei 360/71, de 21 de Agosto (presunção de que até prova em contrário, se presumirá que os trabalhadores estão na dependência económica das pessoas em proveito das quais prestam serviço) sempre cairíamos na alçada do artigo 2º da LCT (contratos equiparados), abrangidos pela base II, n.º 2 da Lei 2127.
Concluímos assim tratar-se de um acidente de trabalho indemnizável - base II, V, IX, alínea b) in fine da Lei 2127)."
E o Acórdão recorrido também entendeu nestes precisos termos, ao remeter para a sentença.
No entanto, vejamos.
Previamente há que ver da razão do constante das contra-alegações, dado aí se dizer que, aparentemente, o Recorrente não ataca o Acórdão recorrido em termos substantivos, uma vez que a violação da lei substantiva apenas é assacada à decisão da 1.ª Instância, não sendo o recurso de revista o meio próprio para atacar esta decisão (conclusões B e C).
Há tudo a razão à referência a "aparentemente".
Porque, na realidade, o Recorrente contesta o Acórdão recorrido. Só que, porque este foi elaborado por remissão para a decisão da 1. Instância, as referências à decisão recorrida são muito mais fáceis reportando-as directamente à sentença do que se esta, sistematicamente, a fazê-lo para o Acórdão que remeteu para a sentença e, então, referir-se a esta.
É, assim, de conhecer da questão de violação de lei substantiva, equacionado pelo Recorrente em recurso de revista do Acórdão do Tribunal da Relação.
Posto isto, vejamos, então.
Primeiramente há a referir que o Acórdão recorrido não deu especial relevo, e bem, à palavra "trabalhava", constante do ponto 11 da matéria de facto provada. Talvez por, nas respostas aos quesitos já se encontra entre aspas, que não poderiam ser acrescidas na transcrição da matéria de facto provada. Deu, no entanto, especial ênfase à forma verbal "determinara" (aspas postas aqui e agora) constante do mesmo ponto da matéria de facto.
Não se afigurando que tinha especial relevância no contexto da matéria provada porque, tal como "trabalhava" tem um sentido comum mais lato do que o de prestação de actividade do trabalhador na execução de um contrato de trabalho, também "determinara" pode ser entendido - e se usa - num sentido que não pressupõe, necessariamente, uma ordem dada a alguém que está sujeito à sua execução, mormente por uma relação jus laboral.
E tanto assim no caso concreto que, no quesito 12º - A era perguntado "Quando sofreu o acidente, o E estava ao serviço do co-réu D, sob as suas ordens, direcção e fiscalização?" (fls. 280 v.), sendo a resposta "Provado que quando sofreu o acidente o E estava a "trabalhar" para o co-réu D, procedendo às obras de reparação que este lhe determinara".
Não tem assim, a palavra "determinara" o sentido fortemente decisivo que as Instâncias lhe deram.
Sem a carga valorativa dada à determinação dos trabalhos a realizar, comunicado pelo Réu ao E, esta "determinação" e tudo o mais provado é manifestamente insuficiente para caracterizar como contrato de trabalho a relação estabelecida entre ambos.
Porquanto, relativamente à remuneração auferida (ou a auferir) pelo infeliz E não se sabe o seu montante e se directamente relacionado com qualquer unidade temporal de actividade (hora, dia, semana, etc.) ou dela totalmente alheia, por respeitante à obra a realizar, pela obtenção do seu resultado. A expressão "recebia uma remuneração pelas obras efectuadas" até aponta mais no sentido de uma prestação de serviços (pagamento pelo resultado contratado) do que no sentido de um contrato de trabalho (retribuição da actividade despendida), por se reportar melhor ao resultado do que ao trabalho.
Mas não se entende como, por si só, decisiva.
Não se sabe de quem eram os instrumentos de trabalho (sendo certo que, na experiência comum, costumam ser do "trabalhador"), o que, também por si só, não é relevante. Como também se não sabe quem fornecia os materiais necessários à obra, sendo mais provável que o fosse o Réu, como sócio-gerente de uma empresa ligada à construção civil.
Acresce que, a realização de pequenos serviços ou "biscates" é consentânea com uma prestação de serviços e, também, com trabalho subordinado, pelo que daqui nada de conclusivo se poder retirar.
Já é totalmente irrelevante que a actividade do inditoso E se desenvolvesse na moradia do Réu. Tanto uma prestação de serviço como a execução de um contrato de trabalho teria de aí ser praticada, por aí estar a parede ou muro a cuja reparação procedia.
Como se desconhece se o E cumpria horário de trabalho, sendo certo que os pequenos serviços ou "biscates" costumam ser feitos sem cumprimento de horário pré-estabelecido.
Perante a exiguidade da matéria de facto provada - e não adianta equacionar a sua ampliação, já doutamente ordenada pelo Acórdão do Tribunal da Relação, de 5 de Maio de 1997 - não há possibilidade de, mesmo fazendo recurso aos elementos indiciários geralmente diferenciadores da prestação de serviço do contrato de trabalho, fica-se a saber, com o mínimo de certeza necessária, se entre o Réu D e o falecido E foi celebrado um contrato de trabalho ou antes de prestação de serviço, quiçá na modalidade do contrato de trabalho de empreitada.
E era à Autora que incumbia a prova da existência de contrato de trabalho, sobre ela recaindo o ónus da falta de prova, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do C.Civil.
Diferentemente das Instâncias, por tudo isto, entende-se não estar provada a existência de um contrato de trabalho.
E o Exmo. Procurador Geral Adjunto, nas contra-alegações, conclusão 5, lucidamente reconhece: "De facto, parece claro que se não configura nitidamente uma relação de contrato de trabalho entre a vítima e o Réu ...".
Porém, no segmento final da mesma alínea das conclusões, continua "... parece não ser legítima a dúvida de que se está perante uma situação de trabalho equiparado, permitindo considerar como de trabalho, o acidente a que os presentes autos se referem", sendo certo que nas alegações nada mais aduz em defesa deste entendimento.
Também as Instâncias, como transcrito, consideraram existir dependência económica, apenas com base na presunção do n.º 2, do artigo 3º, do Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto.
Vejamos:
Da conjugação do n.º 2, da Base II, da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, com o artigo 3 do Decreto n.º 360/71, resulta que são considerados trabalhadores por conta de outrem: os vinculados por contrato de trabalho; os vinculados por contrato legalmente equiparado ao de trabalho, isto é, por contrato que tenha por objecto a prestação de trabalho realizado no domicílio ou estabelecimento do trabalhador, por contrato em que este compra as matérias-primas e fornece por certo preço ao vendedor delas o produto acabado, desde que, em qualquer das hipóteses, o trabalhador deva considerar-se na dependência económica da outra parte (artigo 2º do Decreto-Lei 49408); e os que, em conjunto ou isoladamente, prestam determinado serviço, desde que, em qualquer dos casos, devam considerar-se na dependência económica da pessoa servida (isto é, dela recusam alguma retribuição pelo serviço prestado).
É, assim, a dependência económica, comum a todos os casos considerados no n.º 2 daquela Base II, o elemento essencialmente integrador no âmbito da protecção legal por acidentes de trabalho.
- Cfr. F. Tomás de Resende, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª ed., p. 14.
Conforme o Prof. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3.ª ed., II vol., 1.º T., a págs. 87 e 88:
"No artigo 2º LCT, parte final, o legislador estabeleceu como critério para determinar a similitude entre estes contratos e o contrato de trabalho, o facto de existir uma dependência económica.
Considerar que a semelhança teria por base a dependência económica do prestador da actividade relativamente ao beneficiário da mesma. Havendo dependência económica, estar-se-á perante uma situação equiparada ao contrato de trabalho.
Todavia a noção de dependência económica corresponde a um critério fluido. (...)
... a dependência económica pressupõe que o prestador de trabalho aufere do beneficiário da actividade uma remuneração necessária ao seu sustento e da sua família. Nesta perspectiva, a dependência económica existirá numa multiplicidade de situações, muitas das quais não podem ser equiparadas ao contrato de trabalho e não deve funcionar como critério jurídico de equiparação". Para efeitos da parte final do artigo 2º da LCT, recorde-se.
Mas a dependência económica a ter aqui em conta é a constante da alínea b), do n.º 1, do artigo 3º, do Decreto n.º 360/71, única situação que, perante o provado nos autos, permitiria a inclusão ao infeliz E na protecção da Lei 2127, por via do n.º 2, da sua Base II.
Como se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de Junho de 2000 - Proc. 52/00, a dependência económica existe quando a remuneração do trabalho representa para o trabalhador o seu exclusivo ou principal meio de subsistência.
E presume-se, até prova em contrário, que os trabalhadores estão na dependência económica da pessoa em proveito da qual prestam serviço - n.º 2, do citado artigo 3º.
No caso vertente, provado que o falecido E se encontrava reformado da construção civil, é de entender que se não encontrava na dependência económica da remuneração do trabalho que efectuava para o Réu D, por isso se considerando ilidida a presunção "juris tantum".
Sendo também de ter em conta, no entendimento de ilisão da presunção, a natureza fortuita e não continuada no tempo da realização de pequenos serviços ou biscates que, já em si, inculcam a ideia de complementariedade económica e não de dependência
Por tudo isto, repete-se, é de considerar ilidida a presunção do n.º 2, do artigo 3º, do Decreto 360/71.
Termos em que o acidente sofrido pelo inditoso E não se enquadra na protecção da Lei de Base dos Acidentes de Trabalho, por não enquadrável na sua Base II.
Pelo que assiste razão ao Réu recorrente.

Assim é decidindo, na procedência da revista do Réu D, revoga-se o Acórdão recorrido e absolve-se do pedido.
Sem custas.

Lisboa, 4 de Abril de 2001
Azambuja da Fonseca,
Diniz Nunes,
Duarte Calheiros.