Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | TERESA ALMEIDA | ||
Descritores: | RECUSA JUÍZ DESEMBARGADOR IMPARCIALIDADE INDEFERIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 10/02/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | ESCUSA/RECUSA | ||
Decisão: | IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO | ||
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Sumário : | I. Como é bom de ver, não existe, nem se mostra alegado, nenhum facto, indício, elemento de natureza pessoal ou funcional que afete a imparcialidade objetiva, ou a perceção pública de tal imparcialidade, da Ex.ma Juíza Desembargadora recusada. II. Não teve contacto com os arguidos, não teve intervenção no processo em qualquer das suas fases, não lhe são imputadas ações, opiniões ou relações que, em qualquer dos casos com gravidade e seriedade, diminuam a imparcialidade ou a sua aparência no momento de julgar. III. Padecendo, assim, o requerido de falta absoluta e manifesta de fundamento legal. IV. Sendo, por outro lado, manifesto que se visa, com a sucessão de incidentes de recusa e, em particular, com o presente, obstar à continuação do processo no tribunal competente, produzir adiamentos sucessivos do início da audiência de julgamento e, assim, obter a libertação dos arguidos por termo do prazo de prisão preventiva, há lugar à aplicação do disposto nos nºs 1 e 3, do art.º 670º do CPC, ex vi do art.º 4º do CPP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA e BB, arguidos presos, identificados nos autos, vieram requerer a recusa da Ex.ma Senhora Juíza Desembargadora CC para decidir o incidente de recursa da Ex.ma Juíza presidente do Juízo Central Criminal, J..., que haviam requerido. Fazem-no “ao abrigo do Principio do Juiz Natural, do "due process of law " dos artsº 43º e ss CPP 6º -1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 202 e 205 da Lei Fundamental”. Apresentam os seguintes fundamentos: (transcrição) “I -Portugal é parte muito interessada na condenação dos arguidos pelo seguinte: - participou na invasão do Iraque sob o manto protector do Governo ...; - a imprensa Portuguesa apoiou quase in totum a posição de Portugal na invasão; - Portugal "construiu" a partir do momento de invadir o Iraque uma inenarrável ISLAMOFOBIA ínsita a todos os Portugueses, Magistrados inclusivé; - não existe IMPARCIALIDADE nem "VISÃO NEUTRA" onde impera o ódio... 2-os presentes autos trazem á memória pensamentos sombrios sobre a Deusa Themis e a Democracia nestes últimos 50 anos; na verdade, a Justiça é às claras, como um copo de cristal ou a água do Vimeiro " a saúde primeiro" mas as Decisões e o modus faciendi de aplicação das Leis da Republica são às ocultas, ao inverso da TRANSPARENCIA... 3 - O acesso a essa Deusa pela qual tantos injustiçados reclamam sem sucesso é vertido na lição de Franz KAFKA; na verdade, longe vai o tempo em que o Estado era assim: um velho funcionário, um senhor bondoso e sossegado, tendo estado perante um caso difícil, que se complicara especialmente devido aos requerimentos dos advogados, estudou-o ininterruptamente durante um dia e uma noite- estes funcionários são na realidade dedicados como ninguém. Pela manhã, após vinte e quatro horas de trabalho, provavelmente não muito futífero, diridiu-se á porta de entrada, pôs-de emboscada e atirava todo o advogado que quisesse entrar pelas escadas abaixo. Os advogados reuniram-se em baixo no patamar para deidir o que deviam fazer....cada dia que não é passado no Tribunal é para eles um dia perdido, portanto tinham bastante interesse em entrar. Finalmente acordaram em que deviam fatigar o velho senhor. Era enviado continuamente um advogado, que corria pelas escadas acima e, após ter resistido o máximo possível de uma forma embora passiva, se deixava empurrar para baixo onde era apanhado pelos colegas. Esta situação durou cerca de uma hora, depois o velho senhor, que estava exausto também do trabalho noturno, ficou mesmo cansado e regressou á sua secretária..." Frank KAFKA. O Processo", ed Bertrand, pag 142. ...no fim, ele diz, olhando para entrada da Lei: “vou agora fechá-la mas no início da história é-nos dito que a porta da Lei se conserva sempre aberta e, se se conserva sempre aberta, isto é. permanentemente, independentemente da Vida ou da morte do Homem então o porteiro não pode fechá-la " Kafka in "o Processo -pag 228 3 - a metáfora kafkiana com mais de 100 anos construída pela mente poderosa do escriva em 1920, é hoje plenamente atual•, de que valem Leis publicadas no dia a dia do Diário da Republica perante os olhos claros do Povo se a aplicação das mesmas é às escuras, sem os destinatários serem informados ???? de que serve a COUR de Estrasburgo impor aos Estados membros um processo EQUITATIVO se, na prática, não existe equidade ? 5 - O Venerando Juiz Desembargador foi nomeado com manifesta violação do PRINCIPIO do DEVIDO PROCESSO LEGAL consagrado nos artigos 6º-1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 204º0 e 213º do Código de Processo Civil (CPC) para a realização da distribuição nos Tribunais Superiores, aqui aplicável por força do artigo 4º0 do CPP de harmonia com o processo penal; 6 - os arguidos AA e BB estão retidos numa cela fria e húmida da Guantanamo nacional de nome EP ..., mal alimentados, em retiro físico e espiritual e não foram convidados a assistir ao sorteio eletrónico neste Tribunal Superior; 7- os recusantes têm transporte gratuito e bem seguro pela DGRSP que, embora seja incómodo face à composição da "ramona ou "táxi de ferro ' em cerca de DEZ MINUTOS os colocariam na Rua ... afim de assistimr à diligencia da distribuição/sorteio eletrónico, com direito a alta velocidade, bem escoltados e guardados pelos Senhores Guardas prisionais, face à malandragem que pulula em Portugal.... 8. com um simples e- mail ou telefonema por parte deste TRL a comunicar ao EP ... que tinham sido recepcionados os Autos de recusa, logo os arguidos sinalizariam na sua agenda pessoal, muito preenchida por divagações filosóficas e existenciais, que no dia X à hora Y deveriam aprumar-se com uma fatiota solene para assistir ao sorteio neste Alto Tribunal, pese embora a obrigação de envergarem o fato-macaco creme da DGRSP; 9 - O advogado signatário trabalha e reside em ...; pese embora o motor de um velho Chevrolet de 2007 funcionar mal devido a avaria no turbo, % peça muito difícil de encontrar à semelhança da JUSTIÇA, poderia deslocar-se a esta DOMUS IUSTIT]AE em. transporte UBER....quiçá num velho comboio da linha da Região Oeste; 10 - todavia, nem os arguidos, que são o ALVO da JUSTIÇA PORTUGUESA e muito interessados em todos os tramites processuais, foram notificados ou convidados a assistirem ao sorteio, tão pouco o advogado signatário foi avisado de tal diligencia que é essencial num ESTADO DE DIREITO; 11 - assim constata-se que o Venerando Juiz Desembargador agora recusado foi nomeado para apreciar a recusa provavelmente sem sorteio (?); até hoje, 25-9-2023, não se conhece algo da nomeação do Venerando Juiz; 12 - O defensor apenas visualizou nas exíguas letras do CITIUS que o caso lhe foi "atribuído" sem que se saiba como e por que meios; trata-se de facto consumado sem conhecimento público e do POVO: 13 - os Senhores Juízes julgam em nome do bom POVO (artº 202º CRP) e para o POVO PORTUGUÊS e para os Estrangeiros injustiçados maxime para os arguidos recusantes; em suma, o sorteio/atribuição dos Autos de recusa foram atribuídos ao Venerando Juiz Desembargador recusado mas é um acto que: - não contou com a assistência obrigatória do Ministério Público; - não contou com a assistência de Advogado - não contou com a presença do advogado dos Arguidos; 14 - não ocorreu notificação da ACTA. desconhecendo-se se foi efectuada; as ilegalidades supra suscitadas violam o direito do Arguido ao Juiz Legal — direito, garantia e princípio constitucional fundamental do arto 32,0, n.0 9 da Constituição; 15 - urge assim que seja realizado SORTEIO ELETRONICO na presença dos arguidos e do advogado signatário porquanto ocorreu NULIDADE INSANÁVEL no modus faciendi da distribuição; 16 - 0 artigo 213º n.º 3 do CPC dispõe o seguinte: "É correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 4 a 6 do artigo 204º à distribuição nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, com as seguintes especificidades: a) Á distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sena aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro; b) Deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo. 7. Os números 4 a 6 do artigo 204.º dispõem que: "4. Á distribuição obedece às seguintes regras ":a) Os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal e a listagem fica sempre anexa à ata ";b) Se fôr distribuído um processo a um juiz que esteja impedido de nele intervir, deve ficar consignada em ata a causa do impedimento que origina a necessidade de fazer nova distribuição por ter sido distribuído a um juiz impedido: constando expressamente o motivo do impedimento, bem como anexa à ata a nova listagem; c) As operações de distribuição são obrigatoriamente documentadas em ata, elaborada imediatamente após a conclusão daquelas e assinada pelas pessoas referidas no n.º 3, a qual contém necessariamente a descrição de todos os atos praticados. 17 - ocorre nulidade insanável e sério motivo de recusa: os recusantes desconhecem e como foi respeitado 0 PRINCIPIO DO JUIZ NATURAL e 0 DUE PROCESS OF LAW tudo isto gera DESCONFIANÇA NO SISTEMA DE NOMEAÇÃO DO SENHOR JUIZ DESEMBARGADOR RECUSADO: desconhece-se, repete-se, como ocorreu a nomeação; certo é que o processo foi atribuído a Sua Excelência -a ausência dos arguidos recusantes e do advogado signatário; 18 - a ausência de notificação de actos processuais como por ex., do acórdão dos Tribunais Superiores ao arguido já levou o EUROPEAN COURTa condenar Portugal no affaire MEGGI CALA contra PORTUGAL- (Requete 24086/11) notificado à Procuradoria Geral da Republica e de conhecimento oficioso; mutatis mutanclis impunha-se a notificação de um ato solene como a distribuição-sorteio eletrónico na presença do visado pela deusa Themis, ou seja os arguidos AA e BB; Face ao supra exposto os arguidos recusam a atribuição dos Autos de Recusa à Veneranda Senhora Juíza Desembargadora DRA . CC declarando-se a irregularidade e a nulidade dos atos praticados à revelia do Principio do Juiz Natural, do sorteio eletrónico e imparcialidade. Deve ser efectuado sorteio eletrónico na presença dos arguidos e da defesa. Deve ser recusada a Senhora Juiza Desembargadora para decidir o incidente” 2. A Ex.ma Juíza Desembargadora pronunciou-se, nos termos do art. 45º, n.º 3 do Código do Processo Penal: (transcrição) “O processo 99/17.0JBLSB-K.L1 em que são requerentes AA e BB, distribuído na espécie Central Criminal de ... - Juiz ..., deu entrada neste Tribunal da Relação de Lisboa em 22/09/2023, tendo sido distribuído à ora signatária como relatora anteontem, dia 25/09/2023. Este é, pois, o primeiro ato praticado pela signatária nos autos, nunca tendo tido com os arguidos requerentes qualquer outro contacto anterior, nomeadamente neste ou noutros processos. Compulsados os argumentos invocados pelos requerentes, que são de natureza geral e jurídica, prendendo-se com uma discordância relativamente ao modo como se procedeu ao ato de distribuição do presente processo (sem a sua presença e do seu ilustre mandatário), não vemos que possam constituir motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade da ora signatária. Consequentemente, entende-se não existirem razões que permitam deferir o suscitado incidente de recusa. De resto, esse Colendo Tribunal foi já chamado a apreciar requerimento idêntico introduzido pelos ora requerentes neste mesmo processo, em incidente de recusa do Senhor Juiz Desembargador a quem coube conhecer de pedido de recusa do Senhor Juiz de Primeira Instância que era anteriormente titular do processo na fase de julgamento cfr. o apenso H.L1-A.” II. Fundamentação 1. Sobre a arguição de nulidades O incidente de recusa não é um recurso, não constituindo o meio adequado e, em consequência, o espaço próprio para o julgamento de nulidades. Aliás, as invocadas nulidades não foram arguidas, na instância e no tempo legalmente definidos. Este incidente de recusa, regulado nos arts. 43.º a 47.º do Código de Processo Penal, tem como único objeto verificar e decidir se existe motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade de juiz com intervenção no concreto processo em que aquele é suscitado. É nesta apreciação que a decisão se esgota. Nunca poderia, assim, este Tribunal conhecer das nulidades invocadas. 2. Os arguidos têm legitimidade e o incidente de recusa que aqui se está a julgar foi apresentado em prazo (arts. 43.º, n.º 3 e 44.º do Código de Processo Penal). 3. Sobre a imparcialidade de juiz a. Os requerentes AA e BB vêm suscitar o presente incidente de recusa com fundamento, além das aludidas nulidades, nos seguintes alegados factos: “Portugal é parte muito interessada na condenação dos arguidos pelo seguinte: - participou na invasão do Iraque sob o manto protector do Governo ...; - a imprensa Portuguesa apoiou quase in totum a posição de Portugal na invasão; - Portugal "construiu" a partir do momento de invadir o Iraque uma inenarrável ISLAMOFOBIA ínsita a todos os Portugueses, Magistrados inclusivé; - não existe IMPARCIALIDADE nem "VISÃO NEUTRA" onde impera o ódio... b. Sem nos pronunciarmos sobre o insuscetível de pronúncia (a islamofobia que terá tomado conta de Portugal e dos juízes…), bem como considerando a irrelevância de perceções individuais sobre um povo e uma classe profissional que não se referem, em particular, à Ex.ma Desembargadora recusada, vejamos quais os fundamentos legais de recusa de juiz. Dispõe o art. 43.º do CPP: 1 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. 2 - Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º. 1. c. O princípio da independência dos tribunais, consagrado no artigo 203.º da Constituição, implica uma exigência de imparcialidade que justifica uma previsão suficientemente ampla de suspeições do juiz. Ao Estatuto dos Magistrados Judiciais foi aditada, pela Lei n.º 67/2019, de 27 de agosto, disposição (artigo 6.º-C) que faz figurar o dever de imparcialidade como primeiro dever do juiz, configurando-o como o dever agir com imparcialidade, assegurando a todos um tratamento igual e isento quanto aos interesses particulares e públicos que lhes cumpra dirimir. Bem como foram reforçadas as garantias de imparcialidade, através das alterações introduzidas ao art. 7.º. No processo penal, mostra-se estabelecido, no artigo 43º do Código de Processo Penal, um regime próprio sobre recusa e escusa do juiz que visa afastar as situações em que possa ser colocada em dúvida a imparcialidade do juiz. A construção de instrumentos coerentes e objetivos de avaliação relativa à imparcialidade do juiz teve um contributo decisivo da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, na interpretação do segmento inicial do §1 do art.º 6.º da CEDH, “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei”. Com efeito, a jurisprudência constante do TEDH, desde o acórdão Piersack v. Bélgica, de 1982. tem trilhado o caminho da determinação da imparcialidade pela sujeição a um teste subjetivo, incidindo sobre a convicção pessoal e o comportamento do concreto juiz, sobre a existência de preconceito ou bias face a determinado caso, e a um teste objetivo que atenda à perceção ou dúvida externa legítima sobre a garantia de imparcialidade. Constituem referências fundamentais e testemunho da evolução jurisprudencial do TEDH, os acórdãos Piersack v. Bélgica, (8692/79), de 1.10/82 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57557), Cubber v. Bélgica, de 26.10.84 (https://hudoc.echr.coe.int/ukr?i=001-57465), Borgers v. Bélgica, de 30.10.91, (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57720) e Micallef v. Malte, de 15/10/2009 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-95031). O teste objetivo respeita aos riscos de afetação da confiança que o tribunal deve inspirar no público, num Estado Democrático, num quadro de aparências cuja ponderação é fundamental. A imparcialidade do tribunal constitui, pois, um dos elementos densificadores da garantia do processo equitativo, com a dignidade de direito fundamental. O princípio do juiz natural, por sua vez, encontra-se inscrito no n.º 9, do art. 32.º da Constituição, relativo às garantias do processo criminal, "nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”. Consagra-se, assim, entre nós “o direito fundamental dos cidadãos a que uma causa seja julgada por um tribunal previsto como competente por lei anterior”. No ensinamento de J. Figueiredo Dias “a tanto vincula a necessária garantia dos direitos da pessoa, ligada à administração da justiça, à exigência de julgamentos independentes e imparciais e à confiança da comunidade naquela administração”1 Na ponderação entre o juiz natural, ou legal, garantia da independência do juiz e dos direitos de defesa do arguido, e a garantia de imparcialidade, direito humano, na previsão do § 1 do art. 6.º da CEDH, encontrou o Código de Processo Penal a proporcionalidade adequada, por via da exigência, para a recusa ou escusa, de motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. A jurisprudência deste Tribunal tem acompanhado a jurisprudência do TEDH e seguido, na aplicação da fórmula legal, um critério de particular exigência, bem expresso, entre muitos outros, no Ac. de 06.07.2005, Proc. nº 2540/05-3: — (1) – A imparcialidade subjectiva tem a ver com a posição pessoal do juiz, e pressupõe a determinação ou a demonstração sobre aquilo que um juiz, que integre o tribunal, pensa no seu foro interior perante um certo dado ou circunstância, e se guarda, em si, qualquer motivo para favorecer ou desfavorecer um interessado na decisão. (2) – A perspectiva subjectiva, por princípio, impõe que existam provas que permitam demonstrar ou indiciar relevantemente uma tal predisposição, e, por isso, a imparcialidade subjectiva presume-se até prova em contrário. (3) – Neste aspecto a função dos impedimentos constitui um modo cautelar de garantia da imparcialidade subjectiva. (4) – Mas a dimensão subjectiva não basta à afirmação da garantia. Revela, também, e cada vez mais com acrescido reforço, uma perspectiva objectiva. Nesta abordagem, em que são relevantes as aparências, intervêm por regra, considerações de carácter orgânico e funcional (v.g. a não cumulabilidade de funções em fases distintas do processo), mas também todas as posições com relevância estrutural ou externa, que de um ponto de vista do destinatário da decisão possam fazer suscitar dúvidas, provocando receio, objectivamente justificado, quanto ao risco da existência de algum elemento, prejuízo ou preconceito que possa ser negativamente considerado contra si. (5) – A imparcialidade objectiva apresenta-se, assim, como um conceito que tem sido construído muito sobre as aparências, numa fenomenologia de valoração com alguma simetria entre o «ser» e o «parecer». (6) – Por isso, para prevenir a extensão da exigência de imparcialidade objectiva, que poderia ser devastadora, e para não cair na «tirania das aparências» ou numa tese maximalista da imparcialidade, impõe-se que o fundamento ou motivos invocados sejam, em cada caso, apreciados nas suas próprias circunstâncias, e tendo em conta os valores em equação - a garantia externa de uma boa justiça, que seja mas também pareça ser. (7) – As aparências são, pois, neste contexto, inteiramente de considerar, sem riscos devastadores ou de compreensão maximalista, quando o motivo invocado possa, em juízo de razoabilidade, ser considerado fortemente consistente («sério» e «grave») para impor a prevenção. (8) – O pedido de escusa do juiz para intervir em determinado processo pressupõe e só poderá ser aceite, quando a intervenção correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave adequado a gerar dúvidas sobre a sua imparcialidade, ou quando tenha tido intervenção anterior no processo fora dos casos do art. 40.º do CPP - art. 43 .º, n.ºs 1, 2 e 4, do mesmo diploma. (9) – A gravidade e a seriedade do motivo hão-de revelar-se, assim, por modo prospectivo e externo, e de tal sorte que um interessado - ou, mais rigorosamente, um homem médio colocado na posição do destinatário da decisão - possa razoavelmente pensar que a massa crítica das posições relativas do magistrado e da conformação concreta da situação, vistas pelo lado do processo (intervenções anteriores), ou pelo lado dos sujeitos (relação de proximidade, quer de estreita confiança entre os interessados na decisão), seja de molde a suscitar dúvidas ou apreensões quanto à existência de algum prejuízo ou preconceito do juiz sobre a matéria da causa ou sobre a posição do destinatário da decisão d. Como é bom de ver, não existe, nem se mostra alegado, nenhum facto, indício, elemento de natureza pessoal ou funcional que afete a imparcialidade objetiva, ou a perceção pública de tal imparcialidade, da M.ma Juíza Desembargadora recusada. Não teve contacto com os arguidos, não teve intervenção no processo em qualquer das suas fases, não lhe são imputadas ações, opiniões ou relações que, em qualquer dos casos com gravidade e seriedade, diminuam a imparcialidade ou a sua aparência no momento de julgar. Como é possível, sem se imputar ao magistrado judicial em concreto quaisquer factos ou condutas que integrem o quadro típico de suspeição dos números 1 e 2 do artigo 43.º do Código de Processo Penal, pedir a recusa do juiz? A resposta a tal questão é inequivocamente negativa, por força, também, da presunção de imparcialidade do julgador que não se mostra minimamente questionada. Sendo assim, por falta absoluta e manifesta de fundamento legal para tal, indefere-se, sem mais, o pedido de recusa da Ex.ma Senhora Juíza Desembargadora CC, do Tribunal da Relação de Lisboa. Sendo, por outro lado, manifesto que os arguidos visam, com a sucessão de incidentes de recusa e, em particular, com o presente, obstar à continuação do processo no tribunal competente, produzir adiamentos sucessivos do início da audiência de julgamento e, assim, obter a libertação dos arguidos por termo do prazo de prisão preventiva, há lugar à aplicação do disposto nos nºs 1 e 3, do art.º 670º do CPC, ex vi do art.º 4º do CPP. III - DECISÃO Termos em que acordam os Juízes da 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em: - Julgar improcedente, por manifestamente infundado, o pedido de recusa formulado por AA e BB; - Ordenar que os ulteriores termos do presente incidente se processem em separado, para o que deverá ser organizado o traslado a que se refere o nº 3 do ar.tº 670º do CPC, ex vi do art.º 4º do CPP - E que o presente apenso seja remetido ao processo principal para aí ser decidido o originário pedido de recusa. Custas pelos requerentes, com a fixação de 5 UC de taxa de justiça. Vão ainda condenados os requerentes na quantia de 6 UC, nos termos do número 7 do artigo 45.º do Código de Processo Penal. Deposite e notifique (já no traslado), designadamente nos termos e para os efeitos do disposto no número 6 do artigo 45.º do Código de Processo Penal [irrecorribilidade do presente acórdão]. Lisboa, 02.10.2023 Teresa de Almeida (Relatora) Sénio Alves (1.º Adjunto) Maria do Carmo Silva Dias (2.ª Adjunta) ____ |