Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2822/03.1TBGDM.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
EFICÁCIA
TERCEIRO ADQUIRENTE
REGISTO DA ACÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I – A procedência da acção de preferência tem como resultado a substituição, com eficácia ex tunc, do adquirente pelo preferente.

II – Sendo o direito de preferência um direito atribuído por lei, não precisa de ser registado para produzir efeitos em relação a terceiros.

III – Sempre que se verifiquem os pressupostos referidos na lei, o titular do direito de preferência poderá exercê-la, não apenas contra o primitivo adquirente da coisa a ela sujeita, mas igualmente contra qualquer terceiro ( subadquirente) que sobre a mesma coisa venha a adquirir, posteriormente, um direito conflituante.

IV – Os direitos dos subadquirentes são ineficazes em relação ao titular do direito de preferência.

V – Muito embora o direito real de preferência não esteja sujeito a registo, já o mesmo não acontece relativamente à acção através da qual seja exercido, que é a chamada acção real de preferência.

Vi – Consequentemente, faltando a prova do registo da acção de preferência, o que deixa de produzir efeitos contra terceiros (subadquirentes) não é o direito real de preferência invocado, mas apenas o facto sujeito a registo: a própria acção, ou mais correctamente, a decisão nela obtida.

VII – Neste caso, o autor não fica impedido de fazer valer o seu direito contra terceiros para quem a coisa foi entretanto transmitida, mas para lograr obter o efeito a que se dirigia a primeira acção, necessita de os convencer em novo pleito.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Em 9-6-03, AA, solteiro, estudante, residente na Rua da ........., ........, em Zebreiros, Foz do Sousa, Gondomar, intentou acção ordinária contra BB e mulher CC, residentes na rua da .......,....., Zebreiros, Foz de Sousa, Gondomar, alegando o seguinte, aqui em síntese:
O A. é dono de um terreno de construção, identificado no artigo 1º da petição inicial, por o ter comprado a Construções ....., L.da, através da escritura de compra e venda de 20-12-01, por ter adquirido por usucapião o direito de propriedade sobre tal imóvel e o ter registado na Conservatória do Registo Predial a seu favor,
Porém, os R.R. ocupam, contra a vontade do A. e sem qualquer autorização, uma parcela de terreno do citado prédio, com uma área aproximada de 150 m2, ali plantando e colhendo produtos hortícolas, recusando a sua restituição. Tal situação tem causado prejuízos ao A. que continua privado de poder fruir e utilizar a parcela em questão, como seu legítimo proprietário.
Conclui, pedindo que a acção seja julgada procedente e provada e por via dela, condenados os R.R.:
a) – A reconhecerem o A. como dono e legítimo proprietário do prédio identificado nos item 1° e 2° desta peça;
b) – A entregarem ao A., livre de pessoas e coisas, a parcela de terreno ocupada contra a vontade do mesmo A e sem qualquer titulo ;
c)- A pagarem ao A o montante que vier a ser liquidado em execução de sentença pela ocupação que vêm fazendo da referida parcela, desde a citação e até efectivo pagamento.

Os R.R. contestaram, afirmando que a ocupação que, desde 1980, fazem da parcela de terreno invocada na petição inicial tem a autorização dos seus proprietários e de DD, promitente comprador desse prédio.
Acrescentam que o terreno em questão integrou a herança deixada por óbito de EE e mulher, para cuja partilha foi instaurado processo de inventário.
Nesse inventário, FF foi habilitado como cessionário do quinhão hereditário de GG e mulher, tendo licitado o dito prédio identificado no art. 1º da petição inicial.
Posteriormente, esse FF vendeu tal imóvel a Construções .........., L.da, que, seguidamente, o vendeu ao autor.
Por decisão proferida em acção de preferência, intentada por HH e filhos, foram estes colocados na posição do FF, no que respeita à compra do aludido prédio identificado no art. 1º da petição.
Desde Outubro de 1980, os familiares dos réus cultivam tal prédio, o que fazem por ordem de DD e mulher HH, que celebraram contrato promessa de compra e venda do ajuizado imóvel com os herdeiros de EE e mulher, sendo tal utilização expressamente autorizada pela dita HH e filhos, após a morte do DD.

Houve réplica.

Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que determinou:
- julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenar os réus BB e CC a reconhecerem o autor AA como proprietário do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº 00000000000, freguesia de Foz do Sousa;
- julgar a acção improcedente na parte restante.

Apelaram tanto o autor como os réus.
A Relação do Porto, através do seu Acórdão de 6-5-10, julgou procedente a apelação do autor e improcedente a apelação dos réus e, consequentemente, decidiu julgar a acção totalmente procedente, em função do que condenou os réus:
a) - A reconhecer o autor como dono e legítimo proprietário do prédio identificado sob os itens 1º e 21º, do elenco dos factos provados ;
b) – A entregarem àqueles, livre de pessoas e coisas, a parcela de terreno com cerca de 150 m2 que vêm utilizando contra a vontade do autor ;
c) - A pagarem ao autor a quantia que, oportunamente, vier a ser liquidada em razão da ocupação que vêm fazendo da parcela, a contar da citação até à sua entrega efectiva.


Continuando inconformados, os réus pedem revista, onde concluem:
1- A presente revista circunscreve-se à questão de saber se os recorrentes, então réus, lograram ilidir a presunção da propriedade do prédio identificado no item 1º dos factos provados, que a favor do autor resulta do registo predial, uma vez que este se conformou com o decidido quanto à inexistência da aquisição originária a favor do autor sobre o dito prédio.
2 – Provaram os réus que o direito de propriedade sobre o terreno reivindicado pelo autor nunca existiu na titularidade dos transmitentes, por força da sentença proferida na acção de preferência nº 000/1983, do 8º Juízo Cível do Porto, 1ª Secção, que colocou a HH e Outros ex tunc na posição do cessionário FF, que o transmitiu a Construções .........., L.da, e esta ao autor.
3 – Não pode assim o autor tê-lo adquirido dos preferidos, por aquisição derivada, encontrando-se, pois, ilidida a presunção da titularidade do direito decorrente das diversas inscrições no registo predial.
4 – Provando os réus que o terreno nunca pertenceu aos preferidos de quem o autor adquiriu, satisfizeram o ónus de provar o contrário, provando a não verificação do facto, que lhe é imposto pelo artigo 350 do C.C.
5 – Assim, para ilidir a presunção resultante do registo, basta que os réus demonstrem (como fizeram) que o autor não é proprietário do prédio, e não também quem, afinal, tem essa qualidade.
6 – Ocupando os réus o terreno ou parte dele por ordem da preferente HH, encontram-se legitimados a fazê-lo, não sendo devida qualquer indemnização ao autor.
7 – Consideram violados os arts 1311, nº1 e 350, nº2, do C.C.

O autor contra-alegou em defesa do julgado.


Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


A Relação considerou provados os factos seguintes :

1- Por escritura pública de compra e venda, outorgada a 20 de Dezembro de 2001, no 2º Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia, II e esposa, Fernanda da Conceição Pinto Cardoso M....., como sócios-gerentes e em representação da sociedade comercial por quotas denominada “Construções M....., Ldª”, declararam vender, em nome da sua representada, pelo preço único de 5 500 000$00, já recebido, ao autor AA, que4 declarou aceitar a venda, um terreno destinado a construção urbana, com a área de 2 000 m2, sito no lugar de ........., freguesia de Foz do Sousa, concelho de Gondomar, inscrito na matriz predial sob o artigo 1937º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº 000, a fls 140 do Livro B-2.

2- Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº 00000000000, freguesia de Foz do Sousa, inscrição G-1 – Ap.000000000, a aquisição a favor do autor, por compra a “Construções M....., Ldª”, do prédio aí descrito como sito no Lugar de ............ – terreno para construção com a área de 2 000 m2, a confrontar de norte com JJ, de sul com estrada, de nascente com KK e de poente com LL, com o valor patrimonial de € 27 433,88, e inscrito na matriz sob o artigo 1937.

3 - O autor, por si e antepossuidores, há mais de 20, 30 e 40 anos, vem utilizando de todas as comodidades e conveniências do terreno referido em 1 e 2, fazendo obras de reparação e conservação.

4 - À vista de toda a gente.

5 - Sem oposição de quem quer que seja.

6 - De forma pacífica e sem qualquer violência.

7 - Ignorando lesar direitos de outrem, nomeadamente os aqui réus.

8 - Pagando as respectivas contribuições e impostos.

9 - Praticando todos os actos acima referidos convencido que o faz porque o adquiriu nos termos referidos em 1.

10 - Os réus ocupam uma parcela de terreno do prédio referido em 1 e 2, com a área aproximada de 150 m2, ali plantando e colhendo legumes e outros produtos hortícolas.

11 - Os réus praticam tais factos contra a vontade do autor e sem qualquer autorização.

12 - Em consequência da ocupação acima referida, o autor está privado de poder fruir e utilizar essa parcela de terreno, de fruir os proventos que a mesma poderia proporcionar-lhe, nomeadamente, dando-a até de arrendamento.

13 - Sendo que, apesar de interpelados para efectuarem a entrega, os réus a tal se têm oposto.

14 - Os réus vêm cultivando a parcela de terreno referida em 10 desde altura indeterminada, mas cerca de 1981.

15 - No início, esse cultivo ocorreu com autorização de HH e DD, devido à celebração de um contrato-promessa.

16 - Por decisão proferida no âmbito da acção de preferência, que correu termos pela 1ª secção, do 8º Juízo Cível do Porto, sob o nº 000/1983, já transitada em julgado, os aí autores (HH, MM, NN e OO), em comum e na proporção das respectivas quotas, foram colocados na posição dos cessionários dos quinhões hereditários de PP, QQ, GG e RR, na herança aberta por óbito de EE e SS, adquiridos por LL e FF por escrituras públicas celebradas a 30 de Junho de 1982 e 06 de Julho de 1982 (facto alegado nos artigos 4º a 7º da contestação, provado pelo documento que consta de fls 190 a 207 – nº 3 do artigo 659º do Código do Processo Civil).

17 - No âmbito de processo de inventário obrigatório que correu termos pela 1º secção, do 7º juízo cível da comarca do Porto, instaurado por óbito de EE e SS, foi homologada a partilha constante do mapa para o efeito aí elaborado, sendo adjudicados ao então cessionário habilitado, FF, os seguintes bens:
a) - Campo de terra lavradia, com um dia de água de rega de dez em dez dias, da Presa da .............., com videiras em ramada e mais pertenças, denominado de “P.......”, sito no lugar de Zebreiros, freguesia de Foz do Sousa, concelho de Gondomar, a confrontar de norte com JJ, do sul com estrada, do nascente com KK, e do poente com LL, II e outra, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 000, a fls 140 do Livro B-2, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1743º;
b) - Casa térrea, com a área coberta de 59 m2 e o quintal com 250 m2, com dependências, videiras em ramada e mais pertenças, sita no lugar de ..........., freguesia de Foz do Sousa, concelho de Gondomar, a confrontar de nascente com caminho público, de poente com TT, do norte com UU e do sul com herdeiros de PP. Faz parte da descrição predial nº 00000, a fls 69, verso, do Livro B-128, e está inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 462º (facto alegado nos artigos 4º a 7º da contestação, provado pelo documento que consta de fls 208 a 232 – nº 3 do artigo 659º do Código do Processo Civil).

18 - O prédio denominado “Campo de ......”, sito no Lugar de Zebreiros, freguesia de Souza, estava descrito na 3ª secção da Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 000, a fls 140 do Livro B-2, e, a 07 de Outubro de 1929, o respectivo direito de propriedade foi inscrito a favor de EE (facto alegado nos artigos 4º a 7º da contestação, provado pelo documento que consta de fls 233 a 242 – nº 3 do artigo 659º do Código do Processo Civil).

19 - O direito de propriedade sobre o prédio denominado “Campo de ......”, sito no Lugar de Zebreiros, freguesia de Souza, descrito na 3ª secção da Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 000, a fls 140 do Livro B-2, a 29 de Março de 1985 foi inscrito a favor de FF pela inscrição nº 16488, por licitação na herança de EE e SS (facto alegado nos artigos 4º a 7º da contestação, provado pelo documento que consta de fls 233 a 242 – nº 3 do artigo 659º do Código do Processo Civil).

20 - O direito de propriedade sobre o prédio denominado “Campo de ......”, sito no Lugar de Zebreiros, freguesia de Souza, descrito na 3ª secção da Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 000, a fls 140 do Livro B-2, a 12 de Março de 1993 foi inscrito a favor de “Construções M....., Ldª”, pela inscrição nº 0000, por permuta com FF (facto alegado nos artigos 4º a 7º da contestação, provado pelo documento que consta de fls 233 a 242 – nº 3 do artigo 659º do Código do Processo Civil).

21 - O prédio denominado “Campo de ......”, sito no Lugar de Zebreiros, freguesia de Souza, descrito na 3ª secção da Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 000, a fls 140 do Livro B-2, foi extratado para a ficha nº 0000000000000-Foz do Sousa da Conservatória do Registo Predial de Gondomar, passando a estar descrito como prédio urbano, sito no Lugar de Zebreiros, freguesia de Foz do Sousa, composto de terreno para construção com 2.000 m2 de área, a confrontar de norte com JJ, de sul com estrada, de nascente com KK e de poente com LL, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1937º (facto alegado nos artigos 4º a 7º da contestação, provado pelo documento que consta de fls 233 a 242 – nº 3 do artigo 659º do Código do Processo Civil).


A única questão a decidir consiste em saber se os réus lograram ilidir a presunção de propriedade, resultante da inscrição no registo predial, a favor do autor, da aquisição proveniente da compra que este efectuou à sociedade Construções M....., L.da, pela citada escritura de compra e venda de 20 de Dezembro de 2001.


Na petição inicial, o autor fundamentou o seu direito de propriedade sobre o questionado prédio na usucapião e na sua aquisição através da escritura de compra e venda de 20 de Dezembro de 2001, com a consequente presunção derivada do registo, por ter registado tal aquisição a seu favor, na Conservatória do Registo Predial.

No Acórdão recorrido, foi julgada improcedente a acção, com fundamento na usucapião, decisão que transitou em julgado, por o autor não a ter impugnado, designadamente através da ampliação do objecto da revista, nos termos do art. 684-A, do C.P.C.
Mas foi decidido no mesmo Acórdão que ocorre a presunção de propriedade resultante do registo predial a favor do autor, beneficiário inscrito, com a seguinte argumentação :
- “ os réus não lograram ilidir tal presunção, pois não provaram que o autor não é proprietário do prédio, nomeadamente por pertencer aos preferentes ou a qualquer outra pessoa. Os factos provados não permitem concluir que o prédio identificado sob o item 1º dos factos assentes não pertence ao autor, pelo que impera a referida presunção, por efeito do art. 7 do Cód. Reg. Predial” ( fls 444/445).

Que dizer?

O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define - art. 7 do Cód. Reg. Predial.
Trata-se presunção juris tantum, que pode ser ilidida por prova em contrário – art. 350, nº2, do C.C.

Ora, o ajuizado prédio foi adquirido, por permuta, pela Construções M....., L.da, aos cessionários FF, e mulher, tendo depois aquela sociedade vendido o mesmo prédio ao autor, que o registou a seu favor.
Mais resultou provado que correu termos pela 1ª Secção, do 8º Juízo Cível do Porto, onde foi autuada em 13-1-83, sob o nº 000/83, uma acção de preferência que culminou no Supremo Tribunal de Justiça, com a prolação do Acórdão de 27-1-93, transitado em julgado, confirmativo da sentença proferida na 1ª instância, em 7-12-90, pela qual aos autores nessa acção, entre eles a viúva HH e Outros, em comum e na proporção das suas quotas, foram colocados na posição dos cessionários dos quinhões hereditários vendidos, designadamente, a FF e mulher,
A procedência dessa acção de preferência tem como resultado a substituição, com eficácia ex tunc, do adquirente pelo preferente (Vaz Serra, Obrigação de Preferência, nº8 ; Pinto Loureiro, Manual dos Direitos de Preferência, II, nº 140 Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. III, 2º ed, pág. 380; Ac. S.T.J. de 16-1-68, R.L.J. Ano 101-327; Ac. S.T.J. de 20-6-69, com Anotação de Vaz Serra e Antunes Varela, R.L.J. Ano 103-470; Ac. S.T.J. de 205-76, Bol. 247-155; Ac. S.T.J. de 7-4-92, Bol. 416-626).
No caso concreto, HH e filhos, interessados naquele inventário e autores na dita acção de preferência, foram colocados, em comum e na proporção das suas quotas, na posição dos cessionários dos quinhões hereditários vendidos, ou seja, na posição dos cessionários FF e mulher, tudo se passando como se os cessionários não tivessem chegado a adquirir o quinhão hereditário no inventário e, posteriormente, o prédio agora reivindicado e em que licitaram com base na aquisição daquele direito.
Daqui decorre que o cessionários FF e mulher, não tendo a propriedade do prédio, por força da procedência daquela acção de preferência que colocou no seu lugar, ex tunc, a HH e os filhos, não poderiam tê-lo transmitido à Construções M....., L.da, nem esta ao autor, ora recorrido.
Apesar da procedência de uma acção de preferência ter como resultado a substituição, com eficácia ex tunc, do adquirente pelo preferente, o contrato celebrado entre o alienante e o adquirente produz a sua eficácia translativa normal, mas em virtude da existência de um direito de opção, a posição jurídica do adquirente fica sujeita, por força da lei a uma condição resolutiva : ele perderá o direito que adquiriu se a preferência vier a ser triunfalmente exercida.
Tudo se passará como se o contrato de alienação houvesse sido celebrado com o preferente.
Julgada que foi procedente a indicada acção de preferência, por força dos direitos de prevalência e de sequela, os referidos preferentes podem perseguir o quinhão hereditário de que faz parte o reivindicado prédio, onde quer que se encontre.
Tratando-se de um direito de preferência atribuído por lei, o mesmo direito não precisa de ser registado para produzir efeitos em relação a terceiros.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela ( Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed, pág. 382) “ sempre que se verifiquem os pressupostos referidos na lei, o titular da preferência poderá exercê-la, não apenas contra o primitivo adquirente da coisa a ela sujeita, mas igualmente contra qualquer terceiro (subadquirente) que sobre a mesma coisa venha a adquirir posteriormente um direito conflituante ( v. g. um direito de propriedade, um direito real de garantia, etc). Os direitos dos subadquirentes são ineficazes em relação ao titular do direito real de preferência” ( neste sentido ver também Vaz Serra e Antunes Varela, em Anotação ao Acórdão do S.T.J. de 20-6-69, na R.L.J. Ano 103-470 e segs).

Aqui chegados, importa agora considerar se o que se deixou exposto é prejudicado pelo facto de não ter resultado provado que a referida acção de preferência nº 000/83 tivesse sido registada.
É que muito embora o direito legal de preferência não esteja sujeito a registo, já o mesmo não acontece relativamente à acção através da qual seja exercido, ou seja, à chamada acção real de preferência.
Trata-se de uma acção constitutiva, destinada a obter um efeito jurídico novo, consistente na substituição do adquirente pelo preferente na titularidade do direito que o primeiro adquiriu sobre a coisa sujeita a prelação.
Por força do disposto no art. 3, nº1, al. a) do Cód. Reg. Predial, deve entender-se que esta acção, quando verse sobre imóveis está sujeita a registo.
Mas quais serão, afinal, as consequências da falta de registo daquela acção de preferência ?
O art. 3º do Cód. Reg. Predial nada esclarece sobre este ponto.
Mas este preceito pode relacionar-se com o art. 271, nº3, do C.P.C., que estabelece a seguinte doutrina:
“A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção”.
Deste normativo resulta claramente que a falta de registo de uma acção real tem apenas como consequência a inoponibilidade da decisão aos terceiros que tenham adquirido direitos sobre a coisa litigiosa, no período da mora litis.
Trata-se de uma consequência de ordem meramente processual (relativa à eficácia do caso julgado), que em nada afecta a natureza absoluta do direito real que a decisão tenha reconhecido ao autor: este poderá sempre, através de uma nova acção, fazer valer o seu direito em face de terceiros subadquirentes.
Como anotam Pires de Lima e Antunes Varela ( Cód, Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., pág. 383), “se o preferente regista a acção, a sentença favorável que nela obtiver tem uma eficácia superior à que normalmente deriva do caso julgado : além de vincular as partes, produz ainda efeitos contra todo aquele que adquirir a sobre a coisa litigiosa, durante a pendência da acção, direitos incompatíveis com os do preferente.
Se, pelo contrário, o registo não é efectuado, a sentença terá apenas a sua eficácia normal: eficácia inter partes . Mas o autor não fica impedido de fazer valer o seu direito real contra terceiros para quem a coisa tenha sido entretanto transmitida. Simplesmente, para lograr o efeito a que se dirigia a primeira acção, necessita de os convencer em novo pleito “ ( no mesmo sentido, Alberto dos Reis, Comentário ao Código do Processo civil, Vol. III, pág. 81; Vaz Serra , R.L.J. Ano 103-471 e segs; Antunes Varela , R.L.J. Ano 103-479 e segs; Rev. Trib. Ano 87-págs 360 e 362).
Consequentemente, faltando a prova do registo da acção de preferência, o que deixa de produzir efeitos contra terceiros (subadquirentes) não é o direito real de preferência invocado, mas apenas o facto sujeito a registo : a própria acção, ou mais correctamente, a decisão nela obtida.
Assim sendo, por falta de prova do registo da invocada acção de preferência nº 000/83, a decisão nela proferida é inoponível ao autor.
Daí que os réus (que nem sequer são os beneficiários do direito de preferência reconhecido judicialmente) não tenham ilidido, por prova em contrário, a presunção de propriedade a favor do autor, resultante do art. 7º do Cód. Reg. Predial, por ter o prédio registado em seu nome.
E, como é sabido, quem goza de uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz - art. 350, nº1, do C.C.
Por outro lado, os réus também não provaram qualquer título válido para a detenção do referido terreno .
Termos em que negam a revista .
Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 23 de Novembro de 2010

Azevedo Ramos (Relator)
Silva Salazar
Nuno Cameira