Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | HENRIQUES GASPAR | ||
Descritores: | ABUSO DE PODER ELEMENTOS DA INFRACÇÃO DOLO DOLO ESPECÍFICO CRIME DE RESULTADO CORTADO | ||
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Nº do Documento: | SJ200801230042793 | ||
Data do Acordão: | 01/23/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | REJEITADO O RECURSO. | ||
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Sumário : | I - No crime de abuso de poder, que constitui um crime de função e, por isso, um crime próprio, o funcionário que detém determinados poderes funcionais faz uso de tais poderes para um fim diferente daquele para que a lei os concede; o crime é integrado, no primeiro limite do perímetro da tipicidade, pelo mau uso ou uso desviante de poderes funcionais, por excesso de poderes legais ou por desrespeito de formalidades essenciais. II - Mas o mau uso dos poderes não resulta de erro ou de mau conhecimento dos deveres da função, tem antes de ser determinado por uma intenção específica que, enquanto fim ou motivo, faz parte do próprio tipo legal. Esta intenção surge como uma exigência subjectiva que concorre com o dolo do tipo ou a ele se adiciona ou dele se autonomiza. III - A intenção específica é um elemento subjectivo que não pertence ao dolo do tipo, enquanto conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo, e que se não refere a elementos do tipo objectivo, quebrando a correspondência ou congruência entre o tipo objectivo e subjectivo. IV - Doutrinalmente chamados crimes de intenção ou de resultado cortado, esta espécie de crimes supõe, para além do dolo de tipo, a intenção de produção de um resultado que não faz parte do tipo legal (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, págs. 329-330). V - O crime de abuso de poder constitui um dos exemplos desta categoria dogmática. A violação pelo funcionário dos deveres inerentes às funções em que está investido (tenha aqui o significado que tiver) constitui o campo de delimitação da tipicidade. A estrutura do crime no primeiro momento de configuração da acção típica fica integrada pela actuação contrária aos deveres da função. Mas, para além do tipo objectivo, exige-se uma intenção específica, uma intenção que é tipicamente requerida, e que tem por objecto uma factualidade que ainda não pertence ao dolo e já não pertence ao tipo objectivo – a intenção de obter benefício ilegítimo ou de causar prejuízo a outra pessoa. VI - A relação entre o agente, o resultado e a identificação de benefícios próprios, ou a consideração intersubjectiva sobre os antecedentes e a natureza das relações entre o agente e um terceiro, constituem índices pelos quais se poderá apreender a manifestação da atitude interna. VII - No caso concreto, o recorrente, na motivação, centra a via de raciocínio e argumentação nos erros de procedimento ou de avaliação que, na sua perspectiva, existiriam nas decisões proferidas pela arguida (magistrada judicial). No essencial, para afirmar a revelação externa da intenção específica, o recorrente limita-se a conjecturas [a arguida excluiu a publicidade de um acto «porque tinha interesse em que o seu comportamento processual não fosse controlado pelo recorrente, pelos jornalistas e pelo público em geral» por motivo de uma relação subjectiva] sem suporte em qualquer facto, elemento ou circunstância em que se revele por si, ou que tenha sido deduzida ou revelada pela prova produzida. VIII - As conjecturas do recorrente, meramente subjectivas e situadas apenas ao nível dos processos de intenção, não podem valer como fundamento, que tem de ser factual, objectivo e de modo a impor-se como id quod para integrar os elementos do crime que o recorrente refere. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. "AA", advogado, veio requerer abertura de instrução visando a comprovação judicial da decisão do Ministério Público junto do tribunal da Relação do Porto, que determinou o arquivamento do inquérito realizado na sequência de queixa apresentada pelo requerente contra a juíza de direito BB, a quem imputava a prática de um crime e abuso de poder. No requerimento de abertura de instrução alegou, fundamentalmente e em resumo, que as decisões proferidas pela arguida como juiz de um processo não se encontram fundamentadas; por causa de um relacionamento afectivo a arguida tornou-se ela amiga de um arguido (Comissário Marinheiro) nesse processo pendente no Tribunal Judicial de Chaves e na instrução desse processo, designadamente no interrogatório de vários arguidos (entre os quais o dito amigo), a arguida determinou a saída da sala de todos os aí presentes, quando antes havia proferido despacho autorizando a presença dos mandatários forenses nos interrogatórios dos vários arguidos; não permitiu ao queixoso, enquanto mandatário, que arguisse em acta uma nulidade, como questão prévia a uma diligência, nem permitiu que fizesse exarar um protesto atinente a tal proibição; não permitiu ao queixoso o acesso aos autos daquela instrução, dificultando assim o exercício do patrocínio; sem qualquer justificação condenou a cliente do queixoso numa multa ilegal; por tudo isto, a arguida agiu com o propósito de obter benefícios para si e para aquele arguido seu amigo (Comissário Marinheiro) e de causar prejuízos à cliente do requerente e ao próprio requerente (afectando a sua imagem e exercício profissional). 2- Admitida a intervenção do requerente como assistente e aberta a instrução no Tribunal da Relação, procedeu-se à inquirição das pessoas indicadas no requerimento de abertura de instrução, bem como a audição do próprio assistente, e procedeu-se ao interrogatório da arguida, BB. Realizadas as diligências, e após debate instrutório, o juiz de instrução proferiu despacho de não pronúncia, por considerar que os factos indiciados não permitiam integrar os elementos do crime por que o assistente pretendia o julgamento da arguida. 3. Não se conformando, o assistente recorre para o Supremo Tribunal, como os fundamentos constantes da motivação que apresenta e que termina com as seguintes conclusões: 1ª – Existem nos autos indícios suficientes de que a arguida com consciência de que a sua conduta era proibida por lei, praticou os factos constantes dos nºs 14 a 23 de fls. 209/209 (numeração repetida) a 210, nas circunstâncias aí descritas. 2ª – Tais indícios resultam quer de prova documental (fls. 2 a 57, 102 a 109, 165 a 180,254 a 282; do apenso I, fls. l a 9, 13 a 16: do apenso II, fls. 13 e 14,22,23,30, 31,32, 34,38,41 a 46,48,49 e verso, 50 e verso, 54 a 60, 65, 75, 79, 83, 84, 87, 88 do apenso II; e do apenso III, fls. 8 a 11, 13, 14, 18, 19, 21. 38. 40, 41 e 42), quer dos depoimentos de fls. 69, 70,283,284,294.295,297, 298.299 e 300. 3ª – Existindo suficientes indícios da prática pela arguida de tais factos, deve a mesma ser pronunciada pelos mesmos por se subsumirem ao artigo 382° do CP 4ª – Ao ter entendido de outra forma, violou a decisão recorrida o artigo 308° do CPP, com referência ao artigo 283° do mesmo Diploma 5ª – Revogando-se a decisão recorrida nos termos reclamados, far-se-á justiça O magistrado do Ministério Público respondeu à motivação, pronunciando-se pela improcedência do recurso. A arguida respondeu também à motivação, defendendo o rigor da decisão recorrida, por não existirem «indícios de preenchimento do elemento objectivo ou do elemento subjectivo do tipo legal de crime». 4. No Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta teve intervenção nos termos do artigo 416º do CPP, entendendo «que da prova recolhida nos autos não se extraem quaisquer indícios de que ao decidir do jeito como o fez […] tivesse havido da parte da arguida qualquer intenção de obter para si ou para terceiro benefício ou ocasionar prejuízo a outrem, o que tanto basta para apartar a possibilidade de pronunciá-la pela prática do referenciado crime que, como bem se sabe, exige para preenchimento do tipo a existência de dolo especifico por banda do agente». Notificado, o requerente manteve a sua posição. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo decidir. 5. A decisão recorrida fixou os seguintes factos: 1. No Tribunal Judicial de Chaves foi distribuído à aqui arguida o processo de Instrução n° 245/03.1TACHV foi realizada por sorteio ordenado e presidido pela então Juiz Presidente do Tribunal da Comarca de Chaves, não tendo a arguida qualquer interferência no mesmo. 2. Depois de no processo crime n.º 245/03. 1 TACHA, a sra juíza-arguida ter determinado a abertura de instrução requerida por vários arguidos e designado dias para inquirição de arguidos e de testemunhas no mesmo, concluiu o seu despacho deste modo: «Desde já se consigna que as diligências supra agendadas são efectuadas sem a intervenção do Ministério Público e dos mandatários/defensores dos arguidos» (despacho de 25-12005, a fls 9ss) 3. Na sequência do requerimento do denunciante, de fls 12, onde ele pedia um esclarecimento quanto à parte do despacho acabada de transcrever, a arguida proferiu novo despacho em que diz, entre outras coisas, o seguinte: «Ora, salvo o devido respeito, a decisão é bastante clara, na medida em que apenas faz consignar que as diligências seriam efectuadas sem a intervenção e não sem a presença dos ilustres mandatários. Na inquirição das testemunhas arroladas pela arguida apenas será o Tribunal a formular perguntas às mesmas, já no interrogatório complementar do arguido as perguntas do seu ilustre mandatário serão formuladas à arguida pelo Tribunal. Para que não haja dúvidas, deixa-se este esclarecimento apesar de entendermos que, já do nosso anterior despacho, resultava que não havia qualquer impedimento à presença dos ilustres mandatários». 4. No início do interrogatório de vários arguidos marcado para o dia 22/2/05, a arguida concedeu a palavra ao denunciante que, conforme se pode ver do auto já rectificado e constante da certidão de fls 17-18, disse: «Sabe o mandatário da arguida CC, que há pessoas que querem assistir às diligências de instrução, sendo certo que até duas estão na sala. A Sra Juiz no início da diligência determinou a saída de tais pessoas. Determina a lei (art. 86°, n° 1, do C. P, Penal) que o processo penal é sob pena de nulidade público e a partir do recebimento do requerimento a que se refere o art. 287º, n° 1, al. a), do C. P. Penal, se a instrução for requerida pelo arguido e este no seu requerimento declarar que não se opõe à publicidade. A situação dos presentes autos é exactamente essa: Todos os arguidos que requereram a instrução declararam que não se opunham à publicidade; Nos termos da lei (art. 87°, n° 2, al. a), do C. P. Penal) a publicidade do processo implica o direito do público em geral à realização dos actos processuais. Tal significa que todo e qualquer cidadão que o requeira, como no caso presente, tem o direito de assistir. Assim sendo, se se mantiver a intenção de proibir a presença das pessoas que expressamente querem estar presentes à diligência de hoje, verifica-se nulidade, face ao previsto no art. 86°, n°1, já aduzido. Assim, vem: a) Arguir expressamente tal nulidade; b) Desde já, no caso de a intenção se manter, requer certidão deste requerimento e do despacho que se lhe seguir, para efeitos de participação criminal por abuso de poder, art. 382°, do C. P. Penal». Findo o requerimento acabado de transcrever, a arguida proferiu um despacho cuja rectificação consta também da certidão supra indicada, dizendo: «Por motivos relacionados com a descoberta da verdade e com vista a impedir que o 2°, 3° 4° e 5° arguidos tomem conhecimento do que foi dito pelos anteriores arguidos e assim prepararem da melhor forma o seu interrogatório (até atento o princípio de igualdade de armas), na sequência dos nossos dois anteriores despachos, os interrogatórios de todos os arguidos para hoje agendados, serão realizados individualizadamente com o respectivo defensor/mandatário e com reserva de assistência dos outros arguidos e respectivos defensores/mandatários. Na sequência dos nossos anteriores despachos de fls 391-392 e 454, cujo teor damos por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o M.º P.º os arguidos, os defensores, o assistente e o seu advogado apenas podem estar presentes sem intervir, despachos estes notificados, sem terem sido postos em causa pelos meios adequados. Contrariando estes despachos, o ilustre mandatário da arguida CC insistiu em fazer o requerimento que antecede, arguindo uma nulidade de actos que ainda não foram praticados. Assim, por extemporâneo e por contrariar os supra aludidos despachos, indefere-se o requerimento, condenando-se o ilustre mandatário nas custas do incidente anómalo a que deu causa. Notifique. 5. Em 23/2/05, o denunciante requereu cópia simples da acta das diligências realizadas no dia anterior, tendo obtido o seguinte despacho: «Não consta do processo nenhuma acta de qualquer acto judicial sobre a qual possa ser passada cópia simples da mesma, pelo que se indefere o requerido». 6. No dia 25/2/05, designado para a continuação da diligência, procedeu-se ao interrogatório do arguido DD e, findo o mesmo, a magistrada aqui arguida deu conta do seguinte: «Pretendendo eu dar início ao interrogatório complementar da arguida CC, o seu ilustre mandatário repetidamente pediu a palavra para ditar um requerimento para a acta e depois de eu lhe ter dito que não lhe concedia a palavra, o mesmo voltou a insistir que pretendia ditar um protesto para a acta nos termos do art. 640º do Estatuto da Ordem dos Advogados. Após eu voltar a dizer que não lhe concedia a palavra, o mesmo levantou-se dizendo que se ia embora e que se eu não lhe desse a palavra que procedia disciplinarmente contra mim, acrescentando, sempre em voz alta, para eu não me arriscar a falsificar a acta e que íamos ver como é que isto ia ficar. (fls 20 ss). Procedeu-se depois ao interrogatório da arguida CC, a qual apenas referiu que não pretendia prestar declarações. Seguidamente, após várias insistências do denunciante em pretender usar da palavra, esta foi-lhe concedida e, no uso da mesma, disse: «A arguida e o seu mandatário pretendem deixar exarado o seguinte: Antes de se iniciar o interrogatório do arguido DD, o mandatário da arguida informou a secretaria que pretendia estar presente à mesma, pretensão que solicitou fosse comunicada à Sra Dra Juiz, face ao facto de na diligência de 22 de Fevereiro, apesar do requerimento de fls 448 e do despacho de fls 454, não lhe ter sido permitida a presença aos interrogatórios ocorridos nesse dia. Antes de se iniciar a diligência de hoje pediu a palavra para ditar um requerimento, e tinha de ser nessa altura porque o requerimento dizia respeito a questões prévias à diligência, no sentido de arguir a nulidade da mesma, se, como o andamento dos trabalhos lhe parecia previsível, fosse proibida a presença de pessoas estranhas à mesma, sendo certo que no átrio se encontravam familiares da arguida e jornalistas que queriam estar presentes. A arguida só não prestou declarações hoje, e deixa expressamente exarado que as pretende prestar, porquanto, vedando a lei a prática de actos inúteis (art.º 137º do CPP, cominando a mesma sanção), face à proibição da publicidade iria permitir-se a prática de um acto inútil. Porquanto o ditado para a acta pela Sra Juiz contém uma omissão relativamente ao que o mandatário disse, pretende que fique exarado que quando disse que ia proceder disciplinarmente contra a Sra Ora Juiz, o que naturalmente irá acontecer, disse precedido da expressão ... "se não me deixar exarar o protesto" ... Requer cópia certificada da presente diligência para envio ao Conselho Superior da Magistratura». Pelas 12H30, deu-se por encerrada a diligência e os autos foram conclusos à arguida, por ordem verbal, tendo ela proferido, na parte da tarde do mesmo dia, o despacho cujo teor se transcreve: «No caso que ora nos ocupa a instrução é pública, já que nenhum dos arguidos a requereu e se opôs à publicidade, é o que dispõe o art. 86°, n° 1, do C. P. P. Nesse sentido apenas se faz referência no despacho de fls.392 a "intervenção ",já que a publicidade (entendida como a possibilidade de estar presente) não se confunde com a contraditoriedade e a possibilidade de intervir activamente nas diligências de instrução. Sendo pública a instrução no caso vertente, entendeu-se no despacho de fs 460 e 461 restringir a publicidade de forma a que cada um dos arguidos fosse ouvido em separado e sem a presença de qualquer outro interveniente, com excepção do respectivo defensor/mandatário com vista a assegurar a cabal prossecução das finalidades da instrução e o normal decurso do acto, nos termos do disposto no art. 87 nºs 1 e 2, do C. P. P. De facto, entendeu-se que devia impedir-se que cada um dos arguidos tivesse prévio conhecimento das declarações prestadas pelos restantes arguidos de forma a que cada uni deles prestasse declarações deforma espontânea, sem moldar a respectiva versão dos factos à versão dos factos aduzida pelos demais arguidos. Por esse motivo, e exclusivamente por esse motivo, decidiu-se que o interrogatório de cada um dos arguidos decorresse com exclusão da publicidade. Verificando-se que neste momento todos os arguidos (requerentes da instrução) já prestaram declarações, com excepção da arguida CC, que a tal se recusou por não prescindir da publicidade, nada obsta que o interrogatório da mesma decorra com a presença do público em geral, pois que já se mostram asseguradas as finalidades visadas com o despacho que restringiu a publicidade relativamente aos interrogatórios dos demais arguidos. Assim, para interrogatório complementar da arguida CC, quanto ao crime de que vem acusada - injúria - com a possibilidade de assistência do público em geral, designa-se o dia 03 de Março de 2005, pelas 15.00 horas. Notifique. Relativamente ao pedido formulado pelo ilustre mandatário da arguida CC de passagem de cópia certificada da diligência documentada a fls. 475-480 para envio ao Conselho Superior da Magistratura, passe cópia certificada, por transcrição, devendo a mesma conter a identificação dos presentes (cfr. fls 4775) e o teor de fls 479 e 480, por não ser necessária a transcrição da parte restante do auto de interrogatório para as finalidades pretendidas pela arguida. Notifique» (fls 85-86 do apenso I). 7. No dia 1/3/05, na sequência de um requerimento apresentado pelo denunciante, a aqui arguida proferiu um novo despacho que reza assim: « A ora signatária vai nesta data formular pedido de escusa junto do Tribunal da Relação do Porto. Atento o disposto no art. 42.º n.º 3, por remissão do art. 45.º n.º 4, ambos do C. P. P., o processo fica suspenso até que seja proferida decisão sobre o pedido de escusa. Em face do exposto, dão-se sem efeito as diligências agendadas por não se tratarem de actos processuais com carácter urgente. Notifique.» (fls 34). 8. Tal pedido subiu depois ao Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 18/5/05, decidiu pelo seu indeferimento. 9. Na sequência de pedido de aceleração processual no processo de inquérito n.º 457/04.0PBCHV feito pela ali arguida CC, foi o mesmo julgado infundado por despacho de 2-3-2005 (por lapso manifesto conta dele 2004), por não ter a requerente li legitimidade para , nos termos legais, requerer a aceleração processual nos autos de inquérito" e também por li não se encontrar esgotado, à data do requerimento (...) e na presente data, o prazo legalmente definido para o encerramento do inquérito " cfr fls 30 a 32 daquele processo . 10. Deste despacho foi a arguida notificada, através do seu mandatário, por notificação enviada para este em 8-3-2005 --- fls 33. 11. Na sequência disto, a aqui arguida dra BB proferiu o despacho de fls 38, com o seguinte teor: «por o pedido de aceleração processual ter sido julgado manifestamente infundado, não só por falta de legitimidade da requerente mas também por ainda não se mostrar excedido o prazo de duração do presente inquérito, condena-se a requerente (...) no pagamento de uma soma que se fixa em 10 (dez) Ucs, nos termos do disposto no art. 110.° do CPP », despacho notificado em 17-3-2005. 5. O recurso – e o recurso do despacho de não pronúncia não tem especificidades nem de pressupostos nem de procedimentos – deve ser delimitado pelo recorrente nas conclusões da motivação nos termos impostos pelo artigo 412º, nºs 2 e 3 do CPP, que têm por finalidade fixar o thema que o interessado submete à consideração do tribunal de recurso. O recurso, como é assente, não tem como função a renovação do julgamento ou um novo julgamentos de toda a matéria da causa, mas constitui apenas um remédio contra erros ou desvios de julgamento, que para servirem a função de definição do objecto do recurso, têm de ser concreta e claramente enunciados pelo recorrente. As conclusões da motivação, genericamente formuladas e por remissão em bloco, não acompanham inteiramente as exigências pressupostas à sua função instrumental. As conclusões da motivação são, pois, genéricas, e não especificam os motivos porque o recorrente entende que estão indiciados factos diversos (ou outros factos) que deveriam fundamentar a pronúncia, nem contêm as razões que determinariam diferente leitura sobre a questão central da verificação dos elementos que integram o crime por que pretende a pronúncia da arguida. Não obstante, ainda assim, pode ser apreendido e interpretado o objecto do recurso que, no essencial, se centra (ou resume) na discordância do recorrente relativamente à indiciação de um elementos específico do crime por que entende dever ser pronunciada a arguida. Não estão, com efeito, em causa elementos factuais que decorrem da documentação de actos do processo – que a decisão recorrida enuncia exaustivamente por remissão para o próprio processo. Verdadeiramente, o que apenas está em causa é a prova indiciária de uma intenção específica que o recorrente entende ver por detrás de uma sequência de actos e decisões processuais. Prévia, pois, será a análise dos elementos do crime que segundo o recorrente se verifica – o crime de abuso de poder p. e p. no artigo 382º do Código Penal. No crime de abuso de poder, que constitui um crime de função e, por isso, um crime próprio, o funcionário que detém determinados poderes funcionais faz uso de tais poderes para um fim diferente daquele para que a lei os concede; o crime é integrado, no primeiro limite do perímetro da tipicidade, pelo mau uso ou uso desviante de poderes funcionais, ou por excesso de poderes legais ou por desrespeito de formalidades essenciais. Mas, com um elemento nuclear: o mau uso dos poderes não resulta de erro ou de mau conhecimento dos deveres da função, mas tem de ser determinado por uma intenção específica que enquanto fim ou motivo faz parte do próprio tipo legal. Há, com efeito, tipos de crimes em que o tipo de ilícito é construído de tal forma que uma certa intenção surge como uma exigência subjectiva que concorre com o dolo do tipo ou a ele se adiciona ou dele se autonomiza. A intenção específica é um elemento subjectivo que não pertencendo ao dolo do tipo, enquanto conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo e que se não refere a elementos do tipo objectivo, quebrando a correspondência ou congruência entre o tipo objectivo e subjectivo. A intenção tipicamente requerida tem por objecto uma factualidade que não pertence ao tipo objectivo de ilícito. Doutrinalmente chamados crimes de intenção ou de resultado cortado, esta espécie de crimes supõe para além do dolo de tipo a intenção de produção de um resultado que não faz parte do tipo legal (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, p. 329-330), Nos delitos de intenção verificam-se elementos de atitude interna de agente, que são elementos subjectivos que caracterizam a vontade de acção, referidos á modalidade de acção, ao bem jurídico ou ao objecto da acção protegida pelo tipo; o autor persegue um resultado que tem em consideração para a realização do tipo, e deve querer causar com a sua própria conduta um resultado que vai para além do tipo objectivo (cfr. H. H. Jesheck e T. Weigend, “Derecho Penal”, p. 341-342). O crime de abuso de poder constitui um dos exemplos desta categoria dogmática. A violação pelo funcionário dos deveres inerentes às funções em que está investido (tenha aqui o significado que tiver) constitui o campo de delimitação da tipicidade. A estrutura do crime no primeiro momento de configuração da acção típica fica integrada pela actuação contrária aos deveres da função. Mas, para além do tipo objectivo exige-se uma intenção específica, uma intenção que é tipicamente requerida, mas que tem por objecto uma factualidade que ainda não pertence ao dolo e já não pertence ao tipo objectivo –a intenção de obter benefício ilegítimo ou de causar prejuízo a outra pessoa. A integração do crime de abuso de poder, p. no artigo 382º do Código Penal, supõe, pois, por um lado, o preenchimento dos elementos do tipo objectivo (o mau uso ou uso desviante dos poderes da função), e, em conjugação, a verificação de uma intenção específica que está para além do tipo objectivo. O preenchimento do tipo objectivo não se confunde, porém, com o erro de função ou com a prática e actos susceptíveis de revogação por uma instância de reapreciação, não sendo integrado, na inteira dimensão típica, sem a concorrência da atitude interna do agente que deve estar pressuposta como finalidade da acção. Por isso, a verificação dos elementos do crime de abuso de poder não se situa num plano de instância alternativa de recurso ou reapreciação, mas tem de estar primeiramente dirigida à apreensão, por via de elementos externos, da atitude interna do agente que constitui a intenção específica. Esta atitude interna, por seu lado, não pode ser lida sem o suporte de elementos externos e objectivos que a revelem e nos quais externamente se manifeste. O contexto, como modo de interpretação da conjunção de elementos de ambiência, deve, aqui, revelar-se de particular importância. A relação entre o agente, o resultado, e identificação de benefícios próprios ou a consideração intersubjectiva sobre os antecedentes e a natureza das relações entre o agente e um terceiro constituem índices pelos quais se poderá apreender a manifestação da atitude interna. Nesta perspectiva, porém, o recorrente não identifica elementos objectivos e externos que permitam revelar uma atitude interna do agente que possa traduzir a intenção específica de obter benefício próprio ou para terceiro ou de causação de prejuízo. Desde logo, porque se não surpreendem erros de função, que para efeitos de preenchimento do tipo objectivo de abuso de poder não se confundem, como se salientou, com actos ou decisões susceptíveis de revogação, ou mesmo revogados nas instâncias próprias de reapreciação ou recurso. O recorrente, na motivação, centra a via de raciocínio e argumentação nos erros de procedimento ou de avaliação que, na sua perspectiva, existiriam nas decisões proferidas pela arguida. Não é esta, porém, a aproximação típica – elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime por que o recorrente pretende a pronúncia da arguida. No essencial, para afirmar a revelação externa da intenção específica, o recorrente limita-se a conjecturas (a arguida excluiu a publicidade de um acto «porque tinha interesse em que o seu comportamento processual não fosse controlado pelo recorrente, pelos jornalistas e pelo público em geral» por motivo de uma relação subjectiva - ponto 28 da motivação), sem suporte em qualquer facto, elemento ou circunstância em que se revele por si, ou que tenha sido deduzida ou revelada pela prova produzida. As conjecturas do recorrente, meramente subjectivas e situadas apenas no nível dos processos de intenção, não podem valer como fundamento, que tem s de ser factual, objectivo e de modo a impor-se como id quod para integrar os elementos do crime que o recorrente refere. E de todo o modo, como resulta da análise completa efectuada na decisão recorrida, a sequência de actos processuais praticados pela arguida, para além de constituírem actos e decisões aceitáveis e justificáveis na lei e na dinâmica própria da direcção do processo, não revelam nem expõem outro fim que não seja a condução do processo pela forma que nas circunstâncias parecia mais adequada. Nos termos em que vem motivado e pelos fundamentos apresentados, o recurso é manifestamente improcedente, devendo, consequentemente, ser rejeitado (artigo 420º, nº 1 do CPP). 6. Nestes termos, rejeita-se o recurso. Lisboa, 23 de Janeiro de 2008 Henriques Gaspar (relator) Soreto de Barros Armindo Monteiro |