Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | ROSA TCHING | ||
Descritores: | CONFISSÃO CONFISSÃO JUDICIAL FORÇA PROBATÓRIA PLENA PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MATÉRIA DE FACTO CONTRADIÇÃO INSANÁVEL BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO | ||
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Data do Acordão: | 06/14/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | BAIXA DOS AUTOS À RELAÇÃO | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / CONFISSÃO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / PARTES / PATROCÍNIO JUDICIÁRIO – PROCESSO EM GERAL / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / PROVA POR CONFISSÃO E POR DECLARAÇÕES DAS PARTES – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO. | ||
Doutrina: | - Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed., p.431; - Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, p. 86 ; Código de Processo Civil, anotado, 4ª ed., Vol. I, p. 126 e Vol. IV, p. 113; - Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., p. 548 e 555; - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, 4ª ed., Vol. I, p. 316. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 352.º E 358.º, N.º 1. CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 47.º, 465.º, N.º 2, 674.º, N.º 3 E 682.º, N.º 3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 21-10-1993, IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84; - DE 12-01-1995, IN CJ STJ, ANO III, TOMO I, P. 19; - DE 11-11-2010, PROCESSO N.º 1902/06.6TBVRL.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: - DE 29-09-2004, PROCESSO N.º 10382/2004, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: - DE 13-10-2011, PROCESSO N.º 2108708.5TBFAF.G1, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: - DE 12-01-1982, IN CJ, ANO 1982, TOMO I, P. 258. | ||
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Sumário : | I. De harmonia com o disposto no artigo 352º do Código Civil, a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. II. A confissão feita nos articulados pelo mandatário da parte e aceite pela contraparte, de forma expressa, clara e inequívoca, nos termos e para os efeitos dos artigos 47º e 465º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil, adquire força probatória plena contra o confitente, nos termos do artigo 358º, nº1 do Código Civil, como modalidade de confissão judicial escrita. III. Sendo invocada a violação de confissão desta natureza, pode o Supremo Tribunal de Justiça, por força do disposto no artigo 674º, nº 3 do Código de Processo Civil, sindicar a decisão do Tribunal da Relação no tocante a factos que foram considerados como provados por este tribunal sem que se encontrassem reunidos os requisitos legalmente necessários para que tal confissão pudesse ter força probatória plena contra o confitente, nos termos do artigo 358° do Código Civil. IV. Ocorrendo contradição na decisão sobre a matéria de facto que inviabilize a decisão jurídica do pleito pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no artigo 682º, nº 3 do Código de Processo Civil, o processo deve baixar ao tribunal recorrido para que este elimine essa contradição. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
*** I – Relatório 1. Banco AA, S.A. instaurou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra BB, S.A., pedindo que a ré seja condenada a entregar definitivamente à autora os dois imóveis descritos no artigo 1º da petição inicial. Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou com a ré um contrato de locação financeira que teve por objeto aqueles dois imóveis e que, não obstante ter procedido à entrega deles à ré, esta apenas liquidou as primeiras 51 rendas do contrato. Em consequência deste incumprimento por parte da ré e de acordo com as condições gerais do contrato, a autora comunicou à mesma a resolução do contrato e interpelou-a para restituir os referidos imóveis, o que a ré não fez, continuando a usá-los, sem qualquer contrapartida para a autora. 2. A ré contestou, excecionando o pagamento das rendas alegadamente em dívida, invocando a inexistência de fundamento para a resolução do contrato e impugnando parte dos factos alegados na petição inicial. E sustentando que a autora tem tido, ao longo dos anos, uma conduta contrária aos princípios de direito, atuando de má fé e em abuso de direito e causando-lhe, desse modo, danos patrimoniais e não patrimoniais, deduziu pedido reconvencional com o qual pretende que a autora reconvinda seja condenada a pagar-lhe a quantia de, pelo menos, 250.000,00 euros, acrescida de juros, bem como todas as despesas que se vierem a apurar até ao fim do processo. Mais peticionou a condenação da autora por litigância de má fé. 3. Na sua resposta, a autora excecionou a litispendência e o caso julgado e impugnou a factualidade alegada na reconvenção, concluindo pela improcedência da mesma. 4. Notificada para o efeito, veio a ré reconvinte concretizar os factos que servem de fundamento à reconvenção. 5. Procedeu-se à audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho, que julgou improcedentes as exceções de litispendência e caso julgado, e foram fixados o objecto do litígio e os temas de prova. 6. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que: 1º - Julgou a presente ação procedente e, consequentemente, condenou a ré a entregar definitivamente ao Autor os imóveis objeto do contrato de locação financeira celebrado entre eles. 2º- Julgou totalmente improcedente, por não provada, a reconvenção e absolveu o autor reconvindo do pedido. 7. Inconformada, recorreu a ré para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão proferido em 23.11.2017, julgou procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, em sua substituição, decidiu: - julgar a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido. julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando a reconvinda a pagar à reconvinte os montantes por esta despendidos com a presente ação e procedimento cautelar apenso, incluindo os honorários do seu mandatário forense. - Absolver a reconvinda do mais peticionado. 8. Inconformada com este acórdão, a ré dele interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1. O Acórdão recorrido eliminou o facto provado n° 31 porquanto, por suposta confissão do Recorrente, tal renda estaria paga, pelo que existiria uma contradição entre este facto e o facto n° 7 dado como provado, sendo que este último resulta literalmente do que foi alegado no artigo 7o da PI. 2. No artigo 7o da PI o Banco afirma "a Ré apenas liquidou as primeiras 51 rendas do contrato", mas na carta que remeteu à Ré em 31 de Julho de 2014 expressamente refere que "Não tendo V.Exas. procedido ao pagamento das rendas em débito no valor global de 22.774,96 €, apesar de interpelados para o fazer no prazo de 30 dias a contar da data de recepção da carta enviada em 24/06/2014, incorreram por isso em incumprimento definitivo - conforme previsto nas condições gerais do contrato de locação financeira. Entretanto, e após a data da carta referida, venceram-se e encontram-se igualmente por liquidar as seguintes rendas: nº renda: 52; data de vencimento: 25/06/2014; valor de renda: 1.677,22 €; nº renda: 53; data de vencimento: 25/07/2014; valor de renda: 1.678,63 €. 3. Resulta inequivocamente da carta remetida que, aquando da resolução se encontravam vencidas e não pagas diversas rendas anteriores à renda n° 51, no montante global de 22.774,96€. 4. Na Contestação, a Ré veio alegar a excepção do pagamento, pelo que na Réplica o Banco Autor foi explicar detalhadamente a forma como tinha procedido à imputação dos montantes recebidos da Ré, explicando qual o motivo pelo qual tais montantes não permitiram liquidar a totalidade das rendas devidas como a Ré dizia. 5. Decorre evidente do contexto em que a declaração foi feita que no artigo 7° da PI o Banco se enganou quando afirmou que a Ré tinha liquidado as primeiras 51 do contrato, pelo que resultando tal erro do contexto em que a declaração foi produzida apenas dá lugar à sua rectificação, nos termos do disposto no artigo 249° do Código Civil o que se requer, devendo passar a constar do dito artigo 7° que a Ré apenas liquidou as 36 primeiras rendas. 6. Nos termos do disposto no artigo 354° do Código Civil, a confissão não é admissível, por não fazer prova contra o confitente, quando o facto confessado for impossível ou notoriamente inexistente, sendo que nos termos do disposto no artigo 257° n° 2 do CC que "o facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar". 7. Tendo em conta o teor do contrato, o teor da carta remetida em Julho de 2014 e os factos alegados nos autos é notório para qualquer pessoa que nunca poderia estar em dívida apenas uma única renda, pois que uma única renda nunca poderia ascender ao montante de 22.774,96€ que o Banco indica na carta de resolução como o valor em dívida referente a rendas vencidas e não pagas que determina a resolução. 8. Notório é igualmente que nunca poderiam estar em dívidas as rendas números 52 e 53 uma vez que a carta de resolução expressamente refere que estas se venceram depois da carta de interpelação remetida. 9. Um simples exercício de cálculo seria suficiente para qualquer pessoa média se aperceber que dividindo os 22.774,96€ em dívida por 1677€ - valor aproximado de cada renda, nos termos do contrato - se obteria 13,5, o que significa que nunca seria apenas uma a renda em dívida. 10. Daqui resulta que a alegada confissão sempre seria, por isso, inadmissível, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 354° alínea c) do Código Civil. 11. Sem prescindir, ainda que se considerasse que estávamos perante uma confissão judicial, a verdade é que ainda assim não se encontravam reunidos os requisitos legalmente necessários para que tal confissão pudesse ter força probatória plena contra o confitente, nos termos do disposto no artigo 358° Código Civil, conjugado com o disposto no artigo 465° Código de Processo Civil. 12. A confissão judicial é regida pelo disposto nos artigos 356° n° 1 e 358° do Código Civil mas também pelo disposto nos artigos 46° e 465° n° 2 do Código de Processo Civil, que prescrevem que as confissões expressas de factos, feitas nos articulados, podem ser retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente. 13. Interpretando a contrario estes normativos dos mesmos resulta que enquanto a parte não aceitar especificadamente a confissão esta ainda pode ser retirada, pelo que esta não tem força probatória plena contra o confitente. 14. No artigo 11° da Contestação que apresentou, a Ré expressamente impugnou o teor do artigo 7° da Petição Inicial, pois que escreveu: - "não corresponde à verdade é falso, impugna-se a demais matéria alegada na P.l. nos artigos 6°, 7°, 8°, 9°, 10°, 11°, 12° e 13° da P.I.": 15. A Ré nunca aceitou especificadamente os factos constantes do artigo 7o da Petição Inicial, pelo que apenas para o caso de se considerar que tinha existido confissão, (no que não se concede), o Banco Recorrente, por mera cautela, expressamente retira a confissão alegadamente feita, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 465°.2 do Código de Processo Civil. 16. À data da resolução contratual apenas se encontravam integralmente liquidadas 36 rendas, motivo pelo qual deve ser este o número de rendas que deverá ser considerado. 17. A tese defendida no Acórdão recorrido segundo a qual embora a Ré no artigo 3o da Contestação tenha impugnado o artigo 7° da Petição Inicial "deve considerar-se aceite no sentido de que essas rendas foram pagas, pois tal impugnação respeita ao termo “apenas”. Trata-se assim de uma confissão feita nos articulados, aceite pela Ré no que tange ao pagamento das primeiras 51 rendas e como tal irretractável" não pode colher uma vez que, por um lado, a Ré efectivamente impugnou expressamente o teor do dito artigo 7o da PI e, por outro, porque para efeitos de confissão, a aceitação não pode ser tácita, tem que ser expressa, como é entendimento unânime da doutrina e confirmado pela Jurisprudência. 18. O Acórdão recorrido decidiu erradamente pois que afirmou a existência de uma confissão que não existiu e, caso assim se não entendesse, sempre ter-lhe-ia reconhecido uma força probatória de que esta não podia gozar, em desrespeito pelos comandos contidos nos artigos 47°, 465° n° 2 e 574° n° 1 do CPC e 356° do C.C. 19. Inexiste qualquer razão para a exclusão do facto n° 31, que não está em contradição com o facto 7o, uma vez que este último apenas refere que a 1a renda não foi paga no seu vencimento, que ocorreu na data da celebração do contrato: o facto de se ter como provado que a Ré liquidou 36 rendas não significa que as tenha liquidado nas exactas datas do seu vencimento, pelo que o facto n° 31 se deve manter. 20. Nem no corpo, nem nas conclusões das alegações do recurso de Apelação que apresentou, a aqui Recorrida referiu que a sentença proferida pela 1a instância se fundava em factos que não integravam a causa de pedir. 21. As conclusões de recurso delimitam o thema decidendum, pelo que o Acórdão recorrido não podia ter decidido que os factos números 33.°, 34.°, 35.°, 36.°, 37.°, 38.°, 41°, 42.°, 43.°, 44.°, 45.°, 46.°, 47.° e 49.° não podiam ser atendidos na sentença para justificar a resolução contratual, porquanto traduziam uma alteração da causa de pedir, eliminando-os dos factos provados, assim tendo cometido uma nulidade, por excesso de pronúncia, que aqui se deixa expressamente invocada nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 615°.1.d), e 666°.1 CPC. 22. O fundamento invocado quer para a resolução contratual alegada na Petição Inicial, quer na carta remetida em Julho de 2014, foi o não pagamento de rendas, mais concretamente neste último caso o não pagamento de rendas vencidas no montante, à data, de 22.774,96€. 23. A questão em discussão nos autos nunca foi o recebimento das quantias alegadas pela Ré, mas sim qual o destino do dinheiro por esta depositado, ou seja, que rendas tinham ou não sido pagas através daqueles valores. 24. Na sequência da excepção do pagamento arguida pela Ré, o Banco veio aos autos explicar qual o destino do dinheiro depositado pela Ré, esclarecendo o porquê de, apesar dos depósitos efectuados, as rendas se encontrarem por liquidar. 25. O Acórdão recorrido apenas considerou existir alteração da causa de pedir nos factos alegados nos artigos 58° a 66° da Réplica, tendo aceite os factos alegados nos artigos 45° a 57° daquela peça, pelo que consequentemente se deviam ter mantido nos factos provados os factos números 33°, 34°, 35°, 36°, 37°, 38° que traduzem o alegado em tais artigos, o que não sucedeu, assim tendo ocorrendo uma contradição entre os fundamentos e a decisão proferida, consubstanciadora da nulidade prevista no artigo 615° alínea c) do CPC, que expressamente se invoca. 26. Apenas no caso de assim não se entender, o que não se concede, sempre tais factos deveriam ter-se mantido nos factos provados porquanto não consubstanciam qualquer alteração à causa de pedir. 27. Na Réplica, a Autora apenas responde à matéria de excepção alegada pela Ré, esclarecendo o destino dos depósitos por esta efectuados, nomeadamente nos artigos 58° a 66. 28. A referência ao acordo de regularização das rendas vencidas após a resolução de 2011 surge apenas para explicar a forma como foram imputados os montantes que o Autor recebeu da Ré e por que motivo não foram estes suficientes para liquidar as rendas vencidas e, assim, cumprir o acordado e não como fundamento da resolução contratual. 29. Nos termos do disposto no artigo 5° do CPC, o ónus da alegação circunscreve-se aos factos essenciais, motivo pelo qual os factos principais - sejam eles complementares ou concretizadores - podem ser alegados até ao fim do julgamento desde que não alterem o objecto do processo, ou seja, "desde que tenham com os factos principais inicialmente alegados pelo menos uma identidade parcial". 30. Os factos alegados pelo Banco A. na Réplica sob os artigos 58° a 66° são meros factos complementares da causa de pedir e como tal admissíveis, pelo que deles podia o Juiz conhecer nos termos do disposto no artigo 5° n° 2 alínea b) do CPC. 31. Consequentemente, devem manter-se como provados os factos provados sob os n°s 41°, 42°, 43°, 44°, 45°, 46°, 47° e 49° que correspondem aos factos alegados sob aqueles artigos, assim têm a virtualidade de ser considerados na sentença. 32. A partir do momento em que se considera que não existiu confissão, nenhuma contradição existe entre os factos constantes da carta de resolução remetida em Julho de 2014 e os factos narrados na petição inicial. 33. Da análise dos factos provados e dos documentos juntos resulta que a Ré não procedeu ao pagamento das rendas contratualmente devidas no montante de 22.774,96€ apesar de interpelada para o efeito, o que determinou a resolução do contrato por parte do Banco Autor, ficando a Ré obrigada a proceder à entrega dos imóveis locados. 34. Ao vir dizer que o Banco não alegou que tivesse interpelado a Ré para cumprir sem que tal excepção tenha sido alegada pela Ré o Acórdão recorrido incorreu em nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615° n°1 alínea d), que se deixa invocada. 35. A carta de resolução remetida à Ré expressamente refere que a interpelação para pagamento da quantia de 22.774.96€ foi feita, pelo que uma vez que a Ré nunca alegou que esta não ocorrera tal facto deveria ter sido considerado admitido por acordo. 36. A prova produzida nos autos impõe a procedência da acção e a improcedência da reconvenção. 37. O Acórdão recorrido incorreu em nulidade, por excesso de pronúncia, ao conhecer de questões de que não podia conhecer, quer no que se refere à alegada alteração da causa de pedir na réplica, quer no que se refere à alegada ausência de interpelação, que aqui se deixam expressamente invocada nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 615° n° 1 alínea d), e incorreu em nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, relativamente aos factos provados sob os n°s 33°, 34°, 35°, 36°, 37°, 38°, nos termos do disposto no artigo 615° n° 1 alínea c), por remissão do disposto no artigo 666°. 1 CPC. 38. O Acórdão recorrido violou, por deficiente interpretação e aplicação o disposto nos artigos 249°, 341°, 342°, 354° c), 355 n° 1 e 2°, 356°, 358° do Código Civil e os artigos 5°n°1e 2, 47°, 465°, 552° n° 1 alínea d), 574° n° 1 e 2, 608°, 624°, n° 3, 2a parte do Código de Processo Civil». Termos em que requer seja dado provimento ao presente recurso, e em consequência, seja revogado o acórdão recorrido. 9. A autora contra alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido. 10. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. *** II. Delimitação do objecto do recurso Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1]. Assim, a esta luz, a única questão a decidir consiste em saber se: 1ª- o acórdão recorrido violou as regras legais que regulam a confissão judicial escrita; 2ª- o acórdão recorrido enferma das nulidades previstas nas alíneas d) e c) do nº 1 do art. 615º do CPC. * III. Fundamentação 3.1. Fundamentação de facto O Acórdão recorrido, após algumas alterações da decisão sobre a matéria de facto, considerou provada a seguinte factualidade: 1º O Autor celebrou com a Ré um contrato de locação financeira sob o nº ... (contrato - documento 1, que se rege nos termos e condições constantes das respectivas cláusulas), tendo por objecto os seguintes imóveis: a) Prédio urbano, composto por edifício para armazém de actividade industrial, sito em ...., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 986, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número mil duzentos e sessenta e um/Constantim. Para o referido prédio foi concedida a licença de utilização n.º 164/96 de 21/08/1996, pela Câmara Municipal de .... b) Prédio urbano, composto por edifício para armazém de atividade industrial, sito em ..., concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 987, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número mil duzentos e sessenta e dois/Constantim. Para o referido prédio foi concedida a licença de utilização n.º 164/96 de 21/08/1996, pela Câmara Municipal de .... 2º O prazo de duração do contrato foi fixado em 360 meses (30 anos). 3º O valor inicial das rendas foi estipulado em 2.451,29 € (a 1ª renda) e da 2ª à 360ª em 1.751,29 €, a pagar mensalmente, com início em 25/11/2009. 4º O valor residual foi estabelecido em 39.347,61 €; 5º Os imóveis locados são propriedade do Autor (cfr. cláusula 7ª das condições gerais do contrato). 6º Os referidos imóveis foram entregues à Ré. 7º Sucede que a Ré (apenas) liquidou as primeiras 51 rendas do contrato. 8º E, em consequência, o Autor, por carta registada com A.R. de 31 de Julho de 2014 (documento 2), comunicou-lhe a resolução do contrato, ao abrigo do artigo 11º das condições gerais. 9º Nos termos do artigo 11º, nº 4, das condições gerais do contrato de locação financeira, a resolução obriga a locatária a abandonar de imediato os imóveis, objecto do contrato em crise, e restituí-los ao locador, em bom estado de conservação e inteiramente devolutos e livres de pessoas e coisas. 10º Apesar de interpelada para o fazer, a Ré não procedeu à entrega dos referidos imóveis. 11º Os quais continuam a ser utilizados pela Ré, sem qualquer contrapartida para o Autor e com o inerente risco de depreciação, resultante de uma utilização menos cuidada. 12º O Autor procedeu já ao pedido de cancelamento da locação financeira. 13º A ré não recebeu as cartas com a data de 31 de Julho de 2014 que o autor junta como documento nº 2 e 3 da P.I. 14º A carta com o Registo nº ... não foi recebida pelo administrador da ré Sr. CC e foi entregue ao remetente "Millennium BCP". 15º A carta com o Registo nº ... não foi recebida pela ré "BB" e foi entregue ao remetente "Millennium BCP". 16º O administrador da ré esteve emigrado em Angola. 17º A ré não teve conhecimento do conteúdo das cartas enviadas pela autora em 31/07/2014. 18º A ré desde a outorga do contrato de locação financeira, em 25/11/2009, tem vindo a proceder a pagamentos ao Autor, sendo que até à presente data pagou/depositou nas contas nº ... e na conta nº ... do "Banco AA" (Millenium bcp) os valores seguintes: - 1.751,29 € em 28/12/2009. - 1.751,29 € em 26/01/2010. - 2.950,00 € em 25/02/2010. - 1.280,00 € em 25/02/2010. - 1.755,29 € em 26/04/2010. - 1.770,00 € em 25/05/2010. - 1.800,00 € em 25/06/2010. - 1.800, 00 € em 27/07/2010. - 1.837, 00 € em 26/08/2010. - 1.837, 00 € em 27/09/2010. - 1.837, 00 € em 26/10/2010. - 1.837, 00 € em 26/11/2010. - 1.837, 00 € em 26/12/2010. - 1.837, 00 € em 24/01/2011. - 1.837, 00 € em 28/02/2011. - 1.837, 00 € em 28/03/2011. - 1.837, 00 € em 27/04/2011. - 1.837, 00 € em 26/05/2011. - 1.837, 00 € em 28/06/2011. - 7.200,00 € em 30/11/2011. - 7.500,00 € em 09/12/2011. - 1.980, 00 € em 25/11/2011. - 1.500, 00 € em 06/01/2012. - 2.470,00 € em 30/01/2012. - 1.882,23€ em 24/02/2012. - 600,00 € em 23/03/2012. - 1.300,00 € em 12/04/2012. - 1.800,00 € em 11/05/2012. - 1.736,00 € em 15/06/2012. - 1.715,00 € em 16/07/2012. - 1.707,00 € em 10/08/2012. - 1.671,10 € em 24/09/2012. - 1.647,49 em 25/10/2012. - 1.660,00 € em 31/11/2012. - 1.655,00 € em 21/12/2012. - 1.000,00 € em 24/01/2013. - 1.649,50 € em 07/03/2013. - 890,51 € em 18/03/2013. - 750,00 € em 16/04/2013. - 1.650,00 € em 13/05/2013. - 1.620,00 € em 24/06/2013. - 1.100,00 € em 29/07/2013. - 1.650,00 € em 28/08/2013. - 1.650,00 € em 26/09/2013. - 1.650,00 € em 28/10/2013. - 1.650,00 € em 25/11/2013. - 1.650,00 € em 26/12/2013. - 1.650,00 € em 27/01/2014. - 1.650,00 € em 21/02/2014. - 1.650,00 € em 21/03/2014. - 1.650,00 € em 22/04/2014. - 1.650,00 € em 21/05/2014. - 1.650,00 € em 27/06/2014. - 1.680,00 € em 20/08/2014. - 930, 00 € em 05/01/2015. - 1.000, 00 € em 23/01/2015. - 1.755, 00 € em 04/02/2015. - 1.755, 00 € em 04/02/2015. - 1.700, 00 € em 05/02/2015. - 1.750, 00 € em 31/03/2015. - 500, 00 € em 27/04/2015. 19º O Autor recorreu ao processo executivo, para tal intentou em 16 de Dezembro de 2011 acção executiva, tendo como título executivo, livrança preenchida no valor de €156.446,04. 20º O processo executivo nº 170/11.2TBMUR - Tribunal Judicial de Murça, actualmente com a organização judiciária corre termos na instância central de Chaves. 21º O autor intentou também Providência Cautelar de entrega judicial Processo nº 119/14.0T8VRL que correu termos na Comarca de ... Secção Civil J1. 22º Os Processos judiciais intentados pela autora obrigaram a ré a despesas adicionais judiciais e extra judiciais com a sua defesa. 23º A ré é uma sociedade comercial, o seu sucesso empresarial estará, obviamente dependente do seu próprio bom nome. 24º O Processo Cautelar Entrega Judicial nº 119/14.0T8VRL que correu termos na Comarca de ... Secção Civil J1, intentado pelo autor, foi julgado improcedente, por não provado e não foi ordenada a entrega judicial. 25º Tem a ré sentido dificuldades em cumprir com as suas obrigações contratuais e extracontratuais. 26º Nos termos da cláusula 3 das condições gerais e cláusula 5 das condições particulares do contrato de locação financeira celebrado entre as partes, o valor de cada renda é variável em função de um indexante: taxa Euribor a 1 mês, acrescida de um spread. 27º E, de acordo com a cláusula 4.9. das condições particulares, também ficou estabelecido que às rendas acrescem as despesas de processamento e comissões de gestão do contrato, de acordo com o preçário do Banco em vigor a cada momento, sendo estas a cobrar trimestralmente pois que o vencimento das rendas era mensal. 28º E, nos termos da cláusula 4 das condições gerais, definiu-se que os impostos relacionados com o contrato e com os imóveis, objecto do contrato são da responsabilidade da locatária. 29º O contrato estabelece que o Banco fica autorizado a debitar na conta da Locatária todas as prestações pecuniárias: rendas, valor residual, despesas iniciais, despesas administrativas, impostos, taxas, eventuais registos, comissões e quaisquer outras despesas (cláusula 10 das condições particulares). 30º Conta que, nos termos da mesma cláusula, a Locatária se obrigou a ter adequadamente provisionada para o efeito de suportar tais débitos quando devidos. 32º O primeiro pagamento que se regista é em 28 de Dezembro de 2009 e é no valor de 1.751,29 €. 33º Aquele 34º Mas, logo em Março de 2010, a Ré voltou a falhar um pagamento, sendo que este jamais foi compensado, o que levou ao vencimento de juros de mora com efeito de “bola de neve”, nunca tendo sido cumprido na totalidade o acordado entre as partes aquando da celebração do contrato de locação financeira. 35º Precisamente porque as quantias depositadas não foram imputadas às rendas que a Ré indica. 36º Os valores depositados pela Ré na conta que o Autor estava autorizado a debitar, valores depositados que a Ré identifica como destinados a rendas, foram imputados pelo Autor a outros pagamentos da responsabilidade da Ré, designadamente IMI e comissões, ficando várias rendas por pagar. 37º Sendo certo que a totalidade dos depósitos efectuados pela Ré até 09 de Agosto de 2011 não foi suficiente para fazer face à totalidade das obrigações que do contrato emergiram para a Ré até à mesma data. 38º Pelo que, após interpelação de 09 de Agosto de 2011 (documentos 2, 3 e 4), em 20 de Setembro de 2011, o Banco procedeu à resolução do contrato de locação financeira (documentos 5, 6 e 7) e procedeu ao preenchimento da livrança caução, que lhe fora entregue, subscrita e avalizada em branco, no momento da celebração do mesmo. 39º O contrato mais estabelece – cláusula 11.1 das condições gerais – que, para além dos demais casos resultantes da lei e do próprio contrato, o mesmo pode ser resolvido em caso de incumprimento de qualquer uma das obrigações do Locatário, se este, interpelado para o efeito por escrito, não suprir a sua falta no prazo de 30 dias a contar da data da emissão daquela notificação. 40º Resolvido o contrato, o Locatário, que não terá direito a qualquer indemnização ou compensação, deverá restituir o imóvel em bom estado de conservação, no prazo máximo de 15 dias a contar da data da resolução, sob pena de se constituir na obrigação de pagar ao Locador uma quantia conforme previsto na cláusula 9ª.8. 41º Conhecedora da resolução do contrato, do preenchimento da livrança e do correspondente requerimento executivo, estando em curso a execução, a Ré efectuou os seguintes depósitos em conta em finais de Novembro de 2011: 1.980,00 € em 25 Nov. 2011 e 7.200,00 € em 30 Nov. 2011. 42º Seguidamente, a Ré promoveu negociações com o Banco. 43º Dessas negociações resultou um acordo sob condição, celebrado após aqueles 2 depósitos: - o Autor perdoaria juros de mora vencidos e vincendos até 31 de Dezembro de 2011, desde que, até essa mesma data, a Ré procedesse ao pagamento de todas as demais obrigações contratuais que se considerariam vencidas até então, como se o contrato não tivesse sido resolvido incluindo as rendas de Setembro a Dezembro de 2011, tendo fixado a quantia em divida, para efeitos de acordo, no montante global de 17.500,00 €; - se a Ré efectuasse tais pagamentos, o contrato considerar-se-ia repristinado, considerar-se-iam pagas todas as obrigações vencidas até então e, a partir de Janeiro de 2012, inclusive, seria retomado o plano de pagamento de rendas e demais obrigações, como estabelecido no contrato. 44º Com este intuito, a Ré ainda efectuou o depósito de mais 7.500,00 € em 09 de Dezembro de 2011 e até entregou nova livrança caução em branco. 45º Porém, até 31 de Dezembro de 2011, nada mais depositou, sendo que, por isso, ficaram por pagar 10.000,00 € daquele montante acordado. 46º Nessa medida, por falta de preenchimento das condições estabelecidas, não chegou a efectivar-se o acordo de repristinação. 47º E, porque não chegou a efectivar-se tal acordo, o Banco não desistiu da execução da livrança, execução que prossegue seus termos. 48º A partir de Janeiro de 2012, a Ré efectuou novos depósitos, que identifica na sua petição inicial. 49º Mas, tais depósitos nunca foram suficientes para cobrir todas as obrigações contratuais que se considerariam vencidas até à data em que foram efectuados, como se o contrato não tivesse sido resolvido. B) Factos julgados não provados na sentença do Tribunal de 1ª Instância: a - A ré não foi notificada porque o seu único administrador, CC, em 30 de Julho de 2014, por força das circunstâncias, imigrou para Angola, tendo regressado a Portugal em 30 de Setembro do corrente ano. b - Teve que regressar a Portugal para resolver assuntos relacionados com o processo executivo nº 170/11.2TBMUR relacionado também com o contrato de locação financeira imobiliário nº ..., em fase de venda executiva a correr termos na Instância Central de .... c - Renda nº 1 no valor de 2.451,29 € foi paga em 25/11/209, aquando da outorga do Contrato de Locação Financeira, conforme nº 4.3 das CONDIÇÕES PARTICULARES. d - A ré desde outorga do contrato de locação até 27 de Abri de 2015 pagou 63 rendas e reforço de capital equivalente a 5 rendas no total de 68 rendas no valor de 113.42,00 €. e - A ré desde a outorga do contrato de locação até de 31 de Julho de 2014 pagou 55 rendas e reforço de capital equivalente a 5 rendas no total 60 rendas no valor de 102.350,00 €; f - O autor, tudo tem feito para que a ré não cumpra com a sua obrigação. g - Resultado da conduta do autor, a ré ficou inibida de utilizar cheques, ficou sem qualquer possibilidade de recorrer a crédito a financiamento, ficou com todos os seus bens penhorados. h - O administrador da ré com cerca de 60 anos, para tentar salvar o seu património, cumprir com as suas obrigações inclusive o pagamento das rendas ao autor, viu-se obrigado a emigrar para Moçambique e posteriormente para Angola. i - Os processos intentados pelo autor, as respectivas diligências processuais, têm feito com que o administrador da ré se tenha que deslocar com frequência a Portugal, impedindo- o de cumprir o seu contrato de trabalho em Moçambique e em Angola; e em avultadas despesas de viagens e perda de remuneração. j - A instauração da presente ação e dos demais processo atrás referidos, diminui por forma drástica a confiança que a ré era merecedora. k - A comunicação pelo autor ao Banco de Portugal e Instituições Financeiras, de falsas declarações no que toca ao incumprimento contratual por parte da ré. *** 3.2. Fundamentação de direito Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se com as questões de saber se o acórdão recorrido violou as regras legais que regulam a confissão judicial feita por escrito nos articulados e padece das nulidades previstas nas alíneas d) e c) do nº 1 do art. 615º do CPC. 3.2.1. Quanto à primeira das supra enunciadas questões, sustenta o recorrente que, ao decidir que o factualidade alegada pelo autor no artigo 7º da petição inicial integrava uma confissão feita nos articulados e ao atribuir força probatória plena a essa confissão, o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 46º, 465º e 574º, nº1, todos do CPC e arts. 354º, al. c), 355º, nºs 1 e 2, 356º e 358º, todos do C. Civil, porquanto é notório que o banco autor se enganou quando afirmou naquele artigo da petição inicial que a ré tinha liquidado as primeiras 51 rendas do contrato. E porque com base nessa confissão, que não existiu, o acórdão recorrido eliminou o facto dado como provado na sentença do Tribunal de 1ª Instância sob o nº 31, na medida em que o mesmo estaria em contradição com o facto dado como provado no ponto 7, requer que seja considerado que, à data da resolução do contrato, apenas se encontravam integralmente liquidadas 36 rendas. * Nesta matéria, preceitua o artigo 682.º, n.º 1, do CPC, que « Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado», estabelecendo o nº 2 deste mesmo artigo que « A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 3 do artigo 674º». Por sua vez, estabelece o nº 3 deste art. 674º que « O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos matérias da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova». Daqui decorre que, não obstante o Supremo Tribunal de Justiça cingir, em regra, o seu poder de cognição ao reexame da matéria de direito, aplicando definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelas instâncias ( cfr. art. 682º, nº1 e nº 2, 1ª parte, do CPC), a verdade é que, este tribunal de revista, não está impedido de apreciar o uso que a 2.ª Instância fez dos seus poderes de reapreciação dos meios de prova, nos casos em que está em causa averiguar se houve violação ou errada aplicação da lei processual ( cfr. art. 674º, nº1, al. b) do CPC) e/ou dos preceitos substantivos relativos ao regime probatório ( cfr. art. 674º, nº 3 do CPC). Cabe, assim, ao Supremo Tribunal de Justiça, na vertente adjetiva, o controlo dos parâmetros formais ou balizadores a seguir pelo Tribunal da Relação na reapreciação da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, nos termos dos arts 640º e 662º do CPC, ou seja, averiguar se o tribunal recorrido, ao manter ou alterar a decisão da matéria transitada da 1.ª instância, violou, ou não, a lei processual que estabelece os pressupostos e os fundamentos em que se deve mover a reapreciação da prova. E, na vertente substantiva, cabe-lhe ainda, no domínio do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais relevantes e de harmonia com o disposto na parte final do nº 2 do citado art. 682º e no nº 3 do art. 674º, ambos do CPC, sindicar se o Tribunal da Relação violou alguma regra de direito probatório material, designadamente disposição legal expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto em causa ou que fixe a força de determinado meio de prova que seja aplicável, ou ainda quando aquela apreciação ostente juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade. É que, como escreve Abrantes Geraldes[2], em tais situações, defrontámo-nos com verdadeiros erros de direito que, nesta perspectiva, se integram também na esfera de competência do Supremo. * No caso dos autos, a sentença do Tribunal de 1ª Instância, deu como provados os factos constantes dos seus pontos 7 e 31 e, como não provados, os factos vertidos na alínea c), ou seja, que: 7º - « Sucede que a Ré apenas liquidou as primeiras 51 rendas do contrato». 31º - « A Ré não pagou a 1ª renda, que se venceu na data de celebração do contrato». c) « Renda nº 1 , no valor de 2.451,29€ foi paga em 25/11/2009, aquando da outorga do Contrato de Locação Financeira, conforme nº 4.3 das Condições Particulares». Na fundamentação das respostas positivas dadas nos pontos 7 e 31 considerou, no essencial, que: « (…), como resulta do conjunto dos depoimentos mencionados supra, apenas as testemunhas ... e ..., funcionárias do banco autor, tinham conhecimento direto dos factos, por via da sua profissão, tendo esclarecido toda a situação, sendo certo que o que estas duas testemunhas disseram encontra confirmação no teor dos documentos juntos aos autos, nomeadamente no contrato de locação financeira e respectivas cláusulas e nos próprios documentos juntos pela ré e comprovativos dos pagamentos feitos. De facto do contrato resulta que a ré era também responsável pelo pagamento das despesas resultantes do contrato e que as mesmas seriam debitadas, de que a ré necessariamente tinha conhecimento. Por outro lado, dos comprovativos dos depósitos feitos pela ré resulta, desde logo, que a primeira prestação acabou por ser feita mais tarde, nos termos alegados pelo autor, o que se verifica somando o valor daquela que a ré denomina de 4º prestação e reforço, correspondendo a soma ao valor de uma prestação e da primeira. Estes documentos e os depoimentos das duas testemunhas referidas, por sua vez, também contrariam o que foi dito pelo legal representante da ré, sendo certo que, como referido, os dois depoimentos são corroborados pelos documentos, ao passo que as declarações do legal representante da ré se mostram contraditórios com esses documentos. Aliás, o legal representante da ré contradiz-se, por exemplo, quando refere que existia uma conta só para pagamento das despesas do contrato, mas admite que a mesma nunca teve dinheiro. Por outro lado, ainda, existe já a sentença junta aos autos, na qual é declarada a validade da resolução do contrato por incumprimento por parte da agora ré, decisão que vincula a ré. Assim, o Tribunal não teve dúvidas em dar como provada a factualidade alegada pelo Autor. (…)».
E fundamentou a resposta negativa dada na alínea c) nos seguintes termos: « No que diz respeito aos factos dados como não provados, os mesmos não encontram confirmação em qualquer documento com força probatória suficiente, nem foram referidos por qualquer testemunha que deles tivesse conhecimento direto, ou estão em contradição com outros dado como provados».
* Por sua vez, o Tribunal da Relação, conhecendo, em sede de recurso de apelação, da alegada contradição entre os factos provados sob os nºs 7º e 31º e com o facto não provado sob a alínea c), invocada pela ora recorrida, afirmou que: « Alega a apelante que há também contradição entre os factos provados sob os nºs 7º e 31º, bem como com o facto não provado sob a alínea c). Os factos são os seguintes: 7º - Sucede que a Ré apenas liquidou as primeiras 51 rendas do contrato. 31º- A Ré não pagou a 1ª renda, que se venceu na data de celebração do contrato. C) - Renda nº 1 no valor de 2.451,29 € foi paga em 25/11/2009, aquando da outorga do Contrato de Locação Financeira, conforme nº 4.3 das CONDIÇÕES PARTICULARES. Efectivamente há uma contradição flagrante entre o facto nº 7, que resulta literalmente do que foi alegado pela autora em 7º da P.I., que embora tenha sido impugnado pela ré na contestação deve considerar-se aceite no sentido de que essas rendas foram pagas, pois tal impugnação respeita ao termo “apenas”. Trata-se assim de uma confissão feita nos articulados, aceita pela ré no que tange ao pagamento das primeiras 51 rendas e como tal irretractável. O teor do facto nº 31º não só contradiz o que foi considerado provado em 7º, como poderia traduzir uma ampliação da causa de pedir, no art.º 45º da réplica, que não pode ser admitida, por violação, entre o mais, do disposto no art.º 265º nº 1 do CPC. Com efeito a causa de pedir alegada na presente acção, aliada à resolução do contrato operada pela autora, é o não pagamento das rendas 52ª e seguintes. Relativamente às primeiras 51 rendas não pode agora o Tribunal alterar o que resulta da P.I. Algo diferente é, em face dos depósitos efectuados pela ré na conta onde seriam debitadas as rendas e em ordem a apurar se a ré efectivamente depositou montantes, que, na data em que a autora fez operar a resolução, permitiam o pagamento de todas as rendas até então vencidas, contabilizar essa renda em virtude da ré não ter demonstrado outra forma do seu pagamento [facto não provado da al. c)]. Só para este efeito se deve considerar o alegado em 45º da réplica, se não se considerar prejudicado pelo próprio teor da fundamentação da resolução contratual operada em 31.7.2014 e comunicada à ré nos termos que constam das cartas juntas a fls. 34 e verso. Assim, entendemos ser de eliminar o facto nº 31º, mantendo como não provado o facto da al. c), no tocante à data e meio de pagamento (sem prejuízo do que se venha a decidir em sede de apreciação da impugnação da decisão de facto), pois que por confissão da autora tal renda está paga (as primeiras 51 rendas do contrato)».
E, com base nesta fundamentação, manteve os factos constantes do nº 7, eliminou os factos vertidos no nº 31 e manteve como não provados os factos aludidos na alínea c). * Vejamos, então, se a factualidade alegada pelo autor no artigo 7º da petição inicial integra, ou não, confissão feita nos articulados. De harmonia com o disposto no art. 352º do C. Civil, a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. Segundo o art. 355º, nº 1 do mesmo código, a confissão pode ser judicial ou extrajudicial. A confissão judicial é aquela que é feita em juízo e só vale como judicial na ação correspondente ( cfr. nºs 2 e 3 do citado art. 355º) e a confissão extrajudicial é a feita por algum modo diferente da confissão judicial ( nº4 do citado art. 355º). Segundo o art. 356º, nº1 do mesmo diploma legal, «a confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual ou, em qualquer outro acto do processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado», estabelecendo o n.º1 do art. 357º do C. Civil, que «a declaração confessória deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar». E dispõe, ainda, o art. 360º do C. Civil , que a declaração confessória é indivisível e, como tal, tem de ser aceite na íntegra, salvo provando-se a inexactidão dos factos que transcendem a declaração estritamente confessória. Quanto à confissão judicial feita nos articulados, ensina Alberto dos Reis[3] que a mesma « consiste em o réu reconhecer, na contestação, como verdadeiros, factos afirmados pelo autor na petição inicial, ou em o autor reconhecer, na réplica, como verdadeiros, factos afirmados pelo réu na contestação (…)». Essencial é que, como se refere no Acórdão do STJ, de 11.11.2010 ( processo nº 1902/06.6TBVRL.P1.S1)[4], « o sujeito processual tenha consciência de que o facto desfavorável que alega é real e, mesmo assim, alega-o, nisto se traduzindo o reconhecimento, que é uma « contra se pronunciatio». Daqui se retira, que a confissão feita nos articulados e que, nos termos do disposto no art. 358º, nº1 do C. Civil, como modalidade de confissão judicial, não se confunde com a simples alegação de um facto feita pelo mandatário da parte em articulado processual. Com efeito, como se afirma no supra citado acórdão, «nem todas as alegações de factos pelas partes valem como confissões, como acontecerá, v. g. se o facto for alegado na suposição de estar correcto, vindo a demonstrar-se no julgamento da causa que assim é ou não vindo a confirmar-se». Mas se é certo, tal como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela[5], que « as declarações confessórias feitas pelo advogado, oralmente ou por escrito, com simples procuração “ad litem”, não valem como confissão», a verdade é que a exigência de poderes especiais não é necessária quando a confissão de factos é feita nos articulados, quer de forma tácita, resultante do efeito cominatório semi pleno, nos termos do art. 567º , nº 1do CPC ou do incumprimento do ónus de impugnação especificada, nos termos dos arts. 46º e 574º, quer de forma expressa, nos termos do art.º 465º, n.º 2, todos do CPC. Subjacente à confissão de factos feita nos articulados pelo mandatário e que vincula a parte está, tal como observa Antunes Varela[6], a ideia de que, estando o mandatário por via de regra em íntimo contacto com a parte sobre a matéria de facto da ação, ele conhece a realidade desta, tendo assim o seu reconhecimento da realidade de um facto desfavorável ao respetivo constituinte, em princípio, a mesma força de convição que tem a confissão. De salientar, por um lado, que é precisamente para prevenir a possibilidade de o mandatário ter compreendido ou apreendido mal as informações feita nos articulados, mediante a sua retirada da parte[7], bem como a possibilidade do advogado reconsiderar ou de litigante se aperceber do prejuízo resultante da confissão, que os citados arts. 46º e 465º, nº 2 permitem a neutralização da confissão enquanto a parte contrária não a tiver aceitado especificadamente. E, por outro lado, que a aceitação do facto confessado pela parte contrária, impeditiva da retirada da confissão ou retratação, tem de ser especificada, o que equivale a dizer, segundo os ensinamentos de Antunes Varela[8] e Alberto dos Reis[9], que a contraparte tem que fazer menção concreta, individualizada, do facto que aceita, não bastando, para esse efeito, aceitação genérica. Dito de outro modo e nas palavras do Acórdão da Relação de Guimarães de 13.10.2011 (processo nº 2108708.5TBFAF.G1)[10], « não vale qualquer aceitação tácita ou “não expressa”. A aceitação tem de ser expressa, tem que ser feita conhecer no processo, pois que somente o que é expresso é que pode possuir especificação». E ainda que, como refere o Acórdão da Relação do Porto, de 12.01.1982[11], para a aceitação não se imponha uma forma sacramental, haverá sempre um mínimo sem o qual não poderá falar-se em aceitação, mínimo esse que não poderá considerar-se satisfeito sem a mais ligeira referência à confissão, pelo que, se a parte não faz a mínima referência ou alusão que possam ser tidas ou interpretadas como manifestação de vontade de captar a confissão como aquisição processual, então não pode dizer-se que aceitou seja lá o que for. Assim, para que determinada declaração feita nos articulados por mandatário não munido de poderes especiais para confessar possa ser considerada tacitamente confessória, tem a mesma que ser aceite pela contraparte, de forma expressa, clara e inequívoca. Ora, a verdade é que, no caso vertente, não se vê que se possa extrair do alegado pelo autor no artigo 7º da petição inicial ( “Sucede que a Ré apenas liquidou as primeiras 51 rendas do contrato”) qualquer declaração confessória. E muito menos se vê que tenha havido, por parte da ré, qualquer aceitação expressa destes factos, pois ela própria os impugnou. Com efeito, basta ler a contestação da ré para facilmente se constatar que a mesma não só afirmou, no artigo 3º deste articulado, não corresponder à verdade, ser falsa e impugnar a matéria alegada no artigo 7º da petição inicial, como também alegou, especificamente, nos artigos 11º e 12º deste mesmo articulado, que desde a outorga do contrato de locação até 27 de abril de 2015 pagou as rendas nºs 1 a 63, nos valores aí discriminados. E nem se diga, como o faz o acórdão recorrido, que a impugnação da ré « respeita ao termo “apenas” », sendo, por isso, de considerar que houve aceitação da ré « no que tange ao pagamento das primeiras 51 rendas» e de aceitar, como «irretractável”, a confissão feita pelo autor no artigo 7º da petição inicial, pois a isso obsta o princípio da indivisibilidade da confissão, consagrado no art. 360º do C. Civil, que impõe que numa confissão complexa, como seria o caso, ela seja aceite na íntegra. Acresce ter o autor alegado, nos artigos 50º, 51 e 52º da sua resposta à contestação/reconvenção, que não obstante a ré ter efetuado o depósito de várias quantias, as mesmas não foram imputadas ao pagamento das renda que a ré indica, porquanto os valores depositados pela ré na conta que o autor estava autorizado a debitar, e que a ré identifica como destinados a rendas, foram legitimamente imputados pelo autor a outros pagamentos da responsabilidade da ré, designadamente IMI e comissões, ficando várias rendas por pagar, pelo que, contrariamente à tese defendida no acórdão recorrido, nunca se poderia considerar conter o citado artigo 7º da petição inicial uma inequívoca declaração confessória por parte do mandatário do autor. Quer tudo isto dizer que, ao conferir aos factos alegados pelo autor no artigo 7º da petição inicial o valor de confissão feita nos articulados, ao atribuir força probatória plena a essa confissão e ao eliminar, com base nesta força probatória plena, os factos dados como provados no ponto 31 da sentença do Tribunal de 1ª Instância, o acórdão recorrido violou os arts. 352º, 356º, 357º, nº1, 358º, nº1 e 360º, todos do C. Civil e arts 46º, 465º, nº 2 e 574º nº 2, todos do CPC, pois, conforme se demonstrou, o facto a que se reporta o artigo 7 da petição inicial não está provado por confissão. Daí impor-se a revogação de tal decisão, o que significa que mantém-se o facto a que se reporta o ponto 31 dos factos dados como provados na sentença do Tribunal de 1ª Instância. E porque, nesta perspectiva, tal como reconhece o acórdão recorrido, estamos perante matéria que está em « contradição flagrante» com o ponto nº 7 dos factos dados como provados e que inviabiliza a decisão jurídica da causa por parte deste Supremo Tribunal, de harmonia com o disposto no art. 682º, nº 3 do CPC, deve o processo baixar ao Tribunal recorrido para, com base nos meios de prova já produzidos ou a produzir, decidir da referida contradição, no sentido de compatibilizar as respostas dadas aos pontos 7º e 31º dos factos dados como provados e alínea c) dos factos dados como não provados. Procedem, nesta medida, as 1ª a 19ª conclusões do recorrente, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento das demais questões por ele invocadas. *** III – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em: a) Mandar baixar os autos ao tribunal recorrido para, com base nos meios de prova já produzidos ou a produzir, decidir da invocada contradição, no sentido de compatibilizar as respostas dadas aos pontos 7º e 31º dos factos dados como provados e alínea c) dos factos dados como não provados. b) Julgar em conformidade. Custas a final.
*** Supremo Tribunal de Justiça, 14 de junho de 2018
Rosa Tching (Relatora)
Rosa Ribeiro Coelho
João Bernardo --------------------------- [1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente. |