Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B1478
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: LIBERDADE DE IMPRENSA
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
JORNALISTA
DECISÃO JUDICIAL
DIREITO DE CRÍTICA
JUÍZO DE VALOR
DIREITO AO BOM NOME
RESPONSABILIDADE CIVIL
ILICITUDE
Nº do Documento: SJ2008052701478
Data do Acordão: 05/27/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário : 1. A honra de uma pessoa é essencialmente o substrato moral e ético da sua existência, e a consideração social, bom-nome ou reputação são o resultado do julgamento dos outros acerca dela.
2. A lei traça limites à liberdade de imprensa de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.
3. Na interpretação do conteúdo dos relatos jornalísticos, face ao direito à integridade moral de quem exerce a função jurisdicional, deve considerar-se o contexto circunstancial que os motivaram, o seu interesse jornalístico e do público, a sujeição das decisões judiciais à crítica e a distinção entre elas e as pessoas que as proferem.
4. O relato objectivo da forma insólita do protesto de um cidadão, em greve de fome junto do tribunal, incluindo a motivação e um outro juízo moderado de valor por ele afirmados, não extravasa do direito e do dever de informar de quem o escreveu e publicou.
5. Não se verifica o pressuposto da responsabilidade civil ilicitude da acção nos relatos jornalísticos que, objectiva e contextualizadamente interpretados, não se revelem idóneos a gerar a ofensa à integridade moral da pessoa que decidiu, embora esta tenha sentido compreensivamente essa ofensa e quem os escreveu tenha configurado esse sentimento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I
AA intentou, no dia 30 de Setembro de 2002, contra BB, CC, e o Comércio do Porto, SA, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação solidária no pagamento de € 250 000 e de juros de mora à taxa legal a contar da citação, a título de indemnização por danos morais causados pela publicação, no Verão de 2001, na sequência de um protesto levado a efeito pelo pai de uma criança, cujo processo de regulação do poder paternal corria termos no Tribunal de Família e Menores de Braga, onde o autor exercia então as suas funções de Juiz de Direito, de três artigos da autoria das duas primeiras no jornal “O Comércio do Porto”, nos quais aquelas jornalistas, de forma propositada, com suas próprias afirmações e reproduzindo as daquele pai, teriam atentado contra a sua honra, dignidade, bom nome e reputação.
As rés BB e CC invocaram, na contestação, terem-se limitado a informar, de forma séria e objectiva, o público do aludido protesto levado a cabo pelo pai de uma criança, e que desconheciam os factos relativos aos danos morais invocados pelo autor.
O Comércio do Porto, SA afirmou, por seu turno, em contestação, que os artigos jornalísticos em causa se limitaram a descrever, de forma objectiva e independente, o caso em concreto, uma situação de protesto levada a cabo por um pai contra a lei e a sociedade, que alegadamente atribuía maior importância ao papel maternal, mas sem intenção difamatória nem afirmações da sua autoria.
O autor replicou, ampliando a causa de pedir, incluindo na acção o teor do artigo jornalístico redigido pela ré BB, publicado em 4 de Setembro de 2001 no mesmo Jornal.
Alterada a matéria de facto assente e a da base instrutória em função de reclamação, e realizado o julgamento, foi proferida sentença, a qual posteriormente foi anulada pela Relação, com vista à ampliação da matéria de facto.
Realizada nova audiência de julgamento, foi proferida nova sentença, no dia 22 de Janeiro de 2007, por via da qual os réus foram absolvidos do pedido.
Apelou o autor, e a Relação, por acórdão proferido no dia 15 de Outubro de 2007, negou-lhe provimento.

Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- o acórdão não se pronunciou sobre as questões colocadas no recurso, o que integra a nulidade prevista no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, pois o resumo transcrito é omissivo e, por isso, a solução preliminarmente anunciada e depois assumida não constitui prejuízo para o conhecimento daquelas questões;
- o acórdão não atentou no iter do processo de regulação do poder paternal – datas indicadas, ausência de acção processual de DD e o seu acatamento durante dois meses - nem na incongruência da greve;
- não considerou a intenção ou o desleixo das jornalistas, perante tão graves acusações, de não pedirem ao grevista a demonstração das suas imputações, os fundamentos da injustiça, da desumanidade, da prepotência e da discriminação por ele propalada;
- não considerou o desinteresse delas pela verdade processual, nomeadamente que DD nada requerera e que sempre lhe foi mantido um adequado regime de visitas ao filho, a falta de esclarecimento dos leitores disso e que nada justificava tão graves acusações, sobretudo a de que não havia isenção;
- não foi feito agravo a DD na decisão da guarda do menor e demais aspectos, tendo-se limitado a decidir de acordo com a lei, e viu-se confrontado com tão estranha e extrema atitude, sem que nada lhe fosse exposto ou requerido no processo, vendo à frente ao tribunal um indivíduo a proclamar a injustiça, a desumanidade, a prepotência e a discriminação da sua decisão;
- se as jornalistas prezassem os valores da sua profissão e o respeito pelos outros, perante tão graves acusações, tinham que pedir ao grevista a demonstração das suas imputações;
- como a documentação que DD tinha em seu poder relativa às decisões do recorrente era uma vulgar decisão de regulação do poder paternal com atribuição legal da confiança do menor à mãe, a fixação de alimentos e adequada salvaguarda do regime de visitas, nada nela as recorridas poderiam descobrir de injusto, desumano, prepotente ou de discriminador justificativo das acusações e das atitudes dele;
- se as jornalistas prezassem a deontologia do seu estatuto e vissem os documentos processuais em poder de DD, tinham que o questionar sobre as razões de tais acusações e da atitude que tomou, questionando-o sobretudo em que é que o juiz estava a sê-lo;
- as recorridas nada disso fizeram, e, buscando sensacionalismo, vieram a produzir trabalhos jornalísticos em que reproduziram afirmações gravíssimas, inseriram expressões próprias, publicaram fotografias, desenharam títulos de realce, tudo por forma gráfica a chamar a atenção do público em geral;
- tais notícias continham, pelo conteúdo e pela forma, graves atentados contra o crédito e a honra do recorrente, desprestigiando-o enquanto cidadão e magistrado, e foram produzidas sem qualquer sentido crítico e de busca da verdade, apenas com a finalidade consciente de o enxovalhar, tanto mais que não foi observado o pertinente dever de informação ou confirmação, ou, pelo menos, não o foi no que era minimamente possível e exigível;
- a um jornalista sério, perante tantas e tão graves acusações, bastava subir à secretaria do tribunal e pedir a consulta do processo, e não havia motivo para que DD fizesse o espectáculo que fez, e as jornalistas não cumpriram o seu dever de informação e busca da verdade, sendo irrelevante que acedessem aos documentos que ele lhes exibiu, pois deles nenhum agravo resulta ou que justificasse tão graves epítetos;
- se o assunto merecesse notícia, apenas a deveria ser o espalhafato em si, sem reprodução de quaisquer imputações desonrosas e sem os artifícios próprios do jornalismo, por forma a fazer crer aos leitores que o recorrente, era injusto, fazia discriminação sexual, era traidor, denegava justiça, violava e praticava atropelos à lei, tinha má conduta como juiz com os advogados ou que tinha falta de isenção, era parcial, incompetente, prepotente e desumano;
- a autora do escrito de 25 de Julho, no momento em que o escreveu, conhecia o processo de regulação do poder paternal pendente no tribunal em que era parte DD, e dele resulta que ela conhecia as decisões provisórias proferidas pelo respectivo juiz, nas quais sempre se manteve um regime de visitas de DD ao filho, e que ela sabia tratar-se de uma criança de cinco meses de idade, ainda a ser amamentada, obviamente entregue aos cuidados da mãe;
- do que o recorrente decidiu e consta da certidão e dos papéis que se diz que as recorridas tiveram na sua posse, não resulta que DD entrou em greve de fome para ver o filho ou por causa da tutela do filho, ou que houve discriminação sexual ou que aquele, que acatou a decisão, queria ver o bebé de cinco meses diariamente, nada há de onde se possa concluir que a decisão foi extremamente injusta, e em lado algum se mostra ter sido pedida a guarda conjunta;
- afirmando DD que o tribunal estava a agir dentro da legalidade, não se sabe onde resulta que ele estava a ser traído pelo juiz, e perante o que o recorrente decidira, as jornalistas deviam notar a total ausência de fundamentos para as atitudes dele e esclarecer os leitores disso mesmo, por ser evidente que tais atitudes eram despropositadas e que nada justificava tão graves acusações;
- as expressões inseridas no escrito de 17 de Agosto, incluindo a referência a isenção, não tinham justificação nem resultavam da decisão do recorrente;
- não resultava o que é que DD queria que não lhe fosse concedido, nem qual era o seu braço-de-ferro, nem de que é que ele tinha de se defender e que barbaridade tão grande lhe tinha feito o juiz, que crime tinha este cometido, que a sua última esperança era que fosse outro juiz a analisar o requerimento por só assim poder haver isenção;
- não seria difícil a qualquer jornalista aperceber-se de que não havia o mínimo motivo para o aparato de DD e, sobretudo, de estar contra o juiz nos termos em que estava, devendo as recorridas esclarecer o público disso, mostrando o ridículo e a injustiça das imputações ao recorrente;
- as recorridas não conheciam os casos concretos dos alegados vinte e um lesados e ousarem incluir no texto que já não era a primeira vez que o recorrente andava nas bocas do povo, acolhendo-se interesseiramente a tais pessoas, pretendendo e conseguindo descredibilizar a vida e o trabalho de um juiz, construída com sacrifício e orgulho ao longos dos anos, lançando sobre ele rótulos de intolerância, de incompetência, de despotismo e de falta de isenção, e fizeram-no, manifestamente, excedendo os factos a noticiar e, quer pela forma quer pelo conteúdo, lançaram sobre o recorrente diversos e gravíssimos labéus de que jamais se livrará;
- os escritos em causa, mesmo que eventualmente pudessem ser considerados de interesse público, não têm contornos de neutralidade, indo além do relato objectivo típico daqueles que sabem exercer a liberdade de imprensa, sendo que as afirmações feitas, no seu conjunto e forma, imputando ao recorrente os epítetos que imputam, sem que houvesse a mínima base para tanto, constituíram-se em abuso a justificar forte censura;
- inserir tudo o que um indivíduo qualquer se lembrou de dizer de um juiz, sobretudo que tal juiz é injusto, parcial, prepotente e desumano, não é informar, tal como o não é a aderência a tais expressões através de comentários e de afirmações que nada tinham a ver com o único facto que era a greve, que poderia ter algum interesse para os leitores;
- apesar de as recorridas dizerem que se limitaram a reproduzir aquilo que DD e a mãe dele lhes disseram, dito ou não originariamente por algum deles, no mínimo reproduziram tais afirmações, dando-lhe asas e publicidade, alargando exponencialmente o universo dos seus destinatários;
- os jornalistas, enquanto responsáveis pela recolha, selecção e tratamento dos factos ou das notícias, têm o dever de assegurar que a informação por eles tratada e disponibilizada observa e garante o rigor e a isenção exigíveis, bem como o respeito pela dignidade das pessoas nelas visadas;
- ainda que fossem, e não são, mera reprodução das afirmações feitas por DD, os escritos em causa alargaram exponencialmente o universo dos juízos de valor e das imputações de facto originariamente proferidas por aquele e ampliaram significativamente os danos sofridos pelo recorrente na sua honra e consideração, tendo tais escritos sido causadores autónomos de agressões à sua personalidade, e foram, assim, na medida dos danos que ultrapassam os sacrifícios que originariamente poderiam ser causadas pelas afirmações de DD circunscritas ao espaço concreto onde foram proferidas;
- o próprio juiz do tribunal da primeira instância reconheceu que algumas das afirmações de DD são ofensivas para o bom nome e reputação do recorrente, ao dar como provado que as recorridas tinham consciência de que, com as publicações referidas, atingiram a imagem, o crédito, a reputação e o bom nome do recorrente;
- se não pode questionar-se o carácter ofensivo das afirmações, o seu resultado lesivo nem a imputação causal aos escritos, também não pode duvidar-se da sua ilicitude;
- no que toca à imputação dos factos, os agentes não podem prevalecer-se da exceptio veritaris e, por via disso, beneficiar da eficácia justificativa da prossecução de interesses legítimos, causa justificativa desconhecida no direito civil;
- estamos no domínio da responsabilidade civil, e aqui tanto conta que se tenha afirmado ou reproduzido, sendo que o artigo 484º prevê expressamente a sanção civil para quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa;
- as recorridas actuaram de forma ilícita e geradora de responsabilidade civil, e a importância a fixar na reparação dos danos não patrimoniais de acentuada gravidade, como o caso, deve constituir uma efectiva possibilidade compensatória, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496º do Código Civil, na medida em que está ultrapassado o conceito miserabilista das indemnizações;
- à indemnização por danos não patrimoniais não é estranha a ideia de reprovar e castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente, meios que são actualmente os do enriquecimento sem causa, pois o direito civil proíbe que alguém possa lucrar com o seu acto ilícito, já que o direito privado, de natureza essencialmente liberal, tem igualmente uma importante função social, no caso, a de prevenir a violação de direitos de personalidade.

BB e CC responderam, em síntese de alegação:
- o acórdão não está afectado de nulidade por omissão de pronúncia;
- os textos eram sobre a greve de DD e não sobre a bondade ou o acerto das decisões que o tribunal proferira no âmbito da acção de regulação do poder paternal em que aquele era parte;
- sendo o pedido do recorrente de os escritos serem considerados ofensivos e lesivos da sua honra e bom nome e as recorridas condenadas no pagamento de indemnização por danos, não se vislumbra por que motivo deveria a decisão recorrida debruçar-se sobre o iter do processo de regulação do poder paternal que ele alegou;
- o acórdão resumiu a questão de saber se o teor dos escritos atenta contra a honra, bom nome e reputação do recorrente enquanto cidadão e juiz de direito e, em consequência, se elas incorrem em responsabilidade civil por acto ilícito;
- a disposição processual de que o recorrente se socorre alude a questões que o tribunal devesse apreciar e não àquelas que as partes aduzem como razões ou argumentos para sustentar as suas teses, e a Relação não omitiu pronúncia sobre nenhuma das questões relevantes que tinha de decidir, não enfermando de nulidade por omissão de pronúncia;
- a actuação das recorridas foi lícita, tendo actuado nos limites da liberdade de imprensa e do direito e dever de informar, sendo os factos noticiados verdadeiros e as expressões consideradas ofensivas meras opiniões ou juízos de valor e não factos emitidos pelas pessoas envolvidas, colocadas entre aspas que constituem meros desabafos, a título lateral e de conteúdo perfeitamente admissível;
- em nenhuma passagem dos escritos das recorridas são imputados factos ao recorrente, seja por elas, seja pelas pessoas que emitiram as tais opiniões, nunca tendo sequer sido referenciado nome ou qualquer elemento de identificação do recorrente;
- o cerne das notícias é o protesto de DD, acima de tudo contra a lei portuguesa, como expressamente se sublinha na noticia de 25 de Julho, sendo DD o protagonista das notícias e a pessoa que as recorridas colocam como o centro das atenções;
- os factos noticiados têm relevo social, dada a singularidade e o carácter inédito do protesto, como também porque se centrava num tema sempre actual e de relevo, tal é o da relação dos cidadãos com a justiça;
- os factos foram tratados e publicados de forma moderada e adequada, uma vez que o relato das notícias é objectivo e neutro e as recorridas conduziram a investigação de modo completo e imparcial;
- recorreram às fontes disponíveis, só não tendo falado com a mãe do menor porque DD recusou o contacto dela, e só não falaram com o juiz do processo, o recorrente, porque ele se recusou a falar, e não consultaram o processo porque tinham em seu poder as peças processuais de que necessitavam para elaborar as notícias, as quais não versavam sobre questões técnico-jurídicas do processo de regulação do poder paternal;
- os títulos das notícias e as fotografias que as acompanham colocam claramente a ênfase na greve e no protesto do grevista, e não no juiz ou no teor jurídico das suas decisões;
- a apreciação da ilicitude nestes casos deve assentar em padrões objectivos, atendendo ao circunstancialismo de cada caso e não em critérios subjectivos, sempre variáveis consoante a maior ou menor sensibilidade de cada um ou a maior ou menor resistência à crítica;
- os limites do direito das recorridas de informar não foram ultrapassados, pelo que a sua actuação é lícita, devendo manter-se o conteúdo do acórdão recorrido.

II
É a seguinte a factualidade considerada assente no acórdão recorrido:
1. No dia 3 de Maio de 2001, no Tribunal de Família e Menores de Braga, onde o autor era o único juiz, o Ministério Público intentou uma acção de regulação do poder paternal relativo a José Manuel Peixoto Viseu, filho de pais solteiros e, no seu registo de nascimento, não havia qualquer menção de guarda conjunta.
2. No dia 4 de Maio de 2001, foi proferida decisão provisória, confiando o menor à guarda e cuidados da mãe e estabelecendo o seguinte regime de visitas: o pai poderá visitar livremente o menor, sem prejuízo das suas actividades, e tê-lo consigo em fins-de-semana alternados, entre as 10.00 horas de Sábado e as 19.00 horas de Domingo.
3. No dia 9 de Julho de 2001, o autor proferiu o seguinte despacho: “considerando os elementos já disponíveis nos autos, nomeadamente a idade do menor e a situação de amamentação pela mãe, altero a decisão do regime de visitas passando o menor a estar com o pai às Quartas e aos Sábados, entre as 15.00 horas e as 19.00 horas, despacho notificado a DD a 10 de Julho de 2001, e foi marcada a conferência de pais para o dia 6 de Dezembro de 2001.
4. Na edição de 25 de Julho de 2001, no Jornal “O Comércio do Porto”, foi publicada a notícia, assinada pela ré BB, com o título “Professor em greve de fome por causa da tutela do filho”, da qual consta o seguinte: “DD está em greve de fome desde o dia 30 de Junho por causa da discriminação sexual de que se diz alvo no processo de guarda do filho. Por ser impedido de ver o bebé de cinco meses diariamente, após uma decisão do Tribunal de Menores e Família de Braga, desde Sexta-Feira que deambula pelo centro da cidade com cartazes de protesto. Para demonstrar à sociedade que os progenitores devem ser tratados com igualdade, já perdeu 15 quilos. Antes de iniciar a explicação dos motivos que o levaram a tomar tal atitude, DD adverte que o seu protesto é, acima de tudo, contra a lei portuguesa. Para este jovem, o pai é sempre posto em segundo lugar. Pior ainda: em caso de litígio as agulhas são sempre acertadas a favor da mulher. E a tendência é para que a sociedade também atribua mais importância ao papel maternal, em caso de separação do casal. Este jovem já o sabia antes de viver ele próprio a experiência, mas quando a realidade lhe bateu à porta decidiu protestar publicamente…O jovem pai considera a decisão “extremamente injusta” e reclama a guarda conjunta... Alega saber que o tribunal não vai mudar nada porque está a agir dentro da legalidade, mas diz sentir-se “traído pela outra parte, traído pela lei e traído pelo juiz...”
5. Na edição de 17 de Agosto de 2001 do Jornal “O Comércio do Porto” foi publicada a notícia, assinada pela ré CC, com o título “Pai em greve de fome há dois meses não desiste do protesto”, da qual consta o seguinte: “Continua o braço-de-ferro entre o pai de um bebé de seis meses e o Tribunal de Família e de Menores de Braga no que diz respeito à tutela da criança... Enquanto o despacho não sai, o pai do menor promete não desarmar a tenda, permanecendo em frente ao Tribunal de Família e de Menores como forma de protesto. O problema é que é difícil encontrar advogado que o queira defender, pois muitos deles alegam incompatibilidade com o juiz encarregue do processo. Outros pedem “entre 600 e 800 contos” para o fazer, lamenta. “Estou impedido de me defender perante a lei”, desabafa. Deambula pela cidade e o resto do tempo passa-o a travar uma luta sem fim pelos seus direitos, a desfolhar o processo de paternidade, a ler livros de psicologia, enquanto aguarda pelo parecer favorável do juiz. “O meu objectivo é atingir a igualdade. Se a maternidade tem de ser protegida, a paternidade também o tem”. E defende que “quanto mais cedo o pai entrar no dia-a-dia da criança melhor”. Só que, lamenta, “estão a excluir-me desse direito”. A sua última esperança é que seja outro juiz a analisar o requerimento, pois assim poderá “haver isenção”, diz.
6. Na edição de 4 de Setembro de 2001 do jornal “O Comércio do Porto”, foi publicada a notícia, assinada pela ré BB, com o título “mais de 20 pessoas unidas contra o Tribunal de Menores”, da qual consta o seguinte: “O protesto de DD ... despoletou, em Braga, um inesperado movimento de reacção ... o professor conseguiu colher 4 mil assinaturas para um abaixo-assinado que visa a alteração da lei reguladora do processo de guarda das crianças. Ao mesmo tempo, a lutar a seu lado estão já 21 pessoas que, como ele, se sentem lesadas pelo Tribunal de Família e Menores bracarense. Este movimento de solidariedade promete dar que falar. Já não é a primeira vez que o TFM de Braga salta para a “boca do povo” e órgãos de comunicação social pelas piores razões. A cada dia que passa o “grupo dos pais, mães e avós” que se diz prejudicado por aquela instituição de justiça mobiliza mais e mais elementos … DD emagreceu 20 quilos para protestar contra a “discriminação sexual” de que diz ter sido alvo por parte do referido tribunal, quando aquele emitiu, “inexplicavelmente”, uma ordem que só lhe permite visitar o filho, um bebé de seis meses, com horários estipulados. Lesados juntam-se contra o TFM. De pessoas que agora vivem em Espinho, Coimbra ou Lisboa, o jovem pai ouviu histórias parecidas ou piores que a sua, todas elas contra o TFM de Braga ... “Queremos que os juízes deixem de ser intocáveis e, como isso ainda não é possível, temos de responsabilizar o próprio Estado pelas injustiças de que acreditámos ter sido alvo”, explica
o objectivo mais forte é “enfrentar as ilegalidades do Estado relativamente aos Direitos das Crianças em Portugal, o abuso de poder, a negligência e omissão legislativas”, entre outras acusações.
7. Os escritos referidos sob 4 a 6 foram elaborados pelas rés BB e CC no âmbito de um contrato de prestação de serviços que haviam celebrado com a ré, “O Comércio do Porto”, SA.
8. A greve do Doutor DD foi igualmente publicitada, em 2001, no Jornal de Notícias de 25 de Julho; no Correio do Minho de 11 de Agosto; no Público de 22 de Agosto; no Correio do Minho de 26 de Agosto; no Diário do Minho de 26 de Agosto; no Público de 25 de Agosto; no Jornal de Notícias de 27 de Agosto; no Correio do Minho de 4 de Setembro; no Diário do Minho de 5 de Setembro; no Correio do Minho de 7 de Setembro; no Público de 16 de Setembro e de 26 de Setembro, e nos noticiários da Rádio-Televisão Portuguesa, da Sociedade Independente de Comunicação e da Televisão Independente.
9. O autor não exerceu o direito de resposta relativamente aos artigos elaborados pelas rés BB e CC, e a pesquisa de informações centrou-se na audição do DD, da mãe deste e nos documentos relativos ao processo de regulação do poder paternal pendente no Tribunal de Família e Menores de Braga, na posse e disponibilizados pelo referido DD.
10. Antes da notícia publicada no dia 25 de Julho de 2001, à ré BB foi dito pelo DD e sua mãe que: - não obstante o previsto na lei, e tendo o requerimento inicial dado entrada no tribunal no dia 3 de Maio de 2001, ainda não havia sido realizada a conferência com a presença de ambos os pais da criança; entretanto foi decretada uma decisão provisória que conferia ao pai da criança o direito passar com o filho em fins-de semana alternados; na data em que aquela decisão foi tomada, o menor tinha cerca de três meses de idade, estando ainda a ser amamentado, pelo que o exercício daquele direito prejudicava a alimentação da criança; posteriormente, sem audiência do pai, foi alterada aquela decisão, reduzindo-se o tempo conferido ao pai a oito horas semanais, repartidas por dois dias; a conferência acabou por vir a ser marcada para o dia 6 de Dezembro de 2001; após a segunda decisão, o pai da menor requereu que lhe fossem alteradas as condições de visita, o que só foi objecto de despacho após o termo das férias judiciais; que estava desesperado – o DD – por estar praticamente impedido de ver o seu filho.
11. Antes da notícia publicada em 17 de Agosto 2001, à ré CC foi dito pela mãe do DD que iria apresentar um requerimento no Tribunal de Família e Menores de Braga, tendo-lhe fornecido cópia do respectivo texto e, pelo DD, que sentia fortes dificuldades em encontrar um advogado que o quisesse defender.
12. As rés BB e CC tinham consciência de que, com as publicações referidas em 4 a 6, atingiam a imagem, o crédito, a reputação e o bom-nome do autor.
13. O Jornal “O Comércio do Porto” tem impacto em cerca de 5 000/10 000 pessoas, e, considerando as audiências de televisão e os leitores de jornais, esta questão foi transmitida, pelo menos, a vários milhares de pessoas.
14. O autor é uma pessoa recatada, avessa a actos que lhe possam trazer notoriedade, e extremamente sensível a críticas injustas, e as notícias referidas sob 4 a 6 provocaram impacto na comunidade local, sendo que ele se sente chocado, envergonhado e triste com as condutas das rés e com as suas repercussões públicas, e vê o seu sofrimento aumentado pelo abalo emocional que as notícias referidas provocaram na sua esposa e filho.
15. Em virtude das notícias referidas sob 4 a 6, o autor passou a ser reconhecido e apontado negativamente, e, em virtude das condutas das rés, acentuaram-se no autor dificuldades de orientação espacial e temporal, despersonalização, desconcentração, diminuição da auto-estima, fadiga crónica, desconforto gástrico, sono irregular, insónia, diminuição do apetite, desinteresse pelos assuntos da vida em geral, angústia somatizada e agitação psicomotora.
16. Alguns meses após a publicação dos artigos assinados pelas rés, o autor foi promovido, por mérito, a desembargador.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se o recorrente tem ou não direito a exigir das recorridas indemnização no montante de € 250 000 e juros de mora.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação do recorrente e das recorridas, sem embargo de a solução a dar a uma prejudicar a solução a dar a outra ou outras, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- aplicação das leis que se sucederam no tempo;
- está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade por omissão de pronúncia;
- a liberdade de expressão e de informação no quadro da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Constituição da República Portuguesa;
- a liberdade de expressão e de informação na Lei de Imprensa e no Estatuto dos Jornalistas;
- os pressupostos da responsabilidade civil em aproximação ao caso em apreciação;
- a divulgação dos factos em causa extravasou ou não do direito e do dever de informar por parte das recorridas?
- a emissão jornalística das notícias em causa está ou não envolvida de ilicitude?
- agiram ou não as recorridas jornalistas de modo censurável do ponto de vista ético-jurídico ?
- tem ou não o recorrente direito a exigir das recorridas compensação por danos não patrimoniais?
- deve ou não fixar-se a mencionada compensação no montante peticionado pelo recorrente?

Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.

1.
Comecemos por uma breve referência à sucessão de leis no tempo conexa com o objecto do recurso em causa.
A nível do direito substantivo, tendo em conta a data em que ocorreram os factos em causa - 25 de Julho a 4 de Setembro de 2001 - queda inaplicável ao caso vertente a alteração ao Estatuto dos Jornalista aprovada pela Lei nº 64/2007, de 6 de Novembro (artigo 12º, nº 1, do Código Civil).
É aplicável, neste ponto, além do mais, o Estatuto dos Jornalistas, aprovado pela Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro, isto é, sem alteração decorrente da Lei nº 64/2007, de 6 de Novembro.
No plano adjectivo, considerando a data da propositura da acção – 30 de Setembro de 2002 - ainda não é aplicável ao caso vertente, por um lado, o novo regime dos recursos previsto no Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (artigos 11º e 12º).
Nem, por outro, o novo regime das custas judiciais, designadamente o relativo à isenção de custas que implicou a alteração da alínea g) do nº 1 do artigo 17º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (artigo 27º do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro).

2.
Prossigamos com a análise da subquestão de saber se o acórdão recorrido está ou não afectado de nulidade por omissão de pronúncia.
O acórdão da Relação é nulo quando deixe de se pronunciar sobre questões de que devia conhecer (artigos 668º, nº 1, alínea d), e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O juiz deve, com efeito, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 660º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito, e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito.
As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
Julgada procedente a nulidade decorrente de omissão de pronúncia pela Relação, impõe-se a baixa do processo a fim de aquele Tribunal operar a reforma do acórdão, porque este Tribunal não tem competência funcional para a suprir (artigo 731º do Código de Processo Civil).
Alegou o recorrente, a propósito, não ter o acórdão atentado no iter do processo de regulação do poder paternal nem na incongruência da greve, nem na intenção ou no desleixo das jornalistas perante tão graves acusações sem pedirem ao grevista a demonstração das suas imputações, os fundamentos da injustiça, da desumanidade, da prepotência e da discriminação por ele propalada, nem no desinteresse delas pela verdade processual, nomeadamente que DD nada requerera e sempre lhe fora mantido um adequado regime de visitas ao filho, nem na falta de esclarecimento dos leitores disso e de que nada justificava tão graves acusações, sobretudo a de que não havia isenção.
E acrescentou que o resumo da solução preliminarmente anunciada e depois assumida não constitui prejuízo para o conhecimento daquelas questões.
Conforme acima se referiu, uma coisa são as questões a que se reporta o artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, e outra, essencialmente diversa, a motivação argumentativa afirmada pelas partes com vista à resolução daquelas questões no sentido por elas pretendido.
As questões que o recorrente colocou à Relação foram, por um lado, a de saber se os recorridos, por via dos artigos jornalísticos em causa atentaram ilícita e culposamente contra a sua honra, o seu bom nome e reputação, enquanto cidadão e juiz de direito, e, por outro, se por via disso se constituíram na obrigação de o compensar pelo montante por ele referido.
Tudo o mais afirmado pelo recorrente, na extensão das suas conclusões, designadamente o iter do processo de regulação do exercício do poder paternal, são considerações de argumentação ou de motivação, que a Relação não tinha, forçosamente, de analisar.
Ora, a Relação conheceu das referidas questões, referindo-se ao direito aplicável aos factos provados e concluiu no sentido da inverificação, no caso, da responsabilidade civil em causa.
A conclusão é, por isso, no sentido de que o acórdão recorrido não está afectado de nulidade por omissão de pronúncia.
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3.
Continuemos a análise com uma breve referência à liberdade de expressão e de informação no quadro da Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A Constituição da República Portuguesa prescreve, por um lado, que os direitos fundamentais nela consignados não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional e, por outro, que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 16º).
A propósito da liberdade de expressão e de informação, está consignado na Declaração Universal dos Direitos do Homem que todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão e que isso implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e de procurar receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão (artigo 19º).
Além disso, prescreve a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no que concerne à intimidade, à honra e à reputação, que ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família ou na sua correspondência nem ataques à sua honra e reputação, e que contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito à protecção da lei (artigo 12º).
Atendendo à ênfase que a Declaração Universal dos Direitos do Homem dá ao direito à honra e reputação, expressando que ninguém sofrerá ataques em relação a ela, no confronto com a menor ênfase dada ao direito de expressão e de informação, a ideia que resulta é a de que o último é limitado pelo primeiro.
Finalmente, estabelece a Declaração Universal dos Direitos do Homem que no exercício desses direitos e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem estar numa sociedade democrática (artigo 29º, nº 2).
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a que a República Portuguesa também está vinculada, prescreve, por seu turno, por um lado, que qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão, compreendendo a liberdade de opinião e de receber ou de transmitir informações ou ideias sem a ingerência de qualquer autoridade pública e, por outro, que o exercício dessas liberdades, por implicar deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas na lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial (artigo 10º, e 8º, nºs 1 e 2, da Constituição).
Assim, também a Convenção Europeia dos Direitos do Homem expressa o limite ao direito de expressão e de informação pelo direito de personalidade, incluindo, naturalmente, a honra e a reputação.
A Constituição estabelece, por um lado, ao enunciar o primeiro princípio fundamental, ser a República Portuguesa baseada na dignidade da pessoa humana (artigo 1º).
E, por outro, no que concerne às pessoas, que a sua integridade moral é inviolável e que a todos é reconhecido o direito ao bom-nome e reputação (artigos 25º, nº 1, e 26º, nº 1).
Quanto à liberdade de expressão, expressa a Constituição, por um lado, que todos têm o direito de exprimir e de divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.
E, por outro, que a todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos (artigos 37º, nºs 1 e 4).
A liberdade de expressão e de informação e o direito à integridade pessoal inscrevem-se no capítulo dos direitos e liberdades e garantias pessoais inserto na Constituição, são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e as privadas.
Mas não se trata de direitos absolutos, porque a lei ordinária pode restringi-los nos casos expressamente previstos na Constituição e em termos de se limitarem ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18º, nºs 1 e 2).

4.
Atentemos agora na liberdade de expressão e de informação no Estatuto dos Jornalistas e na Lei de Imprensa.
O Estatuto dos Jornalistas é o aprovado pela Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro, aqui ainda aplicável na sua primitiva versão.
São jornalistas os que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados à divulgação informativa, por exemplo, pela imprensa (artigo 1º, nº 1).
Constituem direitos fundamentais dos jornalistas, além do mais, a liberdade de expressão e de criação e de acesso às fontes de informação e a garantia de sigilo profissional e de independência (artigo 6º, alíneas a) a d)).
A liberdade de expressão e de criação dos jornalistas não está sujeita a impedimentos ou discriminações (artigo 7º, nº 1).
O direito de acesso às fontes de informação é-lhes assegurado, além do mais, pelos órgãos do Estado e das regiões autónomas que exerçam funções administrativas, e o seu interesse nesse acesso é considerado legítimo nos casos de direitos dos interessados à informação, de consulta de processos e de passagem de certidões, independentemente ou não de despacho (artigo 8º, nºs 1, alínea a), e 2).
Mas o referido direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo de justiça, os documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação específica nem os dados pessoais não públicos dos documentos nominativos relativos a terceiros (artigo 8º, nº 3).
Salvo o disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, e o seu silêncio não é passível de sanção directa ou indirecta (artigo 11º, nº 1).
Independentemente do disposto no respectivo Código Deontológico, constituem deveres fundamentais dos jornalistas, o exercício da sua actividade com respeito pela ética profissional, a informação com rigor e isenção, a abstenção de formular acusações sem provas, o respeito pela presunção de inocência e a não falsificação de situações com intuitos de abuso da boa fé (artigo 14º, alíneas a), c) e h)).
As regras deontológicas atinentes à profissão de jornalista constantes do respectivo Código Deontológico, aprovado pela Assembleia Geral do Sindicato dos Jornalistas, envolvem, além do mais que aqui não releva, o dever de relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade, devendo comprová-los, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso; combater o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas como grave falta profissional; salvaguardar a presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença; assumir a responsabilidade por todos os seus trabalhos e actos profissionais; promover a pronta rectificação das informações que se revelem inexactas ou falsas e não humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor (nºs 1, 2, 5 e 7).
A Lei de Imprensa, aprovada pela Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, por seu turno, expressa o seguinte, em tanto quando releva no caso vertente.
O conceito de imprensa abrange as reproduções impressas de textos ou imagens disponíveis ao público, independentemente dos processos de impressão, reprodução ou distribuição (artigo 9º, nº 1).
As reproduções impressas são periódicas se editadas em série contínua, sem limite definido de duração, sob o mesmo título, abrangendo períodos determinados de tempo (artigos 10º, alínea a) e 11º, nº 1).
As publicações são informativas se visarem predominantemente a difusão de informações ou notícias, e de informação geral se o seu carácter for não especializado, e de informação especializada caso se ocupem predominantemente de determinada matéria, designadamente científica, literária, artística ou desportiva (artigo 13º, nºs 2 a 4).
As publicações periódicas devem ter um director, a quem compete, além do mais, orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação (artigos 19º, nº 1 e 20º, nº 1, alínea a)).
É garantida a liberdade de imprensa, que abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado sem impedimentos, discriminações ou limitações por qualquer tipo de censura (artigo 1º).
A liberdade de imprensa implica o reconhecimento dos direitos e liberdades fundamentais dos jornalistas, nomeadamente a liberdade de expressão e de criação, de acesso às fontes de informação, o direito ao sigilo profissional e a garantia de independência e da cláusula de consciência (artigos 2º, nº 1, alínea a) e 22º, alíneas a), b), c) e d)).
O direito dos cidadãos a serem informados é garantido, além do mais, pelo reconhecimento do direito de resposta e de rectificação e do respeito pelas normas deontológicas no exercício da actividade jornalística (artigo 2º, nº 2, alíneas c) e f)).
Os limites à liberdade de imprensa são os que decorrem da lei – fundamental e ordinária – de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática (artigo 3º).
Conforme se expressou na sentença proferida no tribunal da primeira instância, alguns dos limites à liberdade de imprensa envolvem, além do mais, o relevo social do facto, a verdade, a moderação, a ponderação e a adequação na forma.
Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais e, no caso de escrito ou imagem inseridos em publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou do seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o seu autor pelos danos que tiverem causado (artigo 29º).
Assim, o jornal em que as notícias em causa foram publicadas integra-se no conceito de publicação informativa genérica, ou seja, não visa a informação especializada.
À eficácia destes meios de publicação informativa na realização dos fins de comunicação corresponde, como contraponto, a exigência de rigor e da máxima cautela na averiguação da realidade dos factos que divulgam, sobretudo quando essa divulgação, pela natureza do seu conteúdo, seja susceptível de afectar o direito ao bom nome e à reputação social das pessoas em geral.
O rigor e a objectividade que a lei exige na programação e na informação implica que as empresas que desenvolvem essa actividade e os jornalistas que nela operem sejam rigorosos e objectivos na averiguação da verdade dos factos ou acontecimentos relatados, sobretudo quando sejam susceptíveis de afectar direitos de personalidade.
Assim, os jornalistas e, consequentemente, as empresas que desenvolvam a actividade jornalística, se infringirem culposamente o dever de rigor e de objectividade na informação, são responsáveis pela indemnização ou compensação dos prejuízos dela decorrentes.
O critério de orientação que resulta da Constituição e da lei ordinária é, naturalmente, no sentido de o exercício do direito de informar e de ser informado ser limitado pelo direito de integridade moral dos cidadãos, base e fundamento de qualquer sociedade politicamente organizada.

5.
Vejamos, agora, os pressupostos da responsabilidade civil em aproximação ao caso em apreciação.
Estamos perante uma situação de facto a apreciar no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, ou seja, da responsabilidade por factos ilícitos.
O quadro normativo específico a ter essencialmente em conta nesta sede envolve o disposto nos artigos 70º, 483º, nº 1, 484º e 562º do Código Civil.
A propósito da tutela geral da personalidade, a lei protege os indivíduos contra quaisquer ofensas ilícitas ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral (artigo 70º, nº 1, do Código Civil).
O princípio geral no quadro da responsabilidade por factos ilícitos é no sentido de que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (artigo 483º, nº 1, do Código Civil).
Resulta, assim, deste normativo, serem pressupostos da obrigação de indemnizar um facto voluntário do lesante, a ilicitude daquele, o nexo de imputação do facto ao agente - em termos de dolo ou de mera culpa - o dano, e o nexo de causalidade entre este e aquele facto.
O facto voluntário a que a lei se reporta é essencialmente a conduta controlável pela vontade do agente, e a ilicitude, em regra, a violação de um direito de outrem, designadamente de algum direito absoluto, em que se inclui o direito de personalidade.
Especialmente prevista no artigo 484º do Código Civil está a ilicitude lato sensu decorrente da ofensa do crédito ou do bom-nome de qualquer pessoa, segundo o qual, quem afirmar ou difundir um facto capaz de o prejudicar, responde pelos danos causados.
Há ofensa do crédito no caso de o facto divulgado ter a virtualidade de diminuir a confiança quanto ao cumprimento pelo visado das suas obrigações, e do bom nome se o mencionado facto tiver a virtualidade de abalar o prestígio de que a pessoa goza ou o conceito positivo em que é tida no meio social em que se integra.
O bom-nome de uma pessoa abrange a sua honra ou honorabilidade, a qual, por sua vez, envolve a sua reputação no plano social em geral, ou seja, na vertente moral, intelectual, sexual, familiar, profissional e política.
A honra da pessoa traduz-se, pois, no valor positivo que ela própria infere do íntimo do seu ser, ou seja, o substrato moral e ético da sua existência, enquanto a consideração social, o bom-nome e a reputação se traduzem no julgamento pelos outros acerca de cada um.
Correspondentemente, o direito ao bom-nome e à reputação consiste, essencialmente, em a pessoa não ser ofendida ou lesada na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação de outrem e a defender-se dessa ofensa e a obter a correspondente reparação.
Em geral, no domínio da responsabilidade meramente civil, a circunstância de o facto divulgado ser verídico não exclui, só por si, a ilicitude da acção para esse efeito, desde que, dada a sua estrutura, condicionalismo envolvente e respectiva motivação, seja objectivamente susceptível de afectar o bom-nome ou a reputação da pessoa visada.
A culpa lato sensu traduz-se essencialmente na censura ético-jurídica do agente por virtude da sua prática, o dano no prejuízo reparável e o nexo de causalidade na adequação em concreto e em abstracto da acção e ou da omissão quanto ao desencadear do resultado danoso.

6.
Atentemos agora na subquestão de saber se a divulgação dos factos em causa por via da sua publicação pela imprensa extravasou ou não do direito e do dever de informar por parte das recorridas.
A informação prestada pelos meios de comunicação social deve ser rigorosa e verdadeira, para não defraudar o direito do público a ser informado e não se impedir a plena formação da opinião pública, característica das sociedades democráticas.
O direito de informar não é, pois, um direito absoluto que possa conduzir, como é natural, à impunidade dos jornalistas.
A liberdade de imprensa e o direito de informação concreto, aplicados à publicação de artigos num jornal, comportam limites legais, entre os quais relevam a garantia, quer da objectividade, do rigor e da verdade do que é informado ao público, quer justamente a salvaguarda do direito ao bom nome e reputação, tutelados pela Constituição e pela lei ordinária.
Assim, a liberdade de imprensa, que implica o reconhecimento da liberdade de expressão, de criação e de acesso às fontes, no respeito pelas concernentes regras deontológicas, é instrumental em relação ao direito de informar, de se informar e de ser informado.
Tem, pois, limites, com vista à coexistência de outros direitos fundamentais dos cidadãos, também constitucionalmente consagrados, como é o caso do direito ao bom- nome, à reserva da intimidade da vida privada e à imagem.
Estamos perante três artigos jornalísticos, com os títulos, professor em greve de fome por causa da tutela do filho, pai em greve de fome há dois meses não desiste do protesto, e mais de vinte pessoas unidas contra o Tribunal de Menores, cujo demais conteúdo consta do elenco dos factos provados, mencionados sob II 4 a 6, veiculados pelo Jornal O Comércio do Porto - antigo órgão de informação diária, que começou a sua actividade no dia 2 de Junho de 1854, e recentemente encerrou.
Quando foram publicados, ou seja, na altura do continuado evento de protesto, numa primeira fase apenas protagonizado por uma pessoa, que se dizia em greve de fome, e, por fim, também por outras que, por motivação comum, com ele se solidarizaram, teve o referido jornal impacto populacional entre cinco e dez mil pessoas e na própria comunidade local.
Na interpretação do respectivo conteúdo, ou seja, dos relatos jornalísticos em causa, importa ter em conta, entre outras condicionantes, o contexto circunstancial que os motivaram, o seu interesse jornalístico e do ponto de vista do interesse público, a sujeição das decisões judiciais à crítica e a necessidade de se distinguir entre elas e as pessoas que as proferem em quadro de soberania.
O objecto das reportagens foi o aparato criado por um cidadão que se dizia em greve de fome de protesto contra uma decisão judicial de regulação do exercício do poder paternal concernente a uma criança de pouca idade de que era progenitor e a motivação dessa atitude afirmada pelo próprio.
De cartaz e deambulação pela cidade, foi uma reacção insólita e exagerada por parte do seu protagonista, mas por isso mesmo assumindo relevo do ponto de vista jornalístico, e de interesse público por se enquadrar no tema da custódia de filhos menores na sequência de situações de ruptura conjugal ou equiparada e da relação dos cidadãos com a justiça.
É assaz insólita a mencionada reacção do autor do protesto porque manifestamente desproporcionada em relação aos factos e às próprias razões e fins por ele invocados, e sem fundamento legal.
É manifesto que a decisão que esteve na origem daquele protesto, proferida pelo Tribunal de Família e Menores de Braga, pela pessoa do recorrente, juiz daquele Tribunal, conformava-se com o quadro de facto, a lei, a prática jurisprudencial e as opiniões da doutrina.
Os mencionados relatos jornalísticos reproduzem essencialmente o evento grevista em causa na sua expressão objectiva, incluindo a motivação que às recorridas foi referida pelo protagonista do evento concretizada na discordância da decisão e da própria lei, por, na sua perspectiva, dar prevalência à relação maternal em detrimento da relação paternal.
No que concerne a estruturação dos referidos relatos, as recorridas recorreram às fontes disponíveis, a audição do protagonista do protesto e da mãe dele, bem como nos documentos relativos à regulação do exercício do poder paternal que por ele lhes foram disponibilizados.
Não lhes era razoavelmente exigível o recurso a outras fontes, designadamente a consulta do próprio processo de regulação do exercício do poder paternal, para aferirem da justeza da atitude do protagonista do protesto, certo que o cerne da noticia foi essa atitude e não a mera opinião jornalística.
Os factos relatados pelas recorridas são verdadeiros, não há qualquer imputação de factos ao recorrente ou falta de moderação que possam ser considerados como excesso ou abuso de informação.
A expressão do aludido cidadão relatada pelas recorridas - quanto à incompatibilidade do juiz com os advogados, ao lamento de estar a ser excluído de entrar cedo no dia-a-dia da criança, à sua última esperança de ser outro o juiz a apreciar o requerimento, pois assim poderia haver isenção – representa a formulação de juízos de valor.
Mas o relato de tais juízos de valor, sem qualquer referência ao nome do recorrente, enquadra-se no esclarecimento da motivação do quadro objectivo envolvente do mencionado protesto, além de que, no texto daquele relato, imediatamente antes da expressão de tal juízo de valor, as recorridas mencionaram ter a pessoa que o protagonizou afirmado que o seu objectivo era a igualdade, e que se a maternidade tinha de ser protegida, também a paternidade o deveria ser.
A referência a que o Tribunal de Família e Menores de Braga já não era a primeira vez que saltava para a boca do povo e órgãos da comunicação social pelas piores razões está no texto conexionada com a circunstância de algumas pessoas, por razões comuns quanto a situações judiciais de pretérito, se terem solidarizado com o protagonista do referido protesto.
Os referidos factos e juízos de valor enquadram-se no mesmo evento de protesto face a decisão judicial relativa dirigida a quem o protagonizou, envolvidos por isso de exagerada emoção, uns e outros estreitamente conexionados e sem qualquer referência à pessoa do recorrente.
Os factos provados não revelam que as recorridas, com os relatos jornalísticos em causa, tenham visado, em quadro de sensacionalismo, passar a mensagem de que o recorrente era injusto, não isento, parcial, incompetente, prepotente, desumano, traidor, infractor da lei ou que denegava justiça, ou credibilizar o que fora afirmado pelo protagonista da insólita greve de fome.
Perante este quadro, a conclusão é no sentido de que a divulgação dos factos em causa por via da sua publicação pela imprensa, nos termos em que o foi, não extravasou o direito e o dever de informar por parte das recorridas.

7.
Vejamos agora se emissão jornalística da notícia em causa está ou não envolvida de ilicitude.
No acórdão recorrido, secundando a sentença proferida pelo tribunal da primeira instância, a partir da análise do conteúdo das notícias em causa, considerou-se que os factos por via delas divulgados não são ilícitos, por virtude de deles não decorrer objectivamente a ofensa à honra, ao bom-nome ou à reputação do recorrente.
Mas o recorrente entende que, com a redacção e a publicação dos artigos em causa, as recorridas violaram aquele seu direito, enquanto elas sustentam o contrário, sob o argumento de se terem limitado a exercer o direito de liberdade de expressão e informação, sem que tenham praticado algum facto ilícito.
Numa acepção muito ampla, a ilicitude consiste na violação da ordem jurídica ou de um dever jurídico, e diz-se formal se o facto infringe normas jurídicas, e material se ofende interesses legalmente protegidos, pressupondo que o facto seja voluntário, isto é, dominável pela vontade do respectivo agente.
Os factos praticados pelas recorridas, ou seja, a prévia investigação jornalística, a escrita do respectivo texto e a promoção da sua publicação envolvem, como é natural, a prática de actos voluntários.
Os relatos jornalísticos em causa, pelo seu objecto e meios de divulgação que os envolveu, provocaram impacto na comunidade local, e especialmente no recorrente, que passou a ser apontado negativamente se sentiu chocado, envergonhado e triste, e mais intensamente por virtude do abalo emocional também provocado nos seus familiares mais próximos, sofrendo, por isso, afectação negativa do seu estado de saúde.
Tendo em conta, conforme já se referiu, que a decisão judicial que anomalamente motivou o protesto do cidadão acima referido foi proferida de harmonia com os factos disponíveis e a lei aplicável, compreende-se que o recorrente, confrontado com a divulgação jornalística em causa, se sentisse negativamente afectado na sua dignidade como cidadão e como juiz.
Estamos, assim, em quadro de nexo de causalidade adequada entre as notícias em causa e a afectação negativa da esfera moral do recorrente por via da acção das recorridas (artigos 563º do Código Civil).
O que está na origem da insólita acção de protesto em causa e dos subsequentes relatos jornalísticos em análise é uma decisão judicial relativa a matéria que interessa aos cidadãos em geral, porque se trata do interesse das crianças face a quem delas deve cuidar.
Imputável não é às recorridas, como é natural, o acontecimento insólito e exagerado de tal protesto, que elas se limitaram a relatar. Por outro lado, as decisões judiciais não são dispensadas de crítica, designadamente nas revistas e nos meios de comunicação social.
Mas importa ponderar o impacto da divulgação de factos e juízos de valor deste tipo pelos meios da comunicação social, e distinguir entre a decisão judicial em si mesma considerada, em relação à qual a lei não proíbe a referida crítica, e o juiz que a prefere, que tem de ser respeitado como tal e como cidadão.
No caso vertente, estamos perante a crítica, embora insólita, de uma decisão judicial por uma das partes por ela afectada, menos jurídica e mais fáctica e emocional, essencialmente dirigida à lei que rege sobre a matéria e à jurisprudência dos tribunais, que as recorridas divulgaram no exercício do seu direito de informar a comunidade das pessoas.
Tirante algumas imprecisões jurídicas relatadas sobre o que foi ou devia ter sido requerido ou o que foi ou devia ter sido decidido, não revelam os factos provados que as recorridas, no seu trabalho de reportagem, tenham alterado a situação de facto envolvente.
O que os relatos jornalísticos veiculam é a valoração e a censura crítica da decisão do Tribunal feitas pelo protagonista da greve de protesto e pelas pessoas que com ele se solidarizaram, não directamente direccionados para a pessoa do recorrente enquanto titular do órgão que a proferiu.
Os referidos relatos, objectivamente considerados, não permitem a conclusão de terem visado atingir negativamente a pessoa do autor institucional da sentença, ou seja o recorrente, antes ressaltando o desiderato de relatar para o público o acontecimento relativo ao protesto e a motivação explicada pelos respectivos protagonistas.
Trata-se de relato de factos verídicos, com interesse para o público leitor do jornal, ou seja, a notícia corresponde à situação noticiada, a linguagem é moderada e o discurso predominantemente directo e assinalado por comas no princípio e no fim das expressões reproduzidas.
As recorridas limitaram-se a informar os leitores do jornal do protesto insólito da mencionada pessoa, revelando-lhes as atitudes, os comentários, alguns em tom de desabafo em relação à situação e causa, sem mencionarem opinião própria objectivamente ofensiva para o recorrente.
Importa, ademais, ter em conta, conforme acima se referiu, que a crítica veiculada por um dos relatos jornalísticos, consubstanciada em juízos de valor exteriorizados pelo protagonista do protesto por via da expressão sentir-se traído pelo juiz ou ter esperança de que fosse outro a analisar o requerimento para que pudesse haver isenção, é precedida de texto que os desvaloriza.
Dado o referido contexto, os mencionados juízos de valor, reproduzidos numa das publicações, envolvem abstracção tal que as reporta mais à decisão do Tribunal do que ao decisor, que nunca foi identificado pelo seu nome ou algum outro elemento atinente.
Tiveram as recorridas jornalistas consciência de que tais expressões podiam atingir a imagem, o crédito, a reputação e o bom-nome do recorrente; mas, em termos objectivos, em quadro de proporcionalidade, tal não era susceptível de ocorrer, além do mais por se tratar da crítica de uma decisão judicial.
A reportagem divulgou, afinal, uma insólita acção de protesto de um cidadão descontente com o conteúdo de uma decisão judicial que teve por objecto a regulação do exercício do poder paternal em acção onde figurava como sujeito processual interessado.
O relato jornalístico relativo às pessoas que se solidarizaram com o referido protagonista do protesto também não insere juízo de valor negativo em relação ao recorrente, antes revelando a discordância do critério do Tribunal de não confiar ao pai a custódia das crianças.
Os factos não revelam, com efeito, que o relato do acontecimento insólito referido, relativo à acção da pessoa que estava em greve de fome, tivesse sido motivado pela ideia de sensacionalismo, de ataque ao recorrente ou à instituição que ele serve ou de distorção da realidade.
Conforme acima se referiu, como o recorrente, na decisão criticada, se limitou a cumprir a lei aplicável aos factos disponíveis, compreende-se que ele, perante tão descabida e insólita reacção do autor do protesto, intensamente veiculada pelos meios de comunicação social, se sentisse por ela negativamente afectado na sua dignidade como cidadão e como juiz.
Mas tal não basta para que se considere a ilicitude do facto causador do dano, Com efeito, em leitura contextualizada e objectiva dos relatos em causa, em que nunca é citado o nome do recorrente e se refere essencialmente o Tribunal de Família e Menores de Braga, não se vislumbra, em termos objectivos, a susceptibilidade de ofensa da honra, do bom-nome ou da reputação do recorrente como magistrado judicial ou cidadão.
Em consequência, a conclusão é no sentido de que a divulgação dos factos em causa pelas recorridas no exercício do seu direito e dever de informar não infringiu o disposto nos artigos 70º, nº 1, e 484º do Código Civil, e, consequentemente, não estar envolvida da ilicitude a que alude o nº 1 do artigo 483º daquele diploma.

8.
Segue-se a subquestão de saber se as recorridas agiram ou não de modo censurável do ponto de vista ético-jurídico e se devem indemnizar o recorrente nos termos por ele pretendidos.
A obrigação de indemnizar depende, como já se referiu, além do mais, da qualificação do facto danoso como ilícito e da sua envolvência de culpa.
A culpa envolve um juízo de reprovação pessoal da acção ou da omissão do agente que podia e devia ter agido de outro modo, assumindo as vertentes de dolo ou de negligência, esta com o sentido de omissão consciente ou não pelo agente da diligência ou do cuidado que lhe era exigível, a apreciar em abstracto pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso, em conformidade com o disposto no artigo 487º, nº 2, do Código Civil.
Tendo-se concluído no sentido da não verificação da ilicitude dos factos praticados pelas recorridas, pressuposto primacial da responsabilidade civil extracontratual em causa, irreleva a circunstância de as recorridas terem consciencializado atingirem com a referida publicação a imagem, o crédito, a reputação e o bom-nome do recorrente.
Acresce, por isso, ficar prejudicada a análise das subquestões de saber se elas agiram ou não com culpa e se recorrente tem ou não direito a exigir-lhes a compensação por danos não patrimoniais que peticionou no seu confronto (artigos 660º, nº 2, 713º, nº 2, e 726º do Código de Processo Civil).

9.
Finalmente, a síntese da solução para o caso-espécie decorrente dos factos provados e da lei.
A circunstância de o acórdão recorrido se não ter referido especificamente a cada um dos argumentos formulados pelo recorrente não implica a sua nulidade por omissão de pronúncia.
A divulgação dos factos em causa por via da sua publicação pela imprensa não extravasou o direito e o dever de informar por parte das recorridas.
Os factos e os juízos de valor divulgados pelas recorridas e a forma como o fizeram não revelam a sua ilicitude, pressuposto primeiro da obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil em geral.
Inverificado o referido requisito da obrigação de indemnização, prejudicada fica a análise dos requisitos da culpa, do dano sofrido pelo recorrente e do seu ressarcimento por parte das recorridas.

Improcede, por isso o recurso.
Vencido, seria o recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Todavia, por virtude do respectivo estatuto, está isento do seu pagamento (artigo 17º, nº 1, alínea g), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).


IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.


Lisboa, 27 de Maio de 2008.

Salvador da Costa (relator)
Ferreira de Sousa
Armindo Luis