Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | EDUARDO LOUREIRO | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO INCÊNDIO FURTO QUALIFICADO NOVOS FACTOS NOVOS MEIOS DE PROVA INCONCILIABILIDADE DE DECISÕES PROVA PROIBIDA MEDIDA DA PENA INCONSTITUCIONALIDADE INDEFERIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 02/11/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO | ||
Decisão: | NEGADA A REVISÃO, | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: | Autos de Recurso Extraordinário de Revisão Processo n.º 267/06.0GAFZZ-M.S1 5ª Secção *
I. RELATÓRIO. 1. Vem o condenado AA – doravante, Requerente – interpor recurso extraordinário de revisão de sentença doacórdão de 9.10.2015 do Tribunal Colectivo do, ora, Juiz …. do Juízo Central Criminal …..1, confirmado em recurso por acórdão de 26.9.2017 do Tribunal da Relação …., complementado por acórdão de 21.12.20172 – complexo decisório doravante designado por Acórdão Recorrido –, que, a par de outro arguido, o condenou, entre o mais, nas seguintes penas pela prática dos seguintes crimes: ─ «a) O presente recurso extraordinário de revisão visa a correção material da gritantemente injusta condenação infligida ao recorrente pela dupla conforme formada pelos acórdãos da primeira instância e da Relação …., mediante o julgamento de questões de fato e de direito novas b) A ratio essendi, rectius a matriz constitucional do recurso de revisão assenta na conclusão óbvia que entre manter a certeza e estabilidade da sentença, mas injusta, por erro, e procurar corrigir este em benefício da liberdade, obviamente, o direito de liberdade se sobrepõe àquele e até a qualquer outro, porque o mesmo – direito à liberdade – constitui o pilar da organização democrática e constitucional do Estado de Direito baseado na dignidade da pessoa humana. c) É fundamento do recurso de revisão o erro judiciário que “emerge das situações processuais em que, por dolo, negligência, desconhecimento ou má interpretação do direito, ou errónea apreciação dos factos, foi proferida uma decisão judicial que não se ajusta à verdade dos factos ou à realidade jurídica”. – Mónica Monteiro in Recurso de revisão: Uma abordagem jurisprudencial. d) É que "…nem tudo se alcança só com a estabilidade e a segurança, mormente se o sacrifício da justiça material - esse princípio estruturante de qualquer sociedade e pedra-de-toque de um Estado de direito democrático, que tem a dignidade humana como valor supremo em que assenta todo o edifício social e político – fosse levado a extremos que deitassem por terra os sentimentos de justiça dos cidadãos, pondo-se, assim, em causa, por essa via, a própria estabilidade e a segurança, que se confundiriam com a tirania ou com a «segurança do injusto», na expressão de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, p. 44. Os cidadãos seriam, desse modo, transformados «cruelmente em vítimas ou mártires duma ideia mais do que errada, porque criminosa, da lei e do direito», como opinou CAVALEIRO DE FERREIRA (cit. por MAIA GONÇALVES no seu Código de Processo Penal Anotado, 2007, 16ª Edição, p. 979.” – Ac. do STJ de 26.04.2012, processo 614/09 in www.dgsi.pt. e) O recurso de revisão constitui, pois, um meio de repor a justiça e a verdade, derrogando o caso julgado.” - Ac. do STJ de 06.11.2019, processo 739/09 in www.dgsi.pt f) "Devem ser novos no sentido de não terem sido apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignoradas pelo réu no momento em que o julgamento teve lugar." – Simas Santos e Leal-Henriques in ob. cit., pág. 206. g) É inconstitucional a norma do artigo 449.º n.º 1 al. d) do CPP, por violar o direito ao recurso de revisão da sentença condenatória, consignado no artigo 29.º n.º 6 da Constituição, na interpretação de que fatos novos devem não só ser novos para o tribunal, como inclusivamente para o condenado recorrente, pois, a excecionalidade do recurso de revisão não é compatível com a complacência perante situações como a inércia do arguido na dedução da sua defesa, ou a adoção de uma estratégia de defesa incompatível com a lealdade processual, que é uma obrigação de todos os sujeitos processuais». h) Também é inconstitucional a norma constante no citado artigo 449.º n.º 1 al. d) do CPP, por violar o principio da separação de poderes, plasmado no artigo 111.º n.º 1 da Constituição, na interpretação de que o Supremo Tribunal de Justiça, pode alterar, por via interpretativa, o conteúdo normativo fixado por lei e até então pacificamente assim interpretado de que os «factos ou meios de prova deviam ter-se por novos quando não tivessem sido apreciados no processo», para, sem qualquer alteração legislativa, passar a prevalecer a norma na interpretação de que «"novos" são tão só os factos e/ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal.» i) Também "Pode ser autorizada a revisão das decisões penais condenatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 673.º do CPP [hoje art.º 449.º n.º 1 al. a)], não só quando está em causa a inocência do condenado, mas também o seu grau de responsabilidade." – Ac. do STJ de 72.01.05, BMJ, 213-154, pág. 210. j) Factos novos são, portanto, todos ou todas aquelas questões que deviam ter sido conhecidas e que se repercutem na responsabilidade criminal do arguido nomeadamente na espécie e dosimetria da pena, incluindo obrigatoriamente as questões de conhecimento oficioso, independentemente de constituírem outrossim causa de nulidade e ter ou não sido suscitada. k) E se assim é, como é, então, por maioria de razão, impõe-se a admissibilidade do recurso de revisão para se tratar de questões novas, no sentido de que não foram conhecidas nem decididas na decisão anterior e que, demonstrando a existência de erro clamoroso na valoração e subsunção dos fatos à norma, conduziram a uma decisão clamorosa e manifestamente injusta. l) É inconstitucional a norma constante no artigo 449.º n.º 1 al. d) do CPP, por violar o direito ao recurso de revisão da sentença condenatória, consignado no artigo 29.º n.º 6 da Constituição, na interpretação de que não constitui fundamento do recurso de revisão, a correção da qualificação jurídica, por consideração de questões de fato e de direito não abordadas na decisão condenatória e no recurso e que implicam uma diminuição significativa ou outra responsabilidade do arguido em prol da liberdade. m) É patente a novidade das questões, i. e., não abordadas no processo pelo tribunal, como, de resto, foi reconhecido/afirmado pelo acórdão da relação de 21.12.2017 no qual, face à reclamação de nulidade do acórdão se decidiu que "O que o arguido pretende com a sua reclamação significaria o prolatar de uma decisão distinta, o que não é legalmente admissível, tanto mais que o poder jurisdicional deste Tribunal se encontra esgotado em termos de decisão final." n) É inconstitucional a norma constante no artigo 449.º n.º 1 al. d) do CPP, por violar o direito ao recurso de revisão da sentença condenatória, consignado no artigo 29.º n.º 6 da Constituição, na interpretação de que não constitui fundamento do recurso de revisão, a correção da qualificação jurídica, por consideração de questões de fato e de direito não abordadas na decisão condenatória e no recurso e que implicam uma diminuição significativa ou outra responsabilidade do arguido em prol da liberdade. o) O arguido foi condenado (i) «Pela prática, em coautoria com o arguido BB de quatro (4) crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº1 e 204º, nº2, al. e) do C. Penal nas penas parcelares de um (1) ano e seis (6) meses prisão para cada um; e (ii) «Pela prática em autoria imediata, de dois (2) crimes de furto qualificado, p. e p., pelos arts.203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e) do C. Penal nas penas parcelares de um (1) anos e seis (6) meses prisão para cada um.» p) Porém, compulsados os autos vemos que quer a acusação, quer o acórdão do coletivo da primeira instância, bem como o acórdão do Tribunal da Relação …. e o acórdão final da relação omitem completamente o valor de cada bem subtraído em cada um dos episódios na tela, pelo que se impunha – e se impõe – a correção ex officio da qualificação jurídica de crime de furto qualificado para crime simples como se vai melhor concretizar. q) Indiscutível é que o «valor» da coisa se trata de um elemento «agravante» do tipo e, portanto, a sua omissão traduz-se na violação do princípio da legalidade e da tipicidade penal. r) II - Estando a punição do crime de furto relacionada com o valor da coisa móvel subtraída ou tentada subtrair, tem de ser provado qual o valor dos objetos, para se saberse estamos perante crime simples ou qualificado. III - Quando não foi possível quantificar o valor da coisa, por mais favorável ao arguido tem de entender-se que o seu valor é diminuto." Ac. do STJ de 12.11.1997,processo n.º 97P861, relatado pelo juiz conselheiro Andrade Saraiva in www.dgsi.pt s) Por outro lado, nos termos do artigo 204.º n.º 4 do Código Penal, não há lugar à qualificação se a coisa ou o animal furtados forem de diminuto valor, o que significa que "O valor diminuto da coisa (n.º 4) impede que as circunstâncias das diversas alíneas dos n.ºs 1 e 2 funcionem como agravativas." Manuel Leal Henriques e Manuel Simas Santos in ob cit., pág. 658. t) A norma constante nos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, alínea e) do Código Penal, aplicada é, inconstitucional, por violar o princípio da legalidade e da tipicidade em matéria penal constante no artigo 29.º n.º 1 da Constituição, por não constar da acusação e acórdãos condenatórios o elemento agravante do tipo «valor elevado» com a consequente desconsideração legal das agravantes dos n.º 1 e 2 do artigo 204.º. u) Por outro lado, vendo a factualidade provada, não há a menor dúvida que existe uma única resolução criminosa, concretizada num limitetemporal até bastante curto, entreprincípiosde Outubroa fins deNovembro de 2006, o mesmo modus operandi, a mesma área geográfica, objetos de reduzido valor, aliás, aparentemente a grande maioria de valor diminuto ou residual, pelo que forçoso é concluir que é incorreta qualificação jurídica efetuada nos acórdãos condenatórios. v) Aliás, essa unidade de resolução é, a dada altura, afirmada pelo tribunal coletivo de primeira instância quando afirma (pág. 11) que "demonstrando-se até ter havido o delinear prévio de um plano", pelo que de acordo com o citado artigo 30.º n.º 1 do Código Penal o arguido só pode ser condenado por um único crime de furto simples, tratando-se de questão de conhecimento oficioso e cuja falta de pronúncia permite a sua apreciação neste recurso de revisão. w) E assim sendo, a pena a aplicar, considerando a aplicação, ipso facto do regime constante no DL n.º 401/82, de 23 de setembro, deve equivaler à pena aplicada no caso sub judice para o crime de furto de 1 ano e seis meses e nada mais. x) No que concerne ao crime de incêndio pelo qual o arguido veio condenado, certo é que constitui novo meio de prova a consideração de ausência do valor de cada bem incendiado, pois as instâncias se limitaram a considerar os danos colaterais computados e não o real valor das coisas incendiadas. y) Certo é outrossim que se surpreende uma manifesta insuficiência da matéria de facto para a condenação, subsistindo uma insuportável dúvida de quem, como e quando provocou o incêndio? sendo que o único traço comum ao incêndio e a tentativa é alguma proximidade temporal com as subtrações, podendo ter sido qualquer pessoa que não o arguido. z) Acresce que o crime de incêndio na forma tentada (296/…) a que se refere o episódio de 23.10.2006 (ponto 22 dos factos assentes) e pelo qual o arguido foi condenado não integra a tipicidade prevista no artigo 272.º n.º 1 do Código Penal na medida em que os objetos alvo da tentativa de incêndio não integram o conceito "bens patrimoniais alheios de valor elevado", pois, se algum valor tinham, seria sempre diminuto e, assim sendo falha um dos elementos do tipo pelo qual foi condenado. aa) Existe insuficiência da matéria de facto, no que às condenações pelo crime de incêndio diz respeito, uma vez que também não é referido, ou melhor, fundamentado se quando foi provocado o fogo este tinha em vista apenas a eliminação de objetos, como, de resto, parece indiciar a factualidade dada por assente, o que releva para a qualificação do crime, pois a eventual propagação do incêndio a partes não desejadas (assim elevando o valor dos bens patrimoniais alheios) faz subsumir a conduta ao disposto no 272.º n.º 2 do Código Penal. bb) Pois que o releva para efeitos de qualificação ou agravação do crime é o valor da coisa a incendiar ou incendiada e não os eventuais danos resultantes da propagação não desejada do incêndio a outras partes ou bens, questão que também ficou por conhecer e decidir pelas instâncias e assim se trata de questões imbricados em questões-de facto que não foram apreciadas e, aliás, deviam ter sido ex officio. cc) Aliás, as razões invocadas pelo tribunal coletivo de primeira instância, "mas por quem e em que circunstâncias" para a absolvição no crime de incêndio no processo 271/06……., deviam ter conduzido forçosamente à absolvição do arguido, porquanto as mesmas dúvidas subsistem nos episódios pelos quais foi condenado já que a indicação pelo arguido do local onde foi cometido o furto não responde por si só ou em conjugação com o demais probatório a tais questões. ee) Também a norma constante no artigo 127.º n.º 1 conjugada com o artigo 355.º n.º 1 do CPP, aplicada nos presente autos é inconstitucional, por violar o princípio de presunção da inocência, consignado no artigo 32.º n.º 2 da Constituição, ao condenar o arguido pelo crime de incêndio p.p. pelo art. 272.º n.º 1, al. e) do Código com o fundamento de que "Tendo havido incêndios nos locais objeto de furto, na mesma altura da prática dos factos e tendo sido indicados pelo arguido AA tais locais igual conclusão se pode retirar.". ff) Seja como for, mesmo que assim se não entenda, o recurso de revisão é de admitir também no que concerne ao crime de incêndio para se proceder à unificação da conduta e condenar-se o arguido numa pena única no limite mínimo e aqui há que ponderar que não foi produzida qualquer prova quanto ao valor dos bens incendiados pelo que se tem que lhe aplicar o regime mais favorável, ou seja, o regime constante do artigo 272.º n.º 2 do Código Penal cujo mínimo é 1 ano de prisão. De todo o exposto, resultam novos meios de prova que impõem a revisão da sentença para: c) Se não se entender ser de absolver o arguido da prática dos dois crimes de incêndio, então deve ser outrossim corrigida a qualificação jurídica dos factos, uma vez que não foi feita qualquer prova do elemento do tipo «bens patrimoniais alheios de valor elevado» (que não se confunde com os chamados danos colaterais), pelo que a punição terá de ser sempre a título de negligência, nos termos do artigo 272.º n.º 2 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, considerando outrossim o regime especial para jovens delinquentes; d) No cúmulo jurídico, considerando-se todas as circunstâncias a favor do arguido, designadamente estar perfeitamente inserido e ressocializado e não constar a prática de quaisquer crimes desde então, inexistindo, portanto particulares exigências de prevenção especial e não podendo as exigências de prevenção geral superar aquelas, deve ser aplicada a pena única de 2 anos de prisão já cumprida, isto sem prejuízo de se defender até à exaustão que a condenação pelo crime de incêndio não está conforme a lei e a Constituição, invocando-se que a «justa» condenação não interessa apenas ao arguido e ao Ministério Público mas, e sobretudo, à comunidade para poder continuar a confiar que em Portugal, enquanto estado de direito democrático, baseado na dignidade da pessoa humana, ninguém é condenado sem provas inequívocas de que cometeu o crime, ou seja, o princípio de in dubio pro reo não é mera retórica constitucional ou doutrinária; e) Seja qual a “solução” que o tribunal entenda por adequada à face das questões concretamente invocadas, a pena deve ser revista de modo a ser fixada num limite igual ou inferior a 5 anos, de modo a permitir a sua suspensão na parte excedente, por, quanto mais não fosse, manifesta desnecessidade da pena, face à atual situação familiar e social do arguido, assim se fazendo cumprir a função do Direito Penal. TERMOS EM QUE 3. A Senhora Procuradora da República ….. respondeu ao recurso, pronunciando-se pelo seu improvimento. 4. A Senhora Juíza mandou subir os autos de recurso a este Supremo Tribunal de Justiça. 6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência. Cumpre decidir. A. Recurso de revisão: considerações gerais. 7. O recurso de revisão é um meio extraordinário de reacção contra sentenças e, ou, despachos a elas equiparados, transitados em julgado, nos casos em que «o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas, susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa eliminar o escândalo dessa injustiça»4. Espaço de realização, desse modo, do compromisso adequado entre os valores da segurança e da justiça, o recurso de revisão da sentença penal está regulado nos art.os 449º a 466º, enunciando, logo, o primeiro deles os – todos os – fundamentos respectivos5, a saber – n.º 1 –, o de uma «outra sentença transitada em julgado» ter «considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão» – al.ª a) –; o de uma «outra sentença transitada em julgado» ter «dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo» – al.ª b) –; o de os «factos que» serviram «de fundamento à condenação» serem «inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação» – al.ª c) –; o de se «descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação» – al.ªd) –; o de se «descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º» – al.ª e) –; o de ser «declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação» – al.ª f) –; e o de uma «sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional» ser «inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça» – al.ª g). E enunciação, assim, taxativa por causa da natureza do instituto da revisão: contendo, na sua razão de ser, um atentado frontal ao valor da segurança jurídica inerente à ideia do Estado de Direito proclamada no art.º 2º da CRP, só motivos de excepcional atendibilidade e devidamente especificados o podem legitimar e em não mais do que o estritamente necessário à realização dos valores, conflituantes, da descoberta da verdade e da realização da justiça, aliás, em nome da sua própria conformidade constitucional. 8. Sendo, por tudo, um expediente excepcional que «prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito», só «circunstâncias "substantivas e imperiosas"», podem legitimar o recurso de revisão. 9. No que especificamente respeita ao fundamento de revisão previsto na al.ª c) do n.º 1 do art.º 449º, a primeira nota é a de que «contém dois pressupostos, de verificação cumulativa […], por um lado, a inconciliabilidade entre os factos que serviram de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença e, por outro lado, que dessa oposição resultem dúvidas graves sobre a justiça da condenação»8. E a inconciliabilidade, em si mesma, há-de traduzir-se «em contradição, em conjunções de factos que se chocam, seja por contradição física ou natural, seja por desconformidade da ordem da razão lógica entre relações factuais, de tal modo relevantes para gerar incerteza sobre os fundamentos da condenação»; há-de verificar-se entre factos provados,apenas – e não, v.g., entre provados e não provados –;ehá-derespeitar«à imputação do crime, aos seus elementos constitutivos ou à escolha e medida das sanções principais e acessórias»10. 10. Já quanto ao fundamento previsto no art.º 449º n.º 1 d) do CPP – outro dos convocados pelo Requerente –, exige-se, logo, que se apurem factos ou meios de prova que possam considerar-se novos, e depois, e cumulativamente que tais factos e, ou, meios de prova, em si e na sua articulação com os já adquiridos e produzidos no julgamento revidendo, ponham em grave dúvida a justiça da condenação. Condição que, assim, precede todas é a de que os factos sejam na realidade factos, isto é, sejam recortes de um acontecimento histórico, recortes de um assunto ou pedaço da vida imputado a determinado indivíduo cuja reconstituição se prossegue em vista de aferir a sua relevância criminal11. E sendo que não o são, designadamente, as questões de direito, sejam elas quais forem, desde invalidades e outros vícios de sentença, ou erros na subsunção típica ou na escolha da pena e determinação da sua medida, ou erros na apreciação das provas12. 11. Condição necessária da revisão, a existência de factos inconciliáveis firmados noutra sentença e a descoberta de novos factos ou meios de prova não é, como já dito, suficiente, havendo uns e, ou, outros de lançarem «graves dúvidas sobre a justiça da condenação» – al.ª c) e d) citadas, parte final. 12. Quanto,porfim, aofundamento da al.ª e) don.º1 do art.º449º –o sobrante dos invocados pelo Requerente e assente na descoberta de terem servido à condenação provas proibidas –, cumpre dizer o seguinte: «Nos termos do art.º 126.º do CPP, os métodos proibidos de prova são de duas categorias, consoante a disponibilidade ou indisponibilidade dos bens jurídicos violados: os absolutamente proibidos, pelo uso de tortura, coacção ou em geral ofensas à integridade física ou moral – n.os 1 e 2 –, que não podem em caso algum ser utilizados, mesmo com o consentimento dos ofendidos, e os relativamente proibidos – n.º 3 –, que respeitam ao uso de meios de prova com intromissão na correspondência, na vida privada, domicílio ou telecomunicações, sem consentimento do respectivo titular»17. 13. Isto dito: B. O mérito do recurso. 14. Revistas, então, a motivação e conclusões do requerimento inicial, tem-se que, assentando no conceito de que «[f]actos novos são […] todos ou todas aquelas questões» de facto e de direito «que deviam ter sido conhecidas e que se repercutem na responsabilidade criminal do arguido nomeadamente na espécie e dosimetria da pena, incluindo obrigatoriamente as questões de conhecimento oficioso, independentemente de constituírem outrossim causa de nulidade e ter ou não sido suscitada», convoca o Requerente em apoio da revisão uma série de circunstâncias que – diz – não «foram conhecidas nem decididas na decisão anterior e que, demonstrando a existência de erro clamoroso na valor ação e subsunção dos fatos à norma, conduziram a uma decisão clamorosa e manifestamente injusta». ─ O erro na subsunção jurídica dos crimes de furto qualificado por que foi condenado, que tanto a 1ª instância como o Tribunal da Relação integraram nos art.os 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al.ª e) do CP, mas que– diz – deveria ter sido reconduzido para a previsão do tipo simples daquele art.º 203º por, desconhecido o valor dos bens subtraídos, dever ele ser reputado de diminuto e afastada, na consequência, a qualificação do tipo nos termos art.os 204º n.º 4 do CP. A mais disso, esgrime o Requerente diversas inconstitucionalidades em apoio da admissibilidade e procedência do recurso de revisão, concretamente, a do art.º 449º n.º 1 al.ª d), por violação do direito ao recurso de revisão consagrado no art.º 29º n.º 6 da CRP e por violação do princípio da separação de poderes consagrado no art.º 111º n.º 1 da CRP; a dos art.os 203º n.º 1 204º n.º 2 al.ª e) do CP, por violação do princípio da legalidade e da tipicidade em matéria penal consagrado no art.º 29º n.º 1 da CRP; e a do art.º 127º, conjugado com o art.º 355º n.º 1, por violação do princípio da legalidade e da tipicidade em matéria penal consagrado no art.º 29º n.º 1 da CRP e da presunção da inocência, consagrado no art.º 32º n.º 2 da CRP. E pede: ─ A absolvição relativamente aos crimes de incêndio, ou, no mínimo, a condenação pela prática de um só crime, aliás, o por negligência p. e p. pelo art.º 272º n.º 2 do CP, na pena de 1 ano de prisão; 15. Veja-se, então, do fundamento do recurso. Antes, porém, e a benefício de uma mais fácil discussão, esboce-se a traço (muito) grosso, o quadro facto-procedimental em que insere o presente recurso extraordinário. Assim: (1). Por acórdão de 26.5.2011 do Tribunal Colectivo do, então, Tribunal Judicial da Comarca …., foi o Requerente condenado, além do mais, nas penas prisão de 2 anos e 8 meses por cada um de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art.os 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al.ª e) – quatro em co-autoria; dois em autoria singular –; de 4 anos por crime de incêndio, consumado, p. e p. pelo art.º 272º n.º 1 do CP; de 18 meses por crime de incêndio, tentado, p. e p. pelos art.os 272º n.º 1, 22º e 73º do CP; e de 11 anos a título de pena conjunta. O que o arguido pretende com a sua reclamação significaria o prolatar de uma decisão distinta, o que não é legalmente admissível,tanto mais que o poder jurisdicional deste Tribuna lse encontra esgotado, em termos de decisão final. Acresce, que a matéria atinente à possibilidade de correção de uma sentença consta do artigo 380° do Código de Processo Penal. a. Os fundamentos de revisão das al.as c) e e) do art.º 449º n.º 1. 17. Para lá da al.ª d) do n.º 1 do 449º de que se cuidará infra, convoca o Requerente em apoio do pedido de revisão as al.as c) e e) do mesmo preceito, que tratam, aquela, do fundamento inconciliabilidade dos factos fundantes da condenação com outros provados noutras sentença, e, esta, do fundamento descoberta de a condenação se ter baseado em provas proibidas. Sucede, todavia que – e centram-se já atenções sobre a al.ª c) referida –, o Requerente não invoca neste recurso, sequer implicitamente, qualquer facto provado noutro lugar respeitante à sua pessoa e contendente com a sua responsabilização criminal que seja lógica e ontologicamente incompatível com algum(ns) (dos) dado(s) como provado(s) no Acórdão Recorrido, muito menos identifica qualquer sentença – e, como é entendimento jurisprudencial consolidado, apenas uma sentença no sentido estrito do art.º 97º n.º 1 al.ª a) de acto decisório que conhece a final do objecto do processo serviria – onde ele se mostrasse estabilizado com trânsito. E praticamente o mesmo acontece com relação ao fundamento da al.ª e), que também não se vê na peça de recurso referência fundamentada a prova proibida que possa ter inquinado afixação de algum facto que tenha concorrido para a definição da culpabilidade no Acórdão Recorrido, nem mesmo quando o Recorrente acusa, mas sem que minimamente explicite e fundamente o argumento, a interpretação inconstitucional do art.º 127º conjugado com o art.º 355º n.º 1, por violação da princípio da legalidade e da tipicidade penal do art.º 29º n.º 1 da CRP e do princípio da presunção da inocência O que, tudo, dita inapelavelmente o indeferimento do pedido de autorização da revisão com base nesses fundamentos, como de imediato e sem necessidade de mais detidas considerações, aqui vai decidido. 18. Mas diz também o Requerente que a revisão deve ser autorizada com base na descoberta de factos e meios de prova novos que põem em grave dúvida a justiça da condenação de que fala o art.º 449º n.º 1 al.ª d), centrando, aliás, nesse fundamento o melhor dos seus esforços e do seu argumentário. Com efeito: Ora, nada disso trazendo a juízo, antes as questões de direito sempre referidas, o que em boas contas acontece é que, afinal e em contrário do que constitui exigência primeira do art.º 449º n.º 1 al.ª d), o recurso não se baseia, como cumpria, em factos e meios de prova, estando, por isso, desprovido de fundamento24. 20. A segunda ordem de razões referencia-se ao requisito da novidade que, suposto que qualificáveis como factos e meios de prova, as questões convocadas no recurso igualmente deviam satisfazer. Razões estas que, assim, igualmente impõem o indeferimento da autorização da revisão. 22. A quarta e última ordem de razões – porventura, a mais decisiva –, emerge do manifesto erro de perspectiva por que o Recorrente encara o recurso de revisão, vendo-o – e conformando-o – como um – mais um! – recurso ordinário em que intenta discutir, por mais uma vez, as questões relativas à figuração da sua culpabilidade e à determinação da sanção em vista do seu reexame, e não como o procedimento de excepcionalidade que na realidade é, só admissível nos casos especificamente previstos no art.º 449º n.º 1 e legitimado pelas circunstâncias patológicas em que o caso julgado se formou e pela injustiça clamorosa que produziu. E, o que se verifica é que o recorrente AA estruturou o recurso de revisão como se se tratasse de um recurso normal para o Tribunal da Relação, pondo em causa a forma como foi apreciada a prova produzida em julgamento e a medida das penas que lhe foram aplicadas. Ora, como ficou dito, em 8. supra – e repete-se para enfatizar – sendo o recurso de revisão um expediente excepcional que «prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito», só «circunstâncias "substantivas e imperiosas"», podem legitimar. Mas – insiste-se – é na perspectiva de mais um recurso ordinário, ora para este Supremo Tribunal, que o Requerente encara e estrutura a impugnação, nela chegando ao ponto de pedir a reversão de condenações em absolvições, reduções de penas e, até, o decretamento de pena de Razões estas que igualmente ditam o indeferimento do pedido de autorização da revisão. c. A interpretação inconstitucional das normas dos art.os 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al.ª e) do CP, e dos art.os 127º e 355º n.º 1, e do art.º 449º n.º 1 al.ª d). Acusações, todavia, todas elas improcedentes, diz-se já, e sobre que, em brevíssima apreciação, cumpre dizer o seguinte: 24. À acusação de inconstitucionalidade do art.º 449º n.º 1 al.ª d) por ofensa ao art.º 29º n.º 6 da CRP quanto interpretado no sentido de vedar a revisão em situações em que apenas estão em causa questões de direito como a da qualificação jurídica e afins, já se respondeu implicitamente em 7. supra quando se reflectiu sobre a natureza do recurso de revisão, sobre a sua excepcionalidade e sobre o compromisso que representa entre os valores, constitucionalmente protegidos, da justiça e da segurança jurídica concretizada no caso julgado. Já quanto à acusação de inconstitucionalidade por violação do princípio da separação de poderes do art.º 111º n.º 1 da CRP por, alegadamente, este Supremo Tribunal de Justiça ter, à margem de qualquer alteração legislativa, alterado os seus entendimentos acerca do que sejam factos e meios de prova novos no contexto do art.º 449º n.º 1 al.ª d), mais não será necessário contrapor-lhe que a jurisprudência não é fonte de lei – e, se dúvidas a propósito houvesse, a eliminação do instituto dos assentos por via da revogação do art.º 2º do Código Civil pelos Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12, seguramente que as teria dissipado –, por isso que não se vendo como possa invadir a esfera de atribuições de outros poderes do Estado, mormente do legislativo. 25. À acusação de inconstitucionalidade dos art.os 127º e 355º n.º 1 também já, de certo modo, se respondeu quando em 11. se cuidou do fundamento da revisão da al.ª e) do art.º 449º, que só no contexto da utilização de prova proibidas ela pode aqui fazer (algum) sentido. 26. No respeitante, por fim, à inconstitucionalidade interpretativa dos art.os 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al.ª e) do CP – que o Requerente identifica na circunstância de, não obstante, não ter ficado apurado o valor dos objectos subtraídos,ainda assim o Acórdão Recorrido ter subsumido as condutas no tipo qualificado do n.º 2 al.ª e) referido, ao invés de no tipo simples do art.º 203º por acção do n.º 4 do art.º 204º –, cumpre, antes de tudo, observar que se trata de questão cujo lugar próprio é num recurso ordinário e não num extraordinário de revisão e que bem podia, e devia, ter sido alegada – mas parece que não foi – no recurso interposto do acórdão do Tribunal Colectivo de ….. para o Tribunal da Relação …... Pelo que também esta acusação de inconstitucionalidade não poderá ser atendida. III. DECISÃO. 27. Termos em que, considerando todo o exposto, acordam os juízes desta 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar a autorização da revisão. Custas pelo Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC's * |