Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
435/19.5GESTB.E1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRANSPORTE MARÍTIMO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
NON BIS IDEM
INCONSTITUCIONALIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 03/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :
I. No plano constitucional, ao lado do princípio da igualdade, situam-se os princípios da proporcionalidade, da adequação, da necessidade e da justiça.

II. No âmbito do direito penal a noção de justiça relativa implica que se atente à globalidade dos factos e à personalidade dos agentes, apreciados no seu conjunto, proporcionando, em bloco, uma comparação das situações na sua relação com a pena a aplicar a cada um deles.

III. Tanto é susceptível de violar o princípio da igualdade, a aplicação, injustificada, a todos os co-arguidos da mesma pena concreta, como, pelo contrário a diferenciação, arbitrária, de penas entre si.

IV. Basta que as circunstâncias que depõem a favor de um e outro sejam diversas, para que, nos termos do artigo 71.º/ 2 CPenal, também as penas devam ser diversas.

V. Justifica-se diferenciar, na situação de co-autoria pelo crime de tráfico internacional de estupefacientes, por via marítima, entre os 5 co-arguidos, ainda assim, em relação aos demais, a situação daquele que é o ponto de contacto com os indivíduos estrangeiros, bem como daquele outro que já foi condenado por factos da mesma natureza

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. Por acórdão depositado a 15.1.2024 foram condenados – no que aqui releva - os arguidos,

- AA, em co-autoria e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1 do Código Penal e 21.º, n.º 1, por referência às tabelas I-B e I-C do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na pena de 6 anos e 10 meses de prisão;

- aqui se substituindo pela pena agora aplicada a que fora aplicada no processo 4/22.2... do Juízo Central Criminal de ... – J..., pelo crime de tráfico de estupefacientes de 5 anos e 10 meses de prisão;

- BB; CC; DD; EE e FF, em co-autoria e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1 do Código Penal e 21.º, n.º 1, por referência às tabelas I-B e I-C do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01 nas penas de 8 anos e 6 meses de prisão.

2. Discordando do decidido, interpuseram, todos, recursos para o Tribunal da Relação de Évora, que por acórdão de 21.6.2024, decidiu,

- conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente, em:

1. revogar a decisão recorrida na parte em que condenou o arguido na pena de 6 anos e 10 meses de prisão e em que determinou que essa pena substituísse a pena aplicada no processo 4/22.2... do Juízo Central Criminal de ...– J...;

2. condenar o arguido AA pelos factos que lhe foram imputados nos autos de processo Comum Coletivo nº 435/19.5..., como co-autor e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 14º, nº 1 do Código Penal e 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01, por referência às respectivas tabelas anexas I-B e I-C, na pena de 6 anos de prisão;

3. manter, no mais, o que quanto a tal arguido se decidiu na decisão recorrida;

4. negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos CC, EE, DD, FF e BB.

3. Interpuseram, novamente, todos os arguidos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça:

- DD, pugnando pela revisão da pena de prisão que lhe foi aplicada, por outra, próxima do mínimo legalmente previsto no artigo 21.º/1 alínea a) do Decreto Lei 15/93, suspensa na sua execução, rematando o corpo da motivação, “concluindo”:

- vem o presente recurso interposto do douto Acórdão que julgou procedente a acusação formulada, condenando o arguido DD pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 14.º/1 CPenal e 21.º/1, com referência à Tabela I-B e I-C do Decreto Lei 15/93 de 22-01 condenando-o na pena de 8 anos e 6 meses de prisão;

- salvo o respeito devido aos Julgadores, e que é muito, condenou-se, e pior, manteve-se a condenação do arguido/recorrente não atendendo à sua participação, ou não, nos diversos atos que consubstanciaram o crime por que foi condenado;

- ao condenar-se o arguido DD na mesma pena dos demais co-arguidos, sendo evidente a sua menor participação e as suas condições pessoais (a idade de 51 anos sem antecedentes criminais, uma carreira contributiva ininterrupta, a inserção familiar, a confissão parcial dos factos) foi violado o disposto no n.º 1 do artigo 71.º CPenal, pois não foram atendidos os pressupostos que aí figuram;

- acresce que, a pena de oito e seis meses de prisão aplicada ao arguido, que não tem qualquer condenação anterior quanto ao crime de tráfico de estupefacientes ou outro, é desproporcionada e atenta a factualidade dada como provada, devia ter lhe sido aplicada, uma pena de prisão no limite mínimo legalmente previsto no artigo 21.º/1 alínea a) do Decreto Lei 15/93 e ser suspensa na sua execução;

- CC, pugnando pela sua condenação em pena de prisão ligeiramente acima do limite mínimo legalmente considerado, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:

1. O recorrente foi condenado pela prática em coautoria material de um crime de tráfico de estupefacientes.

2. No caso vertente resulta provado que o recorrente se encontra inserido social e familiarmente.

3. Os factos dados como provados e as conclusões permitem efetuar ainda um juízo de prognose favorável quanto ao recorrente.

4. Um tal quadro, na sua globalidade, aponta decididamente para uma situação de eventual diminuição da ilicitude, aliás nenhum do estupefaciente foi comercializado.

5. Importa não esquecer a forte presença e prova de inserção social e familiar, bem como de hábitos de trabalho.

6. A pena sofrida para o comportamento global do recorrente, é eventualmente desproporcionada e desconforme com a jurisprudência e peca por excessiva.

7. Deveria ter sido optada pela aplicação ao recorrente de pena de prisão pouco acima do limite mínimo legalmente considerado.

8. Com a escolha e determinação da pena no sentido referido, estariam alcançadas as finalidades da pena ao caso em apreço, bem como a prevenção geral e especial aqui exigida.

9. A fixar-se um juízo de censura jurídico-legal haverá que ser ponderado o futuro do agente numa perspetiva de contribuição para a sua recuperação como individuo dentro dos cânones da sociedade.

10. O recorrente nunca teve o domínio dos fatos que tiveram por base a sua condenação.

11. Abonaram ainda a favor do recorrente o bom comportamento prisional, inserção familiar.

12. A escolha e determinação da pena no sentido referido, estariam alcançadas as finalidades da pena ao caso em apreço, bem como a prevenção geral e especial aqui exigida

Normas violadas:

13. Artigo 127º do CPP e 70º, 71º, 40º, 50º, 51º, 53º, 54º, porquanto ao contrário do que sucedeu, o tribunal deveria ter condenado o recorrente em pena de prisão ligeiramente acima do limite mínimo legalmente considerado;

- FF, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:

a) O Recorrente FF vem condenado pela prática coautoria (artigo 26.º/2.ª parte do Código Penal) e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 14.º/1 CPenal e 21.º/1 do Decreto Lei 15/93, de 22/01, por referência à tabela I-C anexa ao mesmo diploma numa pena de 8 anos e 6 meses de prisão.

b) Ao recorrente, conforme já havia sido efetuado em primeira instância, foi aplicado, como aos demais arguidos julgados e condenado em coautoria a pena de 8 anos e 6 meses de prisão.

c) Ora, novamente, não foi devidamente analisada cada situação, cada atuação, cada participação para se chegar a uma pena que corresponda efetivamente à individualização de cada um dos coarguidos e em consequência a aplicação de uma pena juste, adequada e proporcional à atuação de cada um, no caso ao recorrente.

d) A pena a aplicar, mesmo em caso de coautoria, será sempre em função da culpa, o que não ocorreu certamente no caso que nos ocupa, uma vez que o Tribunal limitou-se, novamente, a aplicar a mesma pena aos coarguidos.

e) Uma pena única para um todo, sem apreciar, como devia ter feito, caso a caso a dimensão da participação de cada um e a dimensão da culpa que levaria a aplicação correta, justa e adequada à participação de cada um.

f) Ora, nos termos do artigo 71.º/1 CPenal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

g) Assim a pena deve ser determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção especial de socialização e geral de integração que se imponham ao caso, tendo-se em conta todas as circunstâncias que, que não fazendo parte do tipo legal do crime, deponham a favor ou contra o arguido;

h) A culpa do agente é o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio da necessidade da pena (artigo18.º ao Constituição da República Portuguesa).

i) Ao aplicar a mesma pena a todos os coarguidos, não só não se apreciou devidamente à participação de cada um, nomeadamente a do recorrente, como também não se procedeu à diferenciação em função das suas personalidades, dos seus antecedentes criminais e do seu comportamento processual (de negação dos factos, de confissão ou de exercício do direito ao silêncio).

j) O recorrente assumiu a sua participação nos factos concretos em que teve efetivamente intervenção.

k) O recorrente dispõe, conforme relatório social de uma estrutura familiar forte e sempre teve ocupação laboral e inserção social.

l) Sempre manteve hábitos de trabalho, que lhe permitiam o seu sustento e fazer face às suas despesas.

m) O Recorrente é primário.

Princípios e disposições legais violadas ou incorretamente aplicadas:

Artigo 18º da CRP;

Artigo 40.º do Código Penal

Artigo 50.º do Código Penal;

Artigo 70º do Código Penal;

Artigo 71º do Código Penal e ainda,

O Princípio da proporcionalidade;

O Princípio da Adequação;

O Princípio da necessidade;

EE, pugnando,

- pelo reconhecimento da existência de erro notório da apreciação da prova e, nessa sequência, e por assim ser, pela declaração de nulidade do acórdão recorrido, por violação do artigo o 379.º CPPenal;

- subsidiariamente, ser considerado que as ações efetivamente perpetradas pelo arguido não integram nem preenchem os elementos objetivos do tipo legal previsto no artigo 21.º do Decreto Lei 15/93;

- ainda, subsidiariamente, ser a pena significativamente reduzida, para um quantum nunca superior a 5 anos de prisão, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:

1. O arguido recorrente vem interpor recurso da douta decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, no segmento do acórdão que confirma, a não menos douta, decisão proferida pela 1ª Instância, pela prática de 1 crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21º do D.L. 15/93 de 22.01

2. Tal douta decisão, decide manter inalterada a matéria de facto vertida na primeira decisão proferida e bem assim mantem a medida da pena a que o arguido foi condenado pela prática do já anunciado ilícito criminal, concretamente nuns longos 8 anos de 6 meses de prisão.

3. Ora, por forma a concluirmos de forma clara e suficientemente esclarecedora a motivação supra, entende, humildemente, o arguido que existe matéria de facto dada como provada que apenas assim o é, por ter existido um erro notório na apreciação da prova, vício este enunciado no artigo 410º do C.P.P.

4. Naturalmente que, nesta instância recursiva o arguido não se pode atrever a solicitar a V. Exas, Egrégios Conselheiros, uma decisão sobre uma impugnação de tal matéria, por tal hipótese já se esgotou na anterior fase recursória, mas, ainda assim, deve indicar para demonstrar que tal supra enunciado vício existiu e por assim ser e não ter sido declarado, incorre a decisão do Tribunal “a quo” numa nulidade que, essa sim, poderá ser declarada por banda desse Superior Tribunal.

5. Ora, a matéria de facto que foi dada como provada e que não encontra espelho nos elementos de prova enunciados no Douto Acórdão é a que vem, referida nos seguintes e concretos pontos da matéria de facto: 124, 126, 127, 149 e 150.

6. Ora, tal matéria de facto foi entendida dar como assente e provada com enunciação dos seguintes elementos de prova:

Facto 124 - Sessões n.ºs 641, 676, 762, 780, 783,785, 790, 865, 868, 962, 1020, 1030, 1538, 1636 e 1666 do alvo ...40 a fls. 2015 a 2019) e sessões n.ºs 757 e 760 do alvo ...40 a fls. 2011)

Facto 126 e 127 - Relatório de vigilância n.ºs 17 e 18, respectivamente, de fls. 2354/2355 e 2357 a 2359 conjugado com as sessões n.ºs 7619 (25/01/2021) n.º 7623 (25/01/2021 -, 7721, de 26/01/2020 , n.º 7770 (26/01/2021) e n.º 7827 (27/01/2021 – ...– ...) e 7838 (21/01/2021 – Mac) do alvo ...40 – CC – apenso XXIII, sessões n.ºs 7358 (27/01/2021 - diz que o gordo vai ter com eles lá abaixo), 7376 (27/01/2021 diz a mãe do CC ao EE “ O gordo está a ir prai bjs” , sendo que se referiam ao arguido DD, n,º 7401, 7402, 7427 de 27/01/2021 – EE para FF), n.º 7663 (28/01/2021 - EE para FF – “Tive a falar com o homem já tavam em ... tem k espera”), n.º 7668, 7671(29/01/2021 – 11h 07.34 - EE avisa “Tamos a ir para cima”) e n.º 7691 ( 29/01/2021 )Não trabalhamos fdx agora segunda ou terça do alvo ...40 – EE – apenso de auto de transcrições sessão n.º 4675 (28/01/2021 – em que o arguido DD, em conversa com a sua mulher refere que esta nevoeiro e que – “era bom que tivesse nevoeiro de noite, aquilo é esta noite”, desejar que corra tudo bem ) do alvo DD – DD , e sessão n.º 3836 (a mesma mensagem de ... do alvo ...40 – FF).

Do teor de tais comunicações resulta o planeamento por todos os arguidos para efectuarem mais um carregamento e, no caso das deslocações de todos.

Facto 149 e 150 -Sessão n.ºs 39011 de 06/08/2021 do alvo ...40 – EE (apenso de auto de transcrições apenso XXX) EE conta a GG que- “Tive de ser resgatado Motores partiram, ficamos à deriva (…) Mouros é que passaram”. Tal sessão conjugada com as sessões 39566 de 09/08/2021, 28260 e 39587 da mesma data, do mesmo alvo. Na primeira o arguido EE liga para a seguradora relatando o sucedido com a embarcação I... - “os motores partiram e eu andei à deriva, (…) fui salvo por um cargueiro, (…) fui resgatado e fui levado para Gibraltar” - dando a localização para tentar reaver a embarcação. De seguida, o arguido EE liga para a linha de resgate a náufrago, onde é referido que o acidente com a embarcação I... aconteceu em águas de jurisdição marroquinas e que foram os Marroquinos que deram a última posição da embarcação.

7. Ora analisado que foram, pelo menos pelo arguido tais elementos de prova, verifica-se ter existido, neste segmento, um claro erro notório na apreciação da prova, vício este contante do artigo 410º do C.P.P.

8. Ora, como é consabido, os vícios elencados no artigo 410º do C.P.P., não carecem de ser invocados e devem, sem prejuízo, ser reconhecidos e declarado pois são de conhecimento oficioso.

9. Ora, a douta decisão de que ora se recorre, de forma humilde, padece, aqui, de uma clara e evidente nulidade, uma vez que tal erro notório na apreciação da prova existe e não foi, como deveria ser declarado pela Veneranda Relação de Évora.

10. Ora, tais vícios, na sua medida foram invocados junto do Tribunal “ad quem”, sendo que, em concreto, estes agora que se irão referir e identificar não se afigura terem merecido por parte daquela Venerando Tribunal abordagem objetiva e com explanação do raciocínio lógico-dedutivo para lograr obter o resultado quanto à matéria de facto.

11. Ora, como se transcreveu na motivação, detalhadamente resumimos os concretos pontos da matéria de facto que, por sua vez, não podem ser considerados como provados com os elementos de prova que o Tribunal de 1ª instância elencou e por essa mesma razão, somos levados a concluir, sempre com o maior e mais elevado respeito pelos Tribunais que anteriormente dedicaram atenção aos presentes autos, que existe um claro e evidente erro notório na apreciação da prova, vício este que nos é apresentado no artigo 410º nº 2 al. c) do C.P.P.

12. Ora, tal vício, como resulta da mais diversa jurisprudência, terá que ressaltar da decisão recorrida, sem qualquer necessidade de apreciação da prova efetivamente produzida, o que, ainda assim, não nos demitimos de levar cabo para não incorrer em negligência de patrocínio e bem assim apresentar uma peça imbuído de total boa-fé processual.

13. Como resulta, a título meramente exemplificativo, do aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no Proc. N.º 26/16.2GESRT.C1, sendo seu relator Orlando Gonçalves, datado de 10-07-2018:

I – O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.

II - Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.

III - Por esta razão, na fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos provados e não provados, deve constar uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (art.374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal).

IV - De acordo com as regras da experiência comum, se existe uma ligação do tipo “direta” da rede pública para uma casa em obras, onde não existe contador de energia, quem tem interesse em consumir a eletricidade - certamente nas obras -, sem a pagar, é o proprietário da casa, que no caso é o arguido.

V - As regras da experiência comum levam-nos a concluir, também, que nunca um trabalhador e menos ainda um simples pedreiro - que por definição é um operário que trabalha na construção civil, em obras com pedra, tijolo, cimento, cal, etc. -, estabeleceria essa ligação, mesmo que tivesse para tal conhecimentos de eletricidade, sem autorização da entidade patronal e, este, não a daria ao trabalhador sem autorização do dono da obra.

VI - O reenvio do processo para novo julgamento depende dos vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, do C.P.P. poderem ou não ser supridos pelo tribunal de recurso.

VII - Não sendo possível decidir da causa e dada a extensão do vício reconhecido, impõe-se reenviar o processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do seu objeto.

14. O vício aqui descrito, é de conhecimento oficioso - Acórdão do STJ n.º 7/95:

«É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.»., in DR, I-A Série, de 28-12-1995., são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correta e conforme à lei. Cf. Acórdão do STJ de 04-09-2015, in www.dgsi.pt .

15. O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.

16. Dito de outro modo, o requisito da notoriedade do erro afere-se pela circunstância de não passar despercebido ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente Cf. Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).

17. Sem embargo do que se disse, não consegue o leitor das doutas decisões que antecedem o presente recurso, entender como pode o arguido ser envolvido na matéria de facto que se descreve nos pontos quando não é descrita qualquer ação ou omissão a ele imputada na matéria vertida nos pontos 112 a 123.

18. Ora, se nenhuma conduta por ação ou omissão lhe é atribuída, e tal resulta da matéria de facto dada como provada, não se pode, apenas e só com recurso a uma interceção telefónica concluir pela sua participação em tais factos, seja ela de que natureza for.

19. E por essa razão e porque tal resulta, a nosso ver à saciedade do texto da douta decisão recorrida, vai assim especificadamente indicado e em concreto o erro notório na apreciação da prova a que supra já se aludiu.

20. E o mesmo raciocínio envolve a matéria, desta feita, vertida nos pontos 126. e 127. a ainda 149. e 150.

21. Como supra se disse, tal vício (erro notório na apreciação da prova) vem evidenciado desde a decisão proferida na 1º Instância, sendo que o Venerando Tribunal da Relação que, oficiosamente, deveria ter sancionado e nessa sequência mandado reparar (e não o fez), pelo que a douta decisão emanada daquele Venerando Tribunal se encontra, também ela, e por essa razão, ferida de nulidade.

22. Dispõem o artigo 379º do C.P.P., sob a epígrafe – “Nulidade da Sentença” que,

1 - É nula a sentença:

a) /.../

b) /.../

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º.

3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade.

23. Dispõe-se no dispositivo legal referido que é nula a sentença “quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

24. A omissão de pronúncia, como é sabido, constitui um vício da decisão que verifica quando o tribunal se não pronuncia sobre questões cujo conhecimento a lei lhe imponha, sejam as mesmas de conhecimento oficioso ou sejam suscitadas pelos sujeitos processuais.

25. Como vem sendo entendimento uniforme desse Egrégio Supremo Tribunal “a falta de pronúncia que determina a existência de vício da decisão incide sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão. Por isso, como tem defendido esse Supremo Tribunal, apenas a total falta de pronúncia sobre as questões levantadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia e, mesmo assim, desde que a decisão de tais questões não esteja prejudicada pela solução dada a outra ou outras” – Ac. STJ de 26/10/2016, Proc. 122/10.OTACBC.GI-A. S1 entre outros, no mesmo.

26. Vício este que na presente peça de recurso se deixa invocado, pela violação do já suprarreferido artigo 379º n.º 1 al. c) do C.P.P.

27. Quanto à conduta do arguido recorrente, EE, dizem-nos as doutas decisões, coincidentes entre si, que:

“Assim, há que qualificar e integrar juridicamente a conduta dos arguidos BB, CC, DD, EE, FF que tiveram intervenção no delinear do plano, incluindo todos os actos de preparação e execução até à concretização do mesmo, dos carregamentos/descarregamento e transporte dos 7 fardos de canábis tendo sido apreendidos uma enorme quantidade de canábis, no total de 211,44 kg de canábis (120,88 Kg+90,560 Kg), suficientes para 991,233 (396.214 +383.549) doses médias individuais diárias. E os demais transportes cuja canábis não foi apreendida. Ora, como é bom de ver, todos os referidos arguidos foram responsáveis pelo plano gizado e pela sua concretização, designadamente, na introdução no nosso país de, pelo menos, a quantidade de droga apreendida.

Não obstante se percepcionar, de toda a factualidade, que nenhum dos arguidos se situa no topo da pirâmide da estrutura organizativa a que aludem os factos, conseguiu-se apurar que o arguido CC tem, ainda assim, uma maior ligação aos indivíduos de nacionalidade espanhola que, esses sim, se situariam no topo da pirâmide ou próximo de tal.

Os referidos arguidos atuaram, assim, em conjugação de esforços, cada em um desempenhando as suas tarefas, todas elas necessárias à acção comum a que se refere a factualidade.

A este propósito cita-se o acórdão da Relação de Évora de 08/01/2013 onde consta quanto aos actos de venda, cujos fundamentos têm, naturalmente, aplicação também na situação em análise que;

“pode ser punido como coautor de concretos atos de venda quem não interveio diretamente neles desde que de algum modo tenha praticado atos de execução direta do facto desempenhando quaisquer tarefas que, de acordo com o plano traçado ou no âmbito da colaboração conscientemente prestada, possam considerar-se essenciais à prática do facto concreto em causa, quadro factual que se impõe provar, ainda que através de prova indireta. “

E, ainda o acórdão da Relação do Porto, supra citado, de 08/07/2015, onde de refere que, “Na coautoria o acordo prévio, expresso ou tácito basta-se com a existência da consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização do crime, e a actuação de cada agente embora parcial integra-se no todo planeado que conduz á produção do resultado.”

Ora, a acção típica de cada um dos arguidos foi, toda ela, necessária e essencial à execução do crime que exigia uma preparação prévia significativa, como se extrai pela própria factualidade.

Aliás, em situação semelhante à dos autos decidiu o Tribunal a Relação de Évora em, acórdão de 04/04/2013 (consultado na base de dados do ECLI, no site jursprudncia.csm.org.pt) onde a esse propósito conclui; “Tendo-se provado que ao recorrente caberia participar no transporte do “haxixe”, o que fez, tripulando a embarcação onde essa substância se encontrava, conhecendo as circunstâncias em que actuava e o destino a dar à mesma, inserido como tal, em processo de acção conjunta de tráfico, a que aderiu, voluntaria e conscientemente, impõe-se concluir que agiu como coautor e não como mero cúmplice.”.

Mais resultou apurado que, no dia 12/07/2023 os arguidos CC e DD guardavam na residência onde ambos habitavam, a quantidade de estupefaciente descrito no ponto da matéria de facto apurada, ascendendo a mais de 1kg, estando cerca de um 1kg no quarto do arguido DD, que aliás, assumiu que lhe pertencia.

E, apurou-se, igualmente, que o arguido BB, também se dedicou à venda de canábis e de cocaína, diretamente, aos consumidores estando concretizadas vendas a vários consumidores, pelo menos, desde o ano de 2019 e até ao ano de 2021.

Assim, dúvidas não subsistem que a conduta de todos os referidos arguidos integra a previsão legal do art.º 21º do D.L., e não outra atento, o entendimento plasmado na decisão instrutória, e o facto de se extrair da factualidade que a célula da organização, nas vertentes de transporte, detenção e venda, não é no nosso país nem os seus cabecilhas são quaisquer um dos arguidos.

Todavia, a conduta destes arguidos insere-se num patamar muito superior a todos os demais arguidos cuja conduta já se analisou, sendo ponderado o seu grau de ilicitude e culpa na medida concreta da pena a aplicar”

28. Relembramos aqui, de forma sucinta, o que nos ensina o artigo 21º do D.L. 15/93.

29. Ora, da matéria de facto dada como provada, nomeadamente no segmento narrado nos pontos 112 a 123 não indicada qualquer ação ou omissão imputável ao arguido.

30. Isto, sem embargo de uma única interceção telefónica que pode denunciar ter conhecimento do que ocorrida, mas que não é de moldes a configurar qualquer forma de autoria, muito menos uma coautoria com os demais arguidos.

31. E, agora, quando a matéria elencada nos pontos 125 a 152, não existe qualquer matéria dada como provada que possa preencher o tipo legal, mormente, qualquer elemento objetivo.

32. Donde se deve e pode concluir que o arguido deverá ser absolvido deste ilícito criminal.

33. Mas se assim não se entender, o que teremos com toda a humildade de admitir, por cautela de patrocínio, sempre será de considerar que a pena aplicada ao arguido é exagerada e muito para além da medida da sua culpa.

34. Tomámos devida nota de quatro elementos que ressaltam das decisões anteriores: A motivação da douta decisão proferida em 1ª instância; a Matéria de facto dada como provada, O douto Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” e ainda, O voto de vencido que integra a douta decisão proferida pela Veneranda Relação.

35. Assim, e nesta medida, faz-se referência a um segmento da motivação oferecida pelo Tribunal da 1ª Instância de onde ressalta o seguinte:

“Não obstante se percecionar, de toda a factualidade, que nenhum dos arguidos se situa no topo da pirâmide da estrutura organizativa a que aludem os factos, conseguiu-se apurar que o arguido CC tem, ainda assim, uma maior ligação aos indivíduos de nacionalidade Espanhola que, esses sim, se situariam no topo da pirâmide ou próximo de tal.”

36. E como se extrai de toda a matéria de facto dada como provada, nomeadamente dos pontos já suprarreferidos 112 a 123, nenhuma ação, em concreto, foi atribuída ao arguido recorrente, salvo uma única chamada telefónica que, quanto muito poderia ter conduzido a uma suspeita, que sempre imporia por parte do Tribunal a produção de prova para apurar tal conclusão que conduz à condenação.

37. Quando à matéria de facto elencada nos pontos a 126 a 155, única matéria de facto (atinente ao tráfico de estupefacientes) onde vem o nome do arguido referido com ações concretamente imputadas, numa ação típica, ilícita e culposa foi, na verdade praticada.

38. Ainda que assim não se entenda, e apesar do Douto Tribunal ora recorrido mencionar no Aresto a necessidade de aplicação do dispositivo legal inserto no art.º 71º do CP para a determinação da medida concreta da pena, considerando o grau de ilicitude do agente, as necessidades de prevenção geral e especial no caso concreto e as circunstâncias que militaram em favor do arguido aquando da aplicação da punição, não se compreende, a aplicação de pena tão elevada e tão dura. Tanto mais que, atento o exposto, a manter-se a condenação do arguido, atenta a exiguidade da prova produzida, ainda que o entendimento de V. Exas., Egrégios Conselheiros seja a da imutabilidade da Decisão, o que não se admite, ter-se-á que considerar circunstâncias que militam a favor do arguido que não terão sido, com o devido respeito, todas valoradas aquando da aplicação da medida concreta da pena:

• A total ausência de lucros provenientes da atividade ilícita, não se tendo provado qualquer benefício económico decorrente da atividade descrita ou, a existir, será inconclusivo o seu montante

• A total ausência de matéria dada como provada que lhe atribuída um papel preponderante num qualquer desígnio criminoso.

• O facto relevante de não ter contribuído, em momento algum, para a aquisição de qualquer transporte de produto estupefaciente, resumindo a sua ação a aceitar que a embarcação ficasse em seu nome

39. Mostra-se, pois, desproporcional e desadequada a aplicação da pena de 8 anos e 6 meses de prisão ao arguido, no caso concreto.

40. Os critérios pelos quais o julgador deve orientar-se na determinação da medida concreta da pena resumem-se do seguinte modo: culpa do agente, que impõe uma retribuição justa; exigências decorrentes do fim preventivo especial ligadas à reinserção social do delinquente; exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade.

41. Respeitado que seja o princípio da culpa, segundo o qual, a medida da pena nunca pode ultrapassar a medida da culpa, a sanção concreta há-de corresponder às expectativas comunitárias na validade da norma violada.

42. Para ser possível a conciliação das finalidades da punição com a exigência de medir a pena em função da culpa, e na esteira de Sousa Brito (Textos de apoio de Direito Penal, T. II, “A Lei Penal na Constituição”, AÂFDL 1983/84, — excerto dos “Estudos Sobre a Constituição”, Lisboa 1978, p. 357), “deve fixar-se em princípio a pena no ponto de escala correspondente à culpa que melhor sirva as exigências de prevenção especial.

43. Uma condenação, a revelar-se imperativa, deveria sempre situar-se próxima dos 5 anos de prisão.

- BB e AA, pugnando pelo regresso do processo à fase de inquérito, a fim de se expurgar devidamente todas as nulidades, ou, subsidiariamente, deve a pena aplicada ao arguido BB ser reduzida em pelo menos três, parecendo justa uma pena na ordem dos 5 anos e 6 meses ou quanto muito seis anos de prisão, e deve o arguido AA ser absolvido como é da mais elementar justiça, rematando o corpo da motivação com o que denomina de conclusões, mas onde apresenta 86 pontos que constituem a repetição ipsis verbis de outros tantos que constam do corpo da motivação, que por essa razão aqui se não transcrevem apenas se enunciando as questões aí suscitadas e, que são:

- o primeiro:

- a desproporcionalidade da medida da pena;

- o segundo:

- a violação do princípio ne bis in idem;

- a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, falta de fundamentação, violação do princípio da legalidade e inconstitucionalidades.

4. Admitidos os recursos e cumprido o disposto no artigo 411.º/5 CPPenal, o Sr. PGA apresentou a sua resposta no tribunal recorrido no sentido da improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1. O arguido DD atuou com dolo direto e muito intenso, tendo o mesmo desempenhado no caso sub judice também o papel de "correio de droga", assumindo uma função preponderante na violação do bem jurídico, sendo certo que só os fardos de haxixe apreendidos em 6 de novembro de 2020, com o peso de 120,888 Kg e de 90,560 Kg dariam para 396,214 e 383,579 doses médias individuais diárias, respetivamente, o que permite aquilatar da dimensão da sua atividade delituosa.

A sua inserção social e familiar não constituiu ambiente suficientemente contentor para a prática pelo arguido, de crimes como o que está em causa, nunca podendo a gravidade e os contornos de que se revestiu a sua atividade fundamentar o seu sancionamento numa pena de prisão que se situasse perto do seu limite mínimo, mas sempre numa pena que se situasse junto do limite médio da respetiva moldura como ocorreu, pelo que a pena em que o arguido foi condenado não deve merecer qualquer censura;

2. O arguido CC, tendo em atenção a matéria fáctica dada como provada, agiu com um grau de culpa mais elevado que os seus coautores, sendo precisamente a pessoa de confiança por parte dos elementos espanhóis, razão pela qual era conhecido por "HH", o elo de ligação em Portugal, da rede de tráfico de droga internacional de origem espanhola.

O dolo com que este arguido atuou é direto e muito intenso, tendo o mesmo desempenhado no caso sub judice, também o papel de "correio de droga", assumindo uma função preponderante na violação do bem jurídico, sendo certo que só os fardos de haxixe que foram apreendidos em 6 de novembro de 2020, com o peso de 120,888 Kg e 90,560 Kg, dariam para 396,214 e 383,579 doses médias individuais diárias, respetivamente, o que permite aquilatar da dimensão da sua atividade delituosa.

A sua inserção social e familiar não constituiu ambiente suficientemente contentor para a prática pelo arguido, de crimes como o que está aqui em causa, nunca podendo a gravidade e os contornos de que se revestiu a sua atividade fundamentar o seu sancionamento numa pena de prisão que se situasse perto do seu limite mínimo, mas sempre, numa pena que se situasse junto do limite médio da respetiva moldura.

Deve assim improceder o recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, ser mantida a pena em que foi condenado;

3. O arguido FF, tendo em atenção a matéria fáctica dada como provada agiu com dolo direto e muito intenso e muito intenso, tendo o mesmo desempenhado no caso sub judice, também o papel de "correio de droga" assumindo uma função preponderante na violação do bem jurídico, sendo certo que só os fardos de haxixe apreendidos em 6 de novembro de 2020, com o peso de 120,888 kg e 90,560 Kg, dariam para 396,214 e 383,579 doses médias individuais diárias, respetivamente, o que permite aquilatar da dimensão da sua atividade delituosa.

A sua inserção social e familiar não constitui ambiente suficientemente contentor para a prática, por este arguido, de crimes como o que está aqui em causa, nunca podendo a gravidade e os contornos de que se revestiu a sua atuação fundamentar o seu sancionamento numa pena de prisão que se situasse perto do seu limite mínimo, mas sempre, numa pena que se situasse junto do limite médio da respetiva moldura, como ocorreu. Pelo exposto, deve ser negado provimento ao recurso interposto por este arguido e mantida a pena em que foi condenado;

4. O arguido EE invocou vícios de erro notório na apreciação da prova, da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, apelando, contudo a elementos estranhos à decisão - relatórios de vigilância, fotogramas, interceções telefónicas, depoimento de testemunhas, documentos constantes dos autos - para fundamentar o seu ponto de vista.

Contudo, incorreu num equivoco ao misturar vícios decisórios com a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, já que aqueles terão de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, como preceitua o artigo 410.°/2 CPPenal, sendo intrínsecos à decisão como peça autónoma.

A prova deve ser valorada globalmente, com recurso a deduções e induções, tendo sempre presente as regras da experiência comum, não se circunscrevendo apenas à prova declarativa, não fazendo sentido qualquer decisão que isole apenas os factos favoráveis à pretensão em causa, segmentando-se e desvalorizando-se a demais prova produzida. Nenhuma censura nos merece a apreciação da prova constante do Acórdão recorrido, importando recordar que quanto ao crime de tráfico de estupefacientes pelo qual o arguido foi condenado estamos no plano da coautoria, que pressupõe uma decisão conjunta, não se exigindo a participação de cada um dos arguidos na elaboração do piano comum de execução do facto, nem tendo tal acordo de ser expresso, não se exigindo que cada agente intervenha em todos os atos necessários à produção do resultado, bastando que a atuação de cada um seja indispensável à produção do resultado global.

Concatenando toda a prova produzida, cremos inexistirem dúvidas sobre a responsabilidade deste arguido, como coautor dos factos integradores do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenado, até pela utilização do plural nas interceções telefónicas em que teve intervenção e pelos relatórios de vigilância e relatos de diligência externa mencionados no texto decisório.

Em nosso entender não se verificam os vícios invocados, sendo a matéria de facto provada suficiente para a decisão de direito proferida, existindo bastantes elementos de prova objetivos a suportar a decisão de condenação proferida contra o arguido, não se prefigurando qualquer contradição entre a fundamentação, ou entre ela e a decisão proferida. No que concerne ao crime de detenção de arma proibida não vislumbramos qualquer violação das regras da experiência comum a que alude o artigo 127.° CPPenal na presunção extraída pelo Tribunal, antes se constatando o funcionamento das regras da lógica, baseadas na correção do raciocínio, precisamente de acordo com a disposição legal citada.

No que respeita à medida da pena, deixamos aqui reproduzido o que dissemos nas alíneas anteriores, relativamente aos outros arguidos. Assim, pelas razões ali referidas, entendemos que a pena do arguido nunca se poderá aproximar dos limites mínimos, mas sim dos limites médios. Pelo exposto, entendemos que deverá ser negado provimento ao recurso interposto por este arguido.

5. O arguido BB alega a existência de vícios na decisão recorrida, no entanto não se verifica qualquer vício decisório, pois a matéria de facto dada como provada e os elementos de prova objetivos são suficiente para suportar a decisão de direito proferida.

Damos por integralmente reproduzida a fundamentação subjacente à dosimetria penal aplicada para a punição deste arguido e porque a pena a aplicar será sempre em função da culpa do agente, entendemos que a mesma se deve situar nos limites médios do tipo legai, tal como ocorreu. Assim, precludida se mostra a possibilidade de suspensão da execução da pena, atento o preceituado no artigo 50.º CPenal;

6. Quanto ao arguido AA sempre se dirá que este arguido não prestou declarações nas fases de inquérito e instrução, pelo que deve improceder a nulidade invocada, bem como a nulidade do inquérito pelas razões esplanadas no Acórdão recorrido, que aqui se dão por reproduzidas, não se estando perante a violação de quaisquer regras de competência do tribunal, não se lhe aplicando o disposto nos artigos 118.º e 119.º CPPenal.

Não se verifica, também, a violação do princípio ne bis in idem, uma vez que à data da prolação do acórdão nos presentes autos, o acórdão proferido no processo 4/22.2... não se encontrava transitado em julgado.

Quanto à invocada nulidade decorrente do facto de estes autos, na fase de inquérito, terem corrido num DIAP e sido investigados pela GNR, a mesma não se verifica pois tal resultou de uma decisão do Ministério Público, sendo que de acordo com o princípio da legalidade, previsto no artigo 118.º/1 CPPenal a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei e adianta o n° 2, do referido preceito que nos casos em que a lei não comina a nulidade o ato ilegal é irregular.

As nulidades insanáveis estão taxativamente previstas no artigo 119.º CPPenal.

Por sua vez constituem nulidades dependentes de arguição as previstas no artigo 120., do citado diploma.

Ora, como se extrai pela simples leitura do dispositivo nenhuma das situações integra as referidas nulidades insanáveis, pelo que, também quanto a este particular.

Acresce que as questões invocadas também não integram quaisquer uma das nulidades dependentes de arguição, sendo que, quanto a estas, sempre se dirá as nulidades respeitantes ao inquérito ou à instrução têm de ser arguidas até ao encerramento do debate instrutório, o que não aconteceu estando precludido esse direito.

Nenhuma censura nos merece a pena aplicada a este arguido, bem fundamentada no douto Acórdão recorrido, mostrando-se precludida a possibilidade de suspensão de execução da pena, atento o preceituado no artigo 50°, do Código de Processo Penal;

7. Pelo exposto, deve ser mantido, integralmente, o douto Acórdão recorrido.

5. Remetidos a este Supremo Tribunal de Justiça, em vista dos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º CPPenal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se, pela rejeição dos recursos que o tiverem de ser, parcial ou totalmente e, pela improcedência dos restantes, nos termos que se transcrevem:

- recurso interposto por DD:

o recorrente não apresenta conclusões no seu recurso, pelo que deve ser convidado a apresentá–las, sob pena de rejeição – artigo 412.º/1 e 417.º/3 CPPenal;

sem prejuízo:

invoca o vício de contradição insanável entre os factos dados como provados sob os números 171 e 409 e invoca falta de fundamentação quanto aos factos dados como provados sob os números 175, 176 e 179;

estando–se perante dupla conformidade decisória, quer os erros–vício, quer as nulidades previstas e referidas no artigo 410.º/2 e 3 CPPenal só podem constituir fundamento de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos taxativamente estabelecidos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º CPPenal;

não sendo esse o caso dos autos, e porque a legitimação para o recurso assenta na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º CPPenal, não é admissível recurso de acórdão da Relação tirado em recurso com fundamento em nulidade não sanada ou erros–vício;

invoca desproporcionalidade da pena aplicada, de 8 anos e 6 meses de prisão, alegando não ter antecedentes criminais, pedindo uma pena no limite mínimo legal previsto para o crime e suspensa na sua execução;

os argumentos invocados não neutralizam nem os factos provados, nem demonstram que os fatores legais relativos à determinação concreta da pena tenham sido incorretamente aferidos, omitidos ou distorcidos, pelo que a pena aplicada não merece correção modificativa, devendo ser mantida;

- recurso interposto por CC:

o recorrente insurge–se igualmente contra a desproporcionalidade da medida da pena, invocando inserção social e familiar e pedindo pena pouco acima do mínimo lega;

reitera o que acima ficou assinalado e reproduzido quanto à fundamentação da medida da pena;

- recurso interposto por FF:

o recorrente insurge–se igualmente contra a desproporcionalidade da medida da pena, invocando inserção social, laboral e familiar, o facto de ser primário e pedindo pena próxima do mínimo legal e suspensa na sua execução;

reiterando, outra vez, o que acima ficou assinalado e reproduzido quanto à fundamentação da medida da pena;

- recurso interposto por EE:

o recorrente invoca erro notório na apreciação da prova (concretos pontos da matéria de facto: 124, 126, 127, 149 e 150), nulidade por omissão de pronúncia e sequente erro de subsunção jurídica no crime p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto Lei 15/93, pedindo a absolvição; e/ou subsidiariamente ainda a redução da pena de prisão;

- estando–se perante dupla conformidade decisória, quer os erros–vício, quer as nulidades previstas e referidas no artigo 410.º/2 e 3 CPPenal só podem constituir fundamento de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos taxativamente estabelecidos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º CPPenal, o que não sucede nos autos, pelo que não é admissível recurso de acórdão da Relação tirado em recurso com fundamento em nulidade não sanada ou erros–vício, conforme jurisprudência consensual deste Supremo Tribunal de Justiça;

quanto à subsunção jurídica, o argumentário apresentado dilui–se na invocação dos erros–vícios em mistura com a invocação de erro de julgamento ou de incorreta valoração da prova e pressupõe a possibilidade de reanalisar neste recurso a matéria de facto provada;

em sede de recurso de revista não há lugar, por regra, à formulação, revisão ou inovação dos juízos relativos à apreciação e valoração da prova, pelo que não é convocável erro de julgamento assente na violação do princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artigo 127.º CPPenal, pois o presente recurso visa exclusivamente a reapreciação da matéria de direito e o citado princípio tem aplicação na apreciação da prova, que não compete a este supremo tribunal reapreciar ou censurar, a não ser, excecionalmente, quando esteja patenteado de forma manifesta no texto da decisão recorrida, à semelhança da apreciação dos vícios elencados no artigo 410.º/2 CPPenal;

- na medida em que a reapreciação da matéria de facto, seja em termos amplos (erro-julgamento) seja no âmbito dos vícios do artigo 410.º CPPenal (erro-vício), não pode servir de fundamento ao recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, impõe-se rejeitar, por inadmissível, o recurso interposto pelo arguido, nos termos conjugados dos artigos 420.º/1 alínea b), 414.º/2 e 434.º CPPenal;

quanto à medida da pena aplicada, reitera, de novo, o que acima ficou assinalado e reproduzido quanto à fundamentação da medida da pena;

- recurso interposto por BB e AA:

os recorrentes apresentam 86 conclusões que ocupam mais de metade da dimensão do recurso, e cuja extensão e profusão impedem a compreensão e delimitação do objeto do recurso, confundindo-se com a sua motivação. Assim, considerando que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente matéria de direito, artigo 434.º CPPenal e, que as conclusões são o limite do objeto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso, as mesmas devem ser concisas, precisas e claras, conforme artigo 412.º/2 CPPenal e não consubstanciar uma reprodução dos argumentos da motivação, pelo que os recorrentes deverão ser convidados a sintetizar as conclusões formuladas, delimitando com precisão o objecto do recurso, sob pena de o recurso ser rejeitado, nos termos do artigo 417.º/3 e 4 CPPenal;

ainda assim,

o arguido BB insurge–se primacialmente contra a desproporcionalidade da medida da pena, invocando inserção social, laboral e familiar, pedindo pena de 5 anos e 6 meses de prisão ou de 6 anos;

reiterando, novamente, o que acima ficou assinalado e reproduzido quanto à fundamentação da medida da pena;

o arguido AA, que foi condenado pelo TRE numa pena de 6 anos de prisão, tendo sido revogada a pena de 6 anos e 10 meses de prisão aplicada pelo tribunal da 1.ª instância, invoca violação do princípio da proibição do ne bis in idem, à “boleia” do recurso interposto pelo co–arguido, e ainda invoca nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, falta de fundamentação, violação do princípio da legalidade e inconstitucionalidades;

é de entender que, quanto a este arguido se está ainda perante dupla conforme (por não haver qualquer alteração da matéria de facto provada ou da qualificação jurídica dos factos), ainda que não total, que supõe conhecimento da causa e que se traduz em benefício para o recorrente, quando o tribunal de recurso aplica pena inferior ou menos grave do que a pena aplicada pela decisão recorrida, ou seja, a chamada confirmação in mellius;

tendo o arguido sido condenado numa pena de prisão inferior a 8 anos, o acórdão do TRE é irrecorrível quanto a ele, por via da dupla conformidade decisória, nos termos dos artigos 400.º/1 alínea f) e 432.º/1 alínea b) CPPenal;

se assim não se entender, acompanham–se, na parte em análise, as alegações do Ministério Público em 2.ª instância, pelo que o recurso deve improceder.

6. Notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º/2 CPPenal, os arguidos nada disseram.

7. Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente Acórdão.

II. Fundamentação

1. Âmbito do recurso

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente, cfr. artigos 402.º, 403.º e 412.º CPPenal, sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2 CPPenal, cfr. acórdão de fixação de jurisprudência 7/95, de nulidades não sanadas, n.º 3 do mesmo preceito e de nulidades da sentença, cfr. artigo 379.º/2 CPPenal, na redação da Lei 20/2013.

2. Delimitação do objecto do recurso.

Estabelece o artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f) CPPenal que,

“1 - Não é admissível recurso:

(…)

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

(…)”.

Por sua vez, dispõe o artigo 432.º CPPenal, sob a epígrafe “Recursos para o Supremo Tribunal de Justiça”, que.

“1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;

d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º”.

Finalmente, o artigo 434.º, sob a epígrafe “Poderes de cognição”, dispõe que,

“O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º” – resultando o segmento final da redação dada pela Lei 94/2021.

Da enunciação deste regime resulta, assim, que só é admissível recurso, para o STJ, de acórdãos das Relações, proferidos em recurso, que apliquem:

- penas superiores a 5 anos de prisão, quando não se verifique dupla conforme; ou

- penas superiores a 8 anos de prisão, independentemente da existência de dupla conforme.

Tal significa só ser admissível recurso de decisão confirmatória da Relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico (cfr., entre muitos arestos que estão disponíveis para consulta, os acórdãos do STJ: de 11-03-2021, Proc. 809/19.1...; de 02-12-2021, Proc. 923/09.1...; de 12-01-2022, Proc. 89/14.5...; de 20-10-2022, Proc. 1991/18.0...; de 30-11-2022, Proc. 1052/15.4... e de 15.1.2025, Proc. 687/22.3, todos disponíveis em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).

No caso em apreço, estão em causa 6 recursos de uma decisão confirmatória da Relação de Évora,

- relativamente a 5 penas superiores a 8 anos de prisão, ou seja, uma situação de “dupla conforme”;

- relativamente a 1 pena que na 1.ª instância foi fixada em 6 anos e 10 meses de prisão e que a decisão recorrida reduziu para 6 anos.

A decisão recorrida é, pois, recorrível para o STJ quanto às questões relativas a todas aquelas 5 penas, nos termos dos artigos 400.º/1 alínea f), a contrario e 432.º/1 alínea b) CPPenal e, por isso, serão os recursos apreciados, nos segmentos questionados.

O recurso, que é circunscrito a matéria de direito, nos termos do artigo 434.º CPPenal, tem por objeto um acórdão da Relação proferido em recurso, que confirmou a decisão de aplicação de penas únicas superiores a 8 anos de prisão, recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, cfr. artigos 399.º, 400.º/1 alínea f) e 432.º/1 alínea b) CPPenal.

Quanto ao outro recurso, à outra pena que foi reduzida de 6 anos e 10 meses para 6 anos de prisão, vem este Supremo Tribunal entendendo estarmos perante uma situação de confirmação in mellius.

Isto é, estamos ainda perante uma situação de dupla conforme - por não haver qualquer alteração da matéria de facto provada ou da qualificação jurídica dos factos - ainda que não total, que supõe conhecimento da causa e que se traduz em benefício para o recorrente, quando o tribunal de recurso aplica pena inferior ou menos grave do que a pena aplicada antes.

E, assim sendo, a decisão recorrida, quanto ao arguido AA, é irrecorrível, nos termos dos artigos 400.º/1 alínea f) e 432.º/1 alínea b) CPPenal.

Mas voltemos, ainda aos ditos 5 recursos.

Os arguidos CC, FF e BB suscitam, apenas e tão só, a questão da medida das penas em que foram condenados, prisão de 8 anos e 6 meses:

O arguido DD, suscita também a questão da medida da pena que lhe foi aplicada - igualmente, de 8 anos e 6 meses - e invoca, ainda, o vício de contradição insanável entre os factos dados como provados sob os números 171 e 409 e a falta de fundamentação quanto aos factos dados como provados sob os números 175, 176 e 179.

E, o arguido EE suscita, ainda e, da mesma forma a questão da medida da pena em que foi condenado, também de 8 anos e 6 meses de prisão e ainda, invoca erro notório na apreciação da prova, nulidade por omissão de pronúncia e erro de subsunção jurídica no crime p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto Lei 15/93.

Como vimos, estamos em sede de recurso de acórdão do Tribunal da Relação - perante dupla conformidade decisória – e os aludidos erros vícios, quer as nulidades, a que se reportam o artigo 410.º/2 e 3 CPPenal só podem constituir fundamento de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos taxativamente estabelecidos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º CPPenal.

Ora, se no caso, a legitimação para o recurso assenta na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º CPPenal, não é admissível o recurso de acórdão da Relação, tirado em recurso, com fundamento em nulidade não sanada ou e vícios da decisão.

E, assim, quanto a estas questões suscitadas pelos dois arguidos, o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível.

Subsistiria, ainda assim a questão invocada pelo arguido EE atinente com a subsunção dos factos ao Direito, que conduziu à sua condenação na dita pena de 8 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p e. p. pelo artigo 21.º do Decreto Lei 15/93.

Mas a verdade é que essa é uma questão nova que o arguido não suscitou no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação. O que resulta absolutamente claro, quer das conclusões desse recurso, quer do texto da própria decisão recorrida.

E, não tendo sido colocada a questão perante a Relação, ela nunca poderia ser agora conhecida por Supremo Tribunal, pois que os recursos destinam-se a reapreciar questões já decididas e não a tomar “ex novo” decisões sobre questão não apreciadas pelo tribunal recorrido.

E, assim se o arguido no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação da decisão da 1.ª instância não suscitou a questão da subsunção dos factos ao Direito, transitou em julgado, a decisão da 1.ª instância no que se reporta a tal operação.

Questão, naturalmente, reportada aos factos provados. Isto porque o Direito se aplica aos factos provados. Não aos não provados.

Sendo certo que este Supremo Tribunal pode, ainda que, oficiosamente, conhecer da existência dos vícios e nulidade invocados – que poderão assumir relevo no conhecimento daquela questão.

Vícios e nulidade, que, como vimos, não podem, contudo, servir de fundamento ao recurso.

Dai que este Supremo, como tribunal de revista, apenas conheça dos vícios do artigo 410.º/2 CPPenal oficiosamente, se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, uma vez que o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, cfr. artigo 434.º CPPenal.

Termos em que, os recursos destes dois arguidos DD e EE têm de ser rejeitados, nestes segmentos, ficando, pois, restringidos, ambos, à questão da medida das penas.

Subsiste, então, para apreciação deste Supremo Tribunal a questão da medida das penas – quanto aos ditos 5 recursos.

3. Os factos

Se é certo que no caso concreto não está prejudicado o poder de conhecimento oficioso de vícios da decisão de facto, previstos no artigo 410.º/2 CPPenal, quando constatada a sua presença e a mesma seja impeditiva de prolação da correta decisão de direito, cfr. artigo 434.º CPPenal, não menos certo é que tal se não verifica.

Como igualmente se não identifica qualquer nulidade das enunciadas no artigo 410.º/3 CPPenal.

Com efeito, da leitura da decisão e, designadamente dos segmentos dos factos provados e da motivação, caldeada com as regras da experiência comum, pois que a outros elementos não pode o Tribunal socorrer-se, não se vislumbra que se patenteie,

- insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, pois não se vê que matéria de facto, com utilidade e pertinência, poderia o tribunal, mais ter averiguado e não averiguou;

- erro notório na apreciação da prova, pois que não existem pontos de facto fixados na decisão recorrida, tão manifestamente arbitrários, contraditórios ou violadores das regras da experiência comum;

- contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão, já que não se descortina a existência de factos ou de afirmações que estejam entre si numa relação de contradição.

Para proceder a esta enunciada apreciação importa, antes de mais, atentar na matéria de facto provada.

Como vimos, o Tribunal da Relação manteve inalterados os seguintes factos dados como provados no acórdão da 1.ª instância, que, assim, se mostram estabelecidos:

(…)

23. Desde data não concretamente apurada, mas seguramente entre o ano de 2019 e os inícios de 2021, os arguidos II e JJ, companheiros e residentes na mesma habitação, dedicaram-se à venda de cocaína, canábis (resina e folhas/sumidades aos seus clientes/consumidores, realizando, assim, mais valias financeiras.

24. Para o efeito, estabeleciam contacto com os consumidores através do telefone, desse modo confirmando se tinham ou não estupefaciente disponível para entrega e combinando o local e hora dos encontros para a entrega do mesmo.

25. Estabeleciam também contactos entre si, nos quais discutiam sobre o estupefaciente de que dispunham para entrega bem como do dinheiro que angariavam com a venda.

26. O arguido II estabelecia os referidos contactos através do número ...63 e a arguida JJ, através do número ...13.

27. Nos contactos telefónicos os dois arguidos e os clientes/consumidores, em regra, utilizavam linguagem dissimulada para se referirem ao produto estupefaciente, como por exemplo: “duas balas”, “safar fumo”, “gordinhas”, “gorda”, “crua”, “amnésia”, “lemonade”.

28. Em regra, os arguidos II e JJ recebiam os consumidores em sua casa, sita em ..., onde lhes entregavam o estupefaciente, mas também se deslocavam a locais previamente combinados para o efeito, como por exemplo café M..., sito em.... Concretizando.

29. No dia 22/02/2021, cerca das 19h.40m. a arguida JJ, junto à porta de sua residência, entregou a KK 0,5g de cocaína, recebendo, em troca, 25,00€ em dinheiro.

30. Durante o ano de 2020 até ao mês de novembro de 2020, LL comprou à arguida JJ canábis (resina), variando o preço entre 10,00€ e 50,00€, dependendo da quantidade adquirida.

31. Os arguidos II e JJ adquiriam os referidos produtos aos arguidos MM, AA e NN.

(…)

50. Os arguidos II e JJ também compravam ao arguido AA cocaína, anfetaminas e canábis.

51. Os arguidos II e JJ chegaram a comprar ao arguido AA mil Speed’s (anfetaminas) de uma só vez.

52. No dia 16/02/2021, os arguidos II e AA encontraram-se na residência daquele, em ....

53. O arguido AA, juntamente com a sua companheira, a arguida OO, vendiam canábis e diretamente aos seus cilente/consumidores, o que aconteceu, ininterruptamente, entre os anos 2019 e 2022.

54. A transação da canábis e da cocaína entre os arguidos AA e OO e os seus clientes/consumidores era feita, em regra, na rua, em locais previamente acordados, nomeadamente junto ao pinhal, ao “...”, McDonald’s de ....

55. Apenas uma vez, PP comprou ao arguido AA 0,5 gramas de canábis (resina).

56. Entre os anos de 2019 e 2020, QQ comprou ao arguido AA cocaína, quatro vezes por semana, pagando 20,00€ por cada aquisição.

57. Em 21/12/2021, o arguido AA ligou a um indivíduo de nome RR, utilizador do número de telefone ...69 para que este visse se ¼ de placa de canábis (resina), com o valor de 150,00€, teria ficado no interior do veículo deste.

58. Quando não se deslocavam diretamente a Espanha, os arguidos AA e OO adquiriam o produto estupefaciente a outros vendedores residentes na ... e em Lisboa, fazendo-se deslocar no veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Mercedes-Benz.

Da factualidade do processo 4/22.2...

59. No dia 27/02/2022 os arguidos deslocaram-se a Espanha, fazendo uso do Veículo automóvel de marca Fiat, modelo Fiorino, com a matrícula ..-IP-.., registado em nome de SS.

59.a No mesmo dia, cerca das 14.00h, quando efectuavam o regresso para a casa, os arguidos foram abordados por militares do destacamento de transito de ... na A..., ..., sentido-Sul norte, ..., ocupando o lugar de condutor, o arguido AA e a arguida OO, o lugar de Pendura.

60. Nesse circunstancialismo de tempo e lugar, o arguido transportava numa mala que havia colocado no banco traseiro da viatura, 8.210kg de canábis (resina) em placas (peso bruto), embrulhadas em oito pacotes envoltos em fita adesiva e celofane, que sujeita a exame pericial foi atribuído o peso líquido de 7.946 Kg, correspondente a 36.070 doses individuais.

61. O arguido trazia ainda consigo a quantia de 30.000,00€ em notas do BCE, embrulhadas em três maços que, imediatamente antes da abordagem pelos militares do Destacamento de trânsito colocou no colo da arguida, e que esta ali manteve resguardado por baixo do vestuário.

61. a. Procedeu-se, após a busca à residência de ambos os arguidos, sita em Rua ... tendo sido apreendido (com relevo para os autos):

- 14.632 gramas de cocaína (peso líquido), com o grau de pureza 76,1%, correspondente a 56 doses individuais e 96,76 gramas de canábis (resina), correspondente a 462 doses individuais,

- balança digital para pesagem com precisão;

- um rolo de celofane e elásticos;

- 2.570.,00 € (dois mil, quinhentos e setenta euros)

62. O arguido AA conhecia as características do produto que transportou e guardava na habitação.

63. O arguido agiu com o propósito concretizado de transportar canábis que veio a ser apreendida bem sabendo que não estava autorizado a fazê-lo, sabendo que as condutas eram punidas e proibidas por lei.

64. Pelos factos referidos nos pontos 59 a 63 o arguido foi já julgado e condenado no processo 4/22.2..., que corre termos neste Juízo Central Criminal – Juiz..., crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo art.º 21º do D.L. 15/93 de 22/01 e de detenção de arma proibida nas penas parcelares de, respectivamente, de 5 anos e 10 meses e anos de prisão, e a arguida OO absolvida.

65. O referido arguido interpôs recurso do acórdão para o Tribunal da Relação de Évora da decisão de direito.

(…)

83. Desde, pelo menos, o ano de 2020 e até ao mês de julho de 2022, o arguido TT entregou a UU, um número não concretamente apurado de vezes, canábis (resina), recebendo, em troca, farturas e churros.

84. Em data não concretamente apurada, mas seguramente no ano de 2021, o arguido TT entregou a VV uma bolotada de canábis (resina).

85. O fornecedor do arguido TT sempre foi o arguido AA.

86. Devido à grande proximidade e relação de confiança, o arguido TT também auxiliou o arguido AA nas grandes operações de carregamento de estupefaciente.

87. No dia 18/06/2020, cerca das 15h.00m., na praia da Avenida ..., sita em ..., Algarve, o arguido AA, acompanhado de, pelo menos, mais um indivíduo de identidade desconhecida, retirou dois sacos, contento no seu interior 21kg de canábis (resina), que se encontravam no interior de uma embarcação de recreio.

88. Sucede que, por ter chegado àquele local uma patrulha da UCC da GNR de Vila Real Santo António, o arguido e o indivíduo que o acompanhava fugiram no veículo automóvel de marca Mercedes-Benz, modelo C220, ..., com a matrícula ..-ZP-.., propriedade do arguido AA, deixando escondidos junto a um muro os dois sacos.

89. Com medo do seguimento por parte da GNR, por ter sido vista por estes a sua viatura, o arguido AA abandonou-a na Rua....

90. No mesmo dia, cerca das 16h.20m., WW e outro indivíduo de identidade desconhecida dirigiram-se ao local, fazendo uso de um veículo automóvel ligeiro de mercadorias de marca Volkswagen, com a matrícula ..-DJ-.., falsa, sendo que aquele foi detido pela UCC da GNR de Vila Real Santo António, pois esta Unidade permaneceu no local a vigiar os 21kg de canábis.

91. Com vista a recuperar o seu veículo automóvel, no dia 20/06/2020, cerca das 02h.00m., o arguido AA, acompanhado do arguido TT dirigiram-se ao local onde a viatura foi abandonada, tendo sido intercetados pela GNR de Castro Marim.

92. No dia 05/09/2020, os arguidos AA e TT dirigiram-se a Lisboa com vista a resolver uma situação com uma transação de produto estupefaciente que não correu como previsto e que resultou inclusivamente no roubo do veículo automóvel daquele, com a matrícula ..-ZP-...

93. Na tarde do dia 06/08/2020, os arguidos AA, OO e TT, fazendo uso do veículo automóvel de marca Seat, modelo Ibiza, com a matrícula deslocaram-se a Loulé, no Algarve e regressaram a casa.

94. No dia seguinte, 07/08/2020, os arguidos AA e TT, fazendo uso do mesmo veículo automóvel, dirigiram-se novamente ao Algarve.

95. Em regra, era o arguido AA no seu veículo automóvel de marca Mecedes-Benz, com a matrícula ..-ZP-.., que se dirigia à residência do arguido TT, sita em Rua ..., para lhe entregar o produto estupefaciente para este revender e/ou recolher o dinheiro da venda.

96. No dia 25/09/2020, o arguido TT, por determinação do arguido AA, deslocou-se ao “pátio do XX”, com o objetivo de se encontrar com o arguido BB, mais conhecido pela alcunha “YY”, e de lhe entregar 5Kg de “ganza” a troco de um valor superior a 18.000,00€.

97. Quando chegou ao local, o arguido TT suspeitou que iria ser “roubado” e, por isso, abandonou-o sem ocorrer qualquer negócio.

98. Não obstante, no dia seguinte, 26/09/2020, às 21h.00m., a venda dos 5kg foi concretizada junto ao restaurante McDonald’s do ... entre os arguidos AA, BB e outro indivíduo de identidade desconhecida de ..., pelo preço de 18.500,00. 99. Também por determinação do arguido AA, o arguido TT guardou na sua residência o veículo automóvel de marca BMW, interveniente na transação de 26/09/2020.

100. O arguido BB, também conhecido por “YY”, dedicou-se, pelo menos, desde 2019, ao transporte marítimo internacional de produto estupefaciente, designadamente canábis (resina), à revenda a outros vendedores e à venda direta a toxicodependentes não só de canabis, mas também de outros produtos, nomeadamente, cocaína, na área de sua residência e de seu irmão XX, sita em Pátio ..., auferindo, assim, mais-valias financeiras.

101. Sempre que pretendiam adquirir o produto estupefaciente ao arguido BB, os clientes/consumidores contactavam-no previamente através dos números de telemóveis por aquele disponibilizados ou através das redes sociais, agendando a hora e o local e indicando o tipo e quantidade do produto.

102. Em regra, as transações ocorriam junto à igreja ou cemitério da ..., às instalações da Cruz Vermelha do ..., no correr de água na ..., supermercado Pingo Doce da ....

103. Nas deslocações, o arguido BB utilizou sempre os seus veículos automóveis um de marca Mercedes-Benz e outro de marca Citroen. Concretizando.

104. Durante os anos 2020 e 2021, ZZ comprou ao arguido BB canábis (resina), pagando sempre em dinheiro.

105. Desde o ano de 2020 até julho de 2022, AAA comprou de 15 em 15 dias 50,00€ de canábis (resina) ao arguido BB; ao telefone e de utilizava a expressão “óleo para a mota” para se referir à canábis.

106. Desde o ano de 2020 até ao final do ano de 2021, BBB comprou cocaína ao arguido BB, pagando por 1 grama 40,00€; para o efeito deslocava-se a um local próximo da residência deste, no ..., utilizando a palavra “chave” para se referir à cocaína quando o contactava previamente pelo telefone.

107. Desde o ano de 2021 até ao mês de julho de 2022, CCC comprou ao arguido, de 15 em 15 dias, 50,00€ em canábis (resina); e pelo menos, uma vez comprou-lhe 1 grama de cocaína, pagando 50,00€.

108. Deste o início do ano de 2020 até, pelo menos, o mês de março de 2022, DDD comprou uma vez por semana 1 grama de cocaína ao arguido BB, variando o valor entre 40,00€ e 50,00€.

109. Durante o ano de 2020 até 22/06/2021, EEE comprou mensalmente ao arguido BB ½ placa de canábis (resina), pagando entre 200,00€ e 250,00€ pela mesma.

110. Desde o ano de 2019 até ao final do ano de 2021, FFF comprou, de 15 em 15 dias, canábis (resina) ao arguido BB, variando o preço entre 20,00, 50,00€ e 100,00€, dependendo da quantidade adquirida.

111. Desde o verão do ano de 2020 até ao mês de julho de 2022, GGG comprou ao arguido BB, várias vezes, canábis (resina), pelo preço de 60,00€ e 100,00€ e cocaína pelo preço de 40,00€/1grama.

112. O arguido BB também trabalhou para uma rede de tráfico de droga internacional de origem espanhola, sendo a ligação em Portugal o arguido CC, também conhecido pela alcunha “HH”.

113. Por conta dessa organização internacional e por indicação do arguido CC, o arguido BB, pelo menos, duas vezes, dirigiu-se ao Algarve e, fazendo uso das embarcações disponibilizadas por aquele (R ... e I...), trouxe para Portugal um número não concretamente de fardos de canábis (resina); uma ocorreu no dia 19/10/2020 e outra no dia 05/10/2020.

114. Foi o arguido CC, juntamente com outros dois indivíduos de identidade desconhecida de nacionalidade espanhola, que compraram a embarcação R ..., à empresa S..., pagando pela mesma a quantia de 65.000,00€.

115. De acordo com o plano previamente traçado, em data não concretamente apurada, mas seguramente antes de 05/11/2020, o arguido BB, por determinação do arguido CC e através da embarcação registada com o nome “R ...”, registada previamente em nome de HHH e disponibilizada por este, procedeu, via marítima, a mais um carregamento de fardos de canábis (resina) para Portugal.

116. De acordo com o plano gizado com o arguido CC e com quem manteve contacto telefónico constantemente, o arguido BB aparcou a embarcação por si tripulada e carregada de fardos de canábis (resina) no lugar ...da marina de Portimão.

117. Assim que atracou na supra aludida marina, o arguido BB abandonou a embarcação, juntamente com os restantes tripulantes cuja identidade não foi possível apurar, tendo entrado outro grupo de indivíduos, por determinação de CC, para efetuar vigilância à embarcação e descarregamento da mercadoria em momento oportuno.

118. Pelas 00h.30m, do dia seguinte (06/11/2020), por determinação do arguido CC, que se encontrava no local, e fazendo uso do seu veículo automóvel de marca Mini, modelo Cooper, com a matrícula espanhola ....BXM, entrou o grupo composto indivíduos de identidade desconhecida o qual retirou os fardos que se encontravam na embarcação, carregou até às várias viaturas que se encontravam no local para fazer o transporte e guardou no interior destas.

119. Após, todas as viaturas abandonaram o local em direção a Espanha.

120. Devido à movimentação estranha na marina os vigilantes contactaram imediatamente a polícia marítima que prontamente se deslocou ao local, conseguindo ainda fazer perseguição a alguns dos veículos que transportavam os fardos de canábis (resina).

121. A viatura de marca Seat, modelo Toledo, com a matrícula romena CS ..KYW, registada em nome de III foi interceptada pela Polícia Marítima de ..., tendo sido encontrados nas proximidades dos mesmo quatro fardos de canábis (resina), com o peso total de 120,888 kg, suficientes para 396.214 doses médias individuais diárias.

122. No mesmo dia, cerca das 08h.45m, num descampado próximo do Edifício ..., junto à ..., foram encontrados mais três fardos de canábis (resina), com o peso total de 90,560 Kg, suficientes para 383.579 doses médias individuais diárias.

123. Por conta do insucesso de parte da operação internacional de descarregamento, os destinatários do produto estupefaciente não procederam, de imediato, ao pagamento do carregamento/descarregamento até terem a certeza de que se tratou de uma apreensão pelas autoridades policiais e não de um furto praticado pelos próprios arguidos.

124. Nessa medida, CC recebeu inúmeras chamadas telefónicas dos restantes arguidos envolvidos, nomeadamente dos arguidos EE, FF, DD (padrasto do arguido CC) pedindo-lhe explicações.

125. Todas as despesas associadas ao parqueamento da embarcação “R ...” no parque junto à ... foram pagas pelo arguido CC, em dinheiro, ascendendo o valor de mais de 2.000,00€.

126. Entre os dias 26 e 29/01/2021, os arguidos CC, EE, FF e DD organizaram um plano para trazer novamente para Portugal, via marítima, mais fardos de canábis (resina) vindos de Marrocos.

127. No entanto, no dia 29/01/2021, devido às condições do mar, e problemas detetados na embarcação e às graves restrições de circulação implementadas pelo estado de emergência por causa da pandemia, não conseguiram executar o plano.

128. Devido ao levantamento das medidas proibitivas relacionadas com a pandemia, sobretudo as que respeitavam à circulação terrestre, os arguidos CC, FF, e um individuo de nome JJJ fizeram, entre 22/04/2021 e 27/05/2021, várias reuniões no sentido de preparar mais um carregamento de canábis (resina), por via marítima, sendo mais uma vez o arguido BB o piloto da nova embarcação.

129. Por determinação do arguido CC, o arguido FF ficou incumbido de encontrar um armazém para guardar a embarcação.

130. A compra da embarcação ficou a cargo do arguido CC, tendo este solicitado a colaboração de KKK para a criação de uma empresa de turismo.

131. Por KKK ter ficado desiludido com a conduta do arguido CC, manifestando total desinteresse na empresa de turismo e do objeto social desta, percebendo que a compra da embarcação não visava aquela nova empresa, mas sim outros negócios, desistiu, ficando os assuntos relacionados com a compra da embarcação “Innuendo”, incluindo a propriedade, entregues ao arguido EE, por determinação do arguido CC, a partir de 04/06/2021.

132. A embarcaçãoI... custou à organização internacional 82.000,00€ (oitenta e dois mil euros).

133. Durante este período, os indivíduos conhecidos por “LLL” e “MMM”, de nacionalidade espanhola e responsáveis pelo financiamento da operação de tráfico internacional e, muito provavelmente, os destinatários do produto estupefaciente, deslocaram-se a Portugal e reuniram-se com os demais arguidos três vezes, concretamente nos dias 29/04/2021, 07/05/2021 e 24/05/2021.

134. No período em que se encontraram em Portugal, os indivíduos “LLL” e “MMM” chegaram a frequentar a casa do arguido CC, sita em Rua ....

135. Ainda na preparação de um novo carregamento, os arguidos CC e FF adquiriram o veículo automóvel de marca Renault, modelo Master com a matrícula ..-..-LJ, a qual ficou registada em nome deste último.

136. Os arguidos deixaram o supra referido automóvel parqueado num parque de terra batida, sito em Rua ..., afastado de suas residências.

137. O apoio logístico ao embarque e desembarque do produto estupefaciente no Algarve ficou a cargo de NNN (falecido), por determinação do arguido CC.

138. No dia 11/06/2021, já depois da aquisição da embarcação Innuendo, em 02/06/2021, pelo valor de 82.000,00€, que ficou registada em nome do arguido EE o arguido CC, NNN (falecido) e o individuo “LLL” reuniram-se junto ao McDonald´s ... e, posteriormente, ao Jetwash das bombas de combustível da ..., da mesma cidade para ultimar os preparativos.

139. A embarcação com doze metros de comprimento e dois motores de 550 cv foi transportada dos estaleiros navais da ... e colocada na ... no dia 25/06/2021; nesta operação participaram os arguidos CC, DD e EE.

140. No dia 02/07/2021, os arguidos FF e DD e o individuo MMM compraram quarenta jerricans com capacidade para 60 litros cada um, tendo-os transportado no veículo automóvel de marca Renault, modelo Master, com a matrícula ..-..-LJ.

141. No mesmo dia, às 15h.04m., os dois arguidos e o indivíduo de nome “MMM” dirigiram-se às bombas de combustível ... da ..., fazendo uso da mesma carrinha e, enchendo vários jerricans, compraram mais 451,71 litros de combustível.

142. Nesse mesmo dia, os arguidos carregaram todo o combustível para a embarcação Innuendo, através de uma pequena embarcação com motor fora de bordo que compraram para o efeito.

143. No dia 19/07/2021, o arguido FF e o indivíduo MMM dirigiram-se às bombas de gasolina da ..., em ..., fazendo uso da carrinha supra referida e compraram 580,25 litros de combustível, no valor total de 898,79€.

144. No mesmo dia, cerca das 17h.30m., o arguido FF e o indivíduo MMM dirigiram-se ao posto de combustível ... – ... e adquiriram 230 litros de combustível, no valor total de 331,01€.

145. No dia 22/07/2021, às 10h.15m., os arguidos CC e FF, fazendo uso da carrinha de marca Renault, dirigiram-se às bombas de combustível... da ... e aí encheram diversos jerricans perfazendo o total de 298,20 litros de gasóleo, no montante de 432,09€.

146. O pagamento de todos os abastecimentos de combustível foi feito em numerário.

147. No dia 04/08/2021, entre a 01h.00m. e as 02h.30m., e na presença do arguido CC e do indivíduo “LLL”, a embarcação Innuendo foi carregada com mais jerricans e seguiu com a tripulação, incluindo o arguido EE, para foz do rio Tejo.

148. A embarcação e a tripulação chegaram ao destino, cerca de 11 milhas da costa de Marrocos, tendo demorado no percurso duas noites e um dia.

149. Sucede, porém, que os indivíduos de nacionalidade marroquina desconfiaram da tripulação por a embarcação ter um localizador GPS e abortaram o carregamento.

150. Nessa sequência a tripulação foi obrigada a abandonar a embarcação, ficando esta com problemas nos motores ocasionados pelo choque.

151. A embarcação Innuendo acabou por ser abandonada nas coordenadas GPS 34°18'7"N 008°46'7" W, e, posteriormente resgatada pelas autoridades policiais marroquinas, no dia 06/08/2021, pelas 13h.30m.

152. Por sua vez, a tripulação foi resgatada por um cargueiro com destino a Gibraltar.

153. Apesar do insucesso deste carregamento, o arguido CC, por determinação dos indivíduos LLL e MMM, a 23/08/2021, começou a encetar contactos com vista a adquirir uma nova embarcação, pedindo auxílio a OOO, devido aos conhecimentos deste enquanto mecânico.

154. Iniciou novamente conversações com NNN (falecido), deslocando-se até a ..., no Algarve, juntamente com o arguido EE, onde almoçaram.

155. Por determinação de um dos arguidos de nacionalidade espanhola, o arguido CC procedeu à venda do veículo automóvel de marca Renault, modelo Master, com a matrícula ..-..-LJ, sendo o dinheiro obtido com a venda dividido por todos os arguidos de nacionalidade portuguesa, nomeadamente o próprio CC, EE e FF.

156. De acordo com o planeado, no dia 19/10/2021, na presença do indivíduo “LLL”, de CC, do mecânico OOO, de PPP e QQQ (proprietário da embarcação), os dois primeiros compraram a embarcação Lusitano, a qual ficou registada em nome de PPP, a quem pagaram 3.000,00€, justificando que necessitavam muito da sua ajuda.

157. Em duas ocasiões distintas, o arguido CC ofereceu a PPP uma pequena quantidade de canábis (resina).

158. Pelo menos uma vez, mais concretamente no dia 25/10/2021, os arguidos CC e DD, fazendo uso dos seus veículos automóveis de marca Mini, modelo Cooper, vermelho com a matrícula ....BXM e de marca Renault, modelo Espace, cinzento, com a matrícula ..-..-NQ, respetivamente, dirigiram-se a Espanha com o propósito concretizado de adquirir, transportar e revender canábis/resina.

159. O arguido CC, nessa ocasião, teve a função de batedor e o arguido DD a função de transportador.

160. Quando chegaram a casa onde ambos residiam, sita em Rua ..., cerca das 17h.07m., retiraram três sacos tipo de desporto, contendo no seu interior o canábis e levaram-nos consigo.

161. No mesmo dia, às 18h.10m., os dois arguidos encontraram-se com o arguido BB (“YY”), no parque de estacionamento central da Rua ..., na ..., e entregaram-lhe um dos três sacos acima referidos; após todos abandonaram o local.

162. Até ao mês de dezembro de 2021, o arguido CC, RRR e o indivíduo “LLL” visitaram a embarcação L..., no entanto, em 23/01/2022, o primeiro deu indicação a OOO para diligenciar pela venda desta pelo preço de 29.000,00€, recebendo, pela mediação, 500,00€.

163. Sempre que os arguidos, incluindo o indivíduo LLL, não conseguiam contactar telefonicamente com o arguido CC contactavam a progenitora deste, SSS, deixando-lhe recados, não só por saber a que atividade a que se dedicava CC, seu filho, e DD, seu marido, mas também por ser de confiança.

164. No dia 12 de Julho de 2022, nas buscas às residências dos arguidos encontravam-se os seguintes produtos estupefacientes, objetos e quantias em dinheiro:

165. - na residência dos arguidos CC e DD:

- no quarto do arguido DD:

a) um telemóvel, da marca Samsung, modelo A52S, preto;

b) 1.777,00€, compostos por setenta e três notas de vinte euros e trezentos e dezassete moedas co o valor facial de 1,00€;

c) um telemóvel, da marca Samsung, modelo SM-A217F, preto.

- no quarto de arrumos:

a) dez placas com o peso total de 962 gramas de produto que, submetido a teste rápido, revelou ser canábis (resina) estupefaciente.

- No quarto do arguido CC:

a) um telemóvel, da marca “MEO - MobiWire”, modelo F2, preto;

b) um telemóvel de marca Apple, modelo Iphone 7, com o IMEI ...78;

c) um equipamento de navegação GPS portátil, da marca “Garmin”, modelo GPS73, de cor preta e respetiva bolsa protetora, em bom estado de conservação; e

d) um passaporte da República Portuguesa, já caducado, com o n.º ...10, pertencente ao visado CC.

- Noutras divisões da casa:

a) 51,20 gramas de sumidades floridas e fortificadas de planta de cannabis já secas, dentro de dois frascos de vidro;

b) várias sumidades floridas e fortificadas de planta de cannabis já secas, com um peso total de 4,4 gramas;

c) uma bola de cannabis (resina), de fabrico artesanal e amador, com o peso total de 2,73 gramas;

d) uma placa de canábis (resina), com o peso total de 95,2 gramas;

e) duas embalagens de adubo orgânico líquido para planta de cannabis, nomeadamente um fungicida e outro de crescimento;

f) uma balança digital portátil de pequenas dimensões, da marca QBAK, em bom estado de conservação;

g) duas plantas de cannabis, ainda em estado germinativo, uma com cerca de quatro centímetros de comprimento e outra com dois centímetros de comprimento;

h) três plantas de cannabis em estado de crescimento;

i) um medidor de Satélite, da marca “Open Box”, modelo SF – 51, preto;

j) várias sementes de cannabis, com um peso total de 17,6 gramas;

k) um telemóvel, da marca Alcatel, modelo 1066D, preto;

l) um revolver, semiautomático, de marca, modelo e calibre desconhecidos, em mau estado de conservação;

m) vinte munições de calibre .22, de marca e modelo desconhecidos, em estado razoável de conservação;

n) Renault, Espace, com a matrícula ..-..-LB; e

o) BMW, Mini Man, com a matrícula espanhola .... BXM.

(…)

- na residência do arguido EE:

a) um telemóvel de marca Huawei, modelo p40 light, com IMEI’s: ...65 e ...72.

b) agenda para apontamentos;

c) balança decimal a funcionar e vários recortes de plástico para embrulho de produto estupefaciente;

d) faca de abertura automática e conhecida por ponte-e-mola;

e) 150,00€ em notas do Banco Central Europeu;

f) uma pistola de alarme alterada para 6,35 mm, com a corrediça partida e carregador separado com duas munições no mesmo e caixa com 39 munições do mesmo calibre; em condições de funcionamento, e

g) Seat, Alhambra, com a matrícula ..-..-HQ.

- Na residência do arguido BB:

a) 1.440,00€ em notas do Banco Central Europeu;

b) um (01) computador portátil, marca Asus;

c) um (01) Mini telemóvel, marca Hope, com o IMEI ...00;

d) um (01) telemóvel, marca Samsung com o IMEI ...63;

e) um (01) telemóvel marca Huawei com IMEI desconhecido;

f) um (01) telemóvel de marca LAIQ, modelo Monaco, com IMEI desconhecido

g) um (01) comprovativo de cartão SIM, da rede MEO – MOCHE, correspondente ao contacto telefónico ...87;

h) uma (01) munição de calibre.22, com a designação “Super”, por deflagrar;

i)diversas bolsas plásticas de acondicionamento;

j) Mitsubishi, Lancer, com a matrícula ..-..-GO; e

k) Mercedes-Benz, classe E 270 Cdi, com a matrícula ..-EM-...

- Na residência de FF:

a) um telemóvel de marca Samsung, modelo Galaxy A02, com os IMEI’s ...51 e ...59; e

b) Seat, Alambra, com a matrícula ..-DC-...

(…)

167. Aos arguidos BB (“YY”) e CC não lhes são conhecidos quaisquer hábitos de trabalho, não tendo declarada qualquer remuneração junto do Instituto da Segurança Social.

168. O arguido DD tem como última remuneração o valor de 539,19€, reportada ao mês de março de 2021.

169. O arguido EE tem como última remuneração o valor de 416,76€, reportada ao mês de meio de 2020

170. O arguido FF tem como última remuneração o valor de 1.224,00€, reportada ao mês de dezembro de 2020.

171. O dinheiro que sustentava todos os arguidos e as respetivas famílias provinham quase exclusivamente da atividade ilícita por todos levada a cabo.

172. Os arguidos BB, EE e MM não tinham armas manifestadas em seu nome, nem licença de uso e porte de arma.

(…)

174. Todos os arguidos tinham perfeito conhecimento do tipo de estupefaciente que plantavam, produziam, importavam, transportavam, guardavam detinham, preparavam e vendiam, bem como a natureza e características do mesmo.

175. Mais sabiam os arguidos CC, DD, BB, EE e FF que participavam numa organização de âmbito internacional, sediada em Espanha e com ligações a Marrocos.

176. Os arguidos CC, DD, BB, EE, FF tinham ligações ao grupo que se decidava à prática reiterada do crime de tráfico de estupefacientes de cariz internacional, praticando os actos a que acima se alude.

177. Os arguidos TT e BB também vendiam o produto estupefaciente que detinham a traficantes e toxicodependentes que os procuravam, por um preço superior àquele por que o havia adquirido, assim realizando também mais-valias financeiras.

178. Ao atuar da forma descrita, todos os arguidos supra referidos agiram de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito concretizado de plantar, produzir, importar, transportar, guardar, deter, preparar e vender produto estupefaciente, designadamente canábis (resina e folhas sumidades), cocaína, e MDMA, bem sabendo que não estavam autorizados a fazê-lo.

179. Os arguidos CC, DD, BB, EE e FF agiram ainda de forma deliberada livre e consciente, com o propósito alcançado de integrar uma organização de tráfico internacional, destinada exclusivamente à prática desta atividade ilícita. 180. Os arguidos BB e EE agiram, ainda, de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito alcançado de deter e guardar arma de fogo e respetivas munições, bem sabendo que não tinham autorização da autoridade competente para as deter.

(…)

182. O arguido EE agiu, ainda, de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito alcançado de deter e guardar uma faca de abertura automática, sem se encontrar autorizado para tal.

(…)

184. Todos arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Mais se provou que os arguidos:

(…)

AA

305. No recurso interposto pelo arguido AA no processo 4/22.2..., a que acima se alude, o Supremo Tribunal de Justiça, no dia 11 de Julho de 2023, conhecendo das questões a decidir: “Declaração de perdimento do veículo, Pena aplicável ao crime de detenção de arma proibida: prisão ou multa? Omissão de pronúncia sobre a eventual aplicação de outras penas não privativas da liberdade; Qualificação jurídica de factos apurados: crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22/1, ou crime de tráfico de menor gravidade, p.p. pelo artº 25º, al. a), do mesmo diploma legal? E Medida da pena aplicável ao crime de tráfico de estupefacientes e modo da sua execução”, negou provimento ao recurso do arguido.

306. Vive em união de facto com a arguida OO, desde 2020.

307. A sua anterior relação conjugal, terminada em 2018, e durante a qual ocorreu o nascimento dos seus dois filhos (atualmente com 8 e 5 anos), tem estado na origem dos seus períodos de maior desequilíbrio pessoal.

308. O seu primeiro relacionamento conjugal iniciado, ainda enquanto adolescente, caracterizou-se por um funcionamento conflituoso.

309. O período posterior à separação do casal, continuou a caracterizar-se pela existência de elevada conflitualidade relativamente aos assuntos relacionados com o exercício das responsabilidades parentais (guarda partilhada).

310. Iniciou a atividade laboral, após a conclusão do 3º ciclo da escolaridade básica e o estabelecimento de um relacionamento de coabitação com a namorada, pelos 16/17 anos de idade.

311. Com cerca de 21 anos, e na sequência da saída da companheira do posto de trabalho que mantinha, o casal iniciou atividade por conta própria, explorando um estabelecimento comercial – minimercado, na localidade da ..., onde se tinham estabelecido após se terem autonomizado do agregado familiar de origem do arguido.

312. O arguido acumulava esta atividade com funções na área da construção civil.

313. Em 2015 viveu uma situação crítica em termos profissionais, redução dos rendimentos devido à diminuição da procura e em termos relacionais, crise conjugal e em simultâneo a gravidez da companheira.

314. Altura em que iniciou o consumo de cocaína.

315. O cumprimento da pena comunitária, terminado em 17fev2021, foi avaliado positivamente, particularmente pela manutenção de uma atividade laboral regular (encarregado na área da construção civil) e pela aparente abstenção de consumo de substâncias psicotrópicas.

316. Posteriormente, começou a consumir haxixe.

317. Na sequência do acidente de viação sofrido em contexto laboral, novembro de 2021 que o arguido ficou em situação de inatividade temporária, tendo-lhe sido atribuído, à data, um subsídio pela seguradora.

318. A manutenção do agregado composto também pela coarguida, OO, e os filhos desta, e desde maio do presente ano, também pelo filho comum do casal, atualmente com seis meses de idade, tem sido realizada com base nos apoios sociais recebidos pela mesma e na contribuição das famílias de ambos.

319. Os pais do arguido estão a assumir a pensão de alimentos dos seus dois filhos, no valor de 300,00 €.

320. Desde de 01abril de 2022 que se encontra sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica à ordem do Proc. 4/22.2..., antecedida por um período de prisão preventiva.

321. AA tem cumprido as condições e regras que lhe estão associadas e tem mantido uma relação adequada com a equipa de vigilância eletrónica.

322. Por decisão de 27/02/2017, proferida no proc.º comum colectivo n.º 12/13.4..., do Juízo central criminal de ...- juiz ..., por factos de 01/02/2013, transitado em julgado em 13/02/2019, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena única de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova, extinta a 24/03/2021.

323. Por decisão de 17/05/2019, proferida no proc. comum singular n.º 362/17.0..., do Juízo local criminal do ...- juiz ..., por factos de 06/07/2017, transitado em julgado em 02/07/2020, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 140 dias de multa à razão diária de 5,50€, perfazendo a quantia de 770,00 €, extinta pelo pagamento a 01/09/2020.

324. Por decisão de 10/12/2021, proferida no proc. comum singular n.º 1438/19.5..., do Juízo local criminal do ... - juiz ..., por factos de 15/04/2019, transitado em julgado em 13/01/2022, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de ameaça agravada, na pena de 130 dias de multa à razão diária de 5,50€, perfazendo a quantia de 715,00 €.

(…)

BB

380. Aquando da sua detenção vivia com a companheira, de nacionalidade Francesa, em casa desta relação que se mantém há cerca de 3 anos e meio.

381. O arguido encontra-se desempregado há mais de 2 anos, sendo o sustento do agregado garantido pelos rendimentos da companheira que aufere, de reforma e pensão de viuvez, a quantia de cerca de 3.300,00 € e de renda de um apartamento em Paris de que é proprietária de 1.200,00 €.

382. Os desempenhos laborais do arguido foram irregulares e sem continuidade.

383. Ao momento da detenção o arguido era consumidor de cocaína e de haxixe.

384. Nasceu em Angola, sendo o mais novo de 5 filhos.

385. Após a separação dos progenitores veio, ainda bebé, viver para Portugal para a zona do ....

386. Tem o 9º ano de escolaridade.

387. Teve várias experiências laborais na área do turismo, referindo ter trabalhado no aeroporto Maiorca durante oito anos.

388. Manteve várias relações afectivas, tendo 5 filhos com idades compreendidas entre os 5 e os 21 anos, todos a viver no estrangeiro com as respectivas mães.

389. Sofre de problemas na próstata necessitando de medicação regular.

390. Em reclusão tem mantido um comportamento adequando sem quaisquer sanções disciplinares.

391. E, aí frequenta actividades escolares e trabalha no bar da sua ala.

392. Recebe visitas da companheira mantendo o seu apoio, agregado para o qual regressará quando restituído à liberdade.

393. Por decisão de 30/09/2015, proferida no proc.º PAB -0000048/2015, Tribunal Espanhol, transitada em julgado em 24/10/2015, por factos de 01/09/2012, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime - Infracções relacionadas com drogas ou percursores e outras infracções contra a saúde pública, previsto e punido pelo art.º 368 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão e 3 anos de perda/suspensão do direito de voto ou elegibilidade, extintas a 18/02/2021.

CC

394. À data da sua prisão, CC, encontrava-se a coabitar com a companheira, agente imobiliária, na casa desta na morada acima identificada, tratando-se de um imóvel adquirido através de empréstimo bancário, cuja renda se situa nos 300€.

395. Encontrava-se a trabalhar fazendo biscates nas áreas da pintura e da jardinagem, auferindo cerca de 800€.

396. A relação entre ambos se mantém há cerca de oito anos, sendo descrita como pautada pela afetividade e entreajuda, não existindo referências a conflituosidade entre ambos.

397. Tem bom relacionamento com os seus enteados, filhos da companheira, maiores de idade e com vidas autónomas e organizadas, tendo a companheira manifestado a continuação do seu apoio.

398. À data dos factos a sustentabilidade do agregado era garantida pelos rendimentos da companheira que aufere cerca de 800€/mês, como agente imobiliária (valor variável), pensão de sobrevivência no valor de cerca de 600€ e nos fundos bancários que possuiu, encontrando-se asseguradas todas as despesas do agregado.

399. Ao nível do seu processo de socialização, CC refere ter crescido até aos 11 anos com o seu agregado de origem, pais e irmão mais velho, vivendo em Espanha – Huelva desde os 3 anos de idade para onde a família se mudou uma vez que a avó paterna vivia neste país.

400. Descreve a relação com os progenitores como conflituosa, ocorrendo a separação conjugal quando tinha 11 anos de idade permanecendo aos cuidados do progenitor, regressando a mãe a Portugal.

401. Concluiu o 9º ano de escolaridade, iniciando-se a trabalhar em jardinagem e na pintura da construção civil, áreas onde refere ter desenvolvido toda a sua atividade laboral, sem contratos e em formas de biscates.

402. Aos 20 anos autonomizou-se passando a coabitar com a namorada mantendo uma relação de união de facto durante cinco anos e, após o términus da mesma e num período de férias a Portugal conheceu a actual companheira com quem passou a coabitar, passando a ser a sua residência permanente.

403. Encontra-se preso preventivamente mantendo um comportamento adequado, sem sanções disciplinares encontrando-se inativo devido à sua situação de preventivo.

404. Recebe visitas da companheira e da mãe, que também vem visitar o companheiro, padrasto e co-arguido neste processo DD.

405. Do certificado de registo criminal não consta qualquer inscrição DD

406. À data da instauração vivia com a companheira, TTT de 59 anos, com quem detém uma relação há cerca de vinte anos, a filha, UUU, com 20 anos de idade e com o enteado, o arguido CC, que com estes residia há cerca de sete anos.

407. O arguido tem uma relação próxima com a sua filha e a sua companheira, ligações afetivas importantes para o mesmo.

408. A habitação onde residia é uma casa de autoconstrução, de tipologia T3, sendo uma zona calma.

409. À data dos factos exercia funções na atividade na área da construção civil, por conta própria, auferindo a quantia de cerca de 1.500€ mensais.

410. A companheira está desempregada, por razões de saúde, beneficiando do rendimento social de inserção no valor de 180,00€ mensais.

411. A filha do arguido, que na altura dos factos encontrava-se a estudar, acabou por abandonar os mesmos, dada a situação de reclusão do arguido encontrando-se, atualmente, a trabalhar.

412. Nasceu numa família modesta, sendo filho único do casal tendo três irmãos germanos e dois consanguíneos.

413. Quando tinha cerca de uns dois anos de idade, os progenitores do arguido separaram-se, ficando este a cargo dos avós maternos.

414. Tem o 4.º ano de escolaridade, que concluiu aos 14 anos de idade.

415. Em termos profissionais, teve uma trajetória profissional inicialmente marcada por trabalhos sazonais como a apanha de fruta, tendo, seguidamente, enveredado pela área da construção civil quer em Portugal quer em França, de forma regular e com vínculos contratuais.

416. No ano de 2021 decidiu iniciar atividade por conta própria no mesmo ramo, ocupação que detinha à data dos factos como supra referido.

417. Iniciou os consumos de “erva” há cerca de dois anos.

418. Encontra-se preso preventivo à ordem do presente processo desde 14/07/2022.

419. Em meio prisional mantém um comportamento de acordo com as regras institucionais, não se encontra integrado em qualquer atividade laboral nem formativa no Estabelecimento Prisional.

420. Mantém contatos com a companheira e a filha, recebendo visitas regulares destas que estão disponíveis para o apoiar quanto restituído à liberdade.

421. Demonstra preocupação pelo futuro da filha.

422. Do certificado de registo criminal não consta qualquer inscrição.

EE

423. O funcionamento arma que o arguido guardava na sua residência a que acima se alude, não obstante o dano na corrediça, permanece operacional.

424. 41 anos de idade

425. Viveu com os pais e os seus dois irmãos, sendo um, gémeo do arguido.

426. Os pais exerciam atividade laboral, de forma regular, o pai no ramo da construção e reparação naval e a mãe na venda de pescado. Com baixos rendimentos asseguravas com alguma dificuldade as necessidades domésticas do agregado.

427. Quando o arguido tinha 13 anos de idade os pais separaram-se.

428. Após a rutura conjugal, o arguido, pouco tempo depois, foi residir com o seu irmão gémeo para junto do seu pai, acentuando-se as dificuldades económicas.

429. Tem o 9º ano, que concluiu aos 17 anos.

430. Após, iniciou a atividade laboral de forma irregular e precária, em tarefas na área da construção civil, e sem de vínculo contratual.

431. Em 2015, o arguido iniciou atividade laboral em pintura de edifícios com técnica de rapel e conjuntamente em remodelação de interiores, atividade que mantém como prestador de serviços auferindo cerca de 1.000,00 € por mês.

432. Durante cerca de 11 anos manteve relação conjugal com VVV, tendo duas filhas em comum, atualmente, de 10 e 14 anos, ocorrendo a rotura há cerca de três anos.

433. O arguido EE e a ex-companheira acordaram na guarda partilhada dos filhos e ainda na contribuição de 150 € mensalmente para despesas.

434. O arguido iniciou os consumos, esporádicos, de cocaína quando teria cerca de 20 anos.

435. Desde os 30 anos de idade que não consome cocaína.

436. À data dos factos, concretamente, ano de 2019, o arguido EE residia com a sua ex-companheira e as suas duas filhas, em habitação propriedade da mãe do arguido.

437. A partir do ano de 2021 o arguido passou a viver com WWW e os dois filhos desta, de 14 e 10 anos de idade, em residência propriedade daquela situação que se mantém até hoje. 438. A sua companheira desenvolve atividade laboral como responsável pela seção de padaria no supermercado “Pingo Doce”, auferindo cerca de 1.100,00 € por mês.

439. O arguido ocupa-se, diariamente, do transporte dos filhos da sua companheira para as aulas e segundo o acordo de responsabilidades parentais, os filhos do arguido pernoitam consigo em fins de semana alternados e de quarta para quinta feira.

440. Atualmente o arguido exerce a atividade de pintura de edifícios e remodelações de interiores, como prestador de serviços para a empresa “H...”, perspetivando a celebração contrato de trabalho.

441. Do certificado de registo criminal não consta qualquer inscrição (fls. 7850)

FF

442. Tem 2 filhas, de 21 e 6 anos de idade que vivem com as respectivas mães, tendo da segunda guarda partilhada.

443. À data em que foi detido, vivia com a sua companheira, cujo relacionamento terminou na sequência da detenção, numa casa arrendada.

444. Exercia as funções de pintor naval, auferindo cerca e 1.200,00 €.

445. Pagava de renda de casa 320,00 €.

446. A renda está a ser paga pela mãe, de 87 anos, com quem mantém um relacionamento próximo.

447. Tem o 12º ano de escolaridade.

448. É asmático.

449. Encontrando-se preso preventivamente, no estabelecimento prisional de ..., mantendo comportamento adequado e recebe a visita da mãe, irmã e filha.

450. Tem apoio da família alargada.

451. Do certificado de registo criminal não consta qualquer inscrição.

(…)”.

4. A medida das penas

1. A fundamentação da decisão recorrida.

“Em razão da sedimentação do acervo factual dado como provado pelo Tribunal a quo, do decaimento das pretensões modificativas da subsunção jurídico-penal dos factos dados como provados efectuada na primeira instância, impõe-se proceder à apreciação da sétima e última editada questão, [(vii)], do (a) quantum das penas de prisão impostas, respectivamente, aos arguidos e recorrentes CC, DD, FF (…) BB (…) – olvidando-se aqui a referência ao arguido EE - que, grosso modo, consideram excessivo e da (b) não aplicação de pena de substituição não privativa de liberdade, nas situações em que legalmente tal seja admissível.

Urge antes de mais recordar o teor do Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 22.04.2014, proferido no processo nº 291/13.7 GEPTM.E1, disponível em www.dgsi.pt/jtre, quando afirma que, “(…) também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico. O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da pena, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Assim, o recurso não visa, nem pretende aqui, eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de 1ª instância enquanto componente individual do acto de julgar. A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto de pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada. (…)”.

E, ressalvado sempre o devido respeito pelo esforço argumentativo dos recorrentes, é evidente que os mesmos não invocam argumento algum que, tendo espelho na factualidade dada como provada, não tenha sido sopesado na decisão recorrida, nem apontam “incorrecções ou distorções” no processo de quantificação das penas que mereça e imponha correcção modificativa.

Na verdade, também a este propósito, o decidido pelo Tribunal a quo não nos merece qualquer reparo, excepto no que ao arguido AA respeita atente o que neste aresto foi apreciado e decidido sob o título “IV”, questão/ponto [(ii)].

Seguindo os ensinamentos do mencionado Professor Figueiredo Dias, em “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª ed., páginas 79 a 84, “Primordialmente, a finalidade visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não obviamente num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança (...) e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; sendo por isso uma razoável forma de expressão afirmar como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.

(...)

Afirmar que a prevenção geral positiva ou de integração constitui a finalidade primordial da pena e o ponto de partida para a resolução de eventuais conflitos entre as diferentes finalidades preventivas traduz exactamente a convicção de que existe uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar; medida esta que não pode ser excedida (princípio da necessidade), nomeadamente por exigências (acrescidas) de prevenção especial, derivadas de uma particular perigosidade do delinquente. É verdade porém que esta “medida óptima” de prevenção geral positiva não fornece ao juiz um quantum exacto da pena. Abaixo do ponto óptimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem que perca a sua função primordial de tutela dos bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico –, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.

(...)

Dentro da moldura ou dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de “defesa do ordenamento jurídico”) – devem actuar, em toda a medida possível, os pontos de vista de prevenção especial, sendo sim eles que vão determinar, em última instância, a medida da pena. Isto significa que releva neste contexto qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza: seja a função positiva de socialização, seja qualquer uma das funções negativas subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. A medida de necessidade de socialização do agente é no entanto, em princípio, critério decisivo das exigências de prevenção especial, constituindo hoje – e devendo continuar a constituir no futuro – o vector mais importante daquele pensamento.”.

Resta referir o princípio da culpa e o seu significado para o problema das finalidades das penas, seguindo o mesmo ilustre Professor, ob. e loc. supra citados. “Segundo aquele princípio, “não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa”. A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu pressuposto necessário e o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável por quaisquer considerações ou exigências preventivas (...). A função da culpa (...) é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo da pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”.

Em suma, sobre as finalidades da punição consignadas no artigo 40º, do Código Penal e sobre os critérios concretos a observar no doseamento da pena – cfr. artigo 71º, do mesmo Código –, reproduzindo, uma vez mais, o Professor Figueiredo Dias, em “Temas Básicos da Doutrina Penal”, Coimbra Editora, 2001, pág. 110 e 111, “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”.

Diz-nos o aresto recorrido, sob o título “Da medida concreta da Pena”:

“(…) importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar, tendo em vista a moldura penal abstracta aplicável aos referidos crimes.

O crime de tráfico, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-lei 15/93 de 22 de janeiro é punido com uma pena de prisão de 4 a 12 anos.

(…)

Da ponderação da escolha da pena

(…)

Do Crime de Tráfico de Estupefaciente, previsto e punido pelo art.º 21º n.º 1 do citado D.L. 15/93.

No que tange ao crime de tráfico punido pelo citado art.º 21º n.º 1, as necessidades de prevenção geral são elevadíssimas, desde logo pela essência do bem jurídico que a norma tutela. O bem jurídico é saúde pública de toda a comunidade, visando-se prevenir e evitar as consequências, sobejamente conhecidas, verdadeiramente devastadoras, para a saúde física e mental de quem tem a infelicidade de ser consumidor e se tornar dependente desse consumo.

Ademais, tais consumos estão, não raras vezes, associados à prática de outros tipos de crime que tutelam bens jurídicos pessoais e patrimoniais.

A necessidade que a sociedade sente quanto à actuação robusta da justiça na prevenção da prática deste tido de crime e à sua dissuasão é muito relevante.

E, igualmente muito relevante a necessidade da comunidade, e de cada um dos seus indivíduos, valorizarem os valores inerentes ao bem jurídico protegido e à importância do mesmo e, bem assim, do alerta das consequências causadas à saúde em sentido genérico.

Em termos de prevenção especial a mesma é, relativamente, a todos os arguidos também, elevada, embora a mesma se situe num patamar superior relativamente a todos aos arguidos que já sofreram condenações anteriores, nomeadamente, pelo mesmo tipo de ilícito ou ao mesmo associado, como sejam o de detenção de arma proibida, onde essa associação é geralmente patente, a saber (…); AA (trafico menor gravidade); (…), BB (infrações relacionadas com as drogas ou percursores).

(…)

Por fim, há que notar que a prevenção especial é tanto maior quanto os possíveis riscos de que os arguidos voltem a praticar ilícitos em apreço nos autos, designadamente, o facto de serem consumidores de droga, consumos esses potenciadores e causadores de uma maior fragilidade em termos volitivos e da capacidade de resistir ao seu aliciamento e, naturalmente, aos elevados proventos e à facilidade da sua obtenção que é evidente neste tipo de crime.

A maioria dos arguidos tem ou já teve hábitos de consumo, desde longa data, e é de modesta condição sócio económica pelo que as mais valias que decorrem deste actividade é quanto a grande parte dos arguidos notória.

Porém, no que tange a tais mais valias, as mesmas são incomensuravelmente maiores e, portanto, as exigências de prevenção especial também, quanto aos arguidos que tiveram, de uma ou de outra forma, intervenção nos carregamento/descarregamento e transporte dos fardos de canábis, CC, DD, BB, EE e FF.

Quanto à medida concreta da pena há que ponderar nos termos do preceituado no art.º 71º do CP:

- A ilicitude dos factos;

- A intensidade do dolo;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins e motivos que o determinam;

- As condições pessoais;

- A conduta anterior e posterior aos factos, e

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita.

(…)

Arguidos BB, CC, DD, EE e FF

A ilicitude dos factos relativamente à conduta dos arguidos BB, CC, DD, EE e FF é elevadíssima.

Está em causa um conjunto de actos, que implicou uma preparação detalhada e uma grande logística que envolveu, para além do mais, a aquisição de três embarcações de valores, consideravelmente elevados, e carrinhas para transporte de jerricans para o combustível dos barcos, com o fito de fazer entrar no nosso país, via marítima, grandes quantidades de canábis resina, suficientes para uma enormidade de doses médias diárias.

Foram apreendidos 7 fardos de canábis, com o peso de mais de 211kg de canábis. Com efeito, ainda que nada mais se tivesse apurado os dois carregamentos/descarregamento, e transporte desses fardos bastaria para uma condenação numa moldura penal acima do meio da pena.

O plano gizado implicou, igualmente, inúmeras reuniões o que revela já a sofisticação de meios, como a programação das coordenadas a seguir, envolvendo para além destes cinco arguidos, pelos menos, os que não foram identificados, e os indivíduos de nacionalidade Espanhola a que aludem os factos

Mas se provou que, os arguidos estavam ligados à organização, com origem em Espanha e a que se faz referência na fundamentação de facto, e cujo maior elo de ligação era o arguido CC. Porém, esse arguido dava as indicações, mas as indicações eram-lhe dadas por outros, designadamente, pelo indivíduos de Nacionalidade Espanhola e que acompanharam, até, na aquisição das embarcações sendo que o dinheiro para o pagamento proveio dessa organização.

Vale isto por dizer que, sendo elevadíssimo o grau de ilicitude é para o tribunal óbvio que, nenhum dos referidos arguidos está no topo da pirâmide, motivo pelo qual em termos de ilicitude não se considera como mais elevada a conduta do arguido CC, só por ser o elo de ligação aos Espanhóis mencionados, sendo que da factualidade resulta que o carro da sua propriedade tem matrícula espanhola e quanto às suas condições de vida resulta que o mesmo viveu em Espanha.

Acresce que, para além da quantidade de droga apreendida foi possível apurar que foram feitos outros transportes cuja apreensão não se logrou concretizar, em que a actuação de todos e de cada um em particular relevou para a prossecução e para a execução do crime.

Mais se provou, relativamente ao arguido BB que se dedicava à venda directa aos consumidores cocaína e que o fez durante mais de um ano.

E, que foi apreendida na casa onde habitavam os arguidos DD e BB mais de 1kg de canábis.

(…)

- O dolo foi, quanto a todos os arguidos directo e muito intenso; com excepção do arguido BB, quanto à detenção da munição, este de baixa intensidade.

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins e motivos que o determinam, no caso, quanto aos arguidos CC e EE desconhecem-se uma vez que os arguidos não prestaram declarações.

Já quanto às motivações pelos arguidos DD e FF, as mesmas não foram de molde a justificá-las, mas a negar a evidência dos factos, motivo pelo qual de nada relevaram.

Quanto ao arguido BB, justificou apenas o seu percurso de vida, desde tenra idade ligado ao consumo de estupefacientes.

No que se tange às condições familiares verifica-se da factualidade apurada que todos estes arguidos se encontram inseridos tendo laços familiares, companheiras, filhos.

Quanto à conduta anterior e posterior dos referidos arguidos há a salientar que, com excepção do arguido BB, nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais o que os favorece.

O arguido BB já incorreu na prática de infracções relacionadas com drogas ou percursores e outras infracções contra a saúde pública, pelo qual foi condenado em Espanha. Crime de natureza similar ao que o arguido condenado nos presentes.

Essa pena, não foi suficiente para dissuadir o arguido de voltar a prática de novo ilícito, apesar do lapso temporal já decorrido (mais de 10 anos desde a prática dos factos). Tal condenação tem de se repercutir na moldura da pena.

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita.

Com excepção dos arguidos CC e FF, não resultando do relatório social que os mesmos tenham hábitos de consumos de estupefaciente, os demais arguidos são consumidores.

Por fim salienta-se que os arguidos que se encontram em prisão preventiva têm tido um comportamento adequado não registando quaisquer infrações.

(…)”.

Nestes termos, as penas impostas aos arguidos (…) de 8 anos e 6 meses de prisão, atentos os factos julgados provados, os bens jurídicos protegidos pela incriminação e as circunstâncias indicadas na decisão recorrida, acima transcritas e a que aderimos, tendo ainda em consideração a moldura penal abstracta do(s) crime(s) em que se mostram incursos, não se vê no conspecto sedimentado no Tribunal a quo qualquer margem para a pretextada alteração in melius, figurando-se as penas de prisão impostas doseadas em medida adequada aos factos apurados e ademais temperadas com equilibrado critério, não afrontando os princípios da necessidade, proibição de excesso ou proporcionalidade das penas - cfr. artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa -, antes sendo adequadas e proporcionais à defesa do ordenamento jurídico e não ultrapassando a medida da culpa dos arguidos.

Nestes termos, cremos que são de manter as penalidades aplicadas aos supra elencados recorrentes.

(…)”.

Este entendimento e decisão foi tirado por maioria tendo sido aposto voto de vencido do seguinte teor:

“(…)

Voto vencido relativamente às seguintes questões:

2ª - Penas dos arguidos CC, BB, DD e FF (únicos que no grupo formado entre eles e o arguido EE, puseram em causa a medida da pena)

Todos os referidos arguidos foram condenados na pena de 8 anos e 6 meses de prisão.

Entendo que a pena do arguido CC é a adequada porque era o elo de ligação com os indivíduos espanhóis, era quem dava as ordens e que teve o papel mais relevante em todos os factos provados.

Também relativamente ao arguido BB entendo que a pena é adequada porque apesar de não ter tido uma relevância idêntica à do arguido CC, provou-se que vendia produto estupefaciente (fê-lo relativamente a oito compradores – pontos 104 a 111).

Já quanto aos arguidos DD e FF faria reflectir na duração das respectivas penas uma intervenção menos relevante, embora sem esquecer que o plano era de todos e que aceitaram a actividade que cada um desenvolveu.

Assim, quanto ao arguido DD aplicaria a pena de 8 anos de prisão e quanto ao arguido FF aplicaria a pena de 7 anos e 6 meses de prisão”.

2. A isso que contrapõem os arguidos?

O arguido DD, que como vimos já não indica qualquer norma como tendo sido violada, a sustentar a sua pretensão de redução da pena, por desproporcionada, para o patamar mínimo, alega que,

- não tem antecedentes criminais.

- ao não se individualizar a participação de cada um dos arguidos nos diversos momentos leva a que a determinação da medida da pena não seja feita em função da culpa do agente.

O arguido CC, invocando a violação dos artigos 127.º CPPenal e 70.º, 71.º, 40.º, 50.º, 51.º, 53.º e 54.º CPenal, pugna pela redução da pena, que tem por desproporcionada e desconforme com a jurisprudência, a um valor próximo do limite mínimo, para o que alega que,

- tem bom comportamento e encontra-se inserido social e familiarmente;

- não era o mentor nem tinha o domínio dos factos;

O arguido FF invoca a violação dos artigos 18.º da CRP, 40.º, 50.º, 70.º e 71.º CPenal, entende que deveria ter sido condenado, também, numa pena próxima dos limites mínimos do tipo legal, em consonância com a sua culpa, ao facto de ser primário e estar inserido social e familiarmente, alegando que,

- não foi devidamente analisada cada situação, cada atuação, cada participação para se chegar a uma pena que corresponda efetivamente à individualização de cada um dos coarguidos e em consequência a aplicação de uma pena juste, adequada e proporcional à atuação de cada um;

- a pena a aplicar, mesmo em caso de coautoria, será sempre em função da culpa, o que não ocorreu certamente no caso que nos ocupa, uma vez que o Tribunal limitou-se, novamente, a aplicar a mesma pena aos arguidos BB, CC, DD, EE;

- ao aplicar a mesma pena a todos os coarguidos, não só não se apreciou devidamente à participação de cada um, como também não se procedeu à diferenciação em função das suas personalidades, dos seus antecedentes criminais e do seu comportamento processual - de negação dos factos, de confissão ou de exercício do direito ao silêncio;

- assumiu a sua participação nos factos concretos em que teve efetivamente intervenção;

- sempre manteve hábitos de trabalho, que lhe permitiam o seu sustento e fazer face às suas despesas;

- não tem antecedentes criminais.

O arguido EE, sem indicar qualquer norma legal como tendo sido violada, no que a esta matéria se reporta, invoca a seu favor o voto de vencido (reportado aos arguidos DD e FF) e defende que a pena, que tem por excessiva, desproporcional e excessiva, se deve situar próximo dos limites mínimos da norma incriminadora, para o que alinha o seguinte raciocínio:

- não se situa no topo da pirâmide da estrutura organizativa a que aludem os factos;

- da matéria fáctica dada como provada, nomeadamente dos pontos 112 a 123, extrai-se que nenhuma ação em concreto foi atribuída ao arguido, salvo uma única chamada telefónica que, quanto muito poderia ter conduzido a uma suspeita;

- a única matéria imputada ao arguido é a que consta nos pontos 126 a 155;

- não se compreende a aplicação de pena tão elevada, o que ocorreu por não terem sido valoradas as circunstâncias que militam a favor deste arguido, designadamente, a total ausência de lucros provenientes da atividade delituosa, o facto de não ter contribuído, em momento algum, para a aquisição ou transporte do produto estupefaciente, resumindo a sua ação a aceitar que a embarcação ficasse em seu nome.

- devem ser ponderadas as circunstâncias que militam a seu favor:

- a total ausência de lucros provenientes da atividade ilícita, não se tendo provado qualquer benefício económico decorrente da atividade descrita ou, a existir, será inconclusivo o seu montante;

- a total ausência de matéria dada como provada que lhe atribuída um papel preponderante num qualquer desígnio criminoso;

- o facto relevante de não ter contribuído, em momento algum, para a aquisição de qualquer transporte de produto estupefaciente, resumindo a sua ação a aceitar que a embarcação ficasse em seu nome;

- sempre trabalhou e tem uma situação económica que se poderá caracterizar como modesta e não lhe são conhecidos quaisquer bens suscetíveis de provirem de qualquer atividade ilícita.

O arguido BB, que também, não indica qualquer norma legal como tendo sido violada, defende que foi condenado numa pena superior ao seu grau de culpa e que atenta a matéria dada como provada, ao grau de culpa do arguido na prática dos factos e ao seu grau de participação nos mesmos deveria ter sido condenado numa pena não privativa da liberdade, a saber, uma pena de cinco anos de prisão suspensa por igual período, sujeita a condições, para o que alinha o seguinte raciocínio:

- o seu grau de participação nos factos é inferior ao de outros co-arguidos, é uma pessoa adicta e simples que foi contratada para pilotar uma embarcação, e ao seu grau de culpa que a pena aplicada deve ser reduzida, pois não é justa aplicação da mesma pena de prisão ao ora arguido e à pessoa que o contratou;

- é uma pessoa que não estava habituada a estes factos, só uma pessoa completamente inocente e deslumbrado é que faz uma reportagem fotográfica para a posteridade e guarda-a na sua casa, local onde foi apreendido num telefone que já não usava há muito, da sua participação numa actividade de tráfico de produto estupefaciente fotografando a embarcação com o nome, os fardos e até o interior dos fardos e os colegas que o acompanhavam;

- é uma pessoa que não prima pela inteligência e ficou completamente deslumbrado pelo serviço que lhe solicitaram, pilotar o R ...;

- há muito se encontra adicto, ou seja padece de adicção a qual é uma doença;

- não é comum e foge as regras da lógica e da experiência comum que uma pessoa que trafique fardos faça venda directa ao publico;

- não se apurou se recebeu algum valor económico monetário por ter pilotado o R ..., ou se recebeu em produto estupefaciente, ou se chegou a receber alguma coisa;

- toda a sua actuação se encontrava subordinada a diversos outros indivíduos, entre os quais mesmo a alguns co-arguidos;

- não possuía a direção do negócio em causa, nem tinha a disponibilidade financeira para o concretizar, nem era pessoa de confiança por parte dos elementos espanhóis, donos do negócio e que não era consigo que estes contactavam;

- nada lhe foi apreendido, nem droga, nem dinheiro, nem qualquer outro objeto relacionado com o ilícito criminal;

- tem bom comportamento social e está inserido social e familiarmente, com hábitos de trabalho e manifesto suporte familiar;

- tem comportamento exemplar em meio prisional, o que demonstra o respeito pela imposição de regras, e capacidade de as cumprir;

3. Vejamos.

Como é sabido a questão da medida da pena não é do conhecimento oficioso por parte do tribunal de recurso.

Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena, o juiz serve-se do critério global contido no artigo 71º C Penal, estando vinculado aos módulos – critérios de escolha da pena constantes do preceito. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.

O dever jurídico, substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo da decisão sobre a determinação da pena.

Acerca da questão da cognoscibilidade, controlabilidade da determinação da pena, no âmbito do recurso, há que dizer que a intervenção do tribunal nesta sede, de concretização da medida da pena e do controle da proporcionalidade no respeitante à sua fixação concreta, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada.

Vem-se entendendo que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.

Com efeito, o recurso não se destina a proceder a uma nova determinação da pena, mas, apenas, a verificar o respeito por aqueles critérios que presidem à sua determinação, com eventual correção da medida da pena aplicada se o caso a justificar.

Ultrapassada que está a fase da consideração, como ponto de partida para a determinação da medida concreta da pena (onde, coincide a aplicada nos autos) o do ponto médio da sua moldura abstracta, bem como o de ser esta a matéria onde transparece e se assume na plenitude, a arte de julgar, como ponto incontornável de partida e de chegada, temos que a operação de determinação da medida da pena, se faz em função dos critérios gerais de medida da pena, seja, a culpa do agente e as exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

Dispõe o artigo 40.º C Penal - diploma a que pertencerão as disposições legais doravante citadas sem menção de origem - que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, n.º1 e, que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, n.º 2.

As finalidades da pena são, nos termos do artigo 40.º CPenal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições normativas específicas que devem ser respeitadas: a formulação da norma reveste a “forma plástica” de um programa de política criminal cujo conteúdo e principais proposições, cabe ao legislador definir e que, em consequência, devem ser respeitadas pelo juiz.

A norma do artigo 40.° condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, sendo a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.

Por sua vez, nos termos do artigo 71º/1 e 2 C Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.

Considerando, nomeadamente, nos termos do n.º 2 desta norma:

“a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência:

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.

A este processo deve presidir uma preocupação de tratamento justo do caso concreto, adequado à vontade e intenções da lei, que haverá que passar pela escolha de reacção sancionatória com aptidão e eficácia bastantes à ideal/tendencial protecção do bem jurídico violado e à dissuasão da prática de novos crimes, constituindo a retribuição justa do mal praticado, dando satisfação ao sentimento de justiça e segurança da comunidade e contribuindo, na medida do possível, para a reinserção social do delinquente.

A culpa constitui, assim, o limite inultrapassável do quantum da pena, dentro é certo da sub-moldura da prevenção geral e ponderadas as necessidades que o agente apresente em sede de prevenção especial.

Esta medida concreta da pena a aplicar ao arguido, tendo em atenção que a mesma assenta na “moldura de prevenção”, cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do quantum da pena imprescindível, no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, deve ser encontrada dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, artigos 40º/2 e 71°/1 CPenal.

Isto é, se a culpa constitui o fundamento e o limite da pena, as suas finalidades são a prevenção geral e especial.

O modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é, como ensina o Professor Figueiredo Dias, “aquele que comete à culpa a função, única, mas nem por isso menos decisiva, de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral, de integração, a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa e, cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dento da referida “moldura de prevenção”, que sirva melhor as exigências de socialização ou, em casos particulares, de advertência ou segurança do delinquente” in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril - Dezembro 1993, 186-187.

Está aqui em causa a prática pelos 5 arguidos, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º/1 do Decreto Lei 15/93, a que corresponde, em abstrato, a moldura penal de prisão de 4 a 12 anos.

A medida da pena é determinada a partir do que resulta dos factos provados (e do que deles se pode deduzir) em relação a cada arguido que tenha cometido um ilícito penal e não a partir de considerações, por si, feitas, que não se extraem ou que não encontrem apoio nesses mesmos factos dados como provados.

Tendo, então, presente que a culpa constitui o limite inultrapassável do quantum da pena, dentro é certo da sub-moldura da prevenção geral e ponderadas as necessidades que o agente apresente em sede de prevenção especial, a propósito da fixação e determinação da medida concreta da pena, no caso em apreço, perante a factualidade provada, há que convocar os seguintes factores:

- em 6 de Novembro de 2020 foram apreendidos 7 fardos de haxixe, com o peso de 120,888 Kg e de 90,560 Kg;

- no âmbito da importação de tal produto, por via marítima, a importar a utilização de 3 embarcações e de carrinhas para transporte de jerricans para o combustível dos barcos;

- envolvendo para além dos cinco arguidos e de outros, não identificados, entre eles indivíduos de nacionalidade Espanhola;

- o maior elo de ligação à organização, de âmbito internacional, sediada em Espanha e com ligações a Marrocos, era o arguido CC, que era quem dava as indicações, que lhe eram transmitidas, por outros, designadamente, pelo indivíduos de Nacionalidade Espanhola;

- o arguido BB dedicava-se, ainda, à venda directa aos consumidores cocaína e que o fez durante mais de um ano;

- na casa onde habitavam os arguidos DD e BB foi apreendido mais de 1kg de canábis;

- os arguidos DD, BB e EE são consumidores de produtos estupefacientes;

- são todos primários, com excepção do arguido BB, que foi já condenado, por sentença de 30/09/2015, transitada em julgado em 24/10/2015, por factos de 01/09/2012, pela prática de 1 crime - Infracções relacionadas com drogas ou percursores e outras infracções contra a saúde pública, na pena de 3 anos de prisão e 3 anos de perda/suspensão do direito de voto ou elegibilidade, extintas a 18/02/2021;

- todos se encontram inseridos tendo laços familiares, companheiras, filhos.

- ao arguidos BB e CC não lhes são conhecidos quaisquer hábitos de trabalho, não tendo declarada qualquer remuneração junto do Instituto da Segurança Social;

- o arguido DD tem como última remuneração o valor de 539,19€, reportada ao mês de março de 2021;

. - o arguido EE tem como última remuneração o valor de 416,76€, reportada ao mês de meio de 2020;

- o arguido FF tem como última remuneração o valor de 1.224,00€, reportada ao mês de dezembro de 2020;

- o dinheiro que sustentava todos os arguidos e as respetivas famílias provinham quase exclusivamente da atividade ilícita por todos levada a cabo.

Neste âmbito apenas há que ponderar e extrair ilações dos factos provados, que se repercutam na operação de determinação da medida concreta da pena, não podendo este Tribunal imiscuir-se nem nos factos, nem criticar as ilações deles retiradas, porque a sua intervenção está reservada à matéria de direito.

E, no caso concreto, não se mostra que tenham sido ponderadas circunstâncias que não o devessem ser ou deixado de ponderar outras que o devessem ser.

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.

Estamos perante a violação de um bem jurídico de grande importância na vida em sociedade, a saúde públicas, fundamental e suporte que alicerça a vida em sociedade, que aqui se materializa, em concreto, em factos com elevado grau de ilicitude, ponderando a forma de actuação - em co-autoria - através do transporte, organizado, por via marítima, de cerca de 120 kg de haxixe.

b) A intensidade do dolo ou da negligência.

A culpa dos arguidos é de normal intensidade a nível de dolo directo, não mitigado por qualquer circunstancialismo.

Isto porque, apesar da actuação com dolo directo, tal não se traduz, de forma necessária, numa culpa de elevada intensidade – como se decidiu.

Com efeito, dolo directo não significa dolo intenso, não significa intenção criminosa de grande intensidade. Significa, tão só, que o agente actuou com vontade dirigida à realização do facto. De resto, a materialidade provada evidencia, também, aqui, uma mediana, absolutamente normal, intensidade dolosa, no cometimento dos factos. Estamos, com efeito, perante um caso absolutamente paradigmático, sem nada de realce que o distinga da normalidade, em relação à forma de cometimento deste ilícito penal, na sua vertente de transporte internacional e intercontinental de produto estupefaciente.

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram.

Naturalmente que subjacente à actuação dos arguidos, está o objectivo de angariaram proventos económicos, tirando partido dos vultuosos lucros que o tráfico internacional de haxixe, produz, ao longo da sua corrente de comercialização, entre a origem, entre a produção e o mercado final, do consumo.

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica.

Os arguidos são de modesta condição económica e média condição social e estavam integrados em termos familiares e profissionais à data dos factos, com excepção dos arguidos CC e BB, desempregados.

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.

Nada havendo de realce neste capítulo, a não ser a já mencionada falta de antecedentes criminais de todos os arguidos, com excepção do arguido BB, já condenado em Espanha por factos da mesma natureza.

Finalmente, as prementes necessidades de prevenção geral, designadamente, a particular ressonância que estes crimes – que ocorrem com, cada vez maior, inusitada e assustadora frequência, à escala nacional e global - sempre provocam na comunidade e, as não tão prementes, de prevenção especial, pois que os arguidos não têm antecedentes criminais – com a excepção apontada - muito embora, os arguidos DD, BB e EE sejam consumidores de produtos estupefacientes e estavam inseridos, ao tempo dos factos, em termos familiares e profissionais, com excepção dos arguidos CC e XXX, desempregados.

Factores, que, não obstante, não os impediu, não os dissuadiu, não bloqueou o desígnio criminoso.

E, como decidiu este Supremo Tribunal no acórdão de 9.6.2004, “os tráficos de droga constituem, hoje, nas sociedades desenvolvidas, um dos factores que provoca maior perturbação e comoção social, tanto pelos riscos (e danos) para bens e valores fundamentais como a saúde física e psíquica de milhares de cidadãos, especialmente jovens, com as facturas devastadoras nas famílias e na coesão social primária, os comportamentos desviantes conexos sobretudo nos percursos da criminalidade adjacente e dependente, como pela exploração das dependências que gera lucros subterrâneos, alimentando economias criminais, que através da reciclagem contaminam a economia legal.

O reconhecimento do fenómeno e da comoção social que provoca, faz salientar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas como garantia da validade das normas e de confiança da comunidade, mas, do mesmo passo, não podem ser descuradas as finalidades de reinserção dentro do modelo de prevenção especial”.

Nenhuma das considerações acerca da dogmática do direito penal e nenhuma das circunstâncias, por si só, ou todas ponderadas, em conjunto, de entre as tecidas e alegados pelos arguidos, permite fundamentar a redução das medidas concretas.

Que – recorde-se - numa moldura abstracta de prisão de 4 a 12 anos, foram condenados nas penas de 8 anos e 6 meses.

Com efeito, a inserção social e familiar não constitui elemento suficientemente dissuasor, bloqueador, da prática dos factos.

A gravidade e o contexto da prática dos factos não permitem – sob pena de grosseira violação da justiça do caso concreto, da justiça relativa, reportada a situações semelhantes – a aplicação de penas, que os arguidos, invariavelmente, defendem, próximas do limite inferior da moldura penal e. ainda assim, a suspensão das respetivas execuções.

Tão pouco, o facto de ser consumidor de produtos estupefacientes, pode constituir circunstância atenuante para quem se dedica ao tráfico internacional de haxixe. Diferente seria uma situação de instrumentalização de consumidores dependentes no exercício da actividade de tráfico, o que aqui não está nem delineado nem caracterizado.

O ponto médio da respetiva moldura estará aqui aplicado de forma justa, adequada e proporcional.

Sem embargo de aqui se poder reconhecer uma certa incoerência interna, em termos de equilíbrio e proporcionalidade das medidas concretas das penas, dado o facto de o arguido CC, conhecido por “HH”, ser a pessoa de confiança dos outros membros da organização, de quem recebia indicações, ser o elo de ligação da rede internacional aos restantes arguidos, de estar inserido num ponto e num patamar superior aos dos restantes arguidos, a que dava indicações, que ele, próprio, já teria recebido.

E, já agora o facto de o arguido BB já ter sido condenado por factos da mesma natureza. E de na casa onde residia com o arguido DD ter sido apreendido mais de 1 kg de haxixe.

É claro que avaliar, mesmo, ou principalmente, em sede de actuação em co-autoria, a efetiva participação de cada um – num conjunto de 5 - na prossecução do resultado que todos pretende atingir, não constitui tarefa fácil de empreender.

E se a isto adicionarmos, a ponderação sobre a conduta processual de cada um, bem como, as condições pessoais inerentes a cada um, então, a tarefa parece hercúlea.

E, daí que todos protestem, em termos de justiça relativa, não resistindo cada um, a chamar a si, de fazer realçar as circunstâncias que os podem favorecer, em detrimento dos outros.

Atente-se, desde logo, no voto de vencido relativamente às penas dos arguidos DD e FF, que deveriam ser de 8 e de 7 anos e 6 meses, respectivamente, por intervenção menos relevante, embora sem esquecer que o plano era de todos e que aceitaram a actividade que cada um desenvolveu.

Como vimos já, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente, desde logo, atendendo-se a todas as circunstâncias que deponham a seu favor ou contra ele.

E, como resulta do artigo 29.º CPenal cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente do grau de culpa dos outros.

Estamos numa situação de co-autoria, de actuação de todos mediante prévio acordo e em conjugação de esforços, vontades e intentos, visando o mesmo objectivo.

Actuação concertada – independentemente dos proventos que cada um receberia, ou mesmo que não recebesse, pela sua actuação, visto tal não ser elemento do tipo.

Como se sabe, para a co-autoria não é indispensável que cada um dos intervenientes participe em todos os actos para a obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja um elemento componente do todo responsável à sua produção.

Estas preocupações de justiça relativa dentro de cada processo têm o seu domínio privilegiado no momento em que, pela primeira vez, são aplicadas as penas. Em via de recurso já outras dificuldades adicionais surgem, designadamente, por via dos poderes de cognição do tribunal superior, do âmbito do recurso e da proibição da reformatio in pejus.

O que está directamente relacionado, desde logo, com o saber quem recorre: se o MP a pedir o agravamento, se os arguidos a pedirem a redução das penas.

A mera invocação do princípio da igualdade não permitiria ultrapassar, sem mais, eventuais injustiças relativas, entre os co-arguidos.

No plano constitucional, ao lado do princípio da igualdade, artigo 13.º, ao menos no mesmo plano, situam-se os princípios da proporcionalidade, da adequação, da necessidade e da justiça, artigo 18.º.

Assim, o que no caso sujeito a invocação daquele princípio impõe é saber se o recorrente foi discriminado.

O princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei abrange a igualdade de aplicação do direito e relaciona-se estreitamente com a vinculação jurídico-material do juiz a tal princípio.

Este Supremo Tribunal já teve ocasião de se pronunciar sobre a aplicação do princípio da igualdade no domínio da aplicação da pena, cfr. acórdão de 16.2.2006, processo 06P124-5.ª onde se citam outros que assim se pronunciaram:

“ A aplicação das sanções penais aos factos, sendo estes praticados por individualidades que se determinam e agem por motivos e segundo uma compleição somático-psíquica diferente, movimenta uma multitude de factores endógenos e exógenos, pelo que logo se evidencia a dificuldade de considerar duas situações como iguais, a merecerem tratamento sancionatório exactamente igual.

No âmbito do direito e processo penal a noção de justiça relativa mostra-se mais profícua, na medida em que atende à globalidade dos factos e à personalidade dos agentes, apreciados no seu conjunto, proporcionando, em bloco, uma comparação das situações na sua relação com a pena a aplicar a cada um deles, acórdão de 26.9.2001, processo 1287/01-3.ª.

“Mesmo que aos co-arguidos, acusados pelos mesmos factos, sejam aplicadas penas diversas não se pode concluir, sem mais, pela violação do princípio da igualdade. Basta que as circunstâncias que depõem a favor de um e outro sejam diversas, para que, nos termos do artigo 71.º/ 2 CPenal, também as penas devam ser diversas.

Mas mesmo que as circunstâncias tivessem sido idênticas, sempre seria preciso demonstrar que a pena do arguido não estava dentro dos limites definidos na lei e referidos no artigo 71.º CPenal. É que, em direito penal vigora, acima de tudo mais, o princípio da legalidade, pelo que, não é pelo facto de um caso ser apreciado em termos de fixação de pena benevolamente que nos deva conduzir a procedimento idêntico, mas ilegal, em relação a outro julgamento para outro arguido, acórdão de 26.3.1998, processo 1483/97.

“O princípio constitucional da igualdade a que o arguido faz apelo com fundamento em suma em que a pena que sofreu não é igual à dos outros co-arguidos não tem qualquer razão de ser, não só porque igualdade não se confunde com igualitarismo e implica, mesmo, tratamento diferente para o que é diferente, como também, no caso, as condições pessoais são claramente distintas”, acórdão de 3.4.2003, processo 975/03-5.ª.

“Assim, verificando-se idêntico circunstancialismo relativamente a dois arguidos do mesmo processo, autores do mesmo crime de tráfico de estupefacientes, impõe aquele princípio da igualdade que a pena a aplicar a ambos seja idêntica”, acórdão de 17.12.1997, processo 1156/97.

“Na individualização da pena o juiz deve procurar não infringir o princípio constitucional de igualdade, o qual exige que na individualização da pena não se façam distinções arbitrárias.

Sem deixar de se reconhecer que considerações de justiça relativa impõem que se considerem na fixação de penas em casos de comparticipação as penas dos restantes co-autores, importa notar que a questão das disparidades injustificadas nas penas deve gerar essencialmente uma resposta sistémica, tendente a, em geral, compreender e reduzir o fenómeno.

No plano constitucional, ao lado do princípio da igualdade, e diríamos mesmo acima, situam-se os princípios da proporcionalidade, da adequação, da necessidade e da justiça.

Não se poderia atribuir, em recurso, ao recorrente uma pena menor do que a merecida, se erradamente a 1.ª instância houvesse aplicado em situação idêntica tal pena mais favorável, por ser tal comportamento violador das regras a respeitar na fixação da pena e que a mera invocação do princípio da igualdade não permite ultrapassar”, acórdão de 29.4.2004, processo 3253/03-5.ª .

“Tendo o tribunal recorrido optado por um critério de igualdade entre os arguidos relativamente aos crimes de roubo por que foram condenados, pois ambos agiram com o mesmo grau de ilicitude e de culpa e ambos têm antecedentes criminais, há que fazer, contudo, uma distinção entre eles, ainda que pequena, pois o recorrente, ao contrário do seu co-arguido, tem tido períodos em que mostra alguma inserção social e essa circunstância é-lhe favorável.

Ao não fazer essa distinção, o tribunal violou os critérios legais de graduação da pena, previstos no artigo 71.º CPenal, acórdão de 12-6-03, processo 1678/03-5.ª”.

Ora, da decisão da 1.ª instância e da decisão recorrida constam explicitadas, de forma bastante, as circunstâncias ponderadas na determinação da medida das penas, bem como a relevância que lhes foi atribuída - de onde sobressaem os elevados graus de ilicitude do facto e da culpa.

É, contudo, patente, no quadro de facto ser bem diferente o posicionamento entre os arguidos. Com efeito, será de muito maior responsabilidade, para o arguido CC, que se situa num patamar acima, de todos os outros.

Já, a questão da diferenciação entre os restantes 4 resulta bem mais problemática ou menos evidente, apesar do que se fez constar do voto de vencido.

Com efeito, em termos de culpa, na intervenção dos factos, não se lobriga onde se possa situar a intervenção menos relevante dos arguidos DD e FF – em relação aos outros arguidos, excepção feita em relação ao arguido CC. Atente-se que na casa onde aquele residia, com o BB, foi apreendido mais de 1 kg de haxixe. É certo que não se apurou a quem pertencia.

Nem diferentes posicionamentos processuais o permitem afirmar.

E, excepção feita ao arguido BB - de resto, aplicável, também, aos arguidos FF e YYY - que já foi condenado por factos da mesma natureza e, também, vendia produto estupefaciente, tendo-o feito a 8 compradores.

Sem cair no casuísmo, mas na procura da justiça do caso concreto, dando aplicação aos princípios enunciados, cremos justificar-se a redução das penas dos 4 arguidos, dada a sua posição relativa, em relação à pena aplicada ao arguido CC.

E entre estes 4, cremos, ainda assim, justificar-se a criação de um patamar intermédio, onde se possa situar o arguido BB.

Restando os outros 3 no patamar inferior.

Entendemos, pois, justificar-se a intervenção correctiva deste Supremo Tribunal e julgar mais adequadas, justas e proporcionais aos respectivos graus de culpa, às pessoais intervenções nos factos e respectivas personalidades, as penas de 8 anos para o arguido BB e de 7 anos e 6 meses para os arguidos DD, YYY e FF.

E, assim, em função da dimensão de todas elas, precludida se mostra a possibilidade de suspensão da execução da pena, por carência de um dos seus pressupostos, atento o preceituado no artigo 50.º CPenal.

Em conclusão, improcede, assim, na totalidade o recurso do arguido CC e procedem os recursos dos outros 4 arguidos.

III. Dispositivo

Por todo o exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em,

1. rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA, na sua totalidade;

2. rejeitar o recurso interposto pelo arguido DD, quanto à questão do vício de contradição insanável entre os factos dados como provados e a falta de fundamentação quanto a factos dados como provados;

3. rejeitar o recurso interposto pelo arguido EE, quanto à questão do erro notório na apreciação da prova, nulidade por omissão de pronúncia e erro de subsunção jurídica;

4. negar provimento ao recurso interposto pelo arguido CC;

5. conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido BB, em função do que se reduz a pena para oito anos de prisão, pela prática; em co-autoria e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º/1, por referência às tabelas I-B e I-C do Decreto Lei 15/93;

6. conceder provimento aos recursos interpostos pelos arguidos DD, FF e EE – este quanto à questão da medida da pena - em função do que se reduz as penas para sete anos e 6 meses de prisão, pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º/1, por referência às tabelas I-B e I-C do Decreto Lei 15/93.

Custas pelos arguidos CC e AA, com taxe de justiça individual, que se fixa em 7 UC (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/9 e Tab. III RCP), acrescendo, em relação a este último, a importância de 3 UC’s, nos termos do artigo 420.º/3 CPPenal.

Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e, assinado eletronicamente por si e pelos Srs. Juízes Conselheiros adjuntos, nos termos do artigo 94.º/2 e 3 CPPenal.

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Março de 2025

Ernesto Nascimento - Relator

José Piedade - 1.º Adjunto

Jorge Jacob – 2.º adjunto