Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SOUSA GRANDÃO | ||
Descritores: | GRAVAÇÃO DA PROVA IRREGULARIDADE NULIDADE PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO | ||
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Nº do Documento: | SJ200711270018054 | ||
Data do Acordão: | 11/27/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário : | I - O prazo máximo de oito dias fixado no n.º 2 do art. 7.º, do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, dirige-se apenas à secretaria judicial, para facultar aos mandatários ou partes cópia da gravação da prova, e não às próprias partes, para requerem essa mesma cópia da gravação da prova. II - Uma vez que o acto de entrega da cópia da gravação - previsto no n.º 2 do art. 7.º, do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro -, pressupõe o prévio impulso da parte interessada na obtenção do registo, e o prazo para a disponibilização da respectiva cópia (8 dias) se inicia com o termo da realização da diligência, o interessado deverá requerer cópia da gravação no final de cada sessão da audiência, ou, o mais tardar, no final da última sessão da audiência de julgamento. III - A incorrecta gravação da audiência constitui omissão de um acto - fiabilidade técnica do registo - que a lei prescreve, podendo influir na decisão da causa (até porque condiciona a reacção das partes contra a decisão proferida sobre a matéria de facto), pelo que constitui uma irregularidade que, a comprovar-se, gera nulidade (art. 201, n.º 1, do CPC). IV - Mas por não se tratar de um acto que, embora praticado no processo, seja – ou deva ser – imediatamente perceptível, o regime da sua arguição pela parte deve implicar a necessária adaptação das regras que disciplinam a invalidade dos actos, mormente o comando do art. 205.º, n.º 1, do CPC. V - Por isso, destinando-se a entrega da cópia do registo, num momento em que ainda não se iniciou sequer a fase do recurso, a controlar a conformidade técnica da gravação, o prazo de 10 dias para a arguição ou reclamação do eventual vício técnico – nulidade processual secundária -, conta-se da data do levantamento do suporte registral. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. RELATÓRIO 1.1. AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “BB – Centro de Equipamentos Mecânicos Ld.ª”, sustentando a ilicitude do despedimento de que foi alvo por parte da Ré, de quem reclama, por via disso, o pagamento das prestações retributivas, indemnizatórias e moratórias discriminadas na P.I.. Instruída a causa, procedeu-se, com gravação da prova, à audiência de discussão e julgamento, que se concluiu em 5 de Fevereiro de 2004. A respectiva sentença foi lavrada em 13 de Junho de 2005. Em 14 de Julho de 2005, o Autor requereu a reprodução, em cassete, da prova produzida em audiência, cuja pretensão foi deferida por despacho de 16 de Setembro de 2005. As pretendidas cópias foram entregues ao Autor em 22 de Setembro de 2005. Por requerimento ajuizado em 27 do mesmo mês, veio o Autor informar que a gravação se mostrava parcialmente imperceptível, designadamente no que respeita aos depoimentos das testemunhas por si arroladas e ao depoimento de parte do Gerente da Ré, o que o impediu “… de impugnar, junto do Tribunal da Relação, a decisão sobre a matéria de facto”, pedindo a anulação da sentença e a repetição da produção da prova. Sem embargo disso, interpôs recurso de apelação em 3 de Outubro de 2005. A ré contra-alegou nesse recurso e, relativamente ao assinalado requerimento, sustentou que a reclamada irregularidade se achava definitivamente sanada, pois cabia ao Autor ter requerido cópia do registo fonográfico no prazo máximo de oito (8) dias após a conclusão da audiência de julgamento e arguido o pretenso vício no prazo de 10 dias após a recepção das cassetes. 1.2. Pronunciando-se sobre o antedito requerimento, o M.mo Juiz: - afirmou a sua tempestividade, dizendo que a deficiência na gravação da prova consubstancia nulidade processual, a ser arguida no prazo de 10 dias a contar da entrega ao requerente da cópia da gravação; - fez consignar que comprovou as invocadas deficiências; - por via disso, anulou o julgamento e processado subsequente, designando nova data para a audiência de julgamento. A Ré agravou desse despacho, mas fê-lo sem êxito, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa, com fundamentação idêntica, confirmou integralmente a decisão da 1ª instância. 1.3. Continuando irresignada, a Ré agravou para este Supremo Tribunal de Justiça, ancorando a oportunidade desse recurso na contradição entre julgados e concluindo como segue as respectivas alegações: 1- o acórdão recorrido está em manifesta oposição com outros arestos proferidos no domínio da mesma legislação – art.º 7º n.º 2 do D.L. n.º 39/95, de 15/2 – pelos Tribunais da Relação de Coimbra (N.º 2713/01) e de Lisboa (2016/04, 1010/04 e 2953/01), não tendo sido fixada pelo S.T.J., até ao momento, jurisprudência com ele conforme (ou em sentido diverso), razão por que estão satisfeitos os requisitos expressos no art.º 754º n.º 2 do C.P.C. para que seja lavrado acórdão uniformizador de jurisprudência nesta matéria; 2- as partes têm o ónus de requerer ao tribunal, após o termo da respectiva audiência, cópia da gravação da prova produzida, com vista à verificação da existência de deficiências do registo fonográfico (omissão ou imperceptibilidade), dispondo o tribunal de um prazo de 8 dias para devolver tal cópia gravada à parte, a qual, por sua vez, dispõe de um prazo suplementar de 10 dias para alegar qualquer nulidade a este respeito – cfr. arts. 7º, 8º e 9º do D.L. n.º 39/95 e 205º n.º 1 e 153º n.º 1 do C.P.C., ex vi art.º 1º n.º 2 al. A) do C.P.T.; 3- o A. não deu cumprimento ao disposto na lei, só tendo requerido a cópia das cassetes cerca de 1 ano e 6 meses após o termo da última das audiências, já depois de fixada a matéria de facto e proferida a sentença de mérito, razão pela qual a nulidade processual, invocada no seu requerimento de 29/9/05, é manifestamente extemporânea; 4- foram, pois, violados os preceitos supra citados; 5- pelo exposto, deve conceder-se inteiro provimento ao presente agravo, revogando-se o acórdão recorrido para se lavrar outro que assegure a uniformidade da jurisprudência do seguinte modo: “No domínio do n.º 2 do art.º 7º do D.L. n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, as partes têm o ónus de requerer ao tribunal, após o termo da respectiva audiência, cópia da gravação da prova produzida, com vista à verificação da existência de deficiências de gravação (omissão ou imperceptibilidade do registo), dispondo o tribunal de um prazo de 8 dias para devolver tal cópia gravada à parte, a qual, por sua vez, dispõe de um prazo de 10 dias para alegar eventual nulidade, consubstanciada em omissão ou imperceptibilidade da gravação, de acordo com as regras dos arts. 205º n.º 1 e 153º n.º 1, ambos do C.P.C.”; 6- nos termos do n.º 2 do art.º 732º-A do C.P.C., aplicável ao caso ex vi n.º 3 do art.º 762º do mesmo Código, requer-se que o presente recurso seja julgado com intervenção de plenário das secções cíveis, uma vez que tal se revela necessário ou conveniente para assegurar a uniformidade da jurisprudência nesta matéria – prazo para arguição de falta ou deficiência de gravação de prova em 1ª instância – que é de primordial importância, nomeadamente para efeitos de recurso sobre a matéria de facto em processo civil e laboral. 1.4. O Autor não apresentou contra-alegações. 1.5. O Ex.mo Presidente do S.T.J. indeferiu o pedido de julgamento ampliado do agravo: não obstante a comprovada oposição de julgados, ponderou, naquele sentido, a insuficiente laboração jurisprudencial que se evidencia, até ao momento, sobre a matéria. 1.6. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto sustenta a improcedência do recurso. 1.7. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2- Factos A factualidade atendível é, tão-somente, aquela que já decorre da exposição lavrada na rubrica “Relatório”. 3- Direito 3.1. Conforme flui da síntese conclusiva do recorrente, o objecto do agravo consiste em saber: - qual o prazo de que as partes dispõem para requerer cópia da gravação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento; - a que vício se reconduz a eventual deficiência (omissão ou imperceptibilidade) dessa gravação e de que prazo dispõem as partes para o arguir; - qual a solução que, para o caso vertente, decorre da resposta dada às questões anteriores. 3.2.1. O D.L. n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, veio admitir o registo das provas produzidas em audiência de julgamento, por forma a garantir um efectivo segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto. Em decorrência dessa medida inovadora, aquele texto legislativo aditou ao Código de Processo Civil o seu art. 690º-A, que passou a impor ao recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus especial de alegação no tocante à delimitação do objecto do recurso e à sua fundamentação. De harmonia com o respectivo comando legal: 1- estabeleceu-se a obrigatoriedade, sob pena de rejeição do recurso, da identificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados e dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou da gravação nele realizados, que impunham, sobre aquela específica matéria factual, uma decisão diversa da que foi proferida (n.º 1); 2- ademais, e para a concretização desses aduzidos meios probatórios, começou por exigir a transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda a impugnação (n.º 2, na sua redacção primitiva), cujo regime veio a ser ulteriormente substituído por um outro sistema de identificação dos depoimentos, feito por mera remissão para o início e termo da respectiva audição, com referência ao que estiver assinalado na acta (n.º 2, na sua redacção actual, introduzida pelo D.L. n.º 183/2000, de 10 de Agosto). O referido D.L. n.º 39/95 veio ainda aditar outros preceitos ao compêndio adjectivo civil, designadamente os seus arts. 522º-A, 522º-B e 522º-C. Por via deles, ficou estabelecido que a gravação da audiência pode ser requerida por qualquer das partes ou ser determinada oficiosamente pelo Tribunal, quando a decisão admita recurso ordinário (citado art.º 522º-B e 68º n.º 2 do Código de Processo de Trabalho), devendo ser requerida nos cinco dias posteriores ao termo do prazo para oferecimento do último articulado ou na audiência preliminar (n.º 4 daquele art.º 68º e 508º-A n.º 2 do Cod. Proc. Civil). O art.º 522º-C, por seu turno, estatui que “… a gravação é efectuada, em regra, por sistema sonoro, sem prejuízo do uso de meios audiovisuais ou outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor” (n.º 1), sendo que “… quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento” (n.º 2, introduzido pelo D.L. n.º 183/2000). Por outro lado, o mesmo D.L. n.º 39/95 enunciou um complexo de regras procedimentais tendentes a assegurar a operacionalidade do sistema ora introduzido. Em síntese útil, os seus arts. 3º a 9º estabelecem que: - a gravação é efectuada com o equipamento para o efeito existente no Tribunal (art.º 3º); - por funcionários de justiça (art.º 4º); - de modo a que facilmente se apure a autoria dos depoimentos gravados ou das intervenções e o momento em que as mesmas se iniciaram e cessaram (art.º 6º); - “incumbe ao tribunal que efectuou o registo facultar, no prazo máximo de oito dias após a realização da respectiva diligência, cópia a cada um dos mandatários ou partes que a requeiram” (art.º 7º n.º 1), devendo o interessado fornecer ao tribunal, para o efeito, as fitas magnificas necessárias (art.º 7º n.º 2); - “se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade” – art.º 9º. 3.2.2. Como se vê da incursão legal que nos propusemos, a lei é absolutamente omissa quanto à oportunidade e prazo para o mandatário ou a parte requererem cópia do registo da prova. Não obstante, o transcrito art.º 7º n.º 2 prevê um prazo, expressamente dirigido à Secretaria, para facultar o registo a quem manifestar interesse na sua obtenção. E, tal como se acha redigido, este preceito é absolutamente claro no sentido de que a entrega da cópia não constitui um dever oficioso do tribunal, antes se mostra condicionada pelo necessário e prévio impulso da parte, tanto por via do requerimento que lhe compete ajuizar nesse sentido, quanto pelo fornecimento à Secretaria das “fitas magnéticas necessárias”. Deste modo, estamos em crer que a solução a alcançar, no ponto específico da oportunidade de requisição do registo, não pode ignorar o mencionado preceito nem escusar-se a interpretá-lo. Antes de avançarmos, importa coligir breves noções no domínio da interpretação de textos legais. Interpretar uma lei significa descobrir o sentido que está por detrás da expressão utilizada e, sempre que essa expressão possa conter sentidos diversos, eleger a verdadeira significação que o legislador lhe pretendeu conferir (cfr. P. Lima e A. Varela in “Noções Fundamentais do Direito Civil”, vol. II, 5ª ed., pág. 130). O art.º 9º do Cod. Civil contém os princípios basilares a que deve submeter-se essa tarefa: - “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1); - não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2); - além disso, “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3). Partindo da letra da lei, haverá que eliminar, desde logo, aquele ou aqueles sentidos que nela não tenham a menor correspondência. Mas, como o sentido literal representa apenas o conteúdo possível da lei, torna-se necessário averiguar, de seguida, se ele corresponde efectivamente ao pensamento do legislador. Nessa tarefa crítica intervêm elementos lógicos, sendo usual cindi-los em elementos sistemáticos, históricos e teleológicos ou racionais. O elemento sistemático pressupõe o apelo a outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma a interpretar e, bem assim, àquelas que regulam os institutos afins, de acordo com a unidade intrínseca que é suposto nortear o ordenamento jurídico. O elemento histórico, por seu turno, pressupõe a análise do preceito material em causa, por apelo às suas fontes e respectivos trabalhos preparatórios. O elemento teleológico, por fim, consiste em apurar a “ratio legis”, isto é, o fim visado pelo legislador e as soluções que ele pretendeu alcançar com a norma produzida. No final da tarefa que se propôs, acabará o intérprete por alcançar um dos seguintes resultados ou modalidades interpretativas: interpretação declarativa, extensiva, restritiva, revogatória ou enunciativa. Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a dizer um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse o que corresponde ao pensamento legislativo. A interpretação extensiva aplica-se, no dizer de Baptista Machado (in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 12ª reimpressão, 2000, pags. 185 e 186) quando “… o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer”. E, como logo acrescenta, “… a interpretação extensiva assume normalmente a forma de extensão teleológica: a própria razão de ser da lei postula a aplicação a casos que não são directamente abrangidos pela letra da lei mas são abrangidos pela finalidade da mesma”. Ainda segundo Baptista Machado, na interpretação restritiva, ao invés, “… o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer” (ob. cit., pág. 186). Por seu turno, a interpretação revogatória apenas se justifica quando existe, entre duas disposições legais, uma contradição insanável. Por fim, a interpretação enunciativa é aquela pela qual o intérprete deduz de uma norma um preceito que nela está virtualmente contido (cfr., sobre a tarefa interpretativa, o Acórdão desta Secção de 12/1/06, na Revista n.º 3229/05). Por se presumir que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados, logo se infere que a interpretação declarativa será a mais frequente, seguindo-se a extensiva e a restritiva, quedando-se, por último, a interpretação revogatória e a enunciativa. 3.2.3. Já sabemos que o acto previsto no art.º 7º n.º 2 pressupõe, nos termos enunciados, o prévio impulso da parte interessada na obtenção do registo. E sabemos também que o prazo para a disponibilização da respectiva cópia – 8 dias – se inicia com o termo da diligência. Articulando aquele impulso com o início da contagem deste prazo, fica necessariamente pressuposto, em termos literais, que o interessado tenha exercido a sobredita faculdade, o mais tardar, no final da audiência de julgamento. Dizemos “o mais tardar” porque nada impede que, havendo várias sessões de julgamento, as partes requeiram, de imediato, a cópia da gravação de cada sessão, caso em que o referido prazo de 8 dias se conta a partir do final de cada uma delas. Bem se compreende, aliás, que assim possa ser, pois mal se entenderia que as partes não pudessem ir controlando a fidelidade técnica das gravações, por forma a accionarem eventualmente, também elas, o procedimento de repetição da prova, previsto no falado art.º 9º. Mas ainda que não exerçam a faculdade da requisição parcelar, o pedido da cópia integral da gravação, segundo a implícita exigência da lei, deve ser feito logo no final da audiência. Aliás, é altura de dizer que aquele art. 9º jamais deverá ser coligido para sufragar uma interpretação no sentido de que a deficiência registral constitui um vício susceptível de ser invocado “em qualquer momento”. Conforme se anota no Acórdão deste Supremo de 29/1/04 (Rec. N.º 1241/03), esse “… normativo deve ser entendido na sequência lógico sistemática dos artigos 7º e 8º em que se integra, concernente ao período do decurso da audiência, significando a expressão “em qualquer momento”, justamente, um qualquer instante da mesma”. Resta saber se o anunciado sentido literal do art.º 7º se harmoniza com a tramitação geral da recolha da prova e com o intocável direito ao recurso. Neste contexto, basta atentarmos no mecanismo de funcionamento da audiência de julgamento – arts.652º e 653º do C.P.C.- para se concluir que aquela “implícita exigência” se mostra de todo justificada. Assim: - finda a inquirição das testemunhas e a realização de quaisquer diligências que devam decorrer perante o tribunal, têm lugar os debates orais sobre a matéria de facto, nos quais os advogados procurarão fixar os factos que devem considerar-se provados e aqueles que o não foram; - encerrada a discussão, o tribunal recolhe para decidir, fixando a matéria de facto por acórdão – ou por despacho se o julgamento incumbir ao juiz singular – onde declarará os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; - a decisão é facultada a cada um dos advogados que, após exame ponderado, podem reclamar contra a deficiência, obscuridade ou contradição de tal decisão ou contra a falta da sua motivação; - havendo reclamações, o Tribunal reúne de novo para as apreciar e, uma vez decididas, ou não as tendo havido, as partes podem ainda acordar na discussão oral e imediata do aspecto jurídico da causa. O processo laboral segue regime idêntico, com a ressalva de que os debates orais se destinam à discussão simultânea da matéria de facto e de direito, após o que o tribunal pode ampliar ainda o acervo factual – art.º 72º n.ºs 3 e 4 do C.P.T. . Perante a sequência sumariamente exposta, é de todo evidente que os Advogados das partes, tendo assistido à recolha da prova, tendo intervindo na discussão da matéria de facto e estando já cientes da decisão – sujeita a exame e reclamação – que fixou a matéria atendível e aquela que foi havida como não provada, estão seguramente em condições de avaliar se, na sua óptica, essa decisão se harmoniza, ou não, com a prova efectivamente produzida. Vejamos agora se essa avançada interpretação literal do art.º 7º n.º2 também se harmoniza com as regras da interposição do recurso. De harmonia com o disposto no art. 80º n.º 2 do C.P.T., o prazo para a interposição do recurso de apelação é de 20 dias, ao qual acresce, nos termos do seu n.º 3, o prazo de 10 dias “… se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada”. Esta previsão normativa tem inteira correspondência com a disciplina vazada no compêndio adjectivo civil, onde também se prevê que ao prazo geral de 30 dias, atribuído à produção de alegações na apelação cível, acresçam 10 dias se o recurso “… tiver por objecto a reapreciação da prova gravada” – art.º 698º n.º 6. Como se vê, o prazo adicional de 10 dias está exclusivamente interligado, quer num caso, quer noutro, com o objecto do recurso, mais em concreto com os ónus legais impostos ao recorrente da matéria de facto: é que esses ónus conferem ao recorrente uma morosidade acrescida na identificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados e dos meios probatórios que suportam a respectiva discordância. É dizer que esse prazo não se destina a comprovar a fidelidade técnica da gravação, antes a pressupõe. Sendo assim, também não vemos que as regras de interposição do recurso contrariem a assinalada interpretação. 3.2.4. Apesar do que se deixou dito, não podemos validamente recusar que a obtenção do registo fonográfico, destinando-se exclusivamente a impugnar a decisão da matéria de facto, é instrumental do recurso que vier a ser interposto da sentença final. Dir-se-á, por isso, que o interesse naquela obtenção só surge quando as partes vierem a ser notificadas da respectiva sentença, posto que desfavorável. E, neste contexto, não é de excluir que, mesmo perante um juízo probatório do Tribunal, eventualmente disconforme com a prova efectivamente produzida, a decisão de mérito, ancorada noutras razões, possa resultar favorável à parte dissidente desse juízo probatório: nesse caso, a requisição prévia do registo constituiria um acto absolutamente inútil. Mas, em contraponto disso, não poderá deixar de se reconhecer também que a inércia das partes, omitindo a requisição da gravação no final da audiência, obrigará o Juiz a proferir uma sentença passível de anulação se, entretanto, vier a ser comprovada qualquer anomalia (omissão ou imperceptibilidade) do registo: a prolação de tal sentença também constituirá, então, um acto igualmente inútil. Por outro lado, prevenindo a necessidade de repetição – integral ou parcial – da prova, é de todo conveniente que tal aconteça com a brevidade possível, sendo que a requisição imediata da gravação – com a subsequente arguição de vícios, se os houver – neutraliza, neste particular, os inconvenientes de uma sentença tardia. Acresce ainda que a interpretação contrária do preceito em análise – ou seja, a interpretação no sentido de que a lei não comina qualquer prazo para a requisição de cópia do registo, a não ser o que decorre da instrução do recurso, de cujo acto é instrumental – consente necessariamente que essa requisição só seja feita no decurso do próprio prazo para a apresentação das alegações e, por via disso, que a hipotética anomalia registral só venha a ser arguida nessa fase, quiçá no seu último dia. Essa consequência será particularmente impressiva no processo laboral, em que o requerimento de interposição do recurso de apelação – tal como o de agravo em 1ª instância – deve ser instruído, desde logo, com as alegações correspondentes – art.º 82º n.º 1 do C.P.T.. Mas, ainda que se não considere essa situação-limite, o certo é que o recorrente, numa tal perspectiva, não pode ignorar que o prazo para a prática do acto, por banda da Secretaria, corre em simultâneo com o prazo do recurso, sendo que a parte está naturalmente impedida de aceder aos elementos registrais – necessários à feitura da alegação – enquanto os mesmos não lhe forem disponibilizados. Ora, não hipotizando já um atraso da Secretaria – contra o qual sempre o impugnante estaria acautelado por virtude do “justo impedimento” – a verdade é que o prazo para a produção das alegações não deixaria de ser inexoravelmente encurtado nos oito dias legalmente consentidos para a entrega do suporte magnético à parte recorrente. Em qualquer das situações, a mencionada leitura interpretativa irá viabilizar uma indesejável sobreposição de prazos com finalidades adjectivas diferenciadas – um para a arguição de vícios, outro para a instrução do recurso -: dessa sobreposição poderá resultar a impossibilidade de ajuizar a minuta alegatória, bastando, para isso, que a anomalia da gravação impeça a impugnação da matéria de facto. 3.2.5. Perante a análise que nos propusemos – onde se evidencia um especial apelo ao elemento sistemático – estamos convictos de que a lei procurou estabelecer uma salutar destrinça entre a falada arguição de vícios e a interposição de recurso, pretendendo deixar claro que, nesta última fase, já devem estar definitivamente arredadas quaisquer questões atinentes à omissão ou imperceptibilidade da gravação. Não devemos ignorar que uma tal patologia se reconduz a uma omissão meramente técnica, que constitui um vício oculto, certo que não se evidencia com a simples análise do processo mas apenas com a audição do suporte registral. Neste contexto, não será descabido entender que a lei pretendeu chamar as partes para colaborarem na descoberta desses vícios ocultos: os deveres de diligência, de boa fé processual e de recíproca colaboração justificam amplamente esse apelo. Tendo em conta que os sujeitos processuais, ainda que alheios à prática do acto inválido, têm o poder-dever de controlar a sua regularidade, nos sobreditos termos, não se nos afigura excessivo exigir àquela que perspectiva a possibilidade de vir a impugnar, no futuro, o acervo factual, preste, desde logo, a sua colaboração, accionando os mecanismos adequados para que, desde o final da audiência, se teste a fiabilidade do registo, verificando se nele concorrem patologias de gravação susceptíveis de neutralizar os actos probatórios já realizados. Somos a concluir, deste modo, que também o elemento teleológico conforta a interpretação que sufragamos. 3.3. A imperceptabilidade ou deficiência da gravação consubstancia, como dissemos, uma patologia meramente técnica. E, a comprovar-se tal patologia, é forçoso reconhecer que ela se reconduz à omissão de uma formalidade que a Secretaria deveria ter assegurado. É dizer que a incorrecta gravação da audiência constitui omissão de um acto – fiabilidade técnica do registo – que a lei prescreve, podendo influir na decisão da causa, tanto quanto é certo que condiciona a reacção das partes contra a decisão proferida sobre a matéria de facto. Trata-se, consequentemente, de uma irregularidade que, a comprovar-se, gera nulidade – art.º 201º n.º 1 do C.P.C.. Apesar disso, não se tratando de um acto que, praticado embora no processo, seja – ou deva ser – imediatamente perceptível, o regime da sua arguição pela parte deve implicar a necessária adaptação das regras que disciplinam a invalidade dos actos, mormente, como aqui importa, o comando do art.º 205º n.º 1 daquele compêndio adjectivo. Este preceito impõe que, sendo a nulidade cometida na presença da parte, a sua arguição seja feita imediatamente e que, não estando ela presente, seja arguida em prazo – de 10 dias (art.º 153º n.º 1) – contado a partir do momento em que, depois de cometida a nulidade, a parte intervenha em qualquer acto praticado no processo ou seja notificada para qualquer termo dele mas, neste último caso, só quando deva presumir-se que tomou então conhecimento do vício ou que dele pudesse conhecer, agindo com a diligência devida. Sendo de todo evidente que, durante o decurso da audiência, não tem a parte qualquer possibilidade de controlar a apontada anomalia registral, também é certo que não se vislumbra qualquer acto praticado no processo ou qualquer notificação que, pela sua natureza, fossem idóneos para evidenciar, ainda que com a diligência devida, a omissão ou deficiência em causa. Por isso, entendemos que a entrega da cópia do registo, feita num momento em que se não iniciou sequer a fase do recurso, se destina, justamente, a controlar a conformidade técnica da gravação. Sendo assim, devemos concluir que o prazo para a arguição ou reclamação do eventual vício técnico – nulidade processual secundária – se conta da data do levantamento do suporte registral. À luz dos princípios já coligidos – e conforme se adianta no Acórdão deste Supremo de 6/7/2006, proferido no agravo n.º 1899/06 – “... tem-se ... por manifesta a exigibilidade de que, numa actuação normalmente diligente, a parte se assegure que a gravação que lhe foi entregue permite efectiva reapreciação da prova produzida – e, tal assim, em termos de, no prazo geral de 10 dias, estabelecido no art.º 153º n.º 1 do C.P.C, reclamar de eventual deficiência que tal impeça. Tem-se, enfim, por claro, que uma actuação prudente implicará sempre a verificação imediata da suficiente qualidade da gravação pelo que “... o prazo em causa se inicia com a entrega das cassetes ao mandatário” (Fim de transcrição). 3.4. Enunciados os princípios jurídicos atendíveis, resta aproximar-lhes o concreto dos autos. Estando documentado que a audiência de discussão e julgamento se concluiu em 5 de Fevereiro de 2004, essa era também a data limite de que o Autor dispunha para peticionar ao tribunal a entrega do suporte registral da audiência. Como só o fez em 14 de Julho de 2005, tem-se por inexoravelmente intempestivo o requerimento, que ajuizou em 22 de Setembro seguinte, reclamando contra a imperceptibilidade parcial da gravação. Perante essa intempestividade, não podia a 1ª instância deferir tal reclamação, anulando o julgamento e o processado subsequente. Como assim, importa revogar o Acórdão em crise, que confirmou a sobredita decisão da 1ª instância. 4- DECISÃO Em face do exposto, concede-se provimento ao agravo e revoga-se o Acórdão impugnado.Custas pelo recorrido. Lisboa, 27 de Novembro de 2007 Sousa Grandão (Relator) Pinto Hespanhol Vasques Dinis |