Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | HELENA MONIZ | ||
| Descritores: | HABEAS CORPUS DETENÇÃO ILEGAL MEDIDA DE COAÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 01/13/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
| Decisão: | IMPROCEDÊNCIA/ NÃO DECRETAMENTO. | ||
| Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
| Sumário : | I - O requerente desta providência considera que a sua detenção, ocorrida a 30-12-2021, foi ilegal, por violação dos arts. 174.º, n.ºs 2 e 5 e 177.º, n.ºs 3, 4 e 6, ambos do CPP, e consequentemente entende que a prisão atual é também ilegal; mas, não só não cabe a este STJ decidir agora da detenção ilegal, como o peticionante não se encontra neste momento em detenção, mas em prisão preventiva. Pelo que, cabe apenas averiguar se a prisão atualmente constitui ou não uma prisão ilegal. II - O arguido foi sujeito a primeiro interrogatório, nos termos do art. 141.º, do CPP, a 31-12-2021, e, para além de se ter determinado a prestação de termo de identidade e residência, foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva; sabendo que o arguido está indiciado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, nos termos do art. 21.º, do DL n,º 15/93, sabendo que se trata de crime ao qual é aplicável a pena de prisão de 4 a 12 anos, sabendo que se trata de criminalidade altamente organizada, e que foi considerado existir perigo de continuação da atividade criminosa, estão verificados os pressupostos para aplicação da medida de coação de prisão preventiva. | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 337/21.5GFVFX-B.S1 Habeas Corpus
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I Relatório 1. AA, arguido preso no Estabelecimento Prisional ..., vem, por intermédio de mandatário, requerer a providência de habeas corpus, com fundamento em ilegalidade da prisão e no disposto no art. 222.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal (CPP), nos seguintes termos: «1.º - O peticionante foi detido por militares da GNR ..., no dia 30 de Dezembro, pelas 14h quando circulava no interior de um veículo automóvel de marca ... ... nesta comarca, 2.° - Tendo sido algemado, revistado e ficado sem a posse dos telemóveis que detinha consigo. 3.° - De seguida foi colocado num veículo da GNR, 4.º - Enquanto um militar desta força policial conduzia o veículo cm que o arguido se havia transportado (o mencionado ...), o arguido seguiu noutro veículo da GNR. 5.° - Os militares da GNR conduziram então o arguido a uma casa sita em ..., mais concretamente na Rua ..., 6.° - Onde, após busca efectuada pelos militares da GNR, foi encontrado produto estupefaciente (haxixe). Todavia, essa não é a residência do arguido, o qual reside no ..., como declarou ao M.° JIC 7° - Ou seja, a detenção do arguido mostra-se ilegal. 8.° -Uma vez que não foi efectuada em flagrante delito 9.° - Nem os militares da GNR tinham consigo Mandado de Detenção. 10.° - O arguido foi detido com preterição do formalismo legal e com violação do disposto no art° 174.° n.° 2, 5 e 177.° n.° 3 4 e 6 do CPP. 11° - Sendo por isso ilegal 12.° - Pelo que a detenção e subsequente prisão do peticionante do arguido se mostram, por isso, a todos os títulos ilegais e assim devem ser declaradas por este Supremo Tribunal de Justiça. 13.°- A qualquer pessoa que se encontre ilegalmente presa, o Supremo tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência extraordinária do Habeas Corpus. (art.° 222 n.º 1. do C.P.P). Requer-se, por isso, a) - a concessão da referida providência do Habeas Corpus, com a declaração de ilegalidade da detenção e subsequente prisão imposta ao peticionante, a qual que se mantém actual, b) e a imediata restituição à liberdade do requerente AA (artº 222.° n.° 1 c 2 alínea b) do CPP e art° 31.° n.° 1 2 e 3 da Constituição da República)». 2. Por despacho do Meritíssimo Juiz (de 03.01.2022) foi dada possibilidade de contraditório ao Ministério Público que na respetiva promoção disse: «Porém, os factos relatados pelo arguido não correspondem, em nada, ao que se mostra descrito no auto de notícia por detenção, de fls. 3 a 12, e demais expediente constante dos autos. Em primeiro lugar convém indicar que a abordagem ao arguido AA adveio da realização prévia de buscas não domiciliárias válidas (despacho de fls. 87) na garagem adstrita à fracção correspondente ao ....º direito da Rua..., ..., em ..., onde foram encontrados cerca de 401 quilogramas de haxixe (fls. 16 a 19). No seguimento de tal apreensão, foram inquiridos BB, de fls. 21, e CC, de fls. 22, que afirmaram que o residente em tal fracção tinha acabado de sair do local, conduzindo um veículo de marca e modelo ... ..., de cor ..., sendo que descreveram tal pessoa de forma que correspondia à fisionomia do arguido. Correspondendo à descrição (da pessoa e do veículo) feita pelas testemunhas, foi o suspeito (ainda não constituído arguido) abordado, junto da Estação da CP de ..., estando este no interior de tal veículo. Com o seu consentimento (fls. 23), foi realizada busca ao veículo onde, ademais de outros objectos, se encontrou a chave da fracção e da garagem correspondente ao ....º direito da Rua..., ..., em ... (fls. 24 a 28), tendo o arguido consentido (fls. 37), igualmente, na realização de busca domiciliária nessa fracção, referindo o mesmo que aí residia (fls. 37) havia 3 (três) meses, tendo, até, prestado termo de identidade e residência nessa mesma morada (fls. 56 e 57). Só após a realização de buscas domiciliárias na fracção correspondente ao ....º direito da Rua..., ..., em ... (fls. fls. 38 e 39), realizadas pelas 15 horas e 20 minutos (Cfr. auto de busca e apreensão de fls. 38 e 39), foi dada voz de detenção ao arguido, pelas 16 horas (Cfr. comunicação de fls. 60), porquanto o mesmo, no local onde disse residir, tinha na sua posse ou, pelo menos, à sua disposição ou acesso, 193 quilogramas de haxixe. Ainda que o arguido tenha vindo, em momento posterior (já em sede de interrogatório de arguido detido), invocar que o local onde reside não é a fracção Processo: 337/21.... correspondente ao ....º direito da Rua..., ..., em ..., pelo que o produto estupefaciente não seria seu, a verdade é que, perante os militares da Guarda Nacional Republicana disse aí residir, havia três meses, além de se encontrar na posse das chaves das fechaduras das portas que davam acesso a tais locais onde foi encontrado produto estupefaciente. Estando na disponibilidade de tal produto, foi dada voz de detenção em flagrante delito, sendo, portanto, válida nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 254.º, n.º 1, alínea a), 255.º, n.º 1, alínea a), e 256.º, n.º 1, todos do Código do Processo Penal. Aliás, já esta questão da validade da detenção havia sido levantada em sede de 1.º interrogatório de arguido detido, tendo sido proferido despacho de validação da mesma, proferido a fls. 91 a 93 dos autos. Pelo exposto se consegue retirar que o arguido invoca factos que não correspondem aos elementos aportados aos autos, invocando, ademais, outros que são plenamente contraditórios com as posições tomadas pelo próprio em momento anterior, nomeadamente, invocando que não reside na fracção correspondente ao ....º direito da Rua..., ..., em ..., quando o mesmo, aquando da abordagem realizada pelos militares da Guarda Nacional Republicana, afirmou aí residir, tendo prestado termo de identidade e residência nessa mesma morada, vindo posteriormente afirmar que, afinal, não é aí que mora, residindo, sim, em .... Em face do que antecede, entende o Ministério Público que a ilegalidade da detenção invocada pelo arguido é infundada, e até se dirá manifestamente infundada, Pelo que se promove que: a. Não seja a presente providência de Habeas Corpus deferida, por infundada; b. Não seja declarada qualquer ilegalidade na detenção do arguido AA; c. Mantendo a medida de coacção a que o arguido foi sujeito, não se restituindo à liberdade.» 3. Foi prestada informação de acordo com o art. 223.º, n.º 1 do CPP, nos seguintes termos: «O arguido AA, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva desde 31/12/2021 no Estabelecimento Prisional ..., intentou providência de habeas corpus, alegando prisão ilegal consequente de detenção ilegal. Importa prestar a informação necessária sobre a prisão e sua manutenção nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal: Ao arguido AA foi aplicada em 31/12/2021, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, a medida de coacção de prisão preventiva (cfr. auto de interrogatório de fls. de fls. 88 a 93), tendo por base, no essencial, os seguintes fundamentos: 1 – A constatação de fortes indícios da prática pelo arguido de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-lei 15/93, de 22 de Janeiro. 2 – A verificação da concreta existência do perigo de continuação da actividade criminosa. Todos os elementos de prova indiciária considerados foram indicados a fls. 90, para os quais o despacho de aplicação da medida de coacção remeteu (cfr. fls. 92), estando cabalmente explicados os motivos que levaram a concluir pela existência concreta do aludido perigo. Acresce que a detenção do arguido foi validada no âmbito do despacho judicial que procedeu à aplicação da medida de coacção e no qual se teve já em consideração que “Contrariamente ao alegado a detenção não ocorreu, nos termos plasmados nos autos, com a mera abordagem do arguido no interior do veículo”, conforme vem novamente o arguido invocar, e que “A detenção do arguido ocorreu, de acordo com o expediente apresentado, em momento ulterior à constatação dos elementos demonstrados documentalmente que se sucederam à busca e apreensão” (fls. 91). Também a busca realizada à residência foi alvo de validação judicial, nos termos do disposto pelos artigos 174.º, n.º 5, al. a), n.º 6 e 177.º, n.º 3, al. a) e n.º 4 do Código de Processo Penal, conjugados com a autorização de busca de fls. 37, subscrita pelo arguido. Entendo, por conseguinte, que a providência de habeas corpus não consubstancia o meio processual adequado de reacção ao despacho proferido de fls. 91 a 93. Com efeito, atento o tipo de crime indiciado e considerando que a respectiva moldura penal é superior a 5 anos, é de concluir que a medida de coacção de prisão preventiva aplicada em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido: - Foi aplicada por entidade competente. - Foi motivada por facto que a lei permite e prevê. - Não se encontram excedidos os prazos fixados por lei ou decisão judicial. Em face do exposto, entendemos que a prisão do arguido é legal e deverá ser mantida ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, 192.º, 193.º, n.º 1 e 2, 196.º, 202.º, n.º 1 alíneas a) e c), e 204.º, alínea c), do Código de Processo Penal, não sendo a providência de habeas corpus o meio adequado de reacção ao despacho proferido a fls. 91 a 93, não estando, de todo, preenchido o requisito previsto no artigo 222.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal. No entanto, Vossas Excelências, Colendos Senhores Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, melhor decidirão.» 4. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, teve lugar a audiência pública, nos termos dos art.ºs 223.º, n.º 3, e 435.º do CPP. Há agora que tornar pública a respetiva deliberação e, sumariamente, a discussão que a precedeu.
II Fundamentação 1. Nos termos do art. 31.º, n.º 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, o interessado pode requer, perante o tribunal competente, a providência de habeas corpus em virtude de detenção ou prisão ilegal. “Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade” constituindo uma “garantia privilegiada” daquele direito (cf. Gomes Canotilho, /Vital MOREIRA, Constituição da República Portuguesa — Anotada, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 20074, anotação ao art. 31.º/ I, p. 508). Esta providência pode ser utilizada em casos de decisões irrecorríveis, mas “não é de excluir a possibilidade de habeas corpus em alternativa ao recurso ordinário, quando este se revele insuficiente para dar resposta imediata e eficaz à situação de detenção ou prisão ilegal” (idem, anotação ao art. 31.º/ V, p. 510, sublinhado nosso). Exigem-se cumulativamente dois requisitos: 1) abuso de poder, lesivo do direito à liberdade, enquanto liberdade física e liberdade de movimentos e, 2) detenção ou prisão ilegal (cf. neste sentido, ibidem, anotação ao art. 31.º/ II, p. 508). Nos termos do art. 222.º, n.º 2, a ilegalidade da prisão deve ser proveniente de aquela prisão “a) ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”. 2. O requerente desta providência considera que a sua detenção, ocorrida a 30.12.2021, foi ilegal, por violação dos arts. 174.º, n.ºs 2 e 5 e 177.º, n.ºs 3, 4 e 6, ambos do CPP, e consequentemente entende que a prisão atual é também ilegal. Nos termos dos arts. 220.º e 221.º, do CPP, a petição de habeas corpus em virtude de detenção ilegal não é decidida no Supremo Tribunal de Justiça, sendo apenas remetida para decisão no Supremo Tribunal de Justiça a petição relativa a prisão ilegal. Assim sendo, não só não cabe a este Supremo Tribunal decidir agora da detenção ilegal, como o peticionante não se encontra neste momento em detenção, mas em prisão preventiva. Pelo que, cabe apenas averiguar se a prisão atualmente constitui ou não uma prisão ilegal. Além disto, não se enquadra também no âmbito da petição de habeas corpus a averiguação da conformidade (ou não) das buscas e revistas efetivadas ao abrigo do disposto nos arts. 174.º e 177.º, ambos do CPP. Nos termos do art. 222.º, do CPP, apenas compete ao Supremo Tribunal de Justiça averiguar se a prisão foi ordenada por autoridade incompetente, se foi motivada por facto pelo qual a lei a não permite, ou se se mantém para além dos prazos fixados legalmente. Compulsados os autos, verifica-se que o arguido foi sujeito a primeiro interrogatório, nos termos do art. 141.º, do CPP, a 31.12.2021, pelas 12:21, e, para além de se ter determinado a prestação de termo de identidade e residência, foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva, pelo Meritíssimo Juiz de Direito (de turno) a exercer funções no Tribunal da Comarca ... (...), porque: - se considerou que os factos eram “susceptíveis de integrar o tipo de ilícito (...) — artigo 21.º do DL 15/93 de 22/1” e por isto - entendeu-se “fortemente indiciada a prática de um crime grave que integra o conceito de criminalidade altamente organizada previsto no artigo 1.º al. m) do C.P.Penal, que faz antever, em caso de condenação aplicação de sanção igualmente grave” (cf. auto junto); - além disto, dada a nacionalidade ... do arguido e a manutenção de familiares naquele território, considerou-se que existia “perigo de fuga”, bem como era “real o perigo de continuação da actividade criminosa” e - consequentemente, foi aplicada a prisão preventiva ao abrigo do disposto nos arts. 191.º, 193.º, 196.º, 202.º, n.ºs 1, als. a) e c) e arts. 1.º, al. m), 204.º, al. c), e 194.º, n.º 2, todos do CPP. Ora, sabendo que o arguido está indiciado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, nos termos do art. 21.º, do Decreto-Lei n,º 15/93, sabendo que se trata de crime ao qual é aplicável a pena de prisão de 4 a 12 anos, sabendo que se trata de criminalidade altamente organizada, e que foi considerado existir perigo de continuação da atividade criminosa, estão verificados os pressupostos para aplicação da medida de coação de prisão preventiva. Além disso, a prisão foi ordenada por Magistrado Judicial ao abrigo do disposto no art. 194.º, n.º 2, do CPP, e ainda não foram ultrapassados os prazos máximos dado que, nos termos do art. 215.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do CPP, o prazo máximo de prisão preventiva até à prolação da acusação é de 6 meses e o requerente foi preso em dezembro passado (a 31.12.2021, ou seja, há menos de 2 semanas). Não ocorre, pois, qualquer motivo que nos permita considera que a prisão atual é ilegal. E dada a linearidade do caso, a petição mostra-se manifestamente infundada, pelo que o peticionante, nos termos do art. 223.º, n.º 6, do CPP, deve ser condenado ao pagamento de 6 UC. Pelo exposto, concluímos que AA encontra-se legalmente preso, improcedendo a petição de habeas corpus.
III Decisão Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir, por manifestamente infundada, a providência de habeas corpus requerida por AA, e em condenar o peticionante ao pagamento de 6 UC, nos termos do art. 223.º, n.º 6, do Código de Processo Penal. Custas pelo requerente, com 2 UC de taxa de justiça.
Supremo Tribunal de Justiça, 13 de janeiro de 2022 Os Juízes Conselheiros,
Helena Moniz (Relatora) Eduardo Loureiro António Clemente Lima |