Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DA GRAÇA TRIGO | ||
Descritores: | COVID-19 IMPOSTO PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TRIBUTAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 05/28/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | As máscaras de protecção produzidas e fornecidas pela ré não foram objecto de qualquer certificação, sendo que não ficaram provadas as concretas características das mesmas máscaras, o que não nos permite sequer equacionar o cumprimento dos requisitos fixados pelo INFARMED, pelo que tais máscaras não devem assim beneficiar da taxa de IVA reduzida prevista no art. 3.º, al. a), da L. n.º 13/2020, de 07-05. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. NV - Uniformes Unipessoal, Lda. instaurou a presente acção declarativa contra Igual e Completo – Unipessoal, Lda., alegando, em síntese, o seguinte: - Entre a autora e a ré foi celebrado, em finais de Março e princípios de Abril de 2020, um contrato de prestação de serviços verbal, pelo qual a autora se comprometeu a confeccionar para a ré máscaras de protecção de fabrico têxtil; - O valor por unidade de cada máscara produzida pela autora acordado entre as partes, foi de €0,65 para as máscaras brancas, e €1,15 para as máscaras de cores; - A ré ficou com a responsabilidade de levantar os produtos na fábrica da autora e, ficou também, com a responsabilidade de efectuar o transporte das máscaras para a ilha da Madeira; - A autora produziu as máscaras e entregou-as à ré, emitindo as respectivas facturas, no montante global de €187.587,77, do qual a ré apenas pagou a quantia de €8.050,00; - Apesar de interpelada por diversas vezes, a ré não pagou os montantes em dívida. Concluiu pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de €179.531,77, a título de capital em dívida, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal aplicável, contados desde a data de vencimento de cada uma das facturas em causa até integral e efectivo pagamento. 2. A ré contestou alegando, em síntese, o seguinte: - Reconhece que deve à autora uma verba no valor de €15.890,60, tendo já pago a quantia de €88.000,00; - O valor para a aquisição das máscaras foi o valor de €0,45 por unidade, quer para as máscaras brancas, quer para as máscaras de cores; - A autora entregou somente 217.800 máscaras de protecção comunitária, estando a facturar 300.000; - Após o primeiro envio das máscaras de protecção comunitária por parte da autora, esta nunca enviou a certificação obrigatória das mesmas, apesar das insistências da ré; - Apesar de ter solicitado a rectificação das facturas, no que respeita à incidência do IVA, a autora recusou-se a aplicar a taxa reduzida de IVA; - Em consequência recusa-se a cumprir a sua prestação na relação contratual existente entre as partes enquanto não forem rectificadas as facturas, quer nos montantes das unidades e seus valores unitários como acordado, quer no envio da certificação das máscaras comunitárias, prestações não cumpridas pela autora. Conclui pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do pedido. 3. No que importa para o presente recurso, veio a ser proferida sentença, em 02-07-2023, com a seguinte decisão: “Em face da argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, julga-se a ação totalmente procedente, por provada, condenando-se a ré IGUAL E COMPLETO UNIPESSOAL, LDA a pagar a autora NV-UNIFORMES UNIPESSOAL, LDA, a quantia de €179.531,77 (cento e setenta e nove mil, quinhentos e trinta e um euros e setenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma das faturas acima referidas nas alíneas , até integral e efetivo pagamento.”. 4. Inconformada, interpôs a ré recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito. Por acórdão de 29-01-2024, o recurso foi julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. 5. Veio a ré interpor recurso de revista, por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: “A) Erro na Interpretação da Legislação, o Tribunal da Relação de Lisboa cometeu um equívoco ao considerar que o contrato celebrado entre as partes se enquadrava na prestação de serviços de fornecimento de máscaras de proteção cirúrgica, quando, na verdade, se tratava de máscaras de proteção comunitárias, de fabrico têxtil; B) Inaplicabilidade da Taxa Reduzida de IVA, a interpretação realizada pelo Tribunal da Relação de Lisboa sobre a aplicação da taxa reduzida de IVA às máscaras fornecidas pela Recorrente está em desacordo com a legislação em vigor, pois as máscaras em questão enquadram-se nas disposições da Lei n.º 13/2020, de 7 de maio, que regula a aplicação da taxa reduzida de IVA apenas para máscaras de proteção respiratória. C) Desconsideração das Características das Máscaras em Questão, o acórdão recorrido não levou em consideração as características específicas das máscaras de protecção respiratórias, proteção comunitárias, de fabrico têxtil, as quais foram claramente descritas nos autos do processo e diferem das máscaras de proteção cirúrgicas em termos de finalidade e normas de certificação. D) Erro na Aplicação de Direito quanto às Máscaras Não Encomendadas e Não Entregues, o Tribunal da Relação de Lisboa também errou ao confirmar a obrigação da Recorrente em pagar à Recorrida pelos valores referentes às máscaras não encomendadas e não entregues, uma vez que a Recorrente não estava legalmente obrigada a arcar com tais custos, conforme demonstrado pelas provas nos autos, não fazendo a aplicação dos artigos 1154º, 405º 406º, 437º, 790º e 793º, 1207º, 1208º e 1210º, todos do Código Civil. E) Dos depoimentos não pode resultar qualquer hesitação no julgador quanto o número certo da quantia de máscaras enviadas pela Recorrida NV – Uniformes Unipessoal, Lda., contabilizando um total de 217.800 unidades. F) As máscaras encomendas pela Recorrente tenham as características das máscaras previstas na referida al. a) do art.º 3º da Lei nº 13/2020, de 07 de Maio, devendo ser taxadas a 5% a partir das entregas efectuadas a 8 de Maio de 2020”. H) Deste facto provado – como deveria ter sido considerado pelo Tribunal a quo – deriva a imediata consideração, a Recorrida adoptou um comportamento que deveria ser considerado abusivo, nos termos previstos no preceito legal do artigo 334º do Código Civil, bem como a desconsideração da boa-fé nos preliminares na negociação e conclusão do negócio, conforme artigo 227º do Código Civil. I) A Recorrida está a facturar 319.570 máscaras, com o valor total de € 267.531,77, que descontado o pagamento de € 88.000,00 pagos pela Recorrente, o montante reclamado fica em € 179.531,77, sendo este em que a Recorrente foi condenada no seu pagamento, quando foram efectivamente entregues e transmitidas 217.800 unidades de máscaras de protecção pela Recorrida, apesar da reclamação por parte da Recorrente, todas as unidades de máscaras de protecção foram cobradas IVA à taxa de 23%. J) Nos termos da alínea a) do artigo 3.º e artigo 6.º, todos da Lei n.º 13/2020, de 7 de Maio, em conjugação com a alínea b) do n.º 3 do artigo 18.º do CIVA, a taxa de IVA a aplicar na facturação das máscaras a partir do dia 8 de Maio, é a taxa de 5% (Região Autónoma da Madeira). A aplicação da taxa de IVA em vigor, é aplicada no momento da transmissão do bem ou da prestação do serviço, segundo os termos do artigo 36.º do CIVA, tendo-se de verificar as datas que foram colocadas à disposição da Recorrente, conforme alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º, n.º 1 do artigo 6.º e artigo 7.º todos do CIVA. K) Pelo que deverá, em objectivação do princípio da legalidade e da proporcionalidade fixar em € 78.265,14 com as taxas de IVA correctas já incluídas o montante correcto e adequado em dívida para pagamento à Recorrida ou se assim não for o entendimento deverá em alternativa fixar na quantia de € 94.790,30 com a taxa de 23% de IVA já incluída, é nos quadros que foram expostos que a Recorrente pretendia que fossem apurados os valores. L) O douto acórdão recorrido violou por errada interpretação das normas do Código do IVA e ainda a alínea a) do artigo 3º da Lei n.º 13/2020, de 7 de Maio, que deverá assim, numa boa aplicação do Direito, nessa tarefa interpretativa os enunciados do artigo 9º do Código Civil e artigos 1154º, 405º 406º, 437º, 790º e 793º, 1207º, 1208º e 1210º, todos do mesmo Código.”. Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido a prolação de decisão em conformidade com as conclusões apresentadas. 6. A recorrida não apresentou contra-alegações. II – Admissibilidade do recurso Em 23.04.2024, foi proferida a seguinte decisão da relatora: “Igual e Completo – Unipessoal, Lda., ré na presente acção instaurada, mediante requerimento de injunção, por NV-Uniformes Unipessoal, Lda., veio interpor recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação que confirmou a decisão do Tribunal da 1.ª Instância. Não obstante o recurso ter sido interposto por via excepcional, nos termos do previsto no art. 652.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, cabe ao relator verificar se existe algum obstáculo à sua admissibilidade por via normal. Encontram-se reunidos os pressupostos gerais de recorribilidade, e, pela análise comparativa das decisões das instâncias, entende-se ser de afastar a verificação da dupla conforme, com base na essencial divergência entre as respectivas fundamentações (cfr. art. 671.º, n.º 3, do CPC). Com efeito, os dois graus de jurisdição convergiram na conclusão de que as máscaras de protecção de tecido produzidas pela autora se encontravam sujeitas à taxa normal de IVA, não tendo a ré qualquer fundamento para recusar o pagamento das mesmas. Todavia, enquanto a sentença da 1.ª Instância fundou esta conclusão na circunstância de a autora ter adquirido as matérias-primas à taxa normal, afastando expressamente a aplicação ao caso da alínea a) do art. 3.º da Lei n.º 13/2020, de 7 de Maio, pelo facto de o contrato ter sido celebrado e a produção das máscaras ter sido efectuada antes da entrada em vigor dessa lei, a Relação considerou tal regime aplicável. O acórdão recorrido adoptou um juízo normativo essencialmente diverso do perfilhado pela sentença da 1.ª Instância, não relativamente ao preenchimento da referida previsão normativa do art. 3.º da Lei n.º 13/2020, de 7 de Maio – já que a sentença, a título de obiter dictum, também expressa dúvidas quanto ao facto de as máscaras encomendadas pela ré apresentarem as características das máscaras referidas no preceito –, mas quanto ao juízo de verificação dos pressupostos de aplicação de tal lei no tempo. Nesta sede, e ao contrário do Tribunal da 1.ª Instância, que excluiu do âmbito temporal de aplicação do regime fiscal previsto no art. 3.º da Lei n.º 13/2020, de 7 de Maio, os contratos de aquisição de máscaras celebrados em momento anterior à entrada em vigor de tal diploma, o Tribunal da Relação pressupôs a aplicabilidade de tal norma ao caso dos autos. Assim, foi diverso o quadro normativo convocado para determinar a taxa de IVA aplicável à transacção realizada pelas partes: na sentença foram consideradas aplicáveis, ainda que implicitamente, as regras fiscais de carácter geral; no acórdão da Relação considerou-se, em abstracto, ser aplicável a norma especial prevista no art. 3.º, alínea a), da Lei n.º 13/2020, de 7 de Maio, acabando por se concluir pelo não preenchimento dos respectivos pressupostos normativos. Esta disparidade reveste índole substancial porque não se cinge ao não acolhimento pela Relação de um segmento da fundamentação da sentença ou a um aditamento de um argumento corroborante, antes implica um juízo, de natureza prévia – ainda que não expressamente enunciado – quanto ao âmbito de aplicação da lei no tempo. Juízo esse que se traduz na opção do tribunal recorrido por uma disposição legal de carácter especial para regular o caso, em detrimento do regime fiscal geral considerado implicitamente aplicável pelo Tribunal da 1.ª instância. Concluindo-se pela existência de fundamentação essencialmente diferente entre as decisões das instâncias, não se verifica o obstáculo da dupla conforme à admissibilidade do recurso previsto no art. 671.º, n.º 3, primeira parte, do CPC, sendo o recurso admissível por via normal.”. III – Objecto do recurso Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso. Assim, o presente recurso tem como objecto a seguinte questão suscitada pela ré como meio de defesa (cfr. art. 91.º, n.º 1, do CPC): • Determinar qual a taxa de IVA aplicável ao contrato dos autos, tendo em consideração o seu particular objecto: fornecimento de máscaras de protecção comunitárias no contexto da pandemia COVID 19. IV – Fundamentação de facto Vem dado como provado o seguinte (mantêm-se a numeração e a redacção das instâncias): 1. A autora dedica-se ao fabrico e comercialização de artigos têxteis, vestuário de trabalho e outro tipo de vestuário. 2. A R., por seu turno, dedica-se, à comercialização, entre outros artigos, de têxteis. 3. No domínio da atividade comercial de ambas, em finais de março e princípios de abril de 2020 a Ré, solicitou verbalmente à Autora a confeção e fornecimento de máscaras de proteção comunitárias, de fabrico têxtil, destinadas à sua revenda, com intuito lucrativo. 4. O valor por unidade de cada máscara produzida pela A. e, acordado entre as partes, foi de € 0,65 (sessenta e cinco cêntimos) para as máscaras brancas, e, €1,15 (um euro e quinze cêntimos) para as máscaras de cor. 5. Entre as partes ficou, igualmente, acordado que a A., após o fabrico/confeção das máscaras, entregava as mesmas à R., ficando esta com a responsabilidade de levantar os produtos na fábrica da A., e, ficou também, com a responsabilidade de efetuar o transporte das máscaras para a ilha da Madeira. 6. Após o fabrico e entrega das máscaras encomendadas pela R., foram emitidas as respetivas faturas, infra discriminadas: a) Fatura n.º A/51, de 17-06-2020, no valor de €79.950,00 (setenta e nove mil, novecentos e cinquenta euros), cuja mercadoria (100.000 máscaras de proteção em tecido) foi disponibilizada para a R. proceder ao seu levantamento a 21 de Abril de 2020, de acordo com as guias de remessa, e cujo prazo de vencimento estabelecido da fatura era a 17/07/2020; b) Fatura n.º A/54, de 02-07-2020, no valor de €79.950,00 (setenta e nove mil, novecentos e cinquenta euros), cuja mercadoria (100.000 máscaras de proteção em tecido) foi disponibilizada para a R. proceder ao seu levantamento no mês de Abril de 2020, de acordo com as guias de remessa, e cujo prazo de vencimento estabelecido da fatura era a 01/08/2020. c) Fatura n.º A/55, de 02-07-2020 no valor de €79.950,00 (setenta e nove mil novecentos e cinquenta euros), cuja mercadoria (100.000 máscaras de proteção em tecido) foi disponibilizada para a R. proceder ao seu levantamento no mês de Abril de 2020, de acordo com as guias de remessa, e cujo prazo de vencimento estabelecido da fatura era a 01/08/2020. d) Fatura n.º A/56 de 02-07-2020, no valor de €3.635,27 (três mil seiscentos e trinta cinco euros e vinte e sete cêntimos), que, também, cuja mercadoria (2.570 máscaras de proteção em tecido cor) foi disponibilizada para a Ré proceder ao seu levantamento em meados do mês de Abril de 2020, de acordo com as guias de remessa, e cujo prazo de vencimento estabelecido da fatura era a 01/08/2020. e) Fatura n.º A/57 de 02-07-2020, no valor de €24.046,50 (vinte e quatro mil e quarenta e seis euros e cinquenta cêntimos), cuja mercadoria (17.000 máscaras de proteção em tecido cor) foi disponibilizada para a R. proceder ao seu levantamento no início do mês de maio, de acordo com as guias de remessa, e cujo prazo de vencimento estabelecido da fatura era a 01/08/2020. 7. As faturas acima descritas foram emitidas com uma taxa de IVA de 23%. 8. Por email de 18.06.2020 a R. solicitou à A. a retificação das faturas, pretendendo que fosse aplicada a taxa reduzida de IVA. 9. A R. efetuou os seguintes pagamentos, por conta das máscaras que lhe foram fornecidas pela A: a) A quantia de €15.000,00, através de depósito efetuado a 17-04-2020; b) A quantia de €25.000,00, através de depósito efetuado a 11-05-2020; c) A quantia de €30.000,00, através de depósito efetuado a 07-07-2020; d) A quantia de €12.500,00, através de cheque de agosto de 2020; e) A quantia de €3.500,00 através de depósito efetuado a 09-09-2020; f) A quantia de €2.000,00 através de cheque datado de 07-10-2020. 10. As máscaras produzidas pela R. para a A. não foram submetidas a qualquer certificação. 11. Apesar de instada, por diversas vezes, para proceder ao pagamento do valor das faturas acima referidas nas alíneas b) a e) do ponto 2.1.6., a R., não procedeu ao seu pagamento e escusa-se a liquidar o remanescente do valor faturado. 12. As máscaras a que se reportam as faturas mencionadas em 2.1.11, contabilizaram um total de 219.570 unidades. 13. As máscaras produzidas e entregues pela A., destinavam-se na sua grande maioria a satisfazer o contrato celebrado entre a Ré e o Governo Regional da Madeira. 14. Contrato esse que tinha como finalidade, as máscaras serem entregues pelo Governo Regional da Madeira, aos cidadãos, por via postal. 15. Uma vez que a R. deixou de fazer o pagamento relativo aos serviços prestados a A. não tem permitido que sejam levantadas as máscaras que foram faturadas e que não se encontram nas guias de transporte, mais concretamente as 1770 (mil setecentos e setenta) unidades. 16. Aquelas 1770 (mil setecentos e setenta), a que se alude em 2.1.15., são todas de cor branca. Factos dados como não provados: 1. O valor para a aquisição das máscaras foi o valor de 0,45€ por unidade, quer para as cores brancas, quer para as máscaras a cores. 2. As máscaras de proteção comunitária fornecidas pela A. tinham de ser obrigatoriamente certificadas, sendo que aquela comprometeu-se a obter tal certificação. 3. As últimas remessas de 25.500 máscaras comunitárias nunca foram entregues ao Governo Regional, nem comercializadas, estando em armazém, por falta de certificação. V – Fundamentação de direito 1. Antes de proceder à análise da matéria objecto do presente recurso, cumpre deixar expresso que, embora pareça resultar da parte inicial das alegações de recurso que a recorrente se insurge relativamente à apreciação da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal da Relação, a verdade é que se verifica que a mesma não retira quaisquer consequências jurídicas do suposto erro na apreciação da matéria de facto. Com efeito, a recorrente discorda da decisão do tribunal a quo na parte em que considerou “provado, quanto a questão das máscaras enviadas contabilizando um total de 219.570 unidades, dos factos provados, quando efectivamente, o número certo da quantia de máscaras enviadas pela Recorrida NV – Uniformes Unipessoal, Lda., contabilizando um total de 217.800 unidades”, concluindo que “sendo esta decisão, que deveria ser interpretada nos termos, objectivamente, são previstos nos preceitos legais, no caso em apreço, os artigos 1154º, 405º 406º, 437º, 790º e 793º, 1207º, 1208º e 1210º, todos do Código Civil.”. Considera, assim, a recorrente que a decisão a proferir deveria ter por referência o envio de apenas 217.800 unidades e não de 219.570 unidades como acabou por concluir o Tribunal da Relação, o que corresponde, no essencial, à impugnação da matéria de facto em sede de apelação (impugnação da matéria de facto quanto ao facto n.º 12). Do exposto resulta que, muito embora discorde da forma como o Tribunal da Relação reapreciou a matéria de facto, a verdade é que na alegação da recorrente não se descortina uma qualquer pretensão recursória autónoma, susceptível de ser conhecida por este Supremo Tribunal. Assim, não tendo a recorrente posto em causa o modo como a Relação exerceu os poderes que lhe são conferidos nos termos do disposto no art. 662.º do CPC ou ainda a eventual violação de regras de direito probatório material – única matéria em que, neste domínio, o Supremo Tribunal poderia intervir – nada há a apreciar ou a decidir neste âmbito. 2. Passemos a apreciar da questão objecto do recurso: saber qual a taxa de IVA aplicável ao contrato dos autos, tendo em consideração o seu particular objecto: fornecimento de máscaras de protecção comunitárias. Analisadas as alegações de recurso em conjugação com as respectivas conclusões, resulta que a recorrente se insurge, no essencial, contra a decisão do acórdão recorrido na parte em que considerou não aplicável a alínea a) do art. 3.º da Lei n.º 13/2020, de 7 de Maio. Efectivamente, o Tribunal da Relação concluiu que, não integrando as máscaras de protecção comunitárias fornecidas pela autora à ré a categoria de máscaras de protecção respiratória, não tem aplicação ao caso dos autos a referida normal legal. Está, assim, em causa aferir se as máscaras de protecção comunitárias (de tecido) fornecidas no âmbito do contrato dos autos integram a categoria de máscaras de protecção respiratória para os efeitos já mencionados. Não se mostra controvertido que entre as partes foi celebrado um contrato de prestação de serviços, por meio do qual a ré se obrigou perante a autora a confeccionar e a fornecer máscaras de protecção comunitárias, mediante o pagamento de preço previamente acordado (cfr. art. 1154.º do Código Civil). No presente recurso já não se encontra, igualmente, em discussão o montante a liquidar pela ré à autora no âmbito do referido contrato, apurado, naturalmente, por referência ao número de máscaras fornecidas e ao preço por unidade acordado pelas partes. Está apenas em causa apurar qual a taxa de IVA aplicável ao caso concreto, considerando a ré que a taxa de IVA deverá ser a taxa reduzida, nos termos alínea a) do art. 3.º da Lei n.º 13/2020, de 7 de Maio e não a taxa normal, como entendeu o acórdão recorrido. Vejamos. Antes de mais, importa assinalar que se discorda da conclusão a que chegou o tribunal da Relação, no sentido de que as máscaras de protecção comunitárias não integram a categoria de máscaras de protecção respiratória. De facto, no contexto do surto do vírus COVID-19 e perante a necessidade de disponibilizar à comunidade meios de protecção e prevenção de contágio, surgiu no mercado uma grande variedade de produtos que prosseguiam aqueles propósitos. Se é certo que, numa primeira fase, se assistiu a uma disponibilização descontrolada de produtos de eficácia incerta, a verdade é que, em momento posterior e após algum consenso científico sobre a matéria, começaram a ser divulgados os requisitos de certificação em função do tipo de produto em causa. Neste sentido, veja-se a comunicação do INFARMED, de 27-04-2020, onde se afirma o seguinte: “As máscaras para uso social, de uso único ou reutilizáveis, não são enquadradas como dispositivos médicos ou como equipamentos de proteção individual e são designadas como artigos têxteis, pelo que a sua utilização pela comunidade tem sido considerada por vários países a nível mundial, aplicando o Princípio da Precaução em Saúde Pública, para quem permaneça em espaços interiores fechados com múltiplas pessoas, como medida de proteção adicional ao distanciamento social, à higiene das mãos e à etiqueta respiratória. Para o fabrico de máscaras não-cirúrgicas de diferentes materiais têxteis, os fabricantes destas máscaras devem seguir as Especificações Técnicas elaboradas pela DGS e pelo INFARMED, I.P. em conjunto com a ASAE, o IPQ e o CITEVE e diversos peritos.”.1 [negritos nossos] Neste contexto, foram divulgados os requisitos de certificação de vários tipos de máscaras, sendo que, no que concerne às máscaras de protecção comunitária em tecido, esses requisitos constam da circular informativa n.º 096/CD/100.20.200 do INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P.. Nesta circular constam, como requisitos dos referidos artigos têxteis: “Artigo Têxtil: Máscaras alternativas para contactos frequentes com o público, de uso único ou reutilizáveis - Desempenho mínimo de filtração de 90% - Respirabilidade de pelo menos 8l/min segundo EN ISO 9237:1995 ou no máximo 40 Pa segundo EN 14683:2019 (Anexo C) - Que permita 4 h de uso ininterrupto sem degradação da capacidade de retenção de partículas nem da respirabilidade - Sem degradação de performance ao longo da vida útil (número máximo de vezes que poderá ser reutilizado) - Desenho e construção adequados (…) Artigo Têxtil: Máscaras alternativas para contactos pouco frequentes, de uso único ou reutilizáveis. - Desempenho mínimo de filtração de 70% - Respirabilidade de pelo menos 8l/min segundo EN ISO 9237:1995 ou no máximo 40 Pa segundo EN 14683:2019 (Anexo C) - Que permita 4 h de uso ininterrupto sem degradação da capacidade de retenção de partículas nem da respirabilidade - Sem degradação de performance ao longo da vida útil (número máximo de vezes que poderá ser reutilizado) - Desenho e construção adequados”. Resulta do exposto que, como o INFARMED reconheceu, também as denominadas máscaras de protecção comunitárias prosseguem um fim de protecção respiratória, sendo, por esse motivo, sujeitas a controlo e certificação. A circunstância de tais máscaras sociais não integrarem a categoria de equipamento de protecção individual (EPI) ou de dispositivo médico (DM) não significa que não integrem a categoria de máscaras de protecção respiratória, o que nos parece, face ao que ficou dito, inequívoco. Dito isto, e sendo manifesto que, em abstracto, as máscaras de protecção comunitárias prosseguem uma função de protecção respiratória, verifica-se que a questão que verdadeiramente se coloca nos autos é a de saber se beneficiam da taxa reduzida de IVA todas e quaisquer máscaras de protecção respiratória ou apenas as que cumpram os requisitos técnicos fixados pelas autoridades nesta matéria. Ora, nos termos da Directiva 2006/112/CE, conhecida como a Directiva do IVA, em concreto, nos termos do seu art. 98.º, os Estados-Membros podem decidir aplicar uma ou duas taxas reduzidas, não inferiores a 5 %, a bens ou serviços específicos enumerados no anexo III da Directiva. Em concretização da referida Directiva, consta do Código do IVA uma lista de bens e serviços sujeitos a taxa reduzida, entre os quais constam, no ponto 2.5., os seguintes: “Produtos farmacêuticos e similares e respectivas substâncias activas a seguir indicados: a) Medicamentos, especialidades farmacêuticas e outros produtos farmacêuticos destinados exclusivamente a fins terapêuticos e profilácticos; b) Preservativos; c) Pastas, gazes, algodão hidrófilo, tiras e pensos adesivos e outros suportes análogos, mesmo impregnados ou revestidos de quaisquer substâncias, para usos higiénicos, medicinais ou cirúrgicos; d) Plantas, raízes e tubérculos medicinais no estado natural; e) Tiras de glicémia, de glicosúria e acetonúria, agulhas, seringas e canetas para administração de insulina utilizadas na prevenção e tratamento da Diabetes mellitus. Compreendem -se nesta verba os resguardos e fraldas.”. Neste âmbito, cumpre salientar que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem vindo a considerar que as máscaras vulgarmente denominadas como máscaras cirúrgicas integram a categoria prevista na alínea c) do ponto 2.5. supra transcrito, orientação que foi fixada no ofício circulado n.º 30222 da Área de Gestão Tributária-IVA, de 25-05-2020 (“a Autoridade Tributária e Aduaneira entendia, já, que as máscaras cirúrgicas, dispositivos médicos (DM) descartáveis, destinadas a cobrir a boca e o nariz, utilizadas para procedimentos cirúrgicos ou médicos que formam uma barreira física que previne a transmissão de vírus de uma pessoa doente para uma pessoa saudável, ao bloquear as partículas respiratórias/aerossóis expelidas pela tosse ou espirro 11, beneficiam da aplicação da taxa reduzida do imposto por enquadramento na alínea c) da verba 2.5 da Lista I, anexa ao Código do IVA.”). Com a aprovação da Lei n.º 13/2020, de 7 de Maio, passou a prever-se, na alínea a) do art. 3.º, que “estão sujeitas à taxa reduzida de IVA a que se referem a alínea a) do n.º 1 e as alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 18.º do Código do IVA, consoante o local em que sejam efetuadas, as importações, transmissões e aquisições intracomunitárias dos seguintes bens: a) Máscaras de proteção respiratória; b) Gel desinfetante cutâneo com as especificidades constantes de despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da economia, das finanças e da saúde.”. Ora, quanto à taxa reduzida em discussão nos autos, a Autoridade Tributária e Aduaneira fixou a seguinte orientação: “16. A alínea a) do artigo 3.º da Lei n.º 13/2020 determina a aplicação da taxa reduzida a “máscaras de proteção respiratória”, não esclarecendo, no entanto, que bens podem aproveitar o benefício. 17. Neste sentido, considerando a Circular Informativa N.º 096/CD/100.20.200 Data: 13/05/2020 sobre “Máscaras: normas aplicáveis e tipologia” da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. (Infarmed), bem como outra informação sobre a matéria disponibilizada no respetivo site, estão sujeitas à aplicação da taxa reduzida do imposto as máscaras de proteção respiratória que cumpram as especificações técnicas definidas no documento “Máscaras destinadas à utilização no âmbito da COVID-19 Especificações Técnicas”, ali disponibilizado.”.2 [negrito nosso] Considera, assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira, em síntese, que apenas as máscaras que cumpram as especificações técnicas definidas pelo INFARMED e/ou devidamente certificadas devem beneficiar da referida taxa reduzida. Não sendo o critério das circulares da AT vinculativo (cfr. por todos, Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2007, pág. 127), importa apreciar se o referido entendimento se mostra correcto, em função das variáveis do caso dos autos. Nesta apreciação, as regras que regem a interpretação da lei assumem um papel central. Vejamos. O art. 11.º da Lei Geral Tributária determina que: “1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.”. Tem, assim, inteira aplicação o que dispõe a este propósito o art. 9.º do Código Civil: “1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”. Como se explica, de forma particularmente expressiva, no acórdão deste Supremo Tribunal de 04-05-2011 (proc. n.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1), consultável em www.dgsi.pt: “A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392). Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes). O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico. O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios. O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar. Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa. Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto direto e claramente comporta, por ser esse o que corresponde ao pensamento legislativo. A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados: tal distinção, como adverte FRANCESCO FERRARA (ob. cit., pp. 147-148), não deve confundir-se com a interpretação extensiva ou restritiva, pois nada se restringe ou se estende quando entre os significados possíveis da palavra se elege aquele que parece mais adaptado à «mens legis».”. No que ora esta em causa, considera-se que os elementos literal, histórico e teleológico são essenciais para a identificação da solução a propugnar no caso dos autos. Iniciando a nossa análise pelo contexto histórico em que a norma em análise foi aprovada, cumpre recordar que, em 11-03-2020, a OMS qualificou o surto do vírus COVID-19 como pandemia, o que determinou a aprovação de um grande número de diplomas que visava, no imediato, a contenção da propagação do vírus. Numa fase inicial, assistiu-se a uma situação de dificuldade no abastecimento do mercado com os equipamentos de protecção individual e dispositivos médicos, o que determinou a aprovação da Recomendação (UE) 2020/403 da Comissão, de 13 de Março de 2020, sobre os procedimentos de avaliação da conformidade e de fiscalização do mercado face à ameaça da COVID-19. Neste contexto, rapidamente se começou a considerar a utilização de outro tipo de produtos de protecção, entre os quais, as máscaras de protecção comunitárias, nomeadamente máscaras em tecido. Neste quadro, em 14-04-2020, o INFARMED, no âmbito das suas competências tal como definidas no Decreto-Lei n.º 46/2024, de 24 de Fevereiro, publicou uma comunicação que dava conta das referidas dificuldades, deixando escrito que: “Devido à rápida evolução da pandemia de COVID-19, a utilização de máscaras é cada vez mais assunto de debate, como medida complementar para limitar a transmissão do SARS-CoV-2 na comunidade. No quadro geral das orientações em matéria de prevenção do risco de exposição, é relevante promover uma utilização mais alargada de máscaras pela comunidade, bem como definir quais os critérios e requisitos que estas devem cumprir em termos de conceção, desempenho e usabilidade. A definição desses critérios, nomeadamente em termos de filtração, respirabilidade, dimensionamento e resistência, foram objeto de consenso por grupo de peritos com competências técnicas nas áreas médico-farmacêutica, da tecnologia têxtil, da infeção e desinfeção, das normas e ensaios a aplicar, da fiscalização, etc. Simultaneamente, tem-se verificado uma mobilização do tecido empresarial nacional, para colaborar no esforço conjunto de combate à pandemia, reconvertendo as linhas de produção para o fabrico de equipamentos de proteção individual e dispositivos médicos essenciais. Estas empresas estão disponíveis para colocar no mercado máscaras em tecido de uso único, ou mesmo reutilizáveis, que não conseguindo cumprir com os requisitos de segurança, saúde e desempenho estabelecidos nas legislações aplicáveis aos dispositivos médicos e aos equipamentos de proteção individual, poderão conformar-se com os requisitos a serem definidos para uma utilização comunitária. A responsabilidade da conformidade dessas máscaras com os requisitos a definir recairá no fabricante, devendo este escolher matérias-primas adequadas, conceber, fabricar e rotular as máscaras de forma a que estas cumpram com os requisitos definidos, assim como testá-las de acordo com os referenciais normativos aplicáveis, em laboratório reconhecido para o efeito. (…) As máscaras do nível 2 e nível 3, não enquadradas como dispositivos médicos ou como equipamentos de proteção individual, e designadas como artigos têxteis, deverão ser ensaiadas pelos métodos referidos na tabela anterior, tendo em consideração que os resultados alcançados com o modelo biológico apresentado na norma dos dispositivos médicos, para avaliar o desempenho da filtração, têm correspondência com os resultados dados pela medição de partículas inertes, conforme proposto na norma dos equipamentos de proteção individual. A resistência ao desgaste durante o tempo de utilização deverá também ser considerada, uma vez que as alterações provocadas pelo desgaste podem induzir a uma maior retenção e crescimento bacteriano. No que respeita à reutilização destas máscaras, os estudos de desempenho deverão ser realizados após simulação do uso real e dos números de ciclos máximos de reutilização previstos. A informação sobre o processo de reutilização (lavagem, secagem, conservação, manutenção) e o número de reutilizações deverá ser fornecida pelo fabricante ao utilizador. O utilizador deve, também, ser informado das características de desempenho e do produto não ser um dispositivo médico ou um equipamento de proteção individual, assim como a composição, deverão ser disponibilizadas através da etiquetagem ou marcação do produto têxtil. Os fabricantes deverão notificar a ASAE da atividade de fabrico e das máscaras fabricadas e manter à disposição das autoridades um breve dossier técnico do produto onde se incluam as características da matéria-prima, a descrição do processo de fabrico, a informação a fornecer com o produto e os relatórios dos ensaios realizados e da conformidade do produto emitidos por laboratório reconhecido, nomeadamente os laboratórios acreditados para os métodos indicados.”.3 [negritos nossos] Assim, com o aumento da pressão da procura por produtos de protecção e o notório interesse dos diversos países na disponibilização e utilização deste tipo produtos de protecção, cedo se percebeu que a sua utilização devia ser controlada e certificada, de forma a assegurar que a mesma correspondia à utilização de um meio de protecção eficaz e, por esse motivo, de a uma efectiva prevenção do contágio. Neste seguimento, em 27-04-2020, o INFARMED deixou claro que “[p]ara o fabrico de máscaras não-cirúrgicas de diferentes materiais têxteis, os fabricantes destas máscaras devem seguir as Especificações Técnicas elaboradas pela DGS e pelo INFARMED, I.P. em conjunto com a ASAE, o IPQ e o CITEVE e diversos peritos.”.4 Em coerência, concluiu-se, no comunicado acabado de mencionar, que “no que se refere à iniciativa caseira de fabrico de máscaras, i.e., «feitas em casa» ou «do it yourself», não darão alegadamente, cumprimento aos normativos legais nem serão, previamente à sua disponibilização/comercialização, testadas em laboratórios acreditados a nível dos materiais utilizados, conforme estabelecido nas Especificações Técnicas e nas orientações da DGS. Aqui e a verificar-se que os materiais têxteis utilizados não cumprem os normativos nem os mesmos foram previamente testados/certificados, estaremos perante produtos que podem não corresponder aos requisitos legais estabelecidos, podendo não conferir, nem funcionar como proteção adicional que se pretende atingir com a sua utilização, mas apenas como adornos.”. [negrito nosso] É neste contexto histórico que surge a iniciativa legislativa ora em análise, tendo ficado consignado na Exposição de Motivos da Lei n.º 13/2020, de 7 de Maio, que “[a] presente proposta de lei consagra uma isenção completa ou taxa zero para as transmissões e aquisições intracomunitárias de bens necessários para combater os efeitos do surto de COVID-19 pelo Estado e outros organismos públicos ou por organizações sem fins lucrativos e determina ainda a aplicação da taxa reduzida de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) às importações, transmissões e aquisições intracomunitárias de máscaras de proteção respiratória, com efeitos temporários. (…) com objetivos de proteção e promoção da saúde e prevenção da doença, procede-se ainda à aplicação temporária da taxa reduzida de IVA à venda de máscaras de proteção respiratória, e de gel desinfetante cutâneo cuja utilização é recomendável como medida de combate à propagação do surto de COVID-19”.5 [negrito nosso] Ora, a aplicação da taxa reduzida de IVA visou, como já se disse, facilitar o acesso da comunidade em geral a todos os produtos de protecção que, num primeiro momento, eram vendidos a preços avultados e que, naquele contexto de pandemia, se assumiam como produtos essenciais à protecção da saúde pública. Aqui chegados, temos por evidente que o legislador, certamente conhecedor do contexto histórico da sua iniciativa legislativa, sabia que não bastava a utilização de uma qualquer barreira em tecido para impedir a prevenção do contágio, sendo certo que os critérios de qualidade e certificação que se encontravam a ser exigidos pelo INFARMED eram conhecidos pela comunidade em geral e, em especial, pelo legislador que quis garantir uma maior acessibilidade a produtos capazes de exercer essa função de protecção respiratória (elemento teleológico). Se assim é, não faz qualquer sentido defender a redução de IVA para todas as máscaras de tecido, independentemente das suas características, até porque, no limite, tal equivaleria a aplicar a redução do IVA a produtos sem qualquer função de protecção respiratória (meros “adornos”), o que manifestamente não foi o pretendido pelo legislador. Veja-se, de resto, que neste particular não é possível ignorar a redacção da norma ora em interpretação (elemento literal); de facto, a categoria “máscaras de proteção respiratória” pressupõe que, de facto, as máscaras tenham a capacidade de exercer aquela função. Caso não fosse essa a intenção do legislador, este certamente não teria considerado a introdução do segmento “de proteção respiratória”, havendo que presumir que o legislador soube exprimir, de forma adequada, o seu pensamento. Consideramos, assim, que apenas as máscaras comunitárias que cumprissem os requisitos de qualidade fixados pelas autoridades competentes deviam beneficiar da redução de IVA em análise nos autos. Transpondo o entendimento supra para o caso que nos ocupa, verifica-se que, como resulta da matéria de facto provada, as máscaras produzidas e fornecidas pela ré não foram objecto de qualquer certificação, sendo que não ficaram provadas as concretas características das mesmas máscaras, o que não nos permite sequer equacionar o cumprimento dos requisitos fixados pelo INFARMED a que já se fez referência. Em suma, temos que, nos termos do disposto no art. 1.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, são tributadas em sede de IVA todas as transmissões de bens (cfr. art.º 3.º, n.º 1, do CIVA) efectuadas no território nacional, a título oneroso por um sujeito passivo, no caso, uma pessoa colectiva que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerce uma actividade de produção (cfr. art. 2.º n.º 1, alínea a), do CIVA) A taxa de IVA nas transmissões de bens, nos termos do disposto no art. 18.º, n.º 1, alínea c), do CIVA, é de 23%. No caso sub judice, não tendo sido demonstrado que os bens objecto de transmissão, pela sua natureza ou especiais condições, são enquadráveis numa das situações que confira uma isenção ou redução da taxa, são os mesmos tributáveis à taxa normal de 23%. VI - Decisão Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, mantendo-se a decisão do acórdão recorrido. Custas pela recorrente. Lisboa, 28 de Maio de 2024 Maria da Graça Trigo (relatora) Ana Paula Lobo Isabel Salgado _______
1. Disponível em: https://www.infarmed.pt/documents/15786/3584301/Importação+de+Dispositivos+Médicos+e+Equipamentos+de+Proteção+Individual+no+contexto+da+Pandemia+COVID-19/8afa1c4a-2705-a445-8d3d-0b434fae8e03. 2. Disponível em www.occ.pt/fotos/editor2/oficio_circulado_30222_2020.pdf. 3. Disponível em: https://www.infarmed.pt/documents/15786/3584301/Máscaras+destinadas+à+utilização+no+âmbito+da+COVID-19/a7b79801-f025-7062-8842-ca398f605d04. 4. Comunicado disponível em: https://www.infarmed.pt/documents/15786/3584301/Máscaras+destinadas+à+utilização+no+âmbito+da+COVID-19/a7b79801-f025-7062-8842-ca398f605d04. 5. Disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/IniciativasLegislativas.aspx. |