Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SOUSA PEIXOTO | ||
| Descritores: | RESOLUÇÃO DO CONTRATO JUSTA CAUSA DIMINUIÇÃO DA RETRIBUIÇÃO ABUSO DE DIREITO AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO | ||
| Nº do Documento: | SJ200903250037674 | ||
| Data do Acordão: | 03/25/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Sumário : | 1. O facto de no contrato de trabalho escrito se haver estipulado que as condições de prestação do serviço docente passariam a ser iguais à dos demais docentes da Universidade, com a mesma categoria profissional da autora (Professora Auxiliar) e sujeitos ao mesmo regime de trabalho (dedicação exclusiva), quando a ré deixasse de receber o subsídio que lhe fora concedido pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, como estímulo à contratação da autora, não permite concluir que as partes tenham acordado que a retribuição estipulada no contrato seria reduzida, a partir da cessação daquele subsídio, para o valor da retribuição que era auferida pelos referidos docentes. 2. A redução da retribuição mensal de € 3.024,72 para € 2.000 constitui justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador, mormente se essa situação se mantiver durante 9 meses. 3. O não pagamento da retribuição a que o trabalhador tem direito constitui uma violação dos deveres contratuais a que o empregado está obrigado. 4. Esse incumprimento contratual não se consuma no momento em que o empregador entrou em mora, mas mantém-se enquanto a mora perdurar, agravando, desse modo e cada vez mais, a conduta do empregador e tornando a manutenção do vínculo laboral por parte da autora, cada vez mais insustentável. 5. Os factos invocados pelo trabalhador para resolver o contrato de trabalho com justa causa têm de ser apreciados, com as devidas adaptações, à luz do conceito de justa causa dada pelo legislador a propósito da justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador. 6. Todavia, no juízo de prognose acerca da inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral, o grau de exigência tem de ser menor do que o utilizado na apreciação da justa causa em caso de despedimento, uma vez que o trabalhador, quando lesado nos seus direitos, não tem formas de reacção alternativas à resolução, ao contrário do que acontece com o empregador que dispõe de sanções disciplinares de natureza conservatória, para reagir a determinada infracção cometida pelo trabalhador. 7. O abuso do direito, na modalidade do venire contra factum próprio, implica que a matéria de facto permita concluir pela existência de uma conduta por parte do titular do direito exercido susceptível de criar na outra parte a confiança de que o direito em questão não será exercido. 8. A ampliação do objecto do recurso, nos termos do art.º 684.º-A do CPC, depende de requerimento nesse sentido por parte do recorrido. | ||
| Decisão Texto Integral: | 1. AA propôs a presente acção, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra BB – Cooperativa de Ensino Universitário, CRL, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 46.250,62, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação, sendo € 17.555,44 a título de diferenças salariais referentes aos meses de Janeiro de 2002 a Agosto de 2005 inclusive, € 20.869,44 a título de indemnização pela resolução, com justa causa, do contrato de trabalho e € 7.826,04 de retribuição de férias e de subsídios de férias e de Natal relativos ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho. Em resumo, a autora alegou o seguinte: - a ré dedica-se ao ensino, possuindo, para tanto, um estabelecimento denominado Universidade Autónoma de Lisboa “Luís de Camões”; - por carta de 29 de Junho de 2001, a ré propôs à Fundação para a Ciência e Tecnologia a contratação da autora, obrigando-se, além do mais, a celebrar com a autora um contrato de trabalho sem termo, em regime de dedicação exclusiva, a garantir-lhe a remuneração pelo escalão 2, índice 210 da função pública e a cumprir a aplicação da tabela de vencimentos que viesse a ser estabelecida em cada ano; - aquela proposta inseria-se no Programa de Inserção de Investigadores Doutorados, existente naquela Fundação, e visava a obtenção de uma comparticipação salarial a pagar pela mesma Fundação; - a Fundação aceitou a candidatura da ré e esta assinou um “Termo de Aceitação de Subsídio por Estímulo à Inserção Profissional de Doutorados em Instituições de I & D”, onde foram consagradas as garantias constantes da proposta já referida; - na sequência desse Termo de Aceitação, a autora foi admitida ao serviço da ré, na referida Universidade, em 14 de Outubro de 2001, para desempenhar as funções docentes e de investigação, tendo estado, desde então, ao serviço da ré no âmbito de um contrato de trabalho subordinado sem termo, que remetia para o Termo de Aceitação; - nos termos da cláusula 5.ª do contrato de trabalho celebrado, a retribuição da autora era de 606.400$00 (€ 3.024,72), correspondente à tabela da carreira docente pública, no escalão n.º 2, índice 210, tal como constava da proposta e do Termo de Aceitação já referidos; - a autora foi contratada com a categoria profissional de Professora Auxiliar, em dedicação exclusiva e, nos termos do previsto na carreira universitária pública, os docentes em regime de exclusividade, como era o caso da autora, tinham um acréscimo retributivo de 35% da remuneração e a progressão nos escalões verificava-se de três em três anos; - por essa razão, a autora devia ter passado ao escalão n.º 3, índice 230, em Outubro de 2004 (art.º 74.º do Estatuto da Carreira Docente Universitária, aprovado pelo D.L. n.º 448/79, ratificado, com alterações, pela Lei n.º 19/80 e com nova redacção dada pelo D.L. n.º 147/88 e D.L. n.º 408/89); - e foi por essa razão que a retribuição da autora foi inicialmente fixada no montante de 606.400$00 (€ 3.024,72), o qual já incluía o acréscimo retributivo referente à exclusividade de funções constante do contrato celebrado; - em 2002, a retribuição mensal do índice 210 da função pública passou a ser de € 3.107,43 e, em 2005, passou a ser de € 3.175,79; - deste modo e de acordo com o estipulado na cláusula 5.ª do contrato de trabalho, a autora devia ter auferido mensalmente € 3.107,43, de Janeiro de 2002 a Setembro de 2004, € 3.403,38, de Outubro a Dezembro de 2004 e € 3.478,24, a partir de Janeiro de 2005; - em vez disso, auferiu € 3.024,72, desde a data de admissão até Novembro de 2004 e € 2.000, desde Dezembro de 2004 até ao final de Setembro de 2005; - invocando as referidas faltas de actualização salarial e a diminuição da retribuição, a autora fez cessar o contrato de trabalho em 16 de Setembro de 2005. A ré contestou, articulando, em síntese, os seguintes factos: - o aumento salarial nos termos da progressão de carreira universitária pública nos termos alegados pela autora não foi objecto de acordo entre as partes; - a remuneração inicialmente acordada só era para vigorar enquanto a ré recebesse o subsídio de estímulo à inserção profissional de doutorados; - a autora e a ré acordaram que, a partir da cessão do pagamento do subsídio concedido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia subsídio, a autora passaria a prestar o seu serviço docente nas mesmas condições que os demais docentes da AUTÓNOMA (cláusula 6.ª, n.º 2, do contrato de trabalho); - o pagamento do subsídio cessou em 30 de Setembro de 2004; - o acordo celebrado com a Fundação previa que, durante o período de duração do subsídio, a autora trabalhasse como Professora Auxiliar, 2.º escalão, sendo remunerada pela tabela de vencimentos aplicável à carreira docente universitária pública; - previa também que a prestação do trabalho da autora, durante o período de pagamento do subsídio, fosse repartida, em partes iguais, para a docência e para actividades de ciência e investigação, atribuindo-se serviço docente apenas no 1.º semestre da cada ano, não excedendo 8 horas lectivas semanais; - durante o período de pagamento do subsídio, a ré pagou à autora € 3.107,43 de remuneração e repartiu a prestação de trabalho da mesma, em partes iguais, para a docência e para actividades de ciência e investigação, atribuindo-lhe serviço docente apenas no 1.º semestre de cada ano, sem exceder as 8 horas lectivas por semana; - depois de 30 de Setembro de 2004, passaram a vigorar as condições dos demais docentes da AUTÓNOMA; - a autora passou, então, a prestar trabalho docente a tempo inteiro, em ambos os semestres e a sua remuneração passou a corresponder à dos demais docentes da AUTÓNOMA com a categoria de Professor Auxiliar, em regime de dedicação exclusiva e com a experiência da autora, retribuição essa que era de € 2.000; - quando assinou o contrato de trabalho com a ré, a autora bem sabia que este era o valor do vencimento dos docentes da ré com a categoria de Professor Auxiliar e em regime de dedicação exclusiva, valor esse que não sofreu alteração entre 2001 e 2005; - o acordo inserido no n.º 2 da cláusula 6.ª do contrato de trabalho visava fazer beneficiar a autora de um eventual acréscimo remuneratório que pudesse ocorrer entre 2001 e 2005, que acabou por não se verificar; - por lapso informático, nos meses de Outubro e Novembro de 2004, o vencimento da autora ainda foi processado pelo valor de € 3.107,43, mas, no mês de Dezembro de 2004, a ré apercebeu-se do lapso referido e processou o vencimento pelo valor de € 2.000, sendo esse o valor por que foram processados todos os vencimentos até 16 de Setembro de 2005; - deste modo, é evidente que não existiu qualquer diminuição da retribuição por decisão unilateral da ré ou incumprimento no que respeita a actualizações salariais, donde resulta que a autora não tinha qualquer motivo para resolver, com justa causa, o contrato de trabalho que a ligava à ré. E, em reconvenção, a ré pediu que a autora fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 7.214,86, sendo € 4.000 a título de indemnização por resolução do contrato de trabalho sem justa causa e sem aviso prévio, € 2.214,86 a título de retribuições indevidamente pagas, por excesso, à autora, nos meses de Outubro e Novembro de 2004 e € 1.000 a título de retribuição paga a mais, em Setembro de 2005. Na resposta, a autora excepcionou a prescrição dos créditos peticionados na reconvenção e sustentou o direito às retribuições peticionadas e a existência de justa causa para resolver o contrato de trabalho. No saneador, o M.mo Juiz julgou procedente a prescrição invocada pela autora e, em consequência, absolveu esta do pedido reconvencional que contra ela tinha sido deduzido, decisão essa que se mostra transitada em julgado, por não ter sido alvo de impugnação por parte da ré. Realizado o julgamento, com dispensa da elaboração da base instrutória, e decidida a matéria de facto, foi proferida sentença condenando a ré a pagar à autora tão-somente a importância de € 3.324,200, a título de retribuição de férias e de subsídios de férias e de Natal referentes ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho. Para decidir daquela forma, o M.mo Juiz considerou que o facto da retribuição acordada no contrato de trabalho ter sido fixada com referência ao escalão n.º 2, índice 210 da tabela de vencimentos da carreira docente universitária pública, não significava que a mesma estivesse sujeita às actualizações que se viessem a verificar naquela carreira e que, muito menos, podia significar que, decorridos os três anos em que a ré recebeu o subsídio pago pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, a autora tivesse o direito aos vencimentos da carreira docente universitária pública, em flagrante contraste com todos os outros professores da AUTÓNOMA que apenas auferiam € 2.000. A autora apelou da sentença, mas fê-lo com relativo sucesso, uma vez que o Tribunal da Relação apenas julgou procedente o recurso no que toca à actualização da retribuição durante os três anos em que a ré recebeu o subsídio atribuído pela Fundação, considerando que tal vencimento devia beneficiar das actualizações ocorridas na carreira docente universitária pública, tendo condenado a ré a pagar, a esse título, à autora a quantia de € 3.142,98. Mantendo o seu inconformismo, a autora interpôs recurso de revista, concluindo as respectivas alegações da seguinte forma: 1. A A. intentou a presente acção contra a R. invocando em suma o seguinte: a) A R. propusera à Fundação da Ciência e Tecnologia a contratação da A. sem termo e em regime de exclusividade, obrigando-se a afectá-la parte do tempo a trabalho de investigação e pagando-lhe a retribuição do escalão 2, índice 210 da função pública; b) Tendo aquela contratação sido aceite pela Fundação de Ciência e Tecnologia, a A. começou a trabalhar em 14 de Outubro de 2001, na Universidade Autónoma “Luís de Camões" propriedade da R., auferindo a retribuição de 606.400$00 ( € 3.024,72 ), correspondente ao nível de vencimento acordado com a referida Fundação; c) A partir de Dezembro de 2004, no entanto, a R. passou a pagar à A. a retribuição mensal de € 2.000,00, razão por que a A., por carta datada de 14 de Setembro de 2005 e recebida pela R. a 16 do mesmo mês e ano, rescindira o contrato de trabalho fazendo-o com justa causa; d) Pedia, pois, a condenação da R. a pagar-lhe diferenças de retribuições devidas e não pagas, acrescidas da indemnização por cessação do contrato de trabalho e das férias, subsídios de férias e de Natal vencidos em consequência da cessação do contrato de trabalho, o que tudo ascendia ao valor de € 46.250,62. 2. Por carta datada de 29 de Junho de 2001 (doc. a fls. 10 e 11 dos autos e considerado provado sob o n.º 2), a R. propôs à Fundação de Ciência e Tecnologia, doravante designada por FCTV, a contratação da A. obrigando-se a afectá-la, durante parte do tempo, em trabalho de investigação, a atribuir à A. a categoria de Professora Auxiliar, a pagar-lhe a retribuição do Escalão 2 - índice 210, no montante de 606.400$00, e cumprindo a tabela de vencimentos do ensino superior para os Docentes Universitários, incluindo subsídios de Natal, de férias e outros encargos sociais. 3. Em 1 de Outubro de 2001, a R., no âmbito do contrato celebrado com a FCT para recebimento de subsídios desta, assinou um "Termo de Aceitação", no âmbito do qual declarou comprometer-se a celebrar um contrato sem termo com a A., em regime de dedicação exclusiva, com a categoria de Professor Auxiliar, no 2.º Escalão, e adoptando a tabela de vencimentos da carreira docente Universitária Pública (doc. a fls. 12 e 13 dado por provado sob o n.º 3). 4. Em Outubro de 2001, a R. celebrou com a A. um contrato de trabalho sem termo, onde, na cláusula 5.ª, se estipulava a retribuição mensal de 606.400$00, mais se estabelecendo, nessa mesma cláusula, que aquela retribuição correspondia "à indicada na tabela de vencimentos da carreira docente Universitária Pública no Escalão 2, índice 210" (doc. de fls. 14 a 16 dado por provado sob o n.º 4 da matéria de facto). 5. Como se pode ler no doc. 1 oferecido com a petição inicial, a R. propôs à FCT a contratação da A. no quadro do Programa de Inserção de Investigadores Doutorados, vinculando-se à celebração de um contrato sem termo, e com o estabelecimento de uma retribuição correspondente àquela que vigorasse para a carreira universitária pública. 6. E essas condições, constantes da proposta da R., foram vertidas no Termo de Aceitação do Subsídio oferecido como doc. 2 com a petição inicial, pois, como consta da cláusula 1.ª desse Termo de Aceitação, o contrato de trabalho sem termo assinado entre a A. e a R. fazia parte integrante desse Termo de Aceitação, tudo tendo em vista a inserção profissional da A., como consta dos docs. 1 e 2 oferecidos com a petição inicial. 7. E é a esta luz que tem de se analisar a vontade das partes no momento da celebração do contrato. 8. Nos termos do n.º 2 da cláusula 6.ª do mencionado contrato de trabalho sem termo, estabeleceu-se que, após a cessação do subsídio pela FCT, a A. passaria a desempenhar as suas funções docentes nas mesmas condições que os demais docentes da Universidade Autónoma. 9. Mas esse n.º 2 da cláusula 6.ª tem claramente que ver com as funções que a A. desempenhava na pendência do subsídio da FCT e que estavam descritas no n.º 1 daquela Cláusula 6.ª e que constituíam uma excepção no campo das funções atribuídas ao restante pessoal docente. 10. E tanto assim é que, na cláusula 6.ª do contrato celebrado com a A., a R. ressalvou no seu n.º 2 que, a partir da cessação do subsídio da FCT, a A. passaria a desempenhar as suas funções de docência nos mesmos termos em que o faziam os restantes docentes, ressalva que tem obviamente que ver com o termo da afectação ao trabalho de investigação previsto no n.º 1 da mesma cláusula. 11. Mas na cláusula 5.ª, onde estava estabelecida a retribuição, nada ressalvou quanto a essa matéria. 12. E de outro modo não se podia entender a menção constante quer do contrato, quer da proposta apresentada à FCT pela R., quer do “Termo de Aceitação”, no sentido de que a R. se comprometia a cumprir a tabela salarial aplicável aos docentes da carreira universitária pública. 13. Sendo, por outro lado, completamente irrelevante que a A. soubesse que os restantes docentes da mesma categoria ao serviço da R. só auferiam € 2.000,00 mensais, ou que o subsídio da FCT fosse no início de aproximadamente metade da retribuição paga à A., pois tal conhecimento em nada afectava as condições contratuais estabelecidas e na base das quais a A. aceitou prestar o seu trabalho na Universidade da R. e a própria FCT aceitou conceder o subsídio. 14. O douto Acórdão, ao decidir como decidiu, interpretando o contrato no sentido de que a remuneração da A. não tinha que ser actualizada de acordo com a tabela salarial da carreira universitária pública, após Setembro de 2004, só tendo a A. direito à retribuição de € 2.000,00 por ser a retribuição paga pela R. aos restantes docentes da mesma categoria, não atentou à vontade das partes constantes do contrato assinado e à força probatória deste, violando os artigos 376.º e 406.º do Código Civil. 15. A A. rescindiu o contrato de trabalho com a R. invocando o incumprimento das retribuições a que se obrigara contratualmente tendo-o feito nos termos da carta oferecida por cópia a fls. 17 dos autos e dada como provada no facto referido sob o n.º 5. 16. Estabelece o art. 441°, n.os 1 e 2, a), do Código do Trabalho que a falta de pagamento pontual da retribuição integra o conceito de justa causa para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, e o Regulamento do Código do Trabalho reforça tal conclusão no art. 308.º. 17. Quer a sentença de 1.ª instância, quer o Acórdão recorrido, levantam a questão de a A. não ter avisado que iria fazer a resolução, dando conhecimento prévio dessa insatisfação pelo incumprimento. 18. Tal argumento tem de ser compatibilizado com o prazo reduzido de que o trabalhador dispõe para declarar a resolução, nos termos do art. 442°, n.º 1, do Código do Trabalho. 19. Trata-se, no caso dos autos, de uma violação continuada dos deveres que se impõem ao empregador e o trabalhador pode abster-se de agir até verificar que o incumprimento não se modifica, ou que não é já expectável que o empregador venha a pagar o que é devido. 20. E foi o que a A. fez, ao verificar que se iria iniciar novo ano lectivo e a R. mantinha o pagamento retributivo de € 2.000,00 mensais, rescindiu o contrato de trabalho, tendo de o fazer no prazo previsto no art. 442.º, n.º 1, do Código do Trabalho, ou seja, no prazo de 30 dias contados desde o último incumprimento que ocorrera no pagamento da retribuição de Agosto de 2005. 21. Se não o fizesse, teria a A. que aguardar pelo pagamento do mês de Setembro de 2005, com a agravante de em tal altura já se ter iniciado o novo ano lectivo e ser bem mais grave a consequência da resolução. 22. Resolução que, deste modo foi feita inegavelmente com justa causa, e tendo direito à indemnização prevista no art. 443.º do Código do Trabalho e às férias e subsídios de férias e de Natal vencidos em consequência daquela cessação, como peticionado foi na acção. 23. O douto Acórdão recorrido, que considerou que não existia no caso dos autos justa causa de despedimento, violou os artigos 441.º, n.os 1 e 2, al. a), e 442.º, n.º 1, do Código do Trabalho. A ré contra-alegou, sustentando, em resumo, o seguinte: - a Relação não podia ter dado como não escrito o facto que na 1.ª instância tinha sido dado como provado sob o n.º 16 (“A. e R. não acordaram no aumento do vencimento da A. nos termos da progressão de carreira universitária pública, de três em três anos”); - da matéria de facto provada resulta que, a partir da cessação do pagamento do subsídio concedido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, a autora passaria a prestar o seu serviço docente nas mesmas condições que os demais docentes da AUTÓNOMA e a receber a mesma retribuição que estes; - não se pode dizer que houve diminuição de retribuição, uma vez que no próprio contrato de trabalho, as partes acordaram, livremente, no pagamento de uma retribuição quando a prestação de trabalho passasse a ser realizada nos termos dos demais trabalhadores da ré; - de qualquer modo, só haveria justa causa se tivesse existido falta culposa de pagamento pontual da retribuição, o que no caso não aconteceu, uma vez que o valor da retribuição devida à autora não era pacífico, tendo a ré actuado sempre de boa fé; - acresce que da actuação da ré não resultaram consequências para a autora que tornassem impossível a subsistência da relação de trabalho, sendo que a autora nada alegou a tal respeito; - sem prescindir, o comportamento da autora excedeu manifestamente os limites da boa fé (art.º 334.º do C.C.), uma vez que só veio resolver o contrato quando já tinham decorrido doze meses sobre a data em que a retribuição terá sido alegadamente reduzida, sem previamente ter apresentado qualquer reclamação; - com efeito, da actuação da autora resulta que ela se conformou com o entendimento da ré quanto ao valor da retribuição que lhe era devida, o que criou na ré a convicção de que os valores da retribuição estavam a ser correctamente liquidados e que a autora não viria arguir a falta de pagamento pontual da retribuição, para resolver o contrato de trabalho; - por outro lado, ainda que considere ter havido justa causa para a autora resolver o contrato, há que levar em conta que o entendimento da ré quanto aos valores da retribuição é perfeitamente plausível, tendo sido, aliás, partilhado pelo tribunal a quo e pela autora também, pelo menos durante largos meses, e que a autora não interpelou a ré para alterar a sua conduta quanto a esta matéria antes de resolver o contrato, como lhe era exigível; - destarte, ainda que a ré venha a ser condenada no pagamento de indemnização, esta sempre deverá ser fixada no mínimo legal de 15 dias por cada ano completo de antiguidade. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência da revista, em parecer que só mereceu resposta por parte da ré que com ele concordou. Corridos os vistos dos adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 2. Os factos Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1. A R. dedica-se ao ensino, possuindo, para tanto, um estabelecimento sito na sua sede social, denominado Universidade Autónoma de Lisboa "Luís de Camões". 2. Por carta datada de 29 de Junho de 2001, cuja cópia está junta a fls. 10 e 11 e se tem por reproduzida, a R. propôs à Fundação para a Ciência e a Tecnologia a contratação da A. obrigando-se entre outros aspectos a: “(…) A Cooperativa de Ensino Universitário deverá comprometer-se no quadro do programa de Inserção de Investigadores Doutorados a - celebrar contrato de trabalho sem termo com a Professora Doutora Arquitecta AA, em regime de dedicação exclusiva, Categoria - Professora Auxiliar de Escalão n. 02 - Índice 210- Vencimento 606.400$00; - declara cumprir a tabela de vencimentos do ensino superior (Docentes Universitários) para cada ano. Inclui subsídios de Natal, de Férias, e outros encargos legais; - declara respeitar os tempos de Investigação 50% e docência 50% comprometendo-se a localizar todas as actividades de docência no primeiro semestre – sem sobrecarga horária –deixando o segundo semestre para as actividades de investigação. Diante dos termos deste acordo a Universidade Autónoma de Lisboa solicita a com- -participação salarial da Fundação para a Ciência e Tecnologia de 50% para o 1.º ano; 50% para o 2.º ano e 50% para o 3.º ano. 3. Em 1 de Outubro de 2001, a BB – Cooperativa de Ensino Universitário, CRL subscreveu o "Termo de Aceitação de Subsídio por Estímulo à Inserção Profissional de Doutorados em Instituições de I & D", datado de 1 de Outubro de 2001, cuja cópia está junta a fls. 12 e 13 e se tem por reproduzida, donde consta designadamente: "A Instituição, Cooperativa do Ensino Universitário, BB, na qualidade de entidade instituidora da Universidade Autónoma de Lisboa, declara aceitar o subsídio que lhe é atribuído pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, ao abrigo da Medida 1.2. do Programa Operacional Ciência, Tecnologia Inovação, respeitando as seguintes condições: 1.O subsídio reveste a forma de uma comparticipação financeira para apoio à inserção profissional da doutorada AA, com um contrato de trabalho sem termo, pelo período de um ano, renovável anualmente na sequência da apreciação positiva de um relatório das actividades do ano corrente, até ao máximo de três anos. Este contrato de trabalho sem termo, devidamente assinado, faz parte integrante do presente Termo de Aceitação e dele deve constar, nos termos da lei, a remuneração mensal, incluindo encargos obrigatórios e não obrigatórios, bem como os subsídios de férias e de Natal. 2. A Cooperativa do Ensino Universitário, BB, compromete-se a garantir a execução do Plano de Trabalho descrito nos documentos constantes no processo de candidatura subjacente à celebração do contrato de trabalho identificado no ponto anterior, nas condições nele previstas, em particular: a) Celebrar um contrato sem termo com a investigadora referida, em regime de dedicação exclusiva com a categoria de Professora Auxiliar, no 2.º Escalão, e adoptando a tabela de vencimentos da carreira docente pública. b) Respeitar uma repartição de tempos para actividades de ciência e investigação em partes iguais. c) Atribuir serviço docente apenas no 1.º semestre de cada ano não excedendo 8 horas semanais. d) Apoiar a instalação pela referida investigadora de um Centro de Investigação em Simiótica, Comunicação e Arquitectura do Espaço – CISCAE, um colóquio de lançamento do Centro referido, a organização anual de um encontro científico e a actividade em projectos de investigação na área indicada. 3. O subsídio é concedido nos termos do Artigo 45.º do Regulamento da Formação Avançada e Qualificação de Recursos Humanos. 4. O montante do subsídio é de 4.250 Contos, ou seja, de € 21.198,91 em cada um dos três primeiros anos do contrato em causa. 5. O subsídio será transferido pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, com periodicidade aproximadamente trimestral. (...)” 4. A. e R. celebraram o contrato de trabalho sem termo, datado de 1 de Outubro de 2001, cuja cópia está junta de fls. 14 a 16 e se tem por reproduzida, donde consta designadamente: CLÁUSULA PRIMEIRA A "BB" na qualidade de entidade instituidora da UNIVERSIDADE AUTÓNOMA DE LISBOA "LUÍS DE CAMÕES", adiante designada por "AUTÓNOMA", admite a "PROFESSORA" para exercer na "AUTÓNOMA" serviço de investigação e de docência que lhe vier a ser atribuído pelos órgãos académicos competentes, sem prejuízo do disposto na cláusula sexta.CLÁUSULA TERCEIRA A "PROFESSORA" detém a categoria de Professora Auxiliar, de acordo com o disposto no artigo 2°, n.º 1, alínea c) e artigo 5°, dos Estatutos da "AUTÓNOMA". CLÁUSULA QUARTA A "PROFESSORA" é contratada no "regime de dedicação exclusiva" vigente na carreira docente universitária pública. CLÁUSULA QUINTA A "PROFESSORA" aufere uma retribuição mensal ilíquida de 606.400$00 (Seiscentos e seis mil e quatrocentos escudos), à qual acrescem os encargos com a Segurança Social à taxa de 8%. A retribuição corresponde à indicada na tabela de vencimentos da carreira docente Universitária Pública no Escalão n.º 2, índice 210, a que acresce, no mês de Julho, um subsídio de férias e, no mês de Dezembro, um subsídio de Natal, de montantes correspondentes à retribuição mensal. CLÁUSULA SEXTA 1. A "PROFESSORA" fica obrigada a assegurar o serviço docente que lhe for atribuído nos termos da Cláusula Primeira, o que apenas pode ocorrer no 1.º semestre de cada ano lectivo e nunca excedendo 8 (oito) horas lectivas semanais. 2. A partir da cessação do pagamento do subsídio concedido pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, destinado a estimular a inserção profissional de Doutores, a "PROFESSORA" passa a prestar o seu serviço docente nas mesmas condições que os demais docentes da "AUTÓNOMA". CLÁUSULA NONA Este contrato tem como seu anexo uma cópia do "Termo de Aceitação de Subsídio por Estímulo à Inserção Profissional de Doutorados em Instituições de I & D", e consta de três exemplares assinados por ambas as partes. 5. A A. remeteu à R. a carta datada de 14 de Setembro de 2005 e recebida em 16 de Setembro de 2005, cuja cópia está junta a fls. 17 e se tem por reproduzida, donde consta designadamente: “Tendo-se verificado desde Dezembro de 2004 uma diminuição da retribuição que me é paga, por decisão unilateral dessa Cooperativa, e não estando a ser cumpridas as actualizações salariais nos termos contratualmente estabelecidos, informo que resolvo com fundamento em justa causa o contrato de trabalho com essa empresa, produzindo a resolução efeitos na data do recebimento desta carta.” 6. Enquanto esteve ao serviço da R., a A. auferiu as seguintes retribuições mensais: - Desde a admissão e até Novembro de 2004 ------------------------- € 3.024,72 - Desde Dezembro/2004 até ao final de final de Setembro/2005 --- € 2.000,00 7. O subsídio pago pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia deixou de ser liquidado no dia 30 de Setembro de 2004. 8. Durante o período de pagamento do subsídio, a R. liquidou à A. a retribuição mensal de € 3.024,43, acrescida de subsídio de férias e, no mês de Dezembro, de um subsídio de Natal. 9. Durante o período de pagamento do subsídio, a R. repartiu a prestação do trabalho da A. em partes iguais, para a docência e para actividades de ciência e investigação, atribuindo serviço docente apenas no 1.º semestre de cada ano, não excedendo 8 horas lectivas semanais. 10. Depois de 30 de Setembro de 2004, a A. passou a prestar trabalho docente a tempo inteiro, em ambos os semestres e a sua remuneração passou a corresponder à dos demais docentes da AUTÓNOMA com a categoria de Professora Auxiliar, em regime de dedicação exclusiva e com a experiência da A. 11. À data da cessação do subsídio concedido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, em 30 de Setembro de 2004, os docentes da AUTÓNOMA nas condições da A., com a categoria de Professora Auxiliar e em regime de dedicação exclusiva, auferiam € 2.000,00 (dois mil euros) de vencimento. 12. Quando assinou o contrato de trabalho com a R., a A. sabia que este era o valor do vencimento dos docentes da R. com a categoria de Professora Auxiliar e em regime de dedicação exclusiva. 13. Não houve alteração dos valores das remunerações dos docentes da R. entre os anos de 2001 e de 2005. 14. Por lapso informático, nos meses de Outubro e Novembro de 2004, o recibo do vencimento da A. foi processado pelo valor de € 3.024,72 e, por isso, foi este o valor liquidado à A., deduzido dos descontos legais. 15. No mês de Dezembro de 2004, a R. apercebeu-se do lapso referido e processou o recibo de vencimento pelo valor de € 2.000,00, correspondente ao valor da remuneração dos demais docentes da UAL que reuniam condições de trabalho equivalentes às da A, e liquidou o vencimento pelo referido valor. 16. A. e R. não acordaram no aumento do vencimento da A. nos termos da progressão de carreira universitária pública, de três em três anos. A matéria de facto assim dada como provada na 1.ª instância não foi objecto de impugnação, no recurso de apelação. Todavia, o Tribunal da Relação decidiu dar, oficiosamente, como não escrito, ao abrigo do disposto no art.º 646.º, n.º 4, do CPC, o teor do n.º 16, por considerar que o mesmo continha matéria de direito, uma vez que uma das questões a decidir na acção era precisamente a de saber se as partes acordaram, ou não, no aumento do vencimento da autora nos termos da progressão da carreira universitária pública. Nas contra-alegações do recurso de revista, a ré insurgiu-se contra esta decisão da Relação e fê-lo com dois fundamentos: - em primeiro lugar, por entender que a 1.ª instância tinha formado a sua convicção relativamente à matéria de facto, nas regras da experiência comum e no exame crítico das provas, designadamente no acordo das partes, na prova documental de fls. 10 a 18 e no depoimento das testemunhas CC e DD e que, não tendo a audiência de julgamento sido objecto de gravação, não era permitido à Relação alterar a decisão sobre a matéria de facto, por não constarem dos autos todos os elementos de prova que serviram de base àquela decisão; - em segundo lugar, por considerar que o facto em questão não constitui matéria de direito, sendo que, tratando-se de um facto negativo, não era possível, à ré, fazer a prova de outros factos que conduzissem à conclusão contida no n.º 16. Por razões de precedência lógica, importaria começar por conhecer da questão assim colocada pela recorrida. Sucede, porém, que a mesma não pode ser apreciada, uma vez que a recorrida não requereu a ampliação do objecto do recurso, como podia ter feito ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 684.º-A do CPC. Na verdade, como decorre da epígrafe do artigo 684-A (“Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido” – sublinhado nosso) e do teor do seu n.º 1 (“desde que o requeira”), a ampliação do objecto do recurso por parte do recorrido está dependente de requerimento nesse sentido, requerimento esse que, no caso em apreço, não foi formulado. Com efeito, impugnando, embora, a alteração feita pela Relação na matéria de facto, a recorrida em parte alguma das suas contra-alegações requereu a ampliação do objecto do recurso ou citou, sequer, o art.º 684-A. De qualquer modo, mesmo que se entendesse que não havia razões para a Relação dar como não escrito o n.º 16 da matéria de facto, a verdade é que o mesmo seria irrelevante para a decisão do mérito do recurso, como adiante se verá. 3. O recurso de revista As questões suscitadas nas conclusões formuladas pelo recorrente e pela recorrida são as seguintes, segundo a ordem de procedência lógica que entre elas intercede: - Saber qual era a retribuição a que a autora tinha direito, a partir de Outubro de 2004; - Saber se a autora teve justa causa, para resolver o contrato de trabalho que mantinha com a ré; - Saber se a autora agiu com abuso do direito; - Saber qual é o montante da indemnização que lhe deve ser arbitrado. 3.1 Da retribuição Como decorre da matéria de facto provada, a autora foi admitida ao serviço da ré, com a categoria de Professora Auxiliar, em regime de dedicação exclusiva, mediante a celebração, em 1 de Outubro de 2001, de um contrato de trabalho sem termo, com início na mesma data, contrato esse que foi reduzido a escrito e no qual se estipulou que a retribuição mensal da autora era de 606.400$00 e correspondia à indicada na tabela de vencimentos da carreira docente universitária pública para o escalão n.º 2, índice 210. E, como também resulta da referida factualidade, a contratação da autora ocorreu na sequência de um processo de candidatura, por parte da ré, à obtenção de um subsídio que era atribuído pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, visando estimular a inserção profissional de doutorados, subsídio esse que lhe foi efectivamente atribuído, durante três anos. E provado está também que a ré pagou à autora a retribuição mensal estipulada no contrato de trabalho (606.400$00/€ 3.024,43), durante todo o período em que recebeu o dito subsídio, ou seja, até 30 de Setembro de 2004, passando, depois, a pagar-lhe tão somente a importância de € 2.000 mensais, a qual correspondia à retribuição que era auferida pelo demais professores da ré, em regime de exclusividade e com a mesma categoria da autora. Na decisão recorrida, entendeu-se que a ré se tinha obrigado a cumprir em relação à autora a tabela de vencimentos em vigor na carreira docente universitária pública, quer no que toca à fixação da retribuição inicial, quer nas suas futuras actualizações. Mas também se entendeu que tal obrigação só existia durante o período de tempo em que se mantivessem as condições especiais de trabalho estabelecidas no acordo celebrado com a referida Fundação e o pagamento do subsídio por parte desta. E, em consequência desse entendimento, o recurso de apelação interposto pela autora foi julgado procedente no que toca às diferenças salariais verificadas até 30.9.2004 (data em que a ré deixou de receber o subsídio da Fundação), entre a retribuição que a autora auferiu e aquela que devia ter recebido por força das actualizações anuais sofridas na tabela de vencimentos da carreira docente universitária pública, tendo a ré sido condenada a pagar-lhe, a esse título, a quantia de € 3.324,20. O acórdão da Relação não foi objecto de recurso por parte da ré, o que significa que transitou em julgado na parte em que nele se decidiu que a ré estava obrigada a cumprir, relativamente à autora, a tabela de vencimentos em vigor na carreira docente universitária pública. Deste modo, e no que diz respeito à retribuição, em aberto ficou apenas a questão de saber se, realmente, a ré só estava obrigada a cumprir a tabela de vencimentos da carreira docente universitária pública, enquanto se mantivessem as condições de trabalho inicialmente acordadas com a autora, bem como o pagamento do subsídio que lhe fora atribuído pela Fundação. Na decisão recorrida entendeu-se que os preliminares do contrato de trabalho (a carta enviada pela ré à Fundação, em 29.6.2001, propondo-lhe a contratação da autora e o “Termo de Aceitação de Subsídio” assinado pela ré) e o próprio contrato de trabalho, devidamente interpretados à luz do disposto nos artigos 236.º a 239.º do Código Civil, conduziam a uma resposta afirmativa. A recorrente/autora discorda e continua a defender que a conduta da ré configura uma diminuição unilateral e ilícita da sua retribuição. Vejamos de que lado está a razão. E começaremos por referir que, constando do contrato de trabalho que a retribuição da autora era de 606.400$00, competia à ré alegar e provar que essa retribuição tinha sido acordada para vigorar, apenas, enquanto se mantivessem as condições de trabalho a que a prestação laboral da autora estava sujeita durante o período em que a ré recebesse o subsídio da Fundação. Na contestação (art.º 10.º), a ré alegou, efectivamente, que tinha acordado com a autora que, a partir da cessação do pagamento do subsídio concedido pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, a autora passaria a prestar o seu serviço docente nas mesmas condições que os demais docentes da AUTÓNOMA. E mais alegou que, durante o período em que recebeu o subsídio, repartiu a prestação do trabalho da autora em partes iguais, para a docência e para actividades de ciência e investigação) atribuindo-lhe serviço docente apenas no 1.º semestre de cada ano, sem que este excedesse 8 horas lectivas semanais (art.º 16.º da contestação); que, depois de 30 de Setembro de 2004, passaram a vigorar as condições dos demais docentes da AUTÓNOMA, passando, então, a autora a prestar trabalho docente a tempo inteiro, em ambos os semestres e a sua remuneração a corresponder à dos demais docentes da AUTÓNOMA, com a categoria da autora (Professor Auxiliar) e em regime de dedicação exclusiva, a qual era de € 2.000 mensais, como a autora bem sabia, quando assinou o contrato (artigos 17.º, 18.º, 19.º, 23.º e 24.º da contestação). Como da matéria de facto se constata (vide factos n.os 9, 10, 11 e 12), a ré logrou provar que as condições de trabalho da autora, após a cessação do pagamento do subsídio que lhe foi concedido pela Fundação, foram efectivamente diferentes daquelas a que esteve sujeita durante o período em que a ré recebeu o dito subsídio. E também logrou provar que, à data da cessação do mencionado subsídio, a remuneração dos demais docentes com condições de trabalho iguais às da autora e com a mesma categoria profissional que ela era de € 2.000. O que a ré não logrou provar foi que tivesse acordado com a autora que a retribuição inicialmente estipulada só era para vigorar enquanto o pagamento do subsídio se verificasse. Apesar disso, a Relação acabou por concluir pela existência desse acordo, pelas razões que já referimos, ou seja, pela via da interpretação das declarações negociais contidas no contrato de trabalho escrito que entre as partes foi celebrado, em conjugação com o teor da carta dirigida pela ré à Fundação a solicitar a atribuição do subsídio e com o teor do “termo de aceitação” de aceitação do subsídio, subscrito pela ré. Todavia, e salvo o devido respeito, não vislumbramos que a interpretação assim perfilhada pela Relação tenha qualquer apoio nos documentos em questão. Na verdade, no contrato de trabalho não encontramos qualquer referência relativamente à retribuição que seria devida à autora após a cessação do pagamento do subsídio que lhe fora atribuído pela Fundação. A cláusula 5.ª é a única em que a retribuição é referida e nela apenas se diz que “[a] “Professora” aufere uma retribuição mensal ilíquida de 606.400$00 (Seiscentos e seis mil e quatrocentos escudos), à qual acrescem os encargos com a Segurança Social à taxa de 8%” e que tal “retribuição corresponde à indicada na tabela de vencimentos da carreira docente Universitária Pública no Escalão n.º 2, índice 210, a que acresce, no mês de Julho, um subsídio de férias e, no mês de Dezembro, um subsídio de Natal, de montantes correspondentes à retribuição mensal”. A referida cláusula é absolutamente omissa no que toca a uma eventual diminuição da retribuição, após a cessação do pagamento do subsídio por parte da Fundação. As partes acordaram, é certo, em sede do contrato de trabalho que subscreveram, que “a autora era admitida ao serviço da ré, “para exercer na “AUTÓNOMA” serviço de investigação e de docência que lhe vier a ser atribuído pelos órgãos académicos competentes, sem prejuízo do disposto na cláusula sexta” (cláusula 1.ª do contrato); que a autora ficava obrigada a assegurar o serviço docente que lhe for atribuído nos termos da cláusula 1.ª, mas que tal serviço só lhe podia ser atribuído no 1.º semestre de cada ano, sem nunca exceder as 8 horas lectivas semanais (cláusula 6.ª, n.º 1); e que, a partir da cessação do pagamento do subsídio concedido pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, destinado a estimular a inserção profissional de Doutores, a autora passaria “a prestar o seu serviço docente nas mesmas condições que os demais docentes da AUTÓNOMA” (cláusula 6.ª, n.º 2). Como do teor das referidas cláusulas resulta, as partes convencionaram que as condições de trabalho da autora mudariam quando a Fundação deixasse de pagar o subsídio que tinha concedido à ré, como incentivo para a contratação da autora. Porém, ao contrário do que sustenta a ré e do que foi decidido no acórdão recorrido, do teor do n.º 2 da cláusula 6.ª não decorre, minimamente, que as partes ao remeterem para as mesmas condições que os demais docentes tivessem querido nelas incluir também as condições referentes à retribuição por estes auferida. Com efeito, e como bem diz a recorrente, as condições referidas no n.º 2 daquela cláusula são as condições referidas no n.º 1 da mesma cláusula, ou seja, são apenas as condições respeitantes ao exercício das funções docentes. O elemento sistemático não deixa quaisquer dúvidas a esse respeito. Por outro lado, sendo a retribuição um dos elementos essenciais do contrato de trabalho e sabendo a generalidade das pessoas que, em princípio, é proibido à entidade empregadora diminuir a retribuição do trabalhador (art.º 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT, em vigor à data em que as partes celebraram o contrato), afigura-se-nos evidente que, se a vontade real das partes tivesse sido no sentido que veio a obter vencimento das instâncias, elas não deixariam de o dizer expressa e claramente no contrato. Não deixa de ser estranho que a ré tenha contratado a autora aceitando pagar-lhe uma retribuição substancialmente superior à que pagava aos seus docentes, com a mesma categoria da autora e em regime de exclusividade como ela, sabendo que, findo o pagamento do subsídio que lhe foi concedido pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (que correspondia a metade da retribuição estipulada), teria de ser ela, ré, a arcar sozinha com o pagamento dessa retribuição e que, passando a autora a prestar o seu trabalho docente nas mesmas condições que os demais docentes, daí resultaria uma situação de notória desigualdade remuneratória entre os seus docentes. Todavia, importa ter presente que uma das condições impostas pela Fundação para a atribuição do subsídio era a de que a autora fosse contratada sem termo, em regime de dedicação exclusiva, com a categoria de Professora Auxiliar, do 2.º escalão; outra era a de que fosse adoptada a tabela de vencimentos da carreira docente universitária pública; outra era a de que os tempos para actividades de ciência e de investigação fossem repartidos em partes iguais; e outra era a de que a de que à autora só fosse atribuído no 1.º semestre de cada ano, sem exceder 8 horas lectivas por semana (vide o “Termo de aceitação do subsídio (…)”, de fls. 12 e 13, para que o n.º 3 da matéria de facto remete). Essas condições não afastam a estranheza atrás referida, mas delas também não se recolhe nenhum apoio em prol da tese sustentada pela ré e que as instâncias perfilharam. Na verdade, o termo de aceitação não indicia minimamente que a tabela de vencimentos da carreira docente universitária pública só seria para aplicar durante o período de concessão do subsídio. E o mesmo se diga da carta dirigida, pela ré, à Fundação – junta a fls. 10 e 11 dos autos e para que o n.º 2 da matéria de facto remete – propondo a contratação da autora e os termos em que essa contratação se processaria (e que, no essencial, eram as seguintes: a celebração de contrato de trabalho sem termo, em regime de dedicação exclusiva, com a categoria de Professora Auxiliar, escalão n.º 2, índice 210 e vencimento de 606.400$00; observância, em cada ano, da tabela de vencimentos do ensino superior docente universitário; respeitar os tempos de investigação (50%) e de docência (50%) e comprometer-se a localizar todas as actividades docentes no primeiro semestre, sem sobrecarga horária, deixando o 2.º semestre para actividades de investigação) e solicitando à Fundação a comparticipação salarial de 50%, para o 1.º, 2.º e 3.º ano. De facto, na carta referida também nenhuma referência é feita à diminuição da retribuição, após a cessação do pagamento do subsídio. Concluindo, diremos que, tendo presente o disposto nos artigos 237.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não vislumbramos que um declaratário normal possa interpretar o contrato de trabalho, mesmo em conjugação com os dois outros documentos referidos, com o sentido com que, relativamente à retribuição da autora, foi interpretado na decisão ora recorrida e, muito menos, entender que esse sentido possa ter o mínimo de correspondência no texto do contrato. E nem se diga que o teor do n.º 16 da matéria de facto, se não tivesse sido dado como não escrito pela Relação, afastaria a conclusão a que chegamos (“A. e R. não acordaram no aumento do vencimento da A. nos termos da progressão da carreira universitária pública, de três em três anos.”), pois, como já foi referido, a decisão recorrida transitou em julgado no que concerne ao regime salarial da autora (regime da carreira docente universitária pública). E, neste contexto, também é irrelevante que se tenha dado como provado que a autora, quando assinou o contrato, sabia que o vencimento dos demais docentes da AUTÓNOMA, com a mesma categoria profissional que a sua e no mesmo regime de dedicação exclusiva, só era de € 2.000 (n.os 12 e 13 da matéria de facto). E, sendo assim, como entendemos que é, impõe-se julgar procedente o recurso, nesta parte, e julgar ilícita a conduta da ré, por violação da regra contida no art.º 122.º, al. d) - (1)”., do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e em vigor desde 1.12.2003), ao ter baixado a retribuição da autora, a partir da data em que deixou de receber o subsídio que, durante três anos, lhe fora concedido pela Fundação que vem sendo referida, mais precisamente, a partir de Dezembro de 2004 (uma vez que vem dado como provado que, nos meses de Outubro e Novembro de 2004, a ré, embora por engano, ainda pagou à autora a retribuição estipulada no contrato). Com efeito, dispondo o citado art.º 122.º, na sua alínea d), que é proibido ao empregador diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e competindo à ré alegar e provar, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do C.C., que a diminuição da retribuição da autora tinha sido feita ao abrigo de específicos normativos legais ou convencionais que tal permitissem, o que não fez, não podemos deixar de concluir que a ré violou, efectivamente, a regra contida na alínea d) do referido art.º 122.º. E, consequentemente, de concluir, também, que a autora tem direito a receber da ré as diferenças salariais referentes ao período posterior a 1 de Outubro de 2004 (recorde-se que na decisão recorrida a ré já foi condenada a pagar € 3.142,98 de diferenças salariais vencidas até 30 de Setembro de 2004, tendo essa decisão transitado em julgado), cujo montante terá de ser relegado para incidente de execução, por se desconhecerem as retribuições que a que teria direito nos termos do Estatuto da Carreira Docente Universitária pública. 3.2 Da justa causa Conforme está provado, a autora resolveu o contrato de trabalho que mantinha com a ré, através de carta datada de 14 de Setembro de 2005 que a ré recebeu dois dias depois. E fê-lo com invocação de justa causa, imputando à ré a diminuição da sua retribuição, a partir de Dezembro de 2004, e o não pagamento das actualizações salariais que lhe eram devidas. A resolução ocorreu, pois, na vigência do Código do Trabalho (CT), aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/8, cuja entrada em vigor ocorreu em 1 de Dezembro de 2003 (art.º 3.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003), e, por isso, será à luz do estabelecido naquele corpo de leis – a que pertencerão todos os normativos que, sem indicação em contrário vierem a ser referidos – que a questão da justa causa de resolução do contrato tem de ser apreciada. “Ocorrendo justa causa, [diz o art.º 441.º, n.º 1, daquele Código] pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato.” E, nos seus n.os 2 e 3, aquele artigo enumera, a título exemplificativo, um conjunto de situações susceptíveis de constituírem justa causa de resolução do contrato, por parte do trabalhador, entre as quais figura “a falta culposa de pagamento pontual da retribuição e a “violação culposa das garantias legais e convencionais do trabalhador” (vide alíneas a) e c) do n.º 2). O CT, tal como sucedia com a LCCT (regime jurídico da cessão do contrato individual de trabalho e da celebração e a caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo D.L. n.º 64-A/89, de 27/2), não nos diz o que se deve entender por justa causa, para efeitos de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador. Entende-se, porém, tal como já se entendia na vigência da LCCT, que a justa causa de resolução há ser aferida à luz do conceito de justa causa que consta do art. 396.º, n.º 1, do CT, para efeitos de despedimento por facto imputável ao trabalhador. E tal entendimento tem apoio no próprio CT, uma vez que no n.º 4 do seu art.º 441.º estipulava que “a justa causa é apreciada nos termos do n.º 2 do art.º 396.º, com as necessárias adaptações”. Com efeito, inserindo-se o art.º 396.º na divisão que trata do despedimento promovido pela entidade empregadora e contendo o seu n.º 1 o conceito de justa causa para efeitos de despedimento por facto imputável ao trabalhador, é óbvio que o n.º 4 do art.º 441.º, ao remeter para o n.º 2 do art.º 396.º, também inclui a remissão para o conceito de justa causa vertido no n.º 1 do art.º 396.º. Deste modo, tal como sucede no despedimento por facto imputável ao trabalhador, não basta a simples ocorrência de alguma das situações previstas nos n.os 2 e 3 do art.º 441.º, para se poder concluir pela existência de justa causa para a resolução do contrato por parte do trabalhador. Essas situações terão sempre de ser avaliadas, embora com as necessárias adaptações, à luz do conceito de justa causa contido no n.º 1 do art.º 396.º, nos termos do qual constitui justa causa de despedimento “[o] comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”. Não basta, pois, uma qualquer violação por parte do empregador dos direitos do trabalhador para que este possa resolver o contrato com justa causa. Torna-se necessário que a conduta culposa do trabalhador seja de tal modo grave, em si mesma e nas suas consequências, que, à luz do entendimento de um bonnus paterfamilias, torne inexigível a manutenção da relação laboral, por parte do trabalhador. Devemos, todavia, ter presente, na apreciação desta questão, que o trabalhador não dispõe, quando lesado nos seus direitos, de formas de reacção alternativas à rescisão, ao contrário do que acontece com o empregador que dispõe de sanções disciplinares de natureza conservatória para reagir a determinada infracção cometida pelo trabalhador. E, por via disso, deve-se entender que no juízo de inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral a fazer, no caso de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador com invocação de justa causa, não se pode ser tão exigente como nos casos de apreciação da justa causa de despedimento. Revertendo ao caso em apreço, dúvidas não há, face ao que já foi referido na apreciação da anterior questão, em “3.1 Da retribuição”, que a ré violou os direitos da autora, quer no que toca à actualização da retribuição que devia ter ocorrido em 1 de Janeiro de 2002, quer no que diz respeito à diminuição dessa mesma retribuição, a partir de 1 de Dezembro de 2004. O direito à retribuição é um direito fundamental dos trabalhadores constitucionalmente reconhecido (art.º 59.º, n.º 1, al. a), da CRP) e compreende-se que assim seja, por ser normalmente o único meio de subsistência do trabalhador e do seu agregado familiar. A sua violação por parte do empregador constituirá, por isso, e em regra, uma infracção grave, como o próprio legislador o reconhece, ao conceder ao trabalhador o direito de suspender o contrato, quando a mora no pagamento da retribuição se prolongue por mais de 15 dias (art.º 303.º, n.º 1, da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, que regulamentou o CT/2003), e o direito de resolver o contrato, com direito a indemnização, quando a mora atinja os 60 dias (art.º 308.º da citada Lei n.º 35/2004), independentemente da culpa do empregador. No caso em apreço, a conduta da ré mostra-se especialmente grave no que concerne à diminuição da retribuição da autora, a partir de Dezembro de 2004, face ao valor dessa diminuição. Recorde-se que a ré vinha a pagar à autora a retribuição de € 3.024,72 e que a partir de Dezembro de 2004 lhe passou a pagar apenas € 2.000. Tratando-se de uma diminuição substancial da retribuição (cerca de 1/3), a conduta da ré – que, nos termos do art.º 799.º, n.º 1, do C.C, se presume culposa – assume naturalmente acentuada gravidade e tornaria, desde logo, e só por si, inexigível a manutenção da relação laboral. Sucede, porém, que a conduta da ré se foi mantendo ao longo de vários meses, tornando a mesma cada vez mais grave e tornando, também, cada vez mais insustentável a manutenção do vínculo laboral por parte da autora, devendo ser considerada, por isso, como justa causa de resolução do contrato. 3.3 Do abuso do direito Nas suas contra-alegações, a ré, sem prescindir do entendimento de que não havia justa causa para a autora resolver o contrato de trabalho, alegou que o exercício desse direito foi abusivo (art.º 334.º do C.C.), invocando, em resumo, o seguinte: - o comportamento da ré, invocado para resolver o contrato, não era actual ao tempo da resolução e a invocação desse comportamento sempre deverá ser considerada violadora do dever de boa-fé; - com efeito, a falta de actualização da retribuição reportava-se a Janeiro de 2002 e a diminuição da retribuição a 30 de Setembro de 2004; - todavia, como provado ficou, até à data da resolução do contrato, a autora nunca apresentou qualquer reclamação à ré, o que significa que ela se conformou com o entendimento da ré quanto ao valor da retribuição, o que criou na ré a convicção de que os valores liquidados estavam correctos e que a autora não viria a arguir a falta de pagamento pontual da retribuição como fundamento para resolver o contrato que a ligava à ré; - neste contexto, é incontroverso que a autora excedeu manifestamente os limites da boa fé, ao ter invocado, para a resolução do contrato, um entendimento diferente daquele que até aí havia aceitado, quanto ao valor da sua retribuição. Antes de mais, importa referir que o abuso do direito só agora, na revista, é que foi chamado à colação, o que vale por dizer que se trata de uma questão nova. Todavia, sendo o mesmo de conhecimento oficioso, nada obsta a que o tribunal dele conheça, quando for suscitado pelas partes, ainda que só na fase de recurso. Nos termos do art.º 334.º do Código Civil, o abuso do direito traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade de, no seu exercício, o titular do direito exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social desse direito. Segundo a ré, a autora teria excedido manifestamente os limites da boa fé, não só por não ter apresentado qualquer reclamação antes de ter resolvido o contrato, mas também por ter actuado em desconformidade com a sua anterior conduta que, na opinião da ré, era de aceitação da retribuição que lhe vinha sendo paga, violando, desse modo, a confiança que, devido a essa conduta, a ré tinha criado de que a autora não viria a resolver o contrato com fundamento na não actualização e posterior diminuição da retribuição. Por outras palavras, segundo a ré, a autora teria violado o princípio da boa fé e mais especificamente o princípio da tutela da confiança. Não vislumbramos, porém, que o entendimento da ré tenha o menor apoio nos factos dados como provados. Na verdade, e ao contrário do que a ré alegou, não foi dado como provado que a autora nunca tivesse apresentado qualquer reclamação junto da ré, relativamente ao montante da retribuição que lhe estava a ser paga. Tal facto só é referido na fundamentação do despacho que decidiu a matéria de facto, não podendo, por isso, fazer parte, como não faz, do elenco dos factos provados, sendo que à ré competia, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do C.C., alegar e provar esse facto, por se tratar de um facto impeditivo do direito de resolução que à autora assistia. E o mesmo se diga relativamente ao alegado venire contra factum proprio, pois, também, nesta matéria, era sobre a ré que recaía o ónus de alegar e provar os factos praticados pela autora (por acção ou por omissão), que permitissem concluir que esta tinha adoptado uma conduta que levara aquela a confiar que a autora não viria a exercer o direito de resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento da retribuição que lhe era devida, ónus que a ré não cumpriu, dado que a factualidade dada como provada nada contém de relevante nesse sentido. Por fim, no que diz respeito à actualidade da resolução, o decurso do tempo não é relevante, uma vez que, in casu, não estamos perante um incumprimento pontual de um dever contratual, por parte da ré, mais sim perante uma situação de incumprimento que se reiterou ao longo de meses e que, por isso, mesmo se foi mantendo actual. Na verdade, o não pagamento da retribuição (ou de parte da retribuição, como, no caso, aconteceu) consubstancia uma violação contratual que não se consuma no momento em que o empregador entra em mora. Essa violação mantém-se, naturalmente, enquanto a mora perdurar. Improcede, portanto, o recurso, nesta parte. 3.4 Da indemnização A resolução do contrato com fundamento em algum dos comportamentos previstos nas alíneas do n.º 2 do art.º 441.º do C.T. confere ao trabalhador o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo corresponder a uma indemnização que deve ser fixada entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade. É que dispõe o art.º 443.º, n.º 1, do C.T. No caso em apreço, a autora não alegou ter sofrido quaisquer danos, mas pediu que a indemnização fosse fixada “no montante [correspondente a] 45 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade, ou seja, no valor de € 20.869,44”. Perante a falta de elementos relativamente aos danos que a autora eventualmente terá sofrido, temos por ajustado fixar a indemnização na base de 30 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, que corresponde ao valor médio previsto na lei e que era o valor estabelecido na LCCT. Assim, tendo a autora três anos completos de antiguidade, à data em que fez accionar a resolução do contrato, o montante da indemnização será igual a 90 dias da retribuição base e diuturnidade que lhe era devida no mês em que resolveu o contrato (Setembro de 2005). Porém, não havendo elementos nos autos para, com segurança, definir qual era essa retribuição (como já foi referido a propósito da questão tratada no ponto 3.1), o cálculo da indemnização também terá de ser relegado para posterior incidente executivo. 4. Decisão Nos termos expostos, decide-se julgar procedente o recurso, revogar a decisão recorrida, na parte em que absolveu a ré das diferenças salariais e em que considerou a autora não tinha tido justa causa para resolver o contrato, e mantê-la no demais, ficando, deste modo, a ré condenada a pagar à autora, para além da quantia de € 6.467,18 a que já foi condenada na decisão recorrida (€ 3.324,200, a título de férias e subsídios de férias e de Natal referentes ao trabalho prestado no ano da resolução do contrato e € 3.142,98, a título de diferenças salariais no período de Janeiro/2002 a Setembro de 2004, inclusive), o seguinte: - a quantia que se vier a liquidar, em incidente de execução, a título de diferenças salariais referentes ao período de Outubro/2002 até à data da resolução do contrato em 16 de Setembro de 2005, nos termos referidos em 3.1; - a indemnização de antiguidade que se vier a liquidar, nos termos referidos em 3.4, em incidente de execução. Custas nas instâncias e no Supremo, na proporção do vencido, nos termos que a final se vierem a apurar após o incidente de execução, mas a adiantar pela ré. Lisboa, 25 de Março de 2009 Sousa Peixoto (Relator) Sousa Grandão Pinto Hespanhol ______________________ (1) - O normativo legal citado tem o seguinte teor: “É proibido ao empregador: (…) d) Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho;”. |