Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
209/21.3YRLSB.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO GUERRA (RELATOR DE TURNO)
Descritores: EXTRADIÇÃO
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
PROCEDIMENTO CRIMINAL
PECULATO
AMNISTIA
PRESTAÇÃO DE GARANTIAS PELO ESTADO REQUERENTE
GARANTIA FORMAL
RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO
RECUSA OBRIGATÓRIA DE EXECUÇÃO
Data do Acordão: 07/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: EXTRADIÇÃO/ M.D.E.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I- O pedido de extradição objecto dos autos foi formulado pela República de Angola que, tal como a República Portuguesa, assinou a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, aprovada por Resolução da Assembleia da República n.º 49/08 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 66/08, de 01-09, publicado no DR, I série, de 23-11-05, está vinculada às regras constantes daquela Convenção, conforme resulta expressamente do seu art. 1.º, sob a epígrafe “Obrigação de extraditar”.
II- Alega o recorrente que a extradição está a ser pedida pelo crime de peculato, com eventualidade de ampliação pelo crime de branqueamento de capitais na forma continuada, com excepção à regra da especialidade prevista no art. 16.º, da Lei n.º 144/99, e à qual o requerido não renuncia. Quer o elenco dos requisitos gerais negativos da cooperação internacional constantes do art. 6.º, quer o elenco das circunstâncias de não admissibilidade da cooperação constantes o art. 8.º, ambos da Lei n.º 144/99, de 31-08, não incluem a falta de declaração formal pretendida pelo recorrente. Tão pouco o caso em apreço integra qualquer das previsões do art. 32.º da mesma Lei.
III- Quanto à alegada “disfuncionalidade” do sistema judicial do Estado angolano, e ao risco de incumprimento do compromisso assumido pelas suas autoridades judiciárias perante o Estado português, de observância das regras da Convenção dos Estados Membros da CPLP, as reservas manifestadas pelo recorrente não encontram qualquer correspondência nos procedimentos levados a cabo pelas autoridades judiciárias angolanas no caso destes autos.
IV- A isto acresce, como decidido no Acórdão deste Tribunal de 30-10-2013 no proc. n.º 86/13.8YREVR.S1, 3ª Secção, relator Cons. Oliveira Mendes, que “[…] a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP não prevê a possibilidade de recusa de extradição com fundamento no alegado funcionamento deficiente do sistema de justiça e do sistema prisional do Estado emissor do pedido de cooperação.
Decisão Texto Integral:



Processo nº. 209/21.3YRLSB.

Extradição

Acordam, em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:

I- Relatório:

1. Vem o presente recurso interposto por AA, cidadão …….., do acórdão proferido no processo de extradição  nº. 209/21.3YRLSB pelo Tribunal da Relação  ….., que concedeu a sua extradição requerida pelas autoridades judiciárias de Angola, para procedimento criminal pela pática do crime de peculato, no processo-crime n° 27/2019 em que é arguido, a correr termos na Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal da Procuradoria-Geral da República de Angola (DNIAP), e que terá sido praticado em território angolano, entre os anos de 2009 e 2010.

2. O recorrente terminou a motivação do seu recurso com as seguintes Conclusões:

1. Contrariamente ao decidido no Acórdão recorrido, entende o Extraditando que a falta de garantia formal do Estado Requerente que não procederá criminalmente contra o opoente por factos diversos dos que fundamentaram o pedido de extradição, em violação do disposto na alínea c) do artigo 44.º da Lei 144/99, é um facto determinante para a concessão da extradição,

2. Nem sem a junção da cópia dos textos legais (incluindo a moldura penal) dos crimes pelos quais é fundamentada a extradição, em cumprimento da alínea f) do artigo 23.º da Lei 144/99 e alínea c) do n.º 3 do artigo 10.º da Convenção de Extradição    entre    os    Estados    Membros    da    Comunidade    dos    Países    de    Língua Portuguesa, a qual é elemento fundamental para a aferição do pedido de extradição e consequente decisão.

3. Entendeu o Acórdão recorrido que, encontrando-se juntos a folhas 116 a 130 excertos do Código Penal Angolano, e que tendo o Subprocurador Geral da República de Angola informado a fls. 144 e 145 que a moldura abstrata aplicada ao crime de peculato é de 12 a 16 anos de Prisão Maior, se encontra preenchido o requisito legal.

4. Não pode o Extraditando concordar com esta decisão, porquanto as cópias dos extratos legais não referem a moldura penal do crime de peculato.

5. A fl. 117 dos autos, não permite ao Extraditando ou Tribunal concluir qual a moldura penal do crime, e nenhum elemento ou documento junto aos autos permite concluir que a moldura penal do crime de peculato é igual ou superior a 12 anos, e, por conseguinte, não se encontra amnistiado.

6. Não basta a mera informação do Estado Requerente que o crime de peculato não se encontra amnistiado porque prevê abstratamente uma pena de 12 a 16 anos, sem qualquer base legal, para ser aceite tal informação como substituição de textos legais.

7. É legitimo ao Extraditando questionar a moldura penal do crime de peculato, e querer aferir que o crime de peculato não se encontra amnistiado, uma vez que a amnistia do crime é fundamento para a rejeição da extradição nos termos do disposto no artigo 8.º n.º 1 da Lei 144/99 e artigo 3.º, alínea d) da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

8. Mais acresce que o Estado Requerente, no pedido de extradição, no mandado de captura e no pedido de colaboração internacional à INTERPOL ignorou a existência da Lei da Amnistia, pedindo a captura do Extraditando com base em crimes amnistiados.

9. Sendo também verdade, e de conhecimento publico, que tem vindo a condenar judicialmente diversas pessoas politicamente expostas em Angola, seja ex-ministros, ex-diretores de empresas ou outras pessoas que estiveram relacionadas de alguma forma com o anterior Governo angolano, por crimes amnistiados, e nos não   amnistiados   sem   a   redução   de   ¼   da   pena   conforme   previsto   na   Lei   da Amnistia, conforme aconteceu no processo judicial 23/2018 de onde foi extraída certidão para abertura de processo crime 27/2019 contra o Requerido, e no qual foi julgado o ex-ministro dos transportes Angolano, BB, em sentença proferida em Agosto de 2019, após a amnistia concedida pela Lei 11/16 de 12 de Agosto, e que foi condenado pelo Tribunal Supremo de Angola, pelos crimes de violação das normas de execução do plano de orçamento sob forma continuada a uma pena de um ano e seis meses; pelo crime de abuso de poder sob forma continuada a uma pena um ano e seis meses de prisão e dezoito meses de multa; pelo crime de participação económica   a uma pena de três anos de prisão.

10. Ou seja, embora perante crimes amnistiados de acordo com a Lei Angolana, o Tribunal Supremo do Estado Requerente – Angola – julgou e condenou pela prática de crimes amnistiados pela Lei 11/16 de 12 de Agosto, como se a Lei da Amnistia não existisse.

11. Mais acresce que houve uma alteração do código penal angolano entre a data dos alegados factos e atual data, sendo aplicável em Angola, à semelhança do ocorrido em Portugal a lei penal mais favorável ao Arguido, a qual se desconhece qual é, e a moldura penal aplicável à data da prática dos factos e a aplicável à presente data.

12. Ora, não se mostrando cumprido o estipulado no artigo 23.º n.º 1 al. f) da Lei 144/99, por não ter sido junta cópia dos textos legais onde se encontra prevista a moldura penal aplicável ao crime de peculato, é legitima a duvida sobre se o crime de peculato se encontra ou não amnistiado em Angola, facto que a se verificar é causa de recusa de cooperação internacional e extradição, ao abrigo do artigo 8.º n.º 1 da Lei 144/99 e art. 3.º, n.º 1, al. d) da Convenção de Extradição entre Estados da CPLP.

13. Por outro lado, não foi prestada pelo Estado Requerente qualquer garantia formal, que o Requerido não será extraditado para terceiro Estado, nem detido para procedimento penal, cumprimento de pena ou outro fim, por factos diversos dos que fundamentam o pedido, não se mostrando cumprido o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 44.º da Lei 144/99 de 31.08.

14. E não pode o Extraditando concordar com o Tribunal Recorrido quando afirma que “a segurança do extraditando nesta questão é plena, visto que as autoridades judiciarias angolanas esclareceram a Sra. Ministra da Justiça (…) que para efeitos de extradição pedida, a razão de prevalência do crime de peculato como sendo o crime principal, mais grave e não amnistiado”.

15. A fls. 122 o Estado Requerente na informação prestada à Senhora Ministra da Justiça, não exclui o julgamento e condenação do Extraditando por outros crimes, mas apenas que o crime principal será o de peculato, admitindo ainda a possibilidade de julgamento do Requerido pelo crime de branqueamento de capitais.

16. Salvo melhor opinião, admite o Estado Requerente no seu esclarecimento de fls. 122 que após a extradição poderá não cumprir a regra da especialidade, a qual o Requerido não renunciou, afirmando poder vir a julgar o Requerido também pelo crime de branqueamento de capitais.

17. A inexistência da garantia formal prestada pelo Estado Angolano, é indicativa de que o mesmo irá ocorrer com o Extraditando, uma vez concretizada a extradição, em clara e flagrante violação da regra da especialidade.

18. O Extraditando nunca se negou a colaborar com a justiça angolana, nunca foi emitida qualquer carta rogatória por Angola para que o Requerido colaborasse com a justiça angolana, pese embora o seu paradeiro fosse conhecido, e nada obstava a que, a partir de Portugal o Requerido colaborasse com a justiça angolana no decurso do processo criminal.

19. Verifica-se assim, que no pedido de extradição não se verificam reunidos os requisitos dos artigos 23.º e 44.º da Lei 144/99, havendo dúvida séria sobre a aplicação da lei da amnistia ao crime de peculato, a qual a extradição é fundamento de recusa nos termos do artigo 6.º e 8.º da Lei 144/99.

20. Se assim fosse, e se não fosse necessário o cumprimento dos requisitos dos artigos 23.º e 44.º da Lei 144/99, mas apenas e tão só verificar se estavam verificadas situações taxativas que impedissem a extradição, não seria necessária a analise dos processos de extradição pelos Tribunais da Relação, havendo lugar apenas e tão só à verificação de um formalismo burocrático, num procedimento automático, em completa denegação de justiça, o que não pode acontecer num estado de direito como o nosso.

21. Neste sentido pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 16/13.7YREVR.E1.S1 ao referir “Dado que “a decisão de extradição não se configura, não se deve configurar, como um procedimento quase automático, assente numa repetição de estereótipos, mas sim uma cuidada equação das circunstâncias do caso vertente” (Ac. STJ, de 31-03-2011), e face ao disposto no art. 10.º, da Lei 144/99, entendemos que o tribunal deveria apresentar fundamentação justificativa da necessidade e proporcionalidade da extradição em atenção aos factos praticados...”

22. Ora, no Acórdão recorrido tal não aconteceu… não foram verificadas as circunstâncias concretas, legislação aplicável, verificação eventual da aplicação da Lei da Amnistia ao crime de peculato, nem as garantias formais necessárias, para que haja lugar a um processo de extradição justo e que confira as necessárias garantias ao Extraditando”.

3. Ao recurso respondeu o Ministério Público pugnando pela improcedência do recurso, concluindo pela seguinte forma:

1 - O pedido de extradição foi formulado pela República de Angola, sendo o recorrente cidadão daquele Estado.

2- O Estado angolano possui uma Constituição escrita que congrega e integra um amplo conjunto de regras e princípios que regulam o exercício do poder, sujeitando-o a regras jurídicas e desta forma, garantindo aos seus cidadãos a protecção dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente tuteladas.

3- Apenas, depois da prolação do douto Acórdão recorrido, e na motivação do recurso para o Supremo tribunal de Justiça, o recorrente põe em causa a reserva da função jurisdicional dos tribunais angolanos e a independência dos seus juízes, alegando a circunstância de no âmbito de um processo crime com o n° 23/2018, extraído de um processo crime com o n° 27/2019, ter ocorrido o julgamento e condenação de um ex-ministro angolano, por sentença proferida no mês de agosto de 2019, acusado pela prática de crimes que o recorrente considera amnistiados pela Lei n° 11/16 de 12 de agosto.

4- Contudo, não faz qualquer alusão à data em que foram os factos praticados, pelo que se desconhece se eles foram ou não praticados antes de 11 de novembro de 2015, isto é, se eram factos amnistiáveis, pelo que manifestamente não é matéria susceptível de permitir a recusa do pedido e cooperação formulado pelas autoridades angolanas”.

3. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

II – Fundamentação:

1. São as seguintes as questões a decidir.

a)- Se se verificou “falta de garantia formal do Estado Requerente que não procederá criminalmente contra o opoente por factos diversos dos que fundamentaram o pedido de extradição”, em “violaçãodo artº. 44º, nº. 1, al. c) da Lei 144/99 de 31.8, “é um facto determinante para a concessão da extradição– Conclusões 1 e 13 a 20.

b)-  Se não foi junta “cópia dos textos legais (incluindo a moldura penal) dos crimes pelos quais é fundamentada a extradição”, em observância do artº. 23º, nº.1, al. f) da Lei 144/99 de 31.8 e do artº. 10º, nº. 3, al. c) da Convenção de Extradição    entre    os    Estados    Membros    da    Comunidade    dos    Países    de    Língua Portuguesa, sendo “fundamental para a aferição do pedido de extradição e consequente decisão” – Conclusões 2  a 6.

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c)- Saber se o crime de peculato imputado ao recorrente está amnistiado e se “basta a mera informação do Estado Requerente que o crime de peculato não se encontra amnistiado porque prevê abstratamente uma pena de 12 a 16 anos de prisão”, uma vez que a amnistia do crime é fundamento para a rejeição da extradição nos termos do disposto no artº. 8º, nº. 1 da Lei 144/99 de 31.8 e do artº. 3º, nº. 1, al. d) da Convenção dos Estados Membros da CPLP – Conclusões  7 a 14.

d)- Se “não foi prestada pelo Estado Requerente qualquer garantia formal, que o Requerido não será extraditado para terceiro Estado, nem detido para procedimento penal, cumprimento de pena ou outro fim, por factos diversos dos que fundamentam o pedido”, não se mostrando cumprido o disposto no artº. 44º, nº. 1, al. c) da Lei 144/99 de 31.8. – Conclusões 13 a 17.

2. Este é teor a decisão de facto proferida pelo Tribunal da Relação:

1. Da matéria de facto.

Factos com relevo para a decisão (com base na prova documental junta aos autos).

a. O cidadão AA, nascido a ......1963, de nacionalidade …….., foi detido em 14.01.2021, pela 13H20, por Agentes da Polícia Judiciária, nos termos do art.° 39° da Lei n° 144/99 de 31/08 (Lei da Cooperação Internacional em Matéria Penal) em cumprimento de mandado de detenção internacional emitido em 20.05.2019, pelas autoridades Judiciais de Angola, inserido no sistema de informação oficial da INTERPOL com o n° 2019/…… e o n° de controlo A-…..-2019 (notícia vermelha), tendo em vista a extradição do detido para aquele país para efeito de procedimento criminal.

b. O processo-crime n° 27/2019….. em que é arguido AA, cidadão …….., corre termos na Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal da Procuradoria-Geral da República de Angola (DNIAP), por factos delituosos que fundamentam o pedido e que terão sido praticados em território angolano, entre os anos de 2009 e 2010.

c. As Autoridades Angolanas enviaram à Procuradoria-Geral da República o pedido formal de extradição, e verificada a sua regularidade formal, o pedido foi submetido à apreciação da Senhora Ministra da Justiça, ao abrigo do disposto no n° 1, do art.° 48° da Lei n° 144/99, de 31 de Agosto.

d. Após ter sido apresentado o pedido formal de extradição, a Senhora Ministra da Justiça veio então a proferir, em 15.02.2021, despacho de apreciação do qual consta com relevância o seguinte:

“Angola dirige a Portugal, ao abrigo da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, de 23 de Novembro de 2005, em pedido de extradição do cidadão ……. AA (...).

AA encontra-se indiciado pelas autoridades angolanas, ao abrigo do processo-crime n° 27/2019, da prática de “peculato”, “associação criminosa”, “recebimento indevido de vantagem”, participação económica em negócio”, “tráfico de influências”, “violação das normas de execução do plano orçamental”, “abuso de poder” e “branqueamento de capitais”, previstos e punidos, respectivamente, pelos artigos 313° do Código Penal, pelos artigos 8°, 36°, 40° e 41° da Lei n° 3/14, de 10 de Fevereiro, pelos artigos 36° e 39°, da Lei n° 3/10, de 29 de Março e pelo artigo 60° da Lei n° 34/11 de 12 de Dezembro.

Os factos que fundamentam o pedido terão sido praticados em território angolano, entre os anos de 2009 e 2010 (...).

Atenta a informação prestada pelas autoridades angolanas no ofício n° 92/21…… -Proc. n° 27/2019….., a moldura penal do crime de peculato é de 12 a 16 anos de prisão.

No que toca ao crime de associação criminosa, recebimento indevido de vantagem, participação económica em negócio, tráfico de influências e branqueamento de capitais, o limite máximo da pena de prisão aplicável é de, respectivamente, 6 anos, 3 anos, 5 anos, 5 anos e 8 anos. (sublinhado nosso).

Assim, à excepção do crime de peculato, os demais crimes parecem estar amnistiados ao abrigo do artigo 1° da Lei n° 11/16, de 12 de Agosto, porquanto o limite máximo de pena de prisão aplicável é inferior a 12 anos. Esta hipótese configura uma causa de inadmissibilidade da extradição ao abrigo do artigo 3°, n° 1, alínea d) da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Em relação ao crime de peculato, não está verificada a prescrição dos factos dado que o respectivo prazo é de 15 anos, nos termos do art.° 125°, n° 2 do Código Penal angolano, e de 15 anos, nos termos do art.° 118°, n° 1, al. a) do Código Penal português.

(...).

Assim, nos termos do disposto nos artigos 6° a 8°, 31° e 48°, n° 2 da Lei n° 144/99, de 31 de Agosto, e artigos 1° a 4° da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e considerando a informação prestada pela Procuradoria-Geral da República, declaro admissível o pedido de extradição apresentado por Angola quanto a AA no que respeita ao crime de peculato” (cfr. fls 52 v° e 53).

e. A Senhora Ministra da Justiça, por despacho datado de 17.02.2021, esclareceu ainda: “Considerando que, nos termos da informação n° 0025/CAB-DNIAP/21 da Procuradoria-Geral da República de Angola, emitida na sequência do meu despacho de 15 de Fevereiro de 2021 “serve de base à extradição o crime subsistente de peculato” reitero a declaração de admissibilidade da extradição de AA no que respeita a este crime.(…)

f. Nos termos dos factos descritos no despacho de 25 de Junho de 2018 do Magistrado do Ministério Público de Angola que fundamentou a emissão do mandado de detenção internacional dos quais consta o seguinte: “...por ordem do arguido BB, os suspeitos CC e AA, subscreveram em nome individual acções da empresa C….- C............., SA, bem como adquiriram 10% e 15%, respectivamente, do capital social da empresa, mediante avultados pagamentos de 7.000.000,00 USD, quando na realidade, 15% equivalia a apenas 7.500,00 USD, sendo que, a diferença do valor pago, em relação ao valor real, nunca retornou aos cofres do Estado, porquanto foi considerado pelos dois arguidos CC e AA, como suprimentos na contabilidade da empresa”.

g. O extraditando é cidadão angolano, encontrando-se a residir em Portugal desde o mês de Outubro de 2018, alegando necessitar de tratamento médico devido a problemas cardíacos, andando em tratamento no Hospital .........., …...

h. Tem a viver consigo um filho, com a idade de 14 anos que tem uma doença crónica padecendo de anemia falciforme, precisando de tratamentos aqui em Portugal. Tem também uma filha a viver em Portugal com 23 anos de idade que está a fazer um mestrado no ISEG”.

Considerou ainda o acórdão recorrido, quanto à fundamentação de facto que:

2. Da fundamentação dos factos

A convicção deste Tribunal quanto aos factos apurados formou-se tendo em conta a prova documental junta aos autos, realçando toda documentação referente ao processo formal remetido pelas autoridades angolanas, devidamente certificado, e quanto à situação pessoal do requerido teve-se em conta para além da prova documental que o requerido fez juntar aos autos, o seu depoimento prestado aquando da sua audição”.

3. O Direito aplicável:

Escreve-se no Acórdão deste  Tribunal de 21.11.2013, proc. 87/13.6YREVR.S1, 5ª Secção, relator Cons. Souto de Moura – www.dgsi.pt:1.É sabido que a extradição, como forma clássica mais antiga de colaboração judiciária internacional em matéria penal, se traduz na entrega de um delinquente por parte de um Estado a outro, para efeito de julgamento ou cumprimento de pena”.

De acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal a extradição constitui uma das formas de cooperação judiciária internacional em matéria penal, mediante a qual um Estado requerente solicita a outro Estado requerido a entrega de uma pessoa que se encontre no território deste, para efeitos de procedimento penal ou para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativas de liberdade, por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente – vd. Acórdãos deste Tribunal de 22.11.2017, proc. 1323/17.5YRLSB.S1, 3ª Secção, relator Cons. Vinício Ribeiro e de 13.4.2005, proc. 05P745, relator Cons. Henriques Gaspar – ambos em www.dgsi.pt.

É aquela solicitação ou pedido do Estado requerente que constitui elemento fundamental da extradição. Conforme se sumaria no supra citado Acórdão de 13.4.2005, “3.O pedido da Parte requerente constitui elemento fundamental do procedimento de extradição, e, e deve conter, precisa e completamente, a descrição dos factos imputados, com data, local e circunstâncias da infracção. 4. O pedido tem de ser formulado por forma a permitir ao Estado requerido a decisão sobre a verificação dos pressupostos materiais da extradição, tanto na perspectiva da dupla incriminação, como princípio-regra determinante das formas mais intensas de cooperação internacional em matéria penal, como das demais exigências e pressupostos materiais. 5. O pedido constitui, também, a base para definir os termos e os limites em que a extradição é concedida, para efeitos de estabelecimento do círculo dominado pelo princípio da especialidade. 6. O pedido de extradição é a instância formal formulada pela Parte requerente, e não o requerimento, ou "pedido" em sentido impróprio, do Ministério Público formulado nos termos do artigo 50°, n°s l e 2, da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto”.

Ora, o pedido de extradição objecto dos autos, foi formulado pela República de Angola que, tal como a República Portuguesa, assinou a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, aprovada por Resolução da Assembleia da República nº. 49/08 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº. 66/08, de 15.9, publicado no DR, I série, de 23.11.05, está vinculada às regras constantes daquela Convenção, conforme resulta expressamente do seu artº. 1º, sob a epígrafe “Obrigação de extraditar”:

Os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na presente Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente”.

Já em caso de falta ou insuficiência dos termos daquela Convenção, valem as normas da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal – Lei nº. 144/99 de 31.8 – e, subsidiariamente, as normas do Código de Processo Penal.

Com efeito, dispõe o artº. 3º, daquela Lei estabelecendo a “Prevalência dos tratados, convenções e acordos internacionais”:

1 - As formas de cooperação a que se refere o artigo 1.º regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma.

2 - São subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal”.

Ainda, da hermenêutica do preceito do artº. 4º, da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, resulta que ali se indicam taxativamente as situações de recusa facultativa da extradição.

Com efeito, escreve-se, assim, no Acórdão deste Tribunal de 30.10.2013, no proc. 86/13.8YREVR.S1, 3ª Secção, relator Cons. Oliveira Mendes – www.dgsi.pt.

É que à Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, tal como ocorre relativamente ao Regime Jurídico do Mandado de Detenção Europeu, encontra-se subjacente a ideia de cooperação judiciária internacional em matéria penal, tendo em vista o combate célere e eficaz da criminalidade, na base da confiança recíproca entre os Estados contratantes e do reconhecimento mútuo, princípios através dos quais se garante que as decisões judiciais de qualquer um dos Estados serão respeitadas e tomadas em consideração por todos os outros Estados nos precisos termos em que foram proferidas”, citando de seguida o que se consignou no preâmbulo da Convenção dos Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP, onde se realçam as motivações dos Estados Contratantes: “Desejosos de incrementar a cooperação judiciária internacional em matéria penal e convencidos da necessidade de a simplificar e agilizar; Reconhecendo a importância da extradição no domínio desta cooperação; Animados do propósito de combater de forma eficaz a criminalidade acordam (…)” no respectivo conteúdo normativo.

Posto isto, pugnado o recorrente pela negação do pedido de extradição há que aferir se os fundamentos invocados em defesa da negação do pedido de extradição se encontram contemplados nos preceitos da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e da Lei nº. 144/99 de 31.8.

Feita esta breve introdução, vejamos as especificidades do caso em apreço.

O recorrente vem na sua motivação de recurso retomar, grosso modo, o essencial da argumentação expendida quando apresentou a sua oposição, por escrito, nos termos do art°. 55°, n°. 1 da Lei n°. 144/99 de 31.8, e que o acórdão recorrido reproduz na sua fundamentação.

Ou seja, não terão sido tidas em conta as circunstâncias concretas, legislação aplicável, verificação da efectiva aplicação da Lei de Amnistia ao crime de peculato, nem as garantias formais necessárias, para que se verifique um processo de extradição justo e que confira as necessárias garantias ao recorrente.

Assim, como  se verá, as questões agora colocadas foram cabalmente respondidas no acórdão recorrido. 

Posto isto,

a)- Quanto à questão sobre se se verificou “falta de garantia formal do Estado Requerente que não procederá criminalmente contra o opoente por factos diversos dos que fundamentaram o pedido de extradição”, em “violação” do artº. 44º, nº. 1, al. c) da Lei 144/99 de 31.8, e se “é um facto determinante para a concessão da extradição”.

Alega o recorrente que a extradição está a ser pedida pelo crime de peculato, com eventualidade de ampliação pelo crime de branqueamento de capitais na forma continuada, com excepção à regra da especialidade prevista no art.° 16° da Lei n° 144/99, e à qual o requerido não renuncia. 

Dispõe, assim, o artº. 44º, nº. 1 da Lei nº. 144/99 de 31.8 : “Além dos elementos referidos no artigo 23.º, o pedido de extradição deve incluir:” e a alínea c), “Garantia formal de que a pessoa reclamada não será extraditada para terceiro Estado, nem detida para procedimento penal, para cumprimento de pena ou para outro fim, por factos diversos dos que fundamentarem o pedido e lhe sejam anteriores ou contemporâneos

Ora, esta questão, tendo sido já colocada pelo recorrente, perante o Tribunal da Relação, foi apreciada e ponderada, fundamentando, assim, o acórdão recorrido:

Conforme entendimento jurisprudencial nesta matéria, a falta de tal declaração formal não é motivo de recusa obrigatória ou facultativa da extradição, uma vez que os requisitos gerais e negativos da cooperação internacional são apenas aqueles taxativamente enunciados nos artºs. 6° a 8° e os requisitos restritos à extradição são os enunciados no art.° 32°, todos da Lei n° 144/99.

E no caso em apreço, a segurança do extraditando nesta questão é plena, visto que as autoridades judiciárias angolanas “esclareceram a Sra Ministra da Justiça que no pretérito dia 3/02/2021, foi enviado por correio electrónico, um e-mail a esclarecer, para os efeitos da extradição pedida, a razão de prevalência do crime de Peculato como sendo o crime principal, mais grave e não amnistiado”.

Como refere o Sr° PGA, naturalmente “se os demais ilícitos elencados no pedido de extradição já estão amnistiados ou prescritos o extraditando nada tem a temer nesta matéria”.

Com efeito, quer o elenco dos requisitos gerais negativos da cooperação internacional constantes do artº. 6º, quer o elenco das circunstâncias de não admissibilidade da cooperação constantes o artº. 8º, ambos da Lei 144/99 de 31.8, não incluem a falta de declaração formal pretendida pelo recorrente. Tão pouco o caso em apreço integra qualquer das previsões do artº. 32º da mesma Lei.

Ou seja, inexiste, no caso aquele alegado impedimento da Lei à extradição recorrente.

Acresce que as autoridades judiciárias angolanas esclareceram o Estado português, na pessoa da Senhora Ministra da Justiça, de que a extradição pedida visava o procedimento criminal  contra o recorrente pelo crime de peculato, prevalente relativamente aos demais crimes que foram amnistiados. De onde, não se suscitam quaisquer dúvidas sobre o objecto e âmbito do pedido de extradição.

Diga-se, ainda que a alegada ampliação do objecto da extradição a outros crimes, não resulta de nenhum facto concreto, mas de hipóteses ou possibilidades sugeridas pelo recorrente sem que as concretize, como se retira, aliás dos termos / texto da sua alegação:  Na Conclusão 15 “A fls. 122 o Estado Requerente na informação prestada à Senhora Ministra da Justiça, não exclui o julgamento e condenação do Extraditando por outros crimes”, na Conclusão 16 refere que “Salvo melhor opinião, admite o Estado Requerente no seu esclarecimento de fls. 122 que após a extradição poderá não cumprir a regra da especialidade a qual o Requerido não renunciou, afirmando poder vir a julgar o Requerido também pelo crime de branqueamento de capitais” e, na Conclusão 17, de novo, “A inexistência da garantia formal prestada pelo Estado Angolano, é indicativa de que o mesmo irá ocorrer com o Extraditando, uma vez concretizada a extradição, em clara e flagrante violação da regra da especialidade” – sublinhados nossos.

Consequentemente, conclui-se no acórdão recorrido:

O princípio da especialidade traduz-se precisamente em limitar os factos pelos quais o extraditando será julgado.

Somos assim a entender que não ocorreu, ao contrário do sugerido pelo extraditando, qualquer ampliação do pedido para além dos factos que constam do mandado de detenção internacional, factos que foram descritos no requerimento inicial apresentado pelo Ministério Público que deu início à fase judicial deste processo”.

Realçando que “a concretização temporal dos factos imputados ao extraditando a que se reporta o requerimento apresentado pelo Ministério Público que deu início à fase judicial, respeita o parâmetro cronológico indicado no despacho da Senhora Ministra da Justiça”.

Pelo exposto, terá que improceder a alegação do recorrente de que a extradição pedida pelas autoridades judiciárias angolanas comporta a eventualidade de ampliação pelo crime de branqueamento de capitais na forma continuada.

b)-  Quanto à questão sobre se não foi junta “cópia dos textos legais (incluindo a moldura penal) dos crimes pelos quais é fundamentada a extradição”, em observância do artº. 23º, nº.1, al. f) da Lei 144/99 de 31.8 e do artº. 10º, nº. 3, al. c) da Convenção de Extradição    entre    os    Estados    Membros    da    Comunidade    dos    Países    de    Língua Portuguesa, sendo “fundamental para a aferição do pedido de extradição e consequente decisão”.

Esta questão fora já suscitada pelo recorrente no texto da oposição que apresentou nos termos do art°. 55°, n°. 1 da Lei n°. 144/99 de 31.8, a qual o acórdão recorrido integralmente transcreve, tendo sido apreciada e ponderada, fundamentando, assim, o acórdão recorrido:

Também ao pedido de cooperação foram junto aos autos cópia dos textos das disposições legais aplicáveis no Estado Angolano em cumprimento do disposto no na al. f) do n°. 1, do art.° 23° da citada Lei (cfr. fls 116 a 130).

O requerido, notificado nos termos do n°. 5 do art.° 55° da Lei n° 144/99 de 31 de Agosto, em complemento à oposição à extradição apresentada, vem colocar em causa que tenham sido observados todos os pressupostos legais do pedido de extradição, devendo assim ser o mesmo julgado improcedente.

Desde logo não assiste razão ao recorrente na alegação de que não se encontra cumprida a alínea f) do n° 1 do art.° 23° da Lei 144/99, pois ao pedido de cooperação foram junto aos autos cópia dos textos das disposições legais aplicáveis no Estado Angolano em cumprimento do citado dispositivo legal (cfr. fls. 116 a 130).

Refere também que não consta dos autos a junção da moldura penal respectiva, mas atentando ao exposto nos pontos 6 e 7 do ofício assinado pelo Subprocurador Geral da República de Angola (fls. 144 e 145), onde tal informação é bem explicita (sendo aplicável de uma moldura abstracta de 12 a 16 anos de Prisão Maior, facto que afasta a aplicação da Lei da amnistia, nos termos da qual ficam abrangidos apenas os crimes, dentre outros requisitos, puníveis com pena de prisão até 12 anos, conforme art.° 1°, n° 1 da Lei n° 11/16, de 12/08)” – sublinhados nossos.

Com efeito, ao estabelecer os requisitos do pedido de extradição, o nº. 1 do artº. 23º da Lei n°. 144/99 de 31.8, na sua alínea f), dispõe que “O texto das disposições legais aplicáveis no Estado que o formula”. Já quer o pedido de extradição se destinar, quer a procedimento criminal – como é o caso dos autos –, quer a cumprimento de pena, o nº. 3 do artº. 10º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, na sua alínea c), dispõe que “Cópia dos textos legais que tipificam e sancionam o crime, identificando a pena aplicável, bem como os que estabelecem o respectivo regime prescricional”.

Porém, contrariamente ao alegado pelo recorrente, tal requisito foi cumprido por parte das  autoridades judiciárias do Estado requerente.

Como bem resulta do teor do acórdão recorrido: “atentando ao exposto nos pontos 6 e 7 do ofício assinado pelo Subprocurador Geral da República de Angola (fls. 144 e 145), onde tal informação é bem explicita (sendo aplicável de uma moldura abstracta de 12 a 16 anos de Prisão Maior (…)”.

Assim, o processo de extradição está instruído com cópia de uma página de Código Penal da República de Angola, referente à Secção VI, com epígrafe Peculato e Concussão, e nela reproduzido o texto do art° 313° daquele diploma legal.

No texto daquele art° 313° do Código Penal angolano constam o conjunto dos elementos constitutivos do crime em causa, nele se prevendo todas as circunstâncias descritas na norma incriminadora que têm a ver com a ilicitude e a culpa do facto. Não pode ignorar, assim, o recorrente, qual a conduta que lhe é imputada e qual o tipo legal correspondente na legislação penal angolana.

Pelo exposto, é inquestionável ter sido dado cumprimento ao disposto no artº. 23º, nº. 1, al. f) da Lei nº. 144/99 de 31.8 e no artº. 10º, nº. 3, al. c) da Convenção de Extradição    entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, pelo que também, nesta parte, improcede a alegação do recorrente.

c)- Quanto à questão de saber se o crime de peculato imputado ao recorrente está amnistiado e se “basta a mera informação do Estado Requerente que o crime de peculato não se encontra amnistiado porque prevê abstratamente uma pena de 12 a 16 anos de prisão”, uma vez que a amnistia do crime é fundamento para a rejeição da extradição nos termos do disposto no artº. 8º, nº. 1 da Lei 144/99 de 31.8 e do artº. 3º, nº. 1, al. d) da Convenção dos Estados Membros da CPLP.

Também esta questão foi apreciada e ponderada no acórdão recorrido, fundamentando a sua decisão pela seguinte forma:

(…) mas atentando ao exposto nos pontos 6 e 7 do ofício assinado pelo Subprocurador Geral da República de Angola (fls. 144 e 145), onde tal informação é bem explicita (sendo aplicável de uma moldura abstracta de 12 a 16 anos de Prisão Maior, facto que afasta a aplicação da Lei da amnistia, nos termos da qual ficam abrangidos apenas os crimes, dentre outros requisitos, puníveis com pena de prisão até 12 anos, conforme art.° 1°, n° 1 da Lei n° 11/16, de 12/08)”.

Constando, ainda, da fundamentação:

E por despacho datado de 17.02.2021, esclareceu ainda a Sra Ministra da Justiça: “...considerando que, nos termos da informação n° 0025/CAB-DNIAP/21 da Procuradoria- Geral da República de Angola, emitida na sequência do meu despacho de 15 de Fevereiro de 2021 “serve de base à extradição o crime subsistente de peculato” reitero a declaração de admissibilidade da extradição de AA no que respeita a este crime. (sublinhado nosso) (…)”.

De igual modo, não é correcto o afirmado, [pelo recorrente] atento o exposto nos pontos 6 e 7 do ofício assinado pela Sub - Procuradora Geral da República de Angola, a fls. 145”.

Com efeito, das peças processuais em que assentou a decisão resulta que ao crime de peculato corresponde uma moldura penal abstracta de 12 a 16 anos de prisão maior, o prazo prescricional é de 15 anos –  cfr. o art°. 125° / 2, do CP angolano. E não se encontrando amnistiado, porquanto, apenas foram amnistiados os crimes praticados até 11 de Novembro de 2015, puníveis com pena de prisão até 12 anos, conforme o art°. 1º, nº. 1 da Lei de Amnistia n°. 11/16, de 12.8, publicada no Diário da República de Angola, I série, n°. 137, de 12 de agosto de 2016 – cfr. fls. 138.

Deste modo, o acórdão recorrido sustenta a sua decisão nas peças processuais existentes nos autos e cujo teor reproduz. Teor esse que é claro e responde cabalmente aos requisitos para a decisão proferida. Assim sendo, não se compreendem as dúvidas ou interrogações manifestadas, improcedendo a alegação do recorrente. 

d)- Quanto à questão sobre se “não foi prestada pelo Estado Requerente qualquer garantia formal, que o Requerido não será extraditado para terceiro Estado, nem detido para procedimento penal, cumprimento de pena ou outro fim, por factos diversos dos que fundamentam o pedido”, não se mostrando cumprido o disposto no artº. 44º, nº. 1, al. c) da Lei 144/99 de 31.8.

No que toca a esta questão, dispõe o artº. 44º nº. 1, al. c), da Lei 144/99 de 31.8 que, relativamente ao “Conteúdo e instrução do pedido de extradição”, para além dos elementos referidos no artº. 23º, o pedido de extradição deve incluir: “c) Garantia formal de que a pessoa reclamada não será extraditada para terceiro Estado, nem detida para procedimento penal, para cumprimento de pena ou para outro fim, por factos diversos dos que fundamentarem o pedido e lhes sejam anteriores ou contemporâneos”.

Contudo, a falta de dessa declaração formal não constitui motivo de recusa obrigatória ou facultativa da extradição porquanto, como supra se referiu, os requisitos gerais e negativos da cooperação internacional são estão taxativamente enunciados nos artºs. 6° a 8° e os requisitos restritos à extradição são os enunciados no art°. 32°, da Lei n°. 144/99 de 31.8. É este o entendimento jurisprudencial nesta matéria. Veja-se p. ex. o decidido no Acórdão deste Tribunal de 19.1.2012 no proc. 242/11.3YRCBR. S1, 5ª secção, relator cons. Souto de Moura em www.dgsi.pt.

IV -O pedido de extradição devia incluir a garantia formal de não reextradição, nada impedindo que, não a incluindo, possa ser mandado completar pela autoridade competente (faculdade que não foi usada no processo e também se não vê a necessidade estrita de vir a sê-lo).V - A falta da declaração formal em questão não é motivo de recusa obrigatória ou facultativa de extradição (cf. arts. 6.° a 8.° e 18.° para a cooperação em geral e art. 32.°, todos da Lei 144/99, para a extradição em particular)”.

Todavia, no caso dos autos, as autoridades judiciárias angolanas esclareceram o Estado português de que o a extradição pedida visava o procedimento criminal  pelo crime de peculato, prevalente relativamente aos demais crimes que foram amnistiados, tal como  se refere no acórdão  recorrido “E no caso em apreço, a segurança do extraditando nesta questão é plena, visto que as autoridades judiciárias angolanas “esclareceram a Sra Ministra da Justiça que no pretérito dia 3/02/2021, foi enviado por correio electrónico, um e-mail a esclarecer, para os efeitos da extradição pedida, a razão de prevalência do crime de Peculato como sendo o crime principal, mais grave e não amnistiado”.

Finalmente, e porque se prendem com as questões a)- e d)-, as reservas manifestadas pelo recorrente relativamente à eventualidade de o Estado angolano ultrapassar o âmbito da extradição autorizada, para além do que supra se referiu, haverá que aditar o seguinte:

Quanto  a esta alegada “disfuncionalidade” do sistema judicial do Estado angolano, e ao risco de incumprimento do compromisso assumido pelas suas autoridades judiciárias perante o Estado português, de observância das regras da Convenção dos Estados Membros da CPLP, porquanto numa outra situação que o recorrente refere – o processo crime n°. 23/2018, extraído do processo crime n°. 27/2019, em que ocorreu o julgamento e condenação de um ex-ministro angolano, por sentença proferida em de Agosto de 2019, acusado pela prática de crimes que o recorrente considera amnistiados pela Lei n° 11/16 de 12 de Agosto – por um lado, o recorrente não concretiza minimamente o que alega e, por outro, senão faz qualquer alusão à data da prática dos factos objecto daquele  processo de modo a eventualmente terem sido abrangidos pela Lei de amnistia de que o recorrente beneficia.

Aliás, essas reservas manifestadas pelo recorrente não encontram qualquer correspondência nos procedimentos levados a cabo pelas autoridades judiciárias angolanas no caso destes autos.

A isto acresce, como decidido no Acórdão deste Tribunal de 30.10.2013 no proc. 86/13.8YREVR.S1, 3ª Secção, relator Cons. Oliveira Mendes, que “V - A Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP não prevê a possibilidade de recusa de extradição com fundamento no alegado funcionamento deficiente do sistema de justiça e do sistema prisional do Estado emissor do pedido de cooperação”.

E, ainda, mutatis mutandis,  o Acórdão deste Tribunal de 23.4.2020 no proc. 498/18.0YRLSB.S1, 5ª secção, relatora Cons. Margarida Blasco: “VI - O pedido de extradição define os fins e limites pelos quais a Recorrente pode ser perseguida criminalmente. Não pode servir de fundamento de recusa nos termos do art. 6.º, al. f), da LCJ, um conjunto de preceitos criminais alegados pela Defesa, potencialmente aplicáveis, na medida que a República (…), nunca os imputou à Recorrente. A alteração da qualificação jurídica dos crimes suspeitos, com alteração dos limites máximos das penas de prisão, nomeadamente com possibilidade de aplicação de prisão perpétua ou pena indefinida, violaria claramente o pedido de extradição formulado e o princípio da especialidade. Um pedido de extradição tem de ser apreciado à luz dos fundamentos, factos imputados e qualificação jurídica efectuado no mesmo. Não pode ser apreciado à luz de outros preceitos normativos que não estão imputados e não foram equacionados pelo Estado requerente. Pelo que não se impõe pedir reforço de garantias formais à República (…) porque não está em causa a possibilidade de aplicação de tais penas” – sublinhado nosso. E, no caso destes autos, diremos nós, não está em causa senão o procedimento criminal pelas autoridades judiciárias angolanas pelo crime de peculato, prevalente à aludida Lei de amnistia. 

Improcede o recurso, também, nesta parte porquanto o que o recorrente alega não é, manifestamente, matéria susceptível de permitir a recusa do pedido formulado pelas autoridades judiciárias angolanas.

Por todo o exposto, e bem contrariamente ao alegado pelo recorrente – designadamente Conclusões 20 a 23 – o acórdão recorrido não se limitou “apenas e tão só verificar se estavam verificadas situações taxativas que impedissem a extradição” nem, tão pouco, se limitou o Tribunal da Relação “à verificação de um formalismo burocrático, num procedimento automático, em completa denegação de justiça”, não tendo qualquer cabimento, no caso em apreço, a Jurisprudência deste Tribunal que cita no seu recurso.

III. Decisão.

Termos em que acordam os juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso, mantendo integralmente o Acórdão Recorrido.

Sem custas – artº. 73º nº. 1 da Lei nº. 144/99 de 31.8 – sem  prejuízo do disposto no artº. 26º, nº. 2 als. b) a d) e nº. 4  do mesmo diploma.

Consigna-se que foi observado o disposto no artº. 94º, nº. 2 do CPP.

João Guerra (Relator)

António Clemente Lima