Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | LUCAS COELHO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL DANOS PATRIMONIAIS DANOS FUTUROS EQUIDADE DANOS MORAIS | ||
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Nº do Documento: | SJ200310230000532 | ||
Data do Acordão: | 10/23/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 751/2002 | ||
Data: | 06/02/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
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Sumário : | I - A «incapacidade permanente geral e profissional de 10%» causada por acidente de viação não deve ser valorada numa perspectiva meramente não patrimonial - sem prejuízo do alto valor e elevada dignidade deste parâmetro - a qual redundaria na depreciação da dimensão ou expressão pecuniária dos danos dela resultantes; II - A aludida incapacidade pode, pois, gerar danos patrimoniais futuros, susceptíveis de indemnização mesmo que se não prove ter dela resultado diminuição actual dos proventos profissionais do lesado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I Contestada a acção no tocante ao montante de determinados danos e prosseguindo os trâmites legais, veio a ser proferida sentença final, em 28 de Janeiro de 2002, que a julgou parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor a indemnização de 6.630.000$00 incluindo 1.500.000$00 de danos não patrimoniais, e juros à taxa de 7%, desde 3 de Maio de 2000, sobre a quantia de 5.130.000$00 respeitante aos danos patrimoniais. A ré apelou, obtendo parcial provimento da Relação do Porto, que reduziu a indemnização para 4.630.000$00 (23.094,35 euros) - compreendendo já a aludida verba concernente a danos morais - acrescida de juros à taxa legal desde a mesma data. Do acórdão assim proferido, em 2 de Julho de 2002, traz o autor a presente revista, cujo objecto, considerando a respectiva alegação e suas conclusões, à luz dos fundamentos do acórdão recorrido, consiste ultima ratio na questão de saber se a incapacidade parcial permanente geral e profissional de 10% sofrida pelo autor dá lugar a danos patrimoniais indemnizáveis. II 1. A Relação deu como provada a factualidade assente na 1ª instância, para a qual, por não alterada nem impugnada, se remete, nos termos do nº. 6 do artigo 713º do Código de Processo Civil, conquanto convenha reter de imediato os factos com interesse para a decisão do objecto do recurso.Desde logo, porém, interessa esclarecer que não se discute qualquer dos pressupostos da responsabilidade civil por facto do condutor do automóvel seguro pela ré, salvo, como se disse, o montante de determinados danos, sendo no sentido daquela responsabilidade assaz esclarecedoras as alínea B) e C) da especificação, que por isso se transcrevem do acórdão em revista a título de elucidação: «O veículo automóvel estava parado junto à berma da EN nº. 1, no sentido norte-sul, sem sinalizar qualquer tipo de manobra, quando o motociclo, que seguia no mesmo sentido, se preparava para o ultrapassar.» «O condutor do veículo automóvel iniciou, de forma súbita e inesperada, uma manobra de inversão de marcha, para seguir em direcção ao Porto, obstruindo, por completo, a faixa de rodagem por onde circulava o motociclo que, surpreendido por aquela manobra, nada pôde fazer para evitar o embate na sua lateral esquerda.» Nos termos expostos, eis então os factos especificamente relevantes quanto aos danos, tal como fluem do acórdão sub iudicio (pontos nºs. 5 a 19 do elenco factual nele desenhado): 1.1. «A ré pagou ao autor a quantia de 385.000$00 em prestações de 55.000$00, a título de perdas de salários dos meses de Outubro de 1998 a Abril de 1999 (2); 1.2. «Como consequência directa e necessária do acidente, o autor fracturou os ossos do antebraço esquerdo, a 2.ª falange do polegar esquerdo e o tornozelo direito e sofreu hematomas e escoriações diversas; 1.3. «Esteve imobilizado em consequência do tratamento com gesso na perna direita e braço e mão esquerda desde a data do embate até finais de Janeiro de 1999; 1.4. «O autor exercia a profissão de operário da construção civil, auferindo mensalmente, em média, a quantia de 90.000$00 (salário fixo, no valor de 65. 000$00, mais horas extras); 1.5. «O autor foi sujeito a tratamento de fisioterapia ambulatório em hospitais e clínicas até Fevereiro de 1999; 1.6. «Ficou com sequelas, que lhe determinam uma incapacidade permanente geral e profissional de 10%; 1.7. «O autor tem [no membro superior esquerdo] uma área cicatricial na face dorsal do terço médio do antebraço com 3 por 1cm de maiores dimensões, distrofia visível no terço médio do antebraço, limitação do movimento de pronosipunação ao nível do cotovelo, limitação nos últimos graus de flexão e de extensão ao nível do mesmo cotovelo e rigidez da articulação interfalângica do polegar esquerdo; 1.8. «O autor não tem qualquer outra formação profissional.; 1.9. «Noutros ramos, como no sector do calçado, em que já fez várias entrevistas, o autor é sempre rejeitado em benefício de outros mais aptos; 1.10. «O que o desgosta e transtorna, fazendo com que se sinta inferiorizado e marginalizado; 1.11. «O autor foi declarado inapto para cumprir o serviço militar; 1.12. «Antes do embate era um jovem saudável, alegre, dinâmico e crente no futuro, e agora é introvertido; 1.13. «Sofreu dores e incómodos após o acidente e durante os tratamentos a que foi sujeito, que se manterão ao longo da vida, nomeadamente sempre que fizer um esforço físico mais acentuado e nas mudanças de tempo; 1.14. «O autor está sem trabalhar desde a data do embate; 1.15. «Devido ao acidente, as botas, as calças e a casaca de ganga que o autor trazia, no valor de 25.000$00, ficaram danificadas, assim como o capacete, no valor de 15.000$00, e o relógio, no valor de 25.000$00.» 2. Com base nos factos referenciados, a sentença de Vila Nova de Gaia concluiu que o acidente de viação sub iudicio se deveu a facto voluntário, ilícito e culposo do condutor do automóvel (artigos 483º, nº. 1, do Código Civil e artigos 3º, nº. 2, 12º, nº. 1, e 35º, nº. 1, do Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei nº. 114/94, de 3 de Maio), responsabilizando a ré "Companhia de Seguros B, S.A.", mercê do contrato de seguro respectivo [alínea D) da especificação], pelos danos causados na pessoa e esfera patrimonial do autor. No tocante a estes, atendeu a sentença, por um lado, aos danos patrimoniais resultantes de concretos prejuízos materiais, lesões físicas e consequentes incapacidades funcionais sofridos por aquele, todos ressarcíveis em conformidade com os artigos 562º, 563º, 564º, nº. 1, e 566º, do Código Civil. Assim, o valor da indumentária, capacete e relógio destruídos no sinistro - 65.000$00. A perda de salários relativos a 5 meses (90.000$00 x 5 = 450.000$00, de que a ré, porém, solvera 385.000$00), derivada de incapacidade temporária absoluta desde Outubro de 1998 (cfr. supra, nota 2) até Fevereiro de 1999, data em que cessaram os tratamentos do autor - 65.000$00. A incapacidade permanente parcial, geral e profissional, de 10%, e seus reflexos no esforço complementar que, sem qualquer retribuição monetária adicional, o autor terá de despender no exercício de qualquer profissão e na sua vida normal. Neste ponto a sentença, considerando as variáveis reconhecidas na jurisprudência actual como aptas para o cálculo do dano (3) e, bem assim, as conhecidas no caso concreto - idade do autor indicada no relatório da perícia médico-legal (18 anos na data do acidente; cfr. fls. 100), a sua remuneração média à data do sinistro - computou o dano em 5.000.000$00. Além dos prejuízos patrimoniais aludidos, a decisão da 1.ª instância conferiu ainda relevo a danos não patrimoniais da saúde e bem-estar, relacionados com as dores, desgosto e alterações de personalidade sofridos pelo autor em consequência de internamentos, imobilizações com gesso e tratamentos a que teve de se submeter, os quais pela sua gravidade merecem a tutela do direito, sendo compensáveis em especial nos termos do artigo 496º, nº. 1, do Código Civil. E tendo em consideração a extensão, natureza e incidência das lesões e correspondentes sequelas, as capacidades económicas das partes e demais variáveis conhecidas fixou a indemnização pelos referidos danos não patrimoniais em 1.500.000$00. Foi da forma descrita atribuída ao autor na 1.ª instância a indemnização global de 6.630.000$00, sendo a ré condenada ainda nos juros moratórios, à taxa legal, sobre a importância dos danos patrimoniais (5.130.000$00), desde 3 de Maio de 2000 - a acção fora instaurada em 4 do mesmo mês. 3. A Relação introduziu no julgado apenas uma alteração, mas nem por isso despicienda, bem pelo contrário, concedendo nessa medida parcial provimento à apelação da ré. Deixou intocada a sentença quanto aos danos emergentes de carácter material relativos a vestuário e acessórios no valor de 65.000$00; quanto à verba residual também de 65.000$00 de lucros cessantes salariais; e avalizou, inclusivamente, a importância de 1.500.000$00 arbitrada a título de danos não patrimoniais. Revogou-a, todavia, no tocante ao específico aspecto dos danos patrimoniais relacionados com a incapacidade permanente do lesado, valorando os vectores da «incapacidade em si» e do «esforço complementar a que obriga no exercício da profissão» como dano não patrimonial indemnizável nos termos do artigo 496º, nº. 1, e fixando equitativamente o seu valor, de harmonia com o nº. 3 do mesmo artigo, em 3.000.000$00. A indemnização global ficou por isso reduzida a 4.630.000$00, acrescida dos juros nos termos da condenação em primeira instância. 4. Desta parte da decisão interpõe o autor a presente revista, formulando na alegação as conclusões seguintes: 4.1. «A questão a dirimir no presente recurso de revista resume-se a saber se há ou não lugar a indemnização por dano patrimonial futuro com base na simples prova da incapacidade permanente geral e profissional; 4.2. «É largamente defendido, quer na doutrina (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9.ª edição, pág. 942), quer neste Venerando Tribunal (Ac. STJ, in BMJ, nº. 484, Ano 1999, pág. 352), haver lugar a indemnização por dano patrimonial futuro com base na simples prova de incapacidade permanente profissional; 4.3 «Provou-se nos presentes autos que o recorrente padece de uma incapacidade permanente geral e profissional de 10%, o que, de per si, é quanto baste para que seja arbitrada indemnização por danos patrimoniais futuros, tal como o doutamente decidido na 1.ª instância; 4.4. «Dos factos provados nos autos, resulta ainda que o recorrente: - auferia um rendimento anual de Esc. 1.260.000$00 (Esc. 90.000$ x 14); - à data do sinistro tinha 18 anos(e a idade resulta dos autos como muito bem se refere no douta sentença), pelo que lhe restavam 47 anos de vida profissional activa e 57 anos de esperança de vida; - está sem trabalhar desde a data do sinistro; 4.5. «Há ainda que atender a outras circunstâncias, como seja, a baixa generalizada das taxas de juro, a evolução previsível e natural dos salários, sem esquecer, como vem sendo defendido, que o contínuo aumento dos prémios de seguro tem de repercutir-se no aumento das indemnizações e não apenas no aumento dos lucros, já significativos, que as seguradoras apresentam anualmente, de forma a acabar-se com o miserabilismo das indemnizações de outrora, a que a apelante parece querer e tem interesse em fazer regressar; 4.6. «Tendo presentes todas estas circunstâncias, temperadas com um juízo de equidade (artº. 566º, nº. 3, do Cód. Civil), não custa a admitir como justa a indemnização de Esc. 5.000.000$00 fixada na 1.ª instância por danos patrimoniais futuros, pois só este montante é capaz de produzir um rendimento mensal que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante os 47 anos de vida activa previsível do recorrente, sem esquecer os seus 57 anos de esperança de vida; 4.7.«O acórdão ora posto em crise violou, entre outros, o disposto nos artigos 562º, 563º, 564º e 566º, nº. 3 do Cód. Civil.» A ré recorrida contra-alega defendendo a confirmação do julgado. III Encontrando-se disponíveis os necessários elementos de apreciação cumpre decidir.O objecto da presente revista consiste unicamente, recorde-se, na questão de saber se a «incapacidade parcial permanente geral e profissional» sofrida pelo autor dá lugar a danos patrimoniais indemnizáveis, como se decidiu na 1.ª instância, ou deve antes ser valorada em sede de danos não patrimoniais, ressarcíveis nos termos do artigo 496º do Código Civil, segundo o entendimento do acórdão recorrido. 1. Como se sabe, quem estiver obrigado a reparar um dano «deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» (artigo 562º do mesmo Código). Por outro lado, o dever de indemnizar compreende todos os danos, mas só esses, «que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», dispõe o artigo 563º, ou seja, de harmonia com o pensamento nuclear da causalidade adequada nele acolhido, os que, num juízo de prognose póstuma, sejam consequência normal, típica, provável do facto. Relativamente a estes danos deve, por conseguinte, o responsável, à luz do artigo 562º, reconstituir, não a situação real anterior à lesão, mas a situação hipotética que existiria se não fosse o facto determinante da responsabilidade (4). E nessa reconstituição optou a lei em primeira linha pela restauração in natura, e, subsidiariamente, quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, pela indemnização em dinheiro (artigo 566º, nº.1), atendendo nesta, precisamente, à diferença entre a situação real actual do lesado - «na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal» - e a situação hipotética que seria a sua na mesma data sem o dano sofrido (nº. 2 do mesmo artigo). Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, julgará o tribunal «equitativamente dentro dos limites que tiver como provados» (artigo 566º, nº. 3). Os danos ressarcíveis dentro das coordenadas esboçadas podem ser de diversas categorias, consoante os critérios, assumindo entre elas importância fundamental os danos patrimoniais. Mas pode tratar-se de danos não patrimoniais ou morais, que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, a fixar pelo tribunal segundo a equidade (artigo 496º, nºs. 1 e 3). Por fim, na fixação da indemnização, além dos danos presentes, pode também o tribunal «atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis» (artigo 562º, nº. 2). Assim sucede paradigmaticamente nos casos em que o facto vem a causar adequadamente ao lesado uma incapacidade permanente para o trabalho prenunciando previsíveis reflexos negativos nos rendimentos laborais do seu amanhã, tal como, assim pensamos, na situação do recorrente discutida na presente acção. 2. Com efeito, a incapacidade permanente geral e profissional de 10% que diminuiu o autor para sempre foi apreciada no tribunal de Vila Nova de Gaia em seus reflexos sobre a «situação patrimonial» daquele, ponderando-se topicamente o «esforço complementar que, sem qualquer retribuição monetária adicional, o autor terá de despender no exercício de qualquer profissão e na sua vida normal» em razão da mesma incapacidade, que assim resultou valorada como fonte de previsíveis danos patrimoniais futuros, se bem se interpreta. E a sentença, atendendo aos factores aceites no cálculo de um semelhante dano - no que referencialmente evocou a jurisprudência deste Supremo Tribunal já citado (supra, nota 3) - e às circunstâncias concretas conhecidas, com relevo para a idade do autor, permitindo, comentamos nós, antever um longo período de vida laboral activa de cerca de 47 anos desde o sinistro, fixou equitativamente a indemnização daqueles danos em 5.000.000$00 (supra, II, 2.). 3. Este, aliás, o único aspecto desaprovado pelo acórdão em revista, que por isso esgota o objecto do recurso. Valorando, como sabemos, a «incapacidade em si» e o «esforço complementar a que obriga no exercício da profissão» como dano não patrimonial indemnizável nos termos do artigo 496º, nº. 1, o aresto fixou equitativamente o seu valor, de harmonia com o nº. 3 do mesmo artigo, em 3.000.000$00 (cfr. supra, II, 3.). Observe-se que o acórdão sub iudicio se deixou nesta parte sensibilizar, declaradamente, pela argumentação da seguradora na sua apelação, que se descreve em poucas palavras. Por um lado, a despeito de a prova produzida haver estabelecido que o acidente determinara ao autor aquela «incapacidade permanente geral e profissional de 10%», sustentou a ré apelante perante a Relação do Porto não se ter provado, como se lê no aresto, «que o autor tenha ficado diminuído na sua capacidade de ganho». Aduzindo, por outro lado, serem desconhecidos «os motivos por que o autor está sem trabalhar desde o acidente, já que não fez prova de que as sequelas não lhe permitem exercer o trabalho que efectuava, nem que determinaram a rescisão do contrato de trabalho, conforme resposta negativa ao ponto 4º. da base instrutória». E, neste conspecto, não se poderia, portanto, «afirmar que a situação de inactividade provavelmente não se teria verificado se não fosse o acidente, não havendo, por isso, lugar a indemnização por dano patrimonial, atento o disposto no artigo 563º do Código Civil». Não nos parece, todavia, salvo o devido respeito, que estes argumentos devessem proceder. Em primeiro lugar, por se afigurar inexacto que não se tenha provado uma diminuição da capacidade de ganho do autor, quando a resposta ao quesito 2º é categórica no sentido de que este «ficou com sequelas que lhe determinam uma incapacidade permanente geral e profisssional de 10%». Segundo, porque a ponderação dos danos patrimoniais futuros em consequência da incapacidade, prolongando-se por um período previsível de vida activa do autor que excede 40 anos, transcende em muito o horizonte temporal relativamente limitado de inactividade posterior ao acidente. Por último, considerando que a valoração da 1.ª instância é nuclearmente alheia, quer a essa inactividade, especificamente, pois se trata de um incapacidade parcial e, ademais, permanente, quer ao necessário desempenho no futuro da actividade de construção civil preteritamente exercida pelo autor, podendo pela natureza da incapacidade tratar-se de qualquer outra, quer alheia ainda à rescisão, em especial, do contrato de trabalho por motivo ou não da incapacidade. Tanto assim, neste último aspecto, que a própria sentença insere significativamente o aparte: «incapacidade, note-se, que o autor não logrou demonstrar que estivesse na origem da rescisão do contrato de trabalho que, à altura do sinistro, prestava na construção civil». 4. Improcedendo, nesta perspectiva, os fundamentos pelos quais foi revogada a sentença da 1ª instância no aspecto em questão, não se vislumbram outros que possam impedir a manutenção do ali decidido nessa parte, sendo certo quanto aos demais que a mesma mereceu total confirmação. Não deixaremos em todo o caso de observar, quanto ao fundo, a finalizar, que a tónica infortunística meramente não patrimonial perfilhada na 2.ª instância, sem prejuízo obviamente do alto valor e elevada dignidade desse parâmetro, cremos que vem a redundar numa depreciação da dimensão ou expressão pecuniária dos danos em apreço. E não é essa, aliás, a orientação que se tem definido na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em casos paralelos, documentada nos acórdãos citados na alegação do recorrente e na decisão de Vila Nova de Gaia: de 5 de Fevereiro de 1987 (5), de 12 de Maio de 1994 (6), de 7 de Outubro de 1997 (7), de 11 de Fevereiro de 1999 (8) e de 16 de Março de 1999 (9). Pela similitude com o presente caso evidencie-se o primeiro desses arestos, que se debruçou sobre determinada incapacidade permanente parcial para o trabalho e a locomoção, não se tendo provado as consequências dela nos proventos profissionais, nem, relativamente a um dos lesados, que a cessação das suas funções profissionais se tivesse devido às lesões. Pode ler-se no respectivo sumário, elucidativamente: «A indemnização por danos futuros resultantes de incapacidade física do lesado causada por acidente de viação, não deve englobar-se nos danos não patrimoniais e é devida mesmo que não se prove ter dela resultado diminuição actual dos proventos profissionais do lesado.» 5. Nos termos expostos, concedem a revista, revogando o acórdão recorrido na parte em que, por sua vez, revogou a sentença da 1ª instância quanto à verba de 5.000.000$00 por danos patrimoniais - substituindo-a por 3.000.000$00 a título de danos não patrimoniais -, subsistindo aquela, com o consequente direito do autor recorrente à indemnização global de 6.630.000$00, acrescida dos juros já decididos nas instâncias, e a condenação da ré em conformidade. Custas pela ré recorrida (artigo 446º, nº. 2, do Código de Processo Civil). Lisboa, 23 de Outubro de 2003 Lucas Coelho Ferreira Girão Luís Fonseca ______________ (1) Assim se afigura, salvo erro - aspecto de resto despiciendo no âmbito do litígio -, atendendo à cilindrada, quiçá de 50 cm3, e à matrícula municipal, embora nas peças processuais venha qualificado como motociclo. (2) Recorde-se que o acidente ocorreu justamente em 29 de Setembro de 1998. (3) Remetendo a propósito para o acórdão deste Supremo Tribunal, de 16 de Março de 1999, «Colectânea de Jurisprudência», ano VII (1999), tomo I, págs. 167/170. (4) Na adução dos presentes subsídios seguimos basicamente, por todos, a lição de Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª edição, revista e actualizada (Reimpressão), Almedina, Coimbra, 2003, págs. 878/912. (5) «Boletim do Ministério da Justiça», nº. 364, págs. 364 e seguintes. (6) «Colectânea» citada, ano II (1994), tomo II, págs. 98 e seguintes. (7) «Boletim» citado, nº. 470, págs. 569 e seguintes. (8) «Boletim», nº. 484, págs. 352 e seguintes. (9) Citado supra, nota 3. |