Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4/10.5FBPTM.E1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CONFIRMAÇÃO IN MELLIUS
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ARREPENDIMENTO
DIREITO AO SILÊNCIO
CO-AUTORIA
COMPARTICIPAÇÃO
IDADE
ANTECEDENTES CRIMINAIS
ATENUANTE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
ILICITUDE
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 09/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE O RECURSO DO ARGUIDO AA. REJEITADO O RECURSO DO ARGUIDO BB
Área Temática:
DIREITO PENAL - CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES / PENAS.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PROCESSO PENAL (CPP): ARTIGOS 400.º, N.º 1, AL D), F)
DL 15/93, DE 22 DE JANEIRO: ARTIGOS 21.º, 24.º AL. C)
Jurisprudência Nacional:
ACORDÃOS DOS SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 23.11.2011 (PROC. N.º 12/10.6JAGRD.C1.S1 - 5ª); 9.2.2012 (PROC. N.º 1/09.3FAHRT.L1.S1 - 3ª); 21.3.2012 (PROC. N.º 303/09.9JDLSB.E2.S1 - 3ª); E DE 26.4.2012 (PROC. N.º 438/07.2PBVCT.G1.S1 - 5ª).
Sumário :
I - A confirmação in mellius, ou seja, a que confirma, melhorando, a situação penal do condenado, é relevante para efeitos da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP. Assim, tendo a Relação reduzido a pena do recorrente E de 9 para 8 anos de prisão, tal decisão não admite recurso (sendo certo que a decisão que o admitiu não vincula o STJ – art. 414.º, n.º 3, do CPP).

II - No que diz respeito ao recurso do arguido P, uma coisa é provar-se o não arrependimento, outra é não se provar o arrependimento. No caso, o tribunal entendeu não se ter provado o arrependimento, mas já não a ausência de arrependimento. E fundamentou a conclusão com base não só no silêncio do arguido recorrente, como também na falta de outros elementos de prova que o fundamentassem.

III - Não houve, portanto, valoração negativa do direito ao silêncio, que só teria acontecido se o tribunal tivesse deduzido do silêncio o não arrependimento do recorrente, o que não sucedeu. O tribunal afastou o arrependimento porque o arguido não o verbalizou convincentemente (antes remetendo-se ao silêncio), nem praticou qualquer ato material donde o arrependimento pudesse ser deduzido. Mas não considerou provada a falta de arrependimento.

IV - Tendo-se limitado a aguardar, dentro da carrinha, o carregamento de fardos de haxixe, conduzindo o veículo, no qual seguiam todos os coarguidos, até à praia onde seria desembarcado o estupefaciente, não se pode deduzir do comportamento do recorrente uma função dominante na condução das operações.

V - A idade (41 anos à data dos factos) não pode ser considerada atenuante. A ausência de antecedentes criminais também não tem nenhum relevo especial. A sua inserção social e familiar também não o beneficiam. Neste tipo de criminalidade, ou seja, o tráfico de grandes dimensões, é comum o envolvimento de pessoas de estatuto económico-social médio ou elevado.

VI - Os factos são de particular gravidade, no quadro do tráfico de estupefacientes simples do art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, na medida em que se trata de uma operação de importação, por via marítima, de cerca de 4 toneladas de haxixe, transportada em 125 fardos. Sendo certo não se trata de droga dura, a quantidade agrava expressivamente a ilicitude. Por outro lado, a intervenção do recorrente só pode ser entendida como justificada pela intenção de obter uma compensação financeira suficientemente compensadora do risco. Irrelevante é, também, em termos de atenuação da culpa, o facto de se tratar de uma única conduta

VII - No cômputo global dos factos, considerando a efectiva participação do recorrente P nos factos, é adequada a pena de 8 anos de prisão [em substituição da pena de 8 anos e 6 meses de prisão fixada pelo Tribunal da Relação], pena que, não ultrapassando a culpa, satisfaz as exigências preventivas, particularmente fortes neste tipo de criminalidade.
Decisão Texto Integral:   

                Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I. RELATÓRIO

            Por acórdão de 1.4.2011 do Tribunal Coletivo do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos foram condenados, como coautores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21º e 24º, c), do DL nº 15/93, de 22-1, os arguidos:

            AA, na pena de 11 anos de prisão;

            BB, na pena de 9 anos de prisão.[1]

            Recorreram os arguidos dessa decisão para o Tribunal da Relação de Évora.[2] Por acórdão de 28.2.2012, este Tribunal concedeu provimento parcial aos recursos, modificando a subsunção jurídica dos factos, que integrou no art. 21º do mesmo diploma, e reduzindo as penas da seguinte forma:

            AA: 8 anos e 6 meses de prisão;

            BB: 8 anos de prisão.

            Deste acórdão recorrem novamente os arguidos, agora para este Supremo Tribunal.

            Alega o arguido AA:

1. Decidiu o Venerando Tribunal da Relação de Évora, após alteração do enquadramento jurídico dos factos provados em primeira instância, (enquadramento jurídico nos termos do art.° 21.° DL 15/93 de 22 de Janeiro) aplicar uma pena de prisão ao recorrente de oito anos e seis meses, pela prática em coautoria material de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes p. e p. no art.° 21.° n.° l do DL 15/93 de 22 de Janeiro, revogando assim o acórdão da primeira instância.

2. Pese embora o Venerando Tribunal da Relação de Évora tenha, em virtude do desagravamento do crime pelo qual o recorrente foi condenado em primeira instância, reduzido a pena de prisão aplicada, à luz da moldura penal prevista no art.° 21.° n.°l da DL 15/93 de 22 de Janeiro, o recorrente não concorda com o doutamente decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, por entender que a mesma é manifestamente excessiva, atendendo-se à moldura penal aplicável bem como às suas condições pessoais.

3. O recorrente não concorda com a medida da pena que lhe foi aplicada, seis meses acima do meio da moldura abstratamente aplicável, porquanto, o quantum da pena que lhe foi aplicada viola os princípios orientadores da teoria dos fins das penas, e o disposto no art.° 71.° do Código Penal.

4. Fundamenta o Venerando Tribunal da Relação de Évora a aplicação de uma pena de prisão de 8 anos e 6 meses, em cumprimentos dos critérios plasmados no art.° 71.° do Código Penal, na seguinte factualidade:

"Da factualidade constante do acórdão recorrido resulta:

• relativamente a ambos os Arguidos, que

- lidaram com quantidade significativa de droga - cerca de 4.000 (quatro mil) quilogramas resina de haxixe;

- revelam atuação dominante nas operações de descarregamento de tal droga;

- agiram com dolo direto;

- não têm antecedentes criminais; 

- não demonstraram arrependimento:

- não revelam ter interiorizado a gravidade dos factos.

5. À semelhança do que sucedeu em primeira instância, também o Venerando Tribunal da Relação de Évora, entendeu que o silêncio do recorrente em sede de audiência e julgamento (valendo-se de um direito que lhe assiste), demonstrou falta de arrependimento e por conseguinte os sentimentos demonstrados no cometimento do crime não se coadunam com a interiorização da gravidade dos factos praticados.

6. Ora é notório que tal consideração depôs contra o recorrente para determinação da medida da pena a aplicar-lhe, pois tal foi ponderado nos termos do disposto no art.° 71.° n.° 2 do Código Penal.

7. Para determinação da medida da pena a aplicar ao recorrente, foi ponderado em seu prejuízo o facto do recorrente alegadamente não demonstrar arrependimento.

8. Conclusão extraída pelo Tribunal de primeira instância, à qual o Tribunal da Relação de Évora acedeu, e como resulta claro da diferenciação da pena aplicada ao co-arguido que viu a sua pena igualmente reduzida, valorou assim negativamente o silêncio do recorrente, em contradição com os factos provados e a motivação dos factos não provados, o direito ao silêncio.

9. Desta forma e porque o recorrente não pode ser desfavorecido pelo exercício do direito ao silêncio, não pode o mesmo ser valorado como indício ou presunção de culpa, nem tão pouco como circunstância influenciadora da dosimetria concreta da pena, por conseguinte não pode tal opção apresentar-se contra o recorrente.

10. Deveria a norma jurídica ter sido interpretada no sentido de o direito ao silêncio não poder desfavorecer o arguido, nem determinar a prova do facto de se encontrar arrependido, porém não pode presumir que não se encontre efectivamente arrependido.

11. No que concerne à culpa do recorrente, será de entender que esta está sensivelmente diminuída pela unicidade da conduta criminosa que alegadamente praticou e bem assim pelo espaço temporal em que actuou ou que é conhecido e a forma como procedeu pelo que deve a sua culpa ser entendida como diminuída.

12. Conforme V. Exas. podem constatar do próprio processo, não foi possível descortinar o destino a dar ao produto estupefaciente, nem o nível de envolvimento do recorrente na operação, mormente a posição que ocupava na organização da operação até porque não há notícia de qualquer outra diligência investigatória para além dos resultados da apreensão, pelo que será de qualificar a conduta do recorrente dolosa porém diminuta.

13. Não sendo correcto no modesto entendimento do recorrente em sede de determinação da pena a aplicar ao recorrente considerar que revelou actuação dominante no descarregamento da droga.

14. Assim, mal andou o Tribunal da Relação de Évora ao considerar tais factos (não demonstrar arrependimento; não revelar ter interiorizado a gravidade dos factos, e revelar actuação dominante nas operações de descarregamento de tal droga), para determinar a aplicação da pena de prisão ao recorrente, pois que, os mesmos não resultaram provados na audiência de julgamento, violando-se o disposto no art.° 355.° do Código de Processo Penal.

15. É entendimento do recorrente que o Venerando Tribunal da Relação de Évora não acatou o disposto no art.° 71.° n.° 2 do Código Penal, ''atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ".

16. Pois deveria ter ponderado a favor do recorrente, para determinação da medida da pena concretamente a aplicar:

A idade do recorrente.

O facto do recorrente não ter antecedentes criminais.

O facto de aquele ainda ter duas filhas menores e de estes precisarem da presença e da figura paterna para o seu desenvolvimento.

O facto de estarmos perante um individuo que sempre trabalhou, aliás desde muito jovem se demonstrou pessoa trabalhadora, ingressando no mercado de trabalho na adolescência, não estamos perante uma pessoa que não tem meios para retomar a sua vida, o trabalho a vida familiar.

17. E, ainda, o tipo de estupefaciente em causa, pois que trata-se de uma substância que não está elencada nas chamadas drogas duras, não sendo prejudicial para a saúde a par daquelas.

18. Refira-se que o consumo de Haxixe é aceite e liberalizado em vários países da União Europeia, por não ser considerada substância maléfica para a saúde.

19. Face ao que, deverá aqui ser tomada em linha de conta a ressocialização do recorrente, a sua inserção familiar, e a possibilidade de regressar ao seu meio laboral e social com o menor dano possível, impedindo-se dessa forma que volte a trilhar o caminho do crime, não esquecendo que esta é uma das finalidades primordiais das penas.

20. Veja-se neste que o Tribunal deu como provado a seguinte matéria:

“10. O arguido AA é o segundo descendente de um agregado familiar de estrato sócio-económico médio/alto.

11. Após dez anos de escolaridade, terminou o seu percurso escolar aos 15 anos de idade, altura em que integrou o mercado de trabalho, começando a coadjuvar os pais na gestão dos negócios de família, na área do comércio, restauração e compra e venda de cavalos.

12. Há cerca de 25 anos estabeleceu uma relação marital com o actual cônjuge, relação da qual nasceram duas filhas ainda menores.

13. Na sequência do falecimento do pai, há 8 anos, o arguido assumiu a gestão dos negócios da família.

14. Nos últimos anos, para além da compra e venda de cavalos, o arguido explorava directamente um estabelecimento de restauração que, após a sua prisão preventiva, teve que arrendar, pela quantia anual de € 27,000,00 (vinte e sete mil euros).

15. O arguido denota alguns comportamentos reveladores de ansiedade, pelo risco da condenação.

16. Não tem antecedentes criminais."

21. Bem como deverá considerar-se o relatório social do recorrente, para uma correcta apreciação da medida da pena a aplicar ao recorrente.

22. É preciso castigar o delinquente, porém é preciso dosear esse castigo para que o delinquente se possa reabilitar.

23. Só uma pena de prisão menos gravosa proporcionará a manutenção dos laços familiares e sociais do recorrente, que será seguramente uma mais-valia social importante que ajudará a modelar comportamentos e a prevenir recidivas.

24. Considerando que a execução da pena é simultaneamente modesta, nobre e difícil, do que se trata verdadeiramente, é de oferecer ao delinquente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o dever jurídico-penal visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele.

25. Como refere Anabela Miranda Rodrigues (in O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena, RPCC, Ano 12.°, n.° 2, Abril - Junho de 2002, págs. 147-182), "o art 40.° do CP, após a revisão de 1995, condensa em três proposições fundamentais um programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena" (sublinhado nosso).

26. Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada - máximo inultrapassável — certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade.

27. Contudo, há que ter em atenção, porém, que aquilo que é "merecido" não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral.

28. Nessa esteira, mostra-se desproporcional e desadequada a medida concreta da pena a que o recorrente foi condenado, devendo o tribunal ad quem revogar o douto acórdão e fixar a pena perto de metade do limite máximo aplicável.

29. Por tudo o exposto, entendemos que a pena mais adequada a aplicar ao recorrente é de 5 anos e 6 meses de prisão.

30. Normas Jurídicas violadas:

Art.° 71.° do Código Penal.

Art.° 355.° do Código de Processo Penal.

Art ° 21 ° n.° 1 do DL 15/95 de 22 de Janeiro.

            Respondeu o Ministério Público dizendo:

1. No processo comum coletivo n.° 4/10.5FBPTM, do 2° juízo do tribunal judicial da comarca de Lagos, o arguido AA, ora recorrente, foi condenado, pela prática, como coautor, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21°, n.° 1, e 24°, alínea c), do decreto-lei n.° 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 11 (onze) anos de prisão.

Inconformado, dele interpôs recurso para o tribunal da relação de Évora, pedindo que o dito acórdão fosse revogado e mandado repetir o julgamento por, em seu entender, não ter resultado prova suficiente do seu envolvimento nos factos por quer veio a ser condenado, ou, assim não vindo a proceder tal pretensão, que a decisão da primeira instância fosse revogada e substituída por outra, que o condenasse (apenas) pela prática do crime (simples) de tráfico de estupefacientes, numa pena nunca superior a quatro anos e meio.

Em abono do pretendido esgrimiu com o vício de insuficiência da matéria de facto provada, o erro de interpretação da norma típica agravativa, a nulidade das apreensões e a violação do princípio dos fins das penas e do direito ao silêncio.

O tribunal da relação de Évora, conforme acórdão datado de 28 de fevereiro de 2012 (a fls. 2007-2064), concedeu parcial provimento ao recurso e condenou o recorrente, pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes (artigo 21°, n.° 1, do decreto-lei n.° 15/93, de 22 de janeiro), na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Irresignado, ainda, recorre agora para o Supremo Tribunal de Justiça do predito acórdão, alegando que a pena aplicada é excessiva, apontando como justa uma (pena) nunca superior a 5 anos e 6 meses de prisão.

2. Na essência, o recorrente pretende que essa instância recursiva, de revista, altere (diminuindo-a) a pena que lhe foi imposta (em confirmação in mellius do acórdão da primeira instância) no acórdão objeto do recurso apreciando.

Perante tal pretensão, dir-se-á que o recurso interposto se apresenta como peça processual inepta, o que conduz à manifesta improcedência, pois que, em boa verdade, tem por objeto a decisão da primeira instância, quando esta já foi apreciada em recurso pela Relação.

É que, se é "susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação", e se deve entender-se "que a questão do limite ou da moldura penal estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção", já assim tanto não ocorre quanto à "determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto do pena, para o controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada", o que, no caso concreto, se mostra de todo inverificado.

Nesta perspetiva, afigura-se-nos que o recurso em presença deverá ser julgado manifestamente improcedente e, como tal, deve ser rejeitado [CPP, artigo 420°, n.° 1, alínea a)].

3. Quando assim não venha a ser entendido, crê o Ministério Público que a medida da pena encontrada para o recorrente no acórdão objeto do recurso deverá ser mantida, já que os bens jurídicos postos em crise, o dolo direto com que atuou e as suas concretas condições de vida permitem concluir que essa pena é adequada e se enquadra nos critérios legais, não se descortinando que preceito legal algum tenha resultado por ele violado.

Na verdade, os fatores que o recorrente entende permitirem uma mais branda pena de prisão pelo cometimento do crime foram criteriosamente sopesados no acórdão ora em apreço.

No mesmo sentido, os acs. STJ de 07.11.2002 (processo 02P3596) e de 16.01.2003 (processo 02P4647), publicados no mesmo sítio.

É que a pena aplicada pelo tribunal recorrido não se mostra excessiva, uma vez que foi aplicada com respeito pelo disposto nos artigos 71° e 72° do Código penal; aliás, o recorrente também não refere ou especifica em concreto como foram violadas tais normas, pretendendo antes que se atenda às circunstâncias que depõem a seu favor, constantes dos factos dados como provados no acórdão recorrido.

Ora, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do delinquente sendo que em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa.

A medida da culpa condiciona assim a própria medida da pena, estabelecendo um limite inultrapassável desta.

Nos termos do disposto no artigo 71° do Código penal, na determinação da medida da pena deve-se atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. Essas circunstâncias estão inequivocamente referidas no acórdão recorrido, pelo que se considera bem doseada e adequada a pena aplicada.

Não se vislumbra que o tribunal recorrido não tenha aplicado devidamente os preceitos legais a observar aquando da fixação da pena nem que a mesma se mostre fixada com violação das regras da experiência ou desproporcionada na sua quantificação, pelo que não pode proceder a pretensão do recorrente.

A pena que foi aplicada ao recorrente pelo tribunal recorrido, que não excede a culpa, satisfaz as exigências de prevenção, atenta a moldura abstrata da pena de prisão aplicável ao crime; o tribunal recorrido respeitou o limite imposto pela culpa, atendeu às circunstâncias que depunham a favor e contra o recorrente e não esqueceu, também, a função de reintegração social da pena.

Acresce que, no caso concreto, as necessidades de prevenção geral e especial são manifesta e incontornavelmente prementes.

Cremos, assim, que o acórdão objeto do recurso deve ser confirmado, visto não padecer de qualquer vício nem violar nenhum dos normativos invocados pelo recorrente, antes comportando uma decisão que se nos afigura justa, equilibrada e proporcional, traduzindo a resposta que a comunidade tem por adequada aos factos cometidos, sua gravidade e consequências.

4. Por tudo o exposto, e em conclusão,

- o recurso interposto deverá ser rejeitado, porque manifestamente improcedente, ou, assim não vindo a entender-se,

- o acórdão objeto do recurso deve ser confirmado, na sua plenitude, negando-se provimento às pretensões do recorrente.

           

Por sua vez, o arguido BB alegou:

A) O ora Recorrente vinha acusado em co-autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º n.º 1 e 24º al. c) do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a aquele diploma legal, e artigo 26º do Código Penal, atenta a factualidade descrita no Despacho de Pronuncia deduzida no presente processo, que se dá integralmente como reproduzida para todos os efeitos legais, com as alterações que se verificaram no início da audiência de julgamento, tendo sido condenado como co-autor material de um crime de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos artigos 21.° n.º 1 e 24º al. c) do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de nove anos de prisão.   

B) Deste Acórdão do Tribunal Judicial da Comarca de Lagos foi apresentado recurso para o Tribunal da Relação de Évora onde impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, pois analisadas as declarações prestadas pelo ora recorrente e demais arguidos em sede de audiência de julgamento documentadas em suporte informático, não resulta que o ora recorrente tenha orientado o descarregamento de 125 fardos de Canabis conforme resulta como facto provado, enfermando assim de vícios de insuficiência de prova, tal como se entendeu, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, que o ora recorrente tenha apenas confessado parcialmente os factos de que vinha pronunciado e ainda entendeu impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que conserte que o ora recorrente não tenha interiorizado a gravidade dos factos por si praticados e esteja arrependido e por fim entendeu impugnar a decisão sobre a matéria de direito, quando o acórdão recorrido entendeu aplicar o disposto na alínea c) do art. 24º do Decreto-lei n- 15/93 de 22 de Janeiro e impugnou-se a decisão sobre a matéria de Direito, sobre a escolha da medida da Pena.

C) A 28 de Fevereiro de 2012 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora, nos termos do qual se decidiu julgar parcialmente procedente o recurso interposto do Acórdão final e em consequência condenar o Arguido BB pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 219 nº 1 do Decreto-lei nº 15/93 de 22 de Janeiro na pena de 8 (oito) anos de prisão, com a qual o ora Recorrente não se conforma.

D) O ora Recorrente impugna a decisão sobre" a matéria de facto tendo sido confirmado pelo Douto Acórdão da Relação de Évora o conteúdo do facto dado como provado nº 4 do Douto Acórdão do Tribunal Judicial de Lagos a fls. 2 que considerou que "Os demais arguidos deslocaram-se para' a praia onde procederam, sob orientação do arguido BB, ao descarregamento de 125 fardos de Canabis (resina), com o peso de 3.925,6 Kg (três mil e novecentos e trinta e cinco vírgula seis quilogramas), de uma embarcação (lancha rápida) para o areal da praia", com a seguinte motivação: "O tribunal fundou a sua convicção, quanto aos factos constantes dos pontos 1. a 9. dos factos provados, nos depoimentos (prestados em audiência) de todos os arguidos, excepto do arguido AA (que não prestou declarações), nos depoimentos das testemunhas HH, II e JJ, inquiridas em sede de julgamento, nos autos de apreensão de fls. 6 a 10 e 78, no teste rápido e auto de pesagem de fls. 11, no contrato de aluguer de viatura de fls. 12. na reportagem fotográfica e fotografias de fls. 28 a 31, o relatório de exame ao local e a reportagem fotográfica e fotografias de fls. 478 a 531 e na informação de serviço de fls. 831 a 841, bem como na conjugação entre si de todos os referidos elementos de -prova e na sua conjugação com as regras da experiência comum e sua análise à luz destas." fls. 9 do Douto Acórdão de que ora se recorre, Mais referindo, com relevo para o Facto Provado constante do ne 4 dos Factos Provados que ora se impugna, que: "Também os arguidos KK, LL e GG, em sede de Julgamento, confessaram o grau de participação dos arguidos na execução dos factos, o que fizeram de forma,.sincera e credível. E os arguidos BB, CC e DD,'admitiram a respectiva participação nas operações de descarga, chegado mesmo o arguido DD, a esclarecer que foi o arguido AA quem conduziu a carrinha e o arguido BB quem dava as instruções, no terreno, bem como que, todos os carrinhos de mão foram retirados da carrinha apreendida e onde se encontrava o arguido AA, e na qual levou os arguidos para o local." fls. 10 do Douto Acórdão do Tribunal Judicial de Lagos, sendo confirmado pelo Douto Acórdão de que ora se recorre a páginas 49 e seguintes que considerou que não resta qualquer duvida, ouvido o CD de que o arguido DD, quando questionado sobre a forma como se desenrolavam os trabalho de descarga da droga no areal e sobre quem os orientava, disse "Foi o rapaz de Marrocos", considerou que não existindo outro arguido nos presentes autos de nacionalidade marroquina só poderia ser o ora Recorrente, muito embora considere que, existia outro individuo de nacionalidade marroquina que não foi detido e concluindo que tais depoimentos revelam-se suficientemente seguros para concluir que o Arguido, ora Recorrente, orientava o descarregamento dos fardos de haxixe.

E) TAL NÃO PODE SER DADO COMO PROVADO atento a que em análise da prova testemunhal produzida, melhor explicado no presente recurso, salvo o devido respeito, não pode o ora Recorrente concordar com a consideração de que se tenha dado por provado que o mesmo tenha orientado ou dirigido qualquer operação ou dado qualquer instrução que demonstra-se liderança ou outra qualquer característica que o identifica-se como cabecinha ou outro papel de maior relevo no desembarque, facto este que veio a ser confirmado pelo Douto Acórdão do tribunal da Relação de Évora de que ora se recorre.

F) Pois a única prova que foi produzida quanto à participação de todos os co-autores foi a prova testemunhal, mais concretamente os depoimentos dos arguidos nos presentes autos, e todos os arguidos responderam de forma clara que a pessoa que os contratou não estava presente no julgamento (vide articulados nºs 8º, 10º, 17º, 21º, 30º das presentes alegações de recurso). Pelo que o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora não pode considerar que os depoimentos revelam-se suficientemente seguros para concluir que o Arguido, ora Recorrente, orientava o descarregamento dos fardos de haxixe, pois ao faze-lo revela um erro notório na apreciação da prova conforme o art. 410° n.° 2 al. c) do Código de Processo/.Penal, por duas razões: Em primeiro lugar no depoimento do arguido DD, conforme referido no articulado 129 das presentes alegações, refere-se ao "rapaz de Marrocos" (Faixa 5, minuto 3:11 do depoimento do referido arguido constate da prova gravada em sede de audiência de julgamento) quanto à pessoa que dava instruções, mais referindo, o arguido DD que "No momento que saímos da carrinha, apercebi-me que era qualquer coisa fora do normal, mas não sabia o que é que era, e ouvi o espanhol a perguntar a um senhor de Marrocos se confiava em nós, nesse momento ê que apercebi-me que era qualquer coisa anormal" (Faixa 5, minuto 5:28 do depoimento do referido arguido constate da prova gravada em sede de audiência de julgamento). Tal como refere que o arguido DD, perguntado que foi quantas pessoas é que estavam no momento em que entrou para a carrinha, "Que todos os que estão aqui, ainda eram mais uns 13 ou 14" (Faixa 5, minuto 9:14 do depoimento do referido arguido constate da prova' gravada em sede de audiência de julgamento). Conclui-se que a simples referência a “rapaz de Marrocos" e a "senhor de Marrocos" não é passível de se fazer querer que se tratava do ora Recorrente sem qualquer margem para dúvida. Até mesmo porque em todo o depoimento não foi perguntado, nem o arguido DD, identificou esse "rapaz de Marrocos" ou o "Senhor de Marrocos" como sendo BB, ora Recorrente; Por outro lado mesmo que assim não fosse, tendo em conta que a prova foi avaliada, valorada e conjugada no seu todo, há que ter presente o depoimento prestado pelos restantes co-arguidos. Desde logo a confirmação da existência de vários indivíduos de nacionalidade marroquina. Como confirma o Arguido DD "outros marroquinos que estavam na praia" (Faixa 5, minuto 10:10 do depoimento do referido arguido constate da prova gravada em sede de audiência de julgamento). Mais acresce o depoimento do arguido CC, que perguntado que foi quem comandava as operações na praia, responde que "Era um marroquino, não o conheço que nunca tinha estado com ele" (Faixa 7, minuto 4:42 do depoimento do referido arguido constate da prova gravada em sede de audiência de julgamento). Voltando a afirmar que "Era o tal marroquino que eu disse que não conheço, e estava o outro que esta aqui connosco" quem orientava o desembarque (Faixa 7, minuto 8:22 do depoimento do referido arguido constate da prova gravada em sede de audiência de julgamento).

G) Pelo que se conclui que não só não se consegue alcançar quem deu e se deu qualquer instrução, como também em momento algum é descrita qualquer forma de orientação ou chefia desenvolvida, nem nunca, nem em momento algum, é produzida qualquer prova quanto às instruções que alegadamente foram datas, nem tão pouco é indicado uma única instrução que tenha sido dada, nem em que circunstância ou qualquer elemento que pudesse dar a compreender se de facto existiu ou não qualquer instrução dada. Mais o Douto Acórdão de que ora se recorre pois apenas conclui, sem qualquer fundamentação ou prova que sustente que o ora Recorrente era quem dava instruções, ao que se conclui que o Douto Acórdão do Tribunal Judicial de Lagos e que foi confirmado pelo Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de que ora se recorre, enferma de vícios de insuficiência de prova, para que pudesse concluir sem margem para duvida que o ora Recorrente tivesse um papel preponderante no desembarque pelo que quanto a estes factos e não obstante se impugnar também estes pontos nos termos do art.° 412.° do CPP, cumprindo os requisitos do referido artigo, os mesmos padecem dos vícios constantes do art. 410° n.° 2 als. a) e c) do CPP, o que desde já se requer.

H) Ainda mesmo que se considerassem qualquer mínimo indício quanto a uma hipotética hipótese do ora Recorrente ter tido uma qualquer conduta que demonstrasse uma postura ou posição diferente dos restantes co-arguidos que desempenharam um papel de força de braços, a pena aplicada ao recorrente mostra-se injusta, desadequada e desproporcional e mais injusta, desadequada e desproporcional ainda se torna, se compararmos as condutas imputadas ao arguido e as imputadas aos seus co-arguidos nos presentes autos e as penas que foram aplicadas a final, aos diversos co-arguidos, sendo certo que, tendo em conta também que o ora Arguido não tinha antecedentes criminais. Ora matéria de facto dada como provada no Facto Provado 4. do Douto Acórdão do Tribunal Judicial de Lagos confirmado pelo Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de que ora se recorre, que serviu para condenar o Arguido ora Recorrente a nove anos de prisão e posteriormente a oito anos de prisão, resume-se a uma mera indicação de que um "rapaz marroquino" ou "senhor marroquino" teria dado uma qualquer instrução ou instruções de que não se sabe o seu teor; Percorrendo os depoimentos prestados por todos os co-arguidos, não se vislumbra, salvo o devido respeito, onde é que reside a prova inatacável, segura e para além de toda a dúvida razoável, que possa fundamentar a existência do uma qualquer agravante na culpa do arguido, ora Recorrente quanto à sua participação no referido desembarque, conforme transcrições das gravações de audiência que transcrevemos nos artigos 19s a 42c das presentes alegações. O Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão de que ora se recorre, não justifica nem fundamenta para que se desse por provada esta presunção, nitidamente em violação do princípio in dubio pro reo, tal como violando os arts. 374.° (falta de fundamentação), 410.° n.° 2 als. a) e c) do CPP, e art. 32.°da CRP, pois cruzando todos os depoimentos há que concluir no mínimo, dada a existência de vários indivíduos de nacionalidade marroquina, e o facto de o arguido CC ter identificado outro individuo marroquino que não foi detido como o indivíduo que comandou as operações na praia (Faixa 7, minuto 4:42, do depoimento do referido arguido constante da prova gravada em sede de audiência de julgamento), que é inserto se foi de facto o ora Recorrente ou um outro indivíduo de nacionalidade marroquina que de facto teve esse papel. Violou pois o Douto Tribunal da Relação de Évora o princípio in dubio pro reo, ao concordar que existe prova suficientemente segura tendo em conta que toda a prova produzida e analisada em sede de Audiência de Julgamento deve ser interpretada em caso de dúvida, em benefício do arguido.

I) O Tribunal da Relação de Évora concluiu desta forma, não obstante existirem depoimentos, prova tão válida como do arguido DD, que atesta a existência de outros participantes que não foram detidos, que de facto tiveram um papel de comando na operação de desembarque. Há assim uma clara falta de apreciação crítica da prova efectuada em sede de julgamento e confirmada pelo douto Acórdão de que ora se recorre. Quanto à medida da pena aplicada cumpre referir que sempre se teria de ter por desproporcional e desadequada e mesmo violadora do princípio da igualdade, a pena aplicada ao ora recorrente. De forma a melhor demonstrarmos a nítida violação do princípio da igualdade cumpre referir que num universo de seis arguidos acusados por tráfico de produtos estupefacientes, que participaram no descarregamento dos fardos na praia, apenas ao ora Recorrente foi aplicada uma pena de oito anos.

J) Quanto ao facto provado de que o ora Recorrente apenas tenha confessado parcialmente, ao qual o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora considerou que a confissão do ora Recorrente é parcial porque decorre das próprias palavras do Arguido, ora Recorrente, porque o que disse não constitui relato de todos os factos que foram dados como provados, atento à prova produzida, não se conforma o ora Recorrente, salvo o devido respeito, com o conteúdo do facto provado no ponto 36 e conclusão do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora.

K) Senão veja-se: De acordo com as declarações do ora Recorrente o mesmo, desde o início do seu depoimento que deixou ao critério do tribunal responder a todas as questões que o mesmo quisesse (Faixa 8, minuto 0:21 do depoimento do referido arguido constate da prova gravada em sede de audiência de julgamento), tal como supra melhor se expõe no presente recurso, tendo o ora Recorrente respondido a todas as questões a que o tribunal o questionou, e confessou todos os pontos que lhe diziam respeito, prestando os esclarecimentos que o douto tribunal a quo entendeu pertinentes questionar.

L) Vindo a página 49 do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora considerar que o ora Recorrente apenas confessou parcialmente os factos, considerou erradamente pelo que deve ser considerado que o ora Recorrente Confessou integralmente os factos de que vinha pronunciado, impugnando a decisão vertida no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora constante de página 49 e em consequência deve a douta decisão ser revogada na parte, substituindo-se por outra em que considere que o ora Recorrente confessou integralmente os factos de que vinha pronunciado cumprindo os requisitos do referido artigo, os mesmos padecem dos vícios constantes do art. 410° n.° 2 als. a) e c) do CPP.

M) Quanto ao facto do ora recorrente não estar arrependido nem ter interiorizado a gravidade dos factos por si praticados, deu como Facto Provado, fls. 5 do Douto Acórdão de que ora se recorre que "O Arguido fora Recorrente manifestou-se preocupado e ansioso quanto às consequências que poderão advir do desfecho do presente processo", facto este que teve por base prova documental, nomeadamente o Relatório Social constante dos presentes autos, contudo foi dado como Facto Não Provado, fls. 3 do do Douto Acórdão de que ora se recorre que "os arguidos AA, BB, CC e DD tenham interiorizado a gravidade dos factos por si praticados e estejam arrependidos"; O Tribunal da Relação de Évora considerou que o "Arrependimento e interiorização da gravidade dos factos praticados são "estados de alma". Pertencem ao foro íntimo." considerando assim que é um aspecto que "(...) não é susceptível de adequada valorização fora da audiência de julgamento (...)" acrescido ao facto de o arguido não se expressar em língua portuguesa e o conteúdo do que diz necessita da intermediação de um tradutor; Concluindo que "não resulta inaceitável ter-se dado como não provado que o ora Recorrente esteja arrependido e tenha interiorizado a gravidade dos factos que praticou. Porque tal opção não afronta, manifesta e patentemente, as regras da lógica e da experiência comuns" página 50 do Douto Acórdão de que ora se recorre.

N) Erra o Douto acórdão ao assim decidir, pois ora como supra referido não se entende onde nem quanto, em todo o depoimento do ora Requerente o mesmo não confessou na íntegra os factos que lhe eram imputados, e lhe diziam respeito, e em consequência não tenha feito uma confissão integral, tal como tenha tentado escamotear a sua efectiva e completa responsabilidade, ou não tenha colaborado com o tribunal para a efectiva descoberta da verdade; e a todas as questões sobre si relacionados o ora Recorrente respondeu, não hesitando nem dando indicações contraditórias. O ora Recorrente tem consciência que ao alegar o Douto Tribunal a quo que a sua postura não foi a de alguém que se demonstra-se arrependido, é algo, nestas instâncias, praticamente impossível de contradizer; Pois muito embora "A gravação dos depoimentos prestados oralmente em audiência permite o controlo, pelo tribunal superior, da conformidade da decisão com as afirmações produzidas em audiência. Mas não substitui a plenitude da comunicação que se estabelece na audiência pública com a discussão cruzada dos meios de prova, a oralidade e imediação, no confronto dialéctico dos depoentes por parte dos vários sujeitos processuais, no exercício do contraditório, na discussão cruzada levada a cabo na plenitude da audiência, pública, de discussão e julgamento. E "só os princípios da oralidade e da imediação permitem avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Só eles -permitem, por último, uma plena audiência desses mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso" - Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 233-234. Daí que os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art. 374º, n.° 2 do CPP - cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 126 e 127, que por sua vez cita o Prof. Figueiredo Dias e jurisprudência uniforme desta Relação, designadamente acórdãos 19.06.2002 e de 04.02.2004, nos recursos penais 1770/02 e 3960/03; 18.09.2002, recurso penal 1580/02; Ac. R. C. de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44. In Acórdão n° 2457/06-1 de Tribunal da Relação de Évora, Janeiro 30, 2007 (http://tribunal-relacao.vlex.pt/vid/- 29228518#ixzzl LC8ScTpM).  

O) Mesmo assim, atendendo à nacionalidade do ora Recorrente, ao facto de ter sido dado como provado no relatório social de que o mesmo estava "preocupado e ansioso quanto às consequências que poderão de advir do desfecho do presente processo" não se entende a conclusão a que o doutro Tribunal a quo chegou nem tão pouco confirmação pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de que ora se recorre, dado a que essa preocupação e ansiedade é demonstrativo do arrependimento do ora Recorrente, pois trata-se de um ganhar de consciência do "mal" e "errado" que envolve a sua actuação. Não se pode eximir o douto Acórdão de que ora se recorre de avaliar essa situação baseada nas regras da lógica e da experiência comuns. Pois segundo essas mesmas regras o mais lógico é que o arguido após enfrentar as consequências dos seus actos possa ganhar consciência do mal que praticou e sentir-se arrependido. Mais ainda quando existe prova documental que assim o sustenta constante dos próprios autos, o relatório social.

P) O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora incorre em erro notório ao assim não considerar que o ora Recorrente tenha demonstrado arrependimento. Pois mesmo que se considerasse incapaz por qualquer motivo deveria ter prevalecido sempre o princípio do in dubio pro reo. Pelo que deve a douta decisão ser revogada na parte em que diz que o ora Recorrente não se mostrou arrependido, substituindo-se por outra em que considere que o ora Recorrente a se mostrou arrependimento e interiorizou a gravidade dos factos.

Q) Impugna o ora Recorrente a decisão sobre a matéria de direito sobre a escolha da medida da pena, atento a que decidiu o Tribunal a quo aplicar ao ora Recorrente uma pena de 9 anos de prisão; O Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora considerou adequada uma pena de 8 (oito) anos de prisão ao Arguido BB. Para tanto fundamenta que da factualidade constante do acórdão recorrido resulta:

• Relativamente a ambos os arguidos, que:

- lidaram com quantidade significativa de droga - cerca de 4.000 (quatro mil) quilogramas resina de haxixe;

- revelam atuação dominante nas operações de descarregamento de tal droga;

- agiram com dolo direto;

- não têm antecedentes criminais;

- não demonstraram arrependimento;

- não revelam ter interiorizado a gravidade dos factos

• Relativamente ao Arguido BB   

- Confessou parcialmente os factos apurados.

Perante estes elementos, não restará, senão, valorizar a confissão, embora parcial, levada a cabo pelo Arguido BB, fazendo-a refletir-se no quantum da punição.

Mas não deve esquecer-se que se situa em 8 (oito) anos e meio da moldura penal abstracta do crime cometido, que não devem frustrar-se as expectativas comunitárias na validade da norma violada e que são muito exigentes as necessidades de prevenção no domínio do tráfico de droga.

R) Ora atenta à exposição de impugnação de matéria de facto fica claro que a mesma não se adequa por não ser proporcional à conduta e grau de culpa do ora Recorrente. Pois na fixação da pena concreta, deve ter-se em conta, para além da culpa, o grau de ilicitude do facto, a intensidade do dolo, a situação pessoal e a anterior conduta dos arguidos e, enfim, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Deste modo, a ausência de antecedentes criminais do ora Recorrente; A conduta do ora Requerente enquanto detido, conforme consta do relatório social nos presentes autos; O papel menos preponderante no desencadear dos factos; A confissão integral dos factos; O facto do ora Recorrente estar integrado, familiar e profissionalmente; E ainda todo o conteúdo do relatório social; Tal como o facto do Douto Tribunal da relação de Évora não ter considerado o arrependimento e a interiorização dos factos pelo ora recorrente viola o disposto no artigo 71° do Código Penal.

S) Devia o Douto Tribunal ter condenado numa pena mínima o ora Recorrente, de cinco anos; Tal como o tribunal a quo não considerou a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, nem fundamentou que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizaria ou não de forma adequada e suficiente as finalidade da punição para o arguido, para determinar a não aplicação do artigo 50º nº 1 do Código Penal; São pois esses pressupostos que são indicados no artigo 50º do Código Penal.

T) O ora Recorrente tem nacionalidade marroquina, conforme resulta da sua identificação nos presentes autos; O motivo pelo qual cometeu o crime deve-se às parcas condições económicas em que o mesmo vive; Pois destes considerandos, resulta que a personalidade da vida do Recorrente, as condições de sua vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias do mesmo denotam que o tempo de sujeição a prisão preventiva e uma pena de prisão de cinco anos realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

U) Acresce ainda outros factos não tidos em consideração pelo douto Tribunal da Comarca de Lagos nem do Douto Tribunal da Relação, de Évora, tais como o tipo do estupefaciente, dado o facto do haxixe não ser considerado um droga "dura" e que o mesmo não é prejudicial à saúde como outras, sendo até considerado um droga legal em diversos países comunitários; E ainda desconsideraram por todo o valor e a importância da reintegração social do ora Recorrente, pois pese embora a importância do castigo é necessário mediar o mesmo de acordo com a reabilitação e retorno deste à sociedade.

V) Pelo que apenas e somente uma pena de prisão menos gravosa nunca superior a 5 anos pode ser considerada adequada.

W) Termos em que e nos demais de Direito, deverão V. Exas julgar procedente o presente recurso e nessa sequência aplicar ao ora Recorrente uma pena inferior à que foi aplicada nunca superior a cinco anos.

            O Ministério Público respondeu a este recurso dizendo:

Tendo sido o arguido condenado em 1.ª Instância na pena de nove anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e pelos artigos 21.°, n.° 1 e 24.°, alínea c) do D. L. 15/93, de 22.1, recorreu ele relativamente à matéria de facto dada como provada bem como da matéria de direito (subsunção legal e medida da pena), acontecendo que o Tribunal da Relação, apreciando as questões de facto e de direito, decidiu dar parcial provimento ao recurso, na parte respeitante ao direito, tendo decidido condenar o arguido BB na pena de oito anos de prisão pela prática do mesmo crime, mas na sua forma não agravada (artigo 21.° do D. L. 15/93).

Vem agora recorrer para o S. T. J. invocando os mesmos argumentos quanto à matéria de facto que pretende ver reanalisada, invocando novamente os vícios previstos no artigo 410.° n. 2 alíneas a) e c) do C. P. P., pugnando afinal em que a pena fique confinada a cinco anos de prisão, suspensa na sua execução.

Salvo melhor opinião, não assiste qualquer razão ao Exmo. Advogado do Recorrente.

Desde logo, por um lado, porque dispõe o artigo 434.° do C. P. P. que «Sem prejuízo do disposto nos n.°s 2 e 3 do artigo 410.°, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito».

Ao S.T.J., como Tribunal de revista que é, está reservada a função de reavaliação da matéria de direito. As questões de facto ficam decididas após o crivo da 2.ª Instância.

E realmente é jurisprudência firmada do S. T. J. que não cabe a este Tribunal em recurso de revista conhecer de facto, designadamente quando já teve lugar recurso para a Relação que dela conheceu definitivamente.

O mesmo se o Recorrente invoca os vícios do n.° 2 do artigo 410.° do C. P. P., que o S.T.J. só conhece oficiosamente e não enquanto fundamentos do recurso.

Com efeito, diz Vinício Ribeiro em anotação ao artigo 434.°, «tem decidido o S. T. J., a uma só voz, que para conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo relativa à matéria de facto, mesmo que se invoque qualquer dos vícios previstos no artigo 410.° do C. P. P., é competente o tribunal da Relação» (cfr. por todos o ac. de 17.03.05, proc. 645/05).

Nos recursos interpostos da 1.ª Instância ou da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece os vícios do artigo 410.°, n.° 2 do C. P. P., por sua própria iniciativa e, nunca, a pedido do recorrente, que, para tal, terá sempre de dirigir-se à Relação (ac. do S.T.J. de 20.10.de 2005, proc. 05P2939, rel. Conselheiro Simas Santos).

Contrariando a pretensão do Recorrente, digamos noutra vertente que, em face do teor do artigo 400.° n.° 1 alínea f) do C. P. P., o presente recurso não é admissível pois que o Tribunal da Relação fixou para o recorrente BB a pena de oito anos de prisão. Com efeito prescreve aquela norma que «não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão da 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos».

A confirmação ou dupla conforme será perfeita quando o tribunal da Relação mantém a pena e o tipo de crime.

Mas é igualmente de considerar que constitui confirmação da decisão da l.ª Instância quando a Relação reduz a pena (confirmação in mellius) e mantém o tipo legal crime que fundamenta a condenação.

Entre muitos podemos citar em abono daquele entendimento o acórdão do S.T.J. de 13.02.2003, CJACSTJ, XXVIII, T. I, pág.186, e Acórdão do S.T.J., de 03.11.2004, CJACSTJ, T. III, pág. 21.

No caso sob análise a pena fixada pela Relação é de oito anos de prisão, sendo certo que é o mesmo o tipo legal de crime pelo qual o arguido foi condenado. Apenas foi entendido pelo Tribunal da Relação não se mostrar preenchida a agravante da alínea c) do artigo 24.°do D. L. 15/93. Esta norma apenas contém um conjunto de circunstâncias agravantes das medidas das penas previstas nos artigos 21.° e 22.°. Ou seja, condenado que ficou pela norma do artigo 21.°, n. 1 do citado diploma legal, mantêm-se preenchidos todos os elementos constitutivos do mesmo tipo de crime.

Em razão dos argumentos expostos e dos mais que sabiamente V. Exas. apontarão deve ser objecto de rejeição o presente recurso interposto pelo arguido BB, mantendo-se o douto acórdão desta Relação.

            Neste Supremo Tribunal, o sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

            I Recursos dos arguidos AA (2073-2094) e BB (2155-2190):

1 O recurso do arguido BB foi admitido por despacho de fls. 2251.

                O Ministério Público na Relação defendeu a rejeição deste recurso (2233-2235), e, invocando jurisprudência do STJ, considera que «constitui confirmação da decisão da 1.ª Instância quando a Relação reduz a pena (confirmação in mellius) e mantém o tipo legal de crime que fundamenta a condenação.».

                E cremos com razão.

                Na verdade, o arguido foi condenado em 1ª instância, por acórdão de 1 de Abril de 2011, na pena de 9 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado dos art.s 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea c) do Dec.-Lei n.º 15/93.

                Inconformado, recorreu para a Relação de Lisboa que, por acórdão de 28 de Fevereiro de 2012, confirmou a decisão condenatória, decidindo, no entanto, não se mostrar preenchida a agravante da alínea c), reduzindo, consequentemente, a pena para 8 anos de prisão [pelo tráfico do art. 21.º, n.º 1].

                Dispõe a alínea f) do Cód. Proc. Penal ser inadmissível recurso: De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

                Pelo Acórdão n.º 4/2009, de 18 de Fevereiro de 2009 (DR n.º 55/2009 – Iª Série A, de 19 de Março de 2009) foi fixada jurisprudência no sentido da admissibilidade, desde que a decisão da 1.ª instância seja anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007.

                Como se vê, a decisão da 1.ª instância é posterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007.

                Por outro lado, a redução da pena ao arguido não retira ao acórdão da Relação o atributo confirmativo da condenação, conforme jurisprudência maioritária do STJ.

E nem o desagravamento do tipo de tráfico interfere nesta conclusão.

Como foi decidido no acórdão do STJ, de 27-04-2011, proc. n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1, em situação idêntica (embora estivesse em causa crime diferente), «(…) é maioritária a posição jurisprudencial do STJ, segundo a qual se deve considerar confirmatório, não só o acórdão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância, mas também aquele que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta ao recorrente, sendo o argumento decisivo fundamentador desta orientação o de que não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica do facto, o arguido tivesse que conformar-se com o acórdão confirmatório da pena, mas já pudesse impugná-lo caso a pena fosse objecto de redução. XIX - Por esse motivo, não é admissível que, movendo-se a condenação do arguido na Relação, em pena de prisão inferior à aplicada na 1.ª instância, pudesse impugná-la, ao querer discutir a qualificação jurídica no âmbito dos mesmos factos e da mesma tipicidade, pelo facto de a Relação não integrar a conduta em um só crime, mas em três, no mesmo tipo de ilícito de fraude fiscal, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 103.º do RGIT. XX - Quando o Tribunal se limita a alterar a qualificação jurídica, “desagravando” um crime de qualificado para simples, por entender que determinada circunstância qualificativa acaba por não ter no caso em apreciação o valor agravativo suposto pela norma, não só não se verifica surpresa, pois o interessado já fora chamado a pronunciar-se sobre a circunstância qualificativa que agora se tem por não verificada, como o bem jurídico protegido é o mesmo e se trata de uma reforma para melhoria da qualificação e consequente condenação – cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II, anotação ao art. 358.º».

Pelo exposto, deverá o recurso ser rejeitado por inadmissibilidade, nos termos dos art.s 420.º, 1, al. b), 400.º, 1, al. f) e 414.º, 2 e 3 do Cód. Proc. Penal.

2 Recurso do arguido AA:

Recurso próprio, com os efeitos fixados, da competência do STJ - art.º 432.º, 1, al. b) do Cód. Proc. Penal.

                Não foi requerida audiência (art. 411.º, 5 do Cód. Proc. Penal), pelo que o recurso deverá ser julgado em conferência (art. 419.º, 3, al. c) do mesmo diploma).
I - Objecto do recurso:
                A única questão submetida a reexame é a medida da pena.
                O recorrente defende a redução da pena para 5 anos e 6 meses de prisão, considerando que «não pode ser desfavorecido pelo exercício pelo exercício do direito ao silêncio», que a sua culpa «está sensivelmente diminuída pela unicidade da conduta criminosa … e pelo espaço temporal em que actuou ou que é conhecido e a forma como procedeu…», «Não sendo correcto … considerar que revelou actuação dominante no descarregamento da droga.»
                Por outro lado, convoca diversas circunstâncias atenuantes, como a idade, ausência de antecedentes criminais, inserção familiar e social, dedicação ao trabalho e natureza do estupefaciente que «é aceite e liberalizado em vários países da União Europeia, por não ser considerada substância maléfica para a saúde.»
II – Respondeu o Ministério Público (2146-2150), concluindo pela rejeição do recurso ante a sua manifesta improcedência, ou, assim não se entendendo, que lhe seja negado provimento, porquanto a «pena … que não excede a culpa, satisfaz as exigências de prevenção … que, no caso concreto, … são manifesta e incontornavelmente prementes.»

III - Acompanhamos a decisão recorrida e seus fundamentos, na fixação da medida concreta da pena, que temos por adequada, não se vendo que seja violadora dos critérios que a devem determinar (art.ºs. 40 e 71 do Cód. Penal: em função da culpa, das exigências de prevenção geral positiva e bem assim em função das necessidades de prevenção especial de socialização).

                A ilicitude do facto é elevada pois, embora se trate de canabis resina, a quantidade (cerca de 4 toneladas) projecta-a para um nível superior.
Por outro lado, se é certo que o silêncio é um direito do arguido não o podendo prejudicar, não se vislumbra, no inverso, que redunde necessariamente em seu benefício. Quer a confissão, quer o arrependimento são matéria de facto e as instâncias, no que lhe diz respeito (ao contrário do que sucedeu em relação a outros dos arguidos), não o deram como provado, considerando, até, que Não assumiu os factos praticados, nem demonstrou arrependimento.
                Ora, como tem vindo a ser decidido nesta Alta Instância, situando-se a quantificação da pena dentro dos parâmetros legais, a intervenção correctiva do STJ só se justificará em casos muito limitados, nomeadamente em que aquela, não obstante, se mostre desproporcionada ou desconforme às regras da experiência e da vida (Ac. STJ de 29.04.04, proc. n.º 1394.04 5ª), o que não acontece no caso.
IV - Pelo sumariamente exposto somos do parecer que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

            Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal (CPP), nenhum dos recorrentes respondeu.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

            II. FUNDAMENTAÇÃO

            Recurso do arguido BB

            Comecemos por analisar o recurso do arguido BB, relativamente ao qual o Ministério Público, na Relação e neste Supremo Tribunal, se pronuncia pela rejeição.

            Foi o arguido condenado, em 1ª instância, na pena de 9 anos de prisão, por um crime de tráfico agravado de estupefacientes, p. e p. pelos arts. 21º e 24º, c), do DL nº 15/93, de 22-1. Na Relação, os factos foram subsumidos ao tipo fundamental do art. 21º e a pena reduzida a 8 anos de prisão.

            Entende o Ministério Público que esta decisão é confirmativa da da 1ª instância, sendo irrecorrível, por força do disposto na al. f) do nº 1 do art. 400º do CPP.

            Efetivamente, estabelece esse preceito que são irrecorríveis os acórdãos das Relações, proferidos em recurso, que confirmem a decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

            Mas quando se poderá dizer que a decisão da Relação é confirmativa? Dito de outra forma: existe confirmação apenas quando o tribunal superior mantém nos seus precisos termos a decisão de 1ª instância, ou também ainda quando a decisão da Relação desagrava a posição do condenado?

Afinal, qual é a razão de ser da regra da irrecorribilidade da “dupla conforme”?

A verificação de “dupla conforme”, ou seja, a confirmação pelo tribunal superior (Relação) da decisão da 1ª instância é sem dúvida uma presunção de “boa decisão”, sendo compreensível que o legislador, numa tal situação, “dispense” novo recurso.

Mas a confirmação não pode confundir-se com coincidência ou identidade absoluta entre as duas decisões. “Confirmação” significa uma identidade essencial, mas não necessariamente total, entre as duas decisões.

Assim, desde logo, não é necessário, quanto a decisões absolutórias, que elas coincidam nos seus fundamentos, sendo bastante que ambas sejam de teor absolutório (al. d) do nº 1 do citado art. 400º).

No caso de decisão condenatória, o legislador foi mais comedido a acolher a “presunção de boa decisão” em que assenta a dupla conforme, pois a sua receção plena poderia constituir um excessivo sacrifício dos direitos de defesa. Assim, a dupla conforme funciona apenas para as condenações em pena (concreta) não superior a 8 anos de prisão.

            Mas também aqui não é exigível a identidade completa das decisões para se afirmar a dupla conforme. Não deixará de haver confirmação quando o tribunal superior desagrave a situação do condenado, quer por absolvição de algum dos crime imputados ao recorrente, quer por desqualificação do crime imputado (com ou sem modificação da matéria de facto), quer ainda por redução de alguma pena parcelar ou somente da pena única.

            Em qualquer destes casos, há uma confirmação (para melhor, do ponto de vista do arguido) da decisão condenatória.

            A solução que aqui se defende é a única congruente com os objetivos do legislador e a única que afasta a solução contraditória de atribuir ao condenado que beneficiou da redução da pena o direito de recorrer, recusando esse direito ao condenado que viu a sua situação inteiramente confirmada.[3]

Em síntese, a confirmação in mellius, ou seja, a que confirma, melhorando, a situação penal do condenado, é relevante para os efeitos da al. f) do nº 1 do art. 400º do CPP.

Assim, tendo a Relação reduzido a pena em que o recorrente estava condenado de 9 para 8 anos de prisão, tal decisão não admite recurso.

A decisão que o admitiu não vincula este Supremo Tribunal (art. 414º, nº 3, do CPP).

            Há, pois, que rejeitar, por inadmissível, o recurso do arguido BB.

             

            Recurso do arguido AA

            Este recurso incide exclusivamente sobre a medida da pena fixada, que o recorrente considera desproporcional e desadequada, pretendendo que a mesma seja reduzida para medida não superior a 5 anos e 6 meses de prisão.

            Invoca em seu favor a idade, a ausência de antecedentes criminais, o facto de ter duas filhas menores, e a sua inserção social e laboral.

            Argumenta ainda com a natureza do estupefaciente em causa (haxixe), que ele diz estar liberalizado em vários países da União Europeia.

            Insurge-se ainda contra o facto de o Tribunal ter concluído pelo seu não arrependimento, conclusão que teria resultado do seu silêncio, o que, em seu entender, seria abusivo, pois o silêncio é um direito do arguido, não podendo, por isso, ser sancionado o seu uso.

            Contesta ainda que se tenha provado que tenha assumido uma posição dominante na prática dos factos.

            E, invocando ter-se tratado de uma conduta única, considera que a sua culpa deve ser entendida como diminuta.

            Para apreciação do recurso importa conhecer a matéria de facto, que é a seguinte, na parte pertinente:

1. Os arguidos deslocaram-se para a localidade da ..., concelho de Vila do Bispo, comarca de Lagos, para participarem no descarregamento de canabis proveniente de uma embarcação, posterior carregamento num veículo e saída deste para outro local.

2. Para tanto, durante a madrugada do dia 4 de Maio de 2010, o arguido AA levou os demais arguidos e o veículo de mercadorias de marca Iveco 2.3, de matrícula ...GVK, que ficou estacionado no termo da estrada de asfalto, junto ao trilho que dá acesso à praia, com a retaguarda virada para o mesmo e as respectivas portas traseiras abertas.

3. O arguido AA permaneceu no veículo.

4. Os demais arguidos deslocaram-se para a praia onde procederam, sob orientação do arguido BB, ao descarregamento de 125 fardos de Canabis (resina), com o peso de 3.935,6 Kg (três mil novecentos e trinta e cinco vírgula seis quilogramas), de uma embarcação (lancha rápida) para o areal da praia.

5. Tais fardos seriam removidos, por aqueles arguidos, da praia, por meio de carrinhos de mão e carregados no veículo Iveco para serem dali, depois, levados para outro local, o que só não aconteceu porque foram interceptados pelas autoridades.

6. No veículo de mercadorias, alugado pelo arguido AA, encontravam-se 2 carros de mão com aspecto de novo, um amarelo e outro cinzento, com cordas/cabos tipo alpinista presos à zona de protecção da roda da frente e 3 garrafões de 5 litros de água mineral.

7. No trilho que dá acesso à Praia da ..., e já perto desta, estavam mais 8 carros de mão, com aspecto de novo, e também com cordas/cabos tipo alpinista presos à zona de protecção da roda da frente.

8. Todos os arguidos conheciam a natureza estupefaciente do referido produto e sabiam que a detenção, a recepção, o transporte, o consumo, a cedência, o trânsito e a comercialização do mesmo era proibida e punida por lei e, não obstante, quiseram agir, como o fizeram, da forma acima descrita.

9. Ao praticarem os factos acima descritos, os arguidos agiram concertados entre si, em conjugação de vontades e de esforços, visando obter compensação financeira, cada um aceitando a conduta dos outros, bem sabendo a que as suas condutas eram proibidas.

10. O arguido AA é o segundo descendente de um agregado familiar de estrato sócio económico médio/alto.

11. Após dez anos de escolaridade, terminou o seu percurso escolar aos 15 anos de idade, altura em que integrou o mercado de trabalho, começando a coadjuvar os pais na gestão dos negócios de família, na área do comércio, restauração e compra e venda de cavalos.

12. Há cerca de 25 anos estabeleceu uma relação marital com o actual cônjuge, relação da qual nasceram duas filhas ainda menores.

13. Na sequência do falecimento do pai, há 8 anos, o arguido assumiu a gestão dos negócios da família.

14. Nos últimos anos, para além da compra e venda de cavalos, o arguido explorava directamente um estabelecimento de restauração que, após a sua prisão preventiva, teve que arrendar, pela quantia anual de € 27.000,00 (vinte e sete mil euros).

15. O arguido denota alguns comportamentos reveladores de ansiedade, pelo risco da condenação.

16. Não tem antecedentes criminais.

17. Não assumiu os factos praticados, nem demonstrou qualquer arrependimento.

18. Esteve em prisão preventiva, à ordem do presente processo, de 5 de Maio de 2010 a 7 de Janeiro de 2011 (cfr. fls. 1199), data em que passou a estar sujeito a obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica. (…)

Por ser pertinente, transcreve-se igualmente a seguinte parcela da motivação de facto:

No que concerne a não se ter provado que os arguidos AA, BB, CC e DD tenham interiorizado a gravidade dos factos por si praticados e estejam arrependidos, resultou da ausência de prova de qualquer factos que permitissem concluir no sentido da efectiva verificação de tal factualidade. Nomeadamente, nenhum dos apontados arguidos praticou quaisquer actos que permitissem ao Tribunal concluir pelo arrependimento por parte dos mesmos.

É que, enquanto os arguidos KK LL e GG fizeram uma confissão integral, em julgamento e, com tal postura, associada às respectivas expressões faciais, o Tribunal pode concluir, com segurança, pelo arrependimento de tais arguidos, já quanto aos arguidos AA, BB, CC e DD, tal não ocorreu. Isto porque, desde logo o arguido AA nem sequer prestou declarações, sendo certo que o seu silêncio o não pode prejudicar (e daí que o Tribunal não tenha dado como provado o facto contrário – veja-se que não consta dos factos provados a sua ausência de arrependimento), também não dispõe o Tribunal de um importante elemento indicador de arrependimento, qual seja, a assunção integral dos factos praticados.

Já os arguidos BB, CC e DD, muito embora tenham, de alguma forma admitido a prática de factos imputados, fizeram uma confissão parcial, não assumido na sua plenitude os factos praticados, tentando ocultar e escamotear a sua efectiva e completa responsabilidade, nem sequer colaborando com o Tribunal para a efectiva descoberta da verdade, e participação dos demais arguidos na execução dos factos imputados. Em suma, limitaram-se a admitir o óbvio, para poderem concluir, sem convicção, que estavam arrependidos e, portanto, sem que o Tribunal pudesse tomar como credível o seu anúncio de “arrependimento”.

Por último, da constatação feita, pelo Tribunal, em sede de julgamento, da postura dos arguidos AA, BB, CC e DD, em sede de julgamento e da atitude, nessa sede, pelos mesmos demonstrada, relativamente aos factos, por eles praticados, e face à ausência de outros elementos de prova, levou o Tribunal a não se poder convencer que tais arguidos estavam arrependidos.

Comecemos por esclarecer a questão do arrependimento. A leitura da matéria de facto e da sua fundamentação mostra que o tribunal de 1ª instância, e subsequentemente a Relação, considerou apenas que não estava provado o arrependimento do recorrente, mas não que este não estivesse arrependido. Trata-se de factos diferentes: uma coisa é provar-se o não arrependimento, outra é não se provar o arrependimento. No caso, o tribunal entendeu não se ter provado o arrependimento, mas já não a ausência de arrependimento. E fundamentou a conclusão com base não só no silêncio do arguido recorrente, como também na falta de outros elementos de prova que o fundamentassem.

Não houve, portanto, valoração negativa do direito ao silêncio, que só teria acontecido se o tribunal tivesse deduzido do silêncio o não arrependimento do recorrente, o que não sucedeu. O tribunal, insiste-se, afastou o arrependimento porque o arguido não o verbalizou convincentemente (antes remetendo-se ao silêncio), nem praticou qualquer ato material donde o arrependimento pudesse ser deduzido. Mas não considerou provada a falta de arrependimento.

Nenhuma violação do direito ao silêncio foi cometida, pois.

Relativamente à intervenção do recorrente nos factos, contrariamente ao que considerou a Relação, dificilmente se lhe poderá atribuir um papel “dominante” na sua prática. Na verdade, segundo se provou, ele limitou-se a aguardar, dentro da carrinha, o carregamento dos fardos de haxixe, não assumindo nenhuma função de direção dessa operação, a qual coube ao coarguido BB. Nada mais se apurou para além de o recorrente ter conduzido o veículo, no qual seguiam todos os arguidos, até à praia onde seria desembarcado o estupefaciente, e aí aguardar, dentro do mesmo, o carregamento. Deste comportamento não pode deduzir-se uma função dominante na condução das operações. Neste ponto, procedem as considerações do recorrente, e algum relevo, em termos de medida da pena, lhes deverá ser atribuído.

Quanto aos elementos pessoais invocados, os mesmos são irrelevantes. Não se compreende em que medida a idade (41 anos à data dos factos) pode ser atenuante. A ausência de antecedentes criminais também não tem nenhum relevo especial. A sua inserção social e familiar também não o beneficiam. Neste tipo de criminalidade, ou seja, o tráfico de grandes dimensões, é comum o envolvimento de pessoas de estatuto económico-social médio ou elevado.

Por último, refira-se que os factos são de particular gravidade, no quadro do tráfico de estupefacientes simples do art. 21º do DL nº 15/93, de 22-1, na medida em que se trata de uma operação de importação, por via marítima, de cerca de 4 toneladas de haxixe, transportada em 125 fardos. Sendo certo que não se trata de droga dura, a quantidade agrava expressivamente a ilicitude. Por outro lado, a intervenção do recorrente só pode ser entendida como justificada pela intenção de obter uma compensação financeira suficientemente compensadora do risco.

Irrelevante é também, em termos de atenuação da culpa, o facto de se tratar de uma única conduta, porque esta assume uma sensível dimensão em termos de ilicitude.

No cômputo global dos factos, e atendendo ao que atrás se ponderou sobre a efetiva participação do recorrentes nos mesmos, considera-se adequado reduzir a pena para 8 anos de prisão, pena essa que, não ultrapassando a culpa, satisfaz as exigências preventivas, particularmente fortes neste tipo de criminalidade.

III. DECISÃO

Com base no exposto, decide-se:

a) Rejeitar o recurso do arguido BB, nos termos dos arts. 400º, nº 1, f), 414º, nº 2, e 420º, nº 1, b), do CPP, condenando-se o recorrente em 3 (três) UC de taxa de justiça e 3 (três) UC de sanção processual;

b) Conceder provimento parcial ao recurso do arguido AA, fixando-se a pena em 8 (oito) anos de prisão, não havendo lugar ao pagamento de custas;

c) Manter, no mais, a decisão recorrida.

 

  Lisboa, 12 de setembro de 2012

Maia Costa (Relator)

Pires da Graça

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[1] Foram ainda condenados, como coautores do mesmo crime, os arguidos CC, DD, EE, FF, e GG.
[2] Recorreram igualmente os arguidos DD, FF e GG, cujos recursos foram rejeitados.
[3] Este é a jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal. Entre muitos, vejam-se os seguintes, por mais recentes: acórdãos de 23.11.2011 (proc nº 12/10.6JAGRD.C1.S1-5ª); 9.2.2012 (proc. nº 1/09.3FAHRT.L1.S1-3ª); 21.3.2012 (proc. nº 303/09.9JDLSB.E2.S1-3ª); e de 26.4.2012 (proc. nº 438/07.2PBVCT.G1.S1-5ª).