Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | CATARINA SERRA | ||
| Descritores: | TRIBUNAL SUPERIOR DECISÃO JUDICIAL DEVER DE OBEDIÊNCIA PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODERES DA RELAÇÃO INCUMPRIMENTO BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO | ||
| Data do Acordão: | 12/07/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | BAIXA DOS AUTOS | ||
| Sumário : | O acórdão do Tribunal da Relação que não cumpra o decidido por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça é nulo por violação do dever de respeito de decisão de tribunal superior previsto no artigo 152.º, nº 1, do CPC, devendo ser proferido, pelo Tribunal da Relação, novo acórdão que seja conforme. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1. AA, residente na Rua Santa ..., n.º 7, r/c, Dto., ..., intentou a presente ação, com processo comum, contra Baresli – Sociedade de Gestão e Promoção de Imóveis, Lda., com sede na Rua Capitão ..., n.º 78, 1.º, ..., e contra E..., Lda, com sede na Rua ..., n.º 38, ..., pedindo a condenação destas a pagarem à autora: A) – 1.º - a quantia de € 10.875,00 a título de lucros cessantes pela resolução dos contratos de arrendamento que incidiam sobre o imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial (contabilizada até ao mês de Maio de 2015), acrescida do montante de € 725,00/mês até que o imóvel esteja definitivamente reparado e susceptível de arrendar; 2º - a quantia de € 1.224,00 relativa aos encargos e despesas que a autora já suportou como consequência dos danos que o imóvel descrito no artigo 1.º da petição sofreu como consequência da atuação ilícita das rés; 3º - a quantia de € 3.750,00 a título de danos não patrimoniais; 4º - juros de mora, à taxa legal de 4%, sobre as quantias identificadas em 1.º - a), b) e c), desde a citação das rés e até efectivo e integral pagamento; B) – 1º - uma indemnização de valor igual ao que vier a ser apurado em sede de prova pericial a realizar, relativa ao custo da reparação integral do imóvel da autora, acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a citação das rés e até efectivo e integral pagamento; 2º - subsidiariamente (caso não se entenda pelo pagamento supra peticionado), deverão as rés ser condenadas a proceder à reparação integral do imóvel da autora, nos termos a definir no relatório pericial a apresentar nos presentes autos; C) uma indemnização de valor igual ao que vier a ser apurado em sede de prova pericial a realizar, relativa ao valor de desvalorização do imóvel da autora, acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a citação das rés e até efectivo e integral pagamento. Alega, para o efeito, que é a legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua Capitão ..., n.º 76, em ..., composto por casa de dois pavimentos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3364 da União de Freguesias de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 537. A ré Baresli é proprietária do prédio urbano sito na Rua Capitão ..., nº 78, em ..., que se encontrava inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 493 da União de Freguesias de .... Este prédio é adjacente ao prédio da autora, com este confinando do lado sul. No primeiro trimestre de 2014, a ré Baresli iniciou no seu prédio trabalhos de demolição de uma edificação que ali existia, e subsequente escavação do terreno para posterior construção de um novo edifício, trabalhos este que foram realizados pela ré E..., Lda. Nos trabalhos de escavação não foram cumpridas as regras, nem tomadas as cautelas que a situação impunha, uma vez que eram feitos junto a uma edificação antiga, com um tipo de estrutura de paredes resistentes, tendo sido realizados como se o terreno não fosse confinado e não existisse qualquer estrutura vizinha. Em consequência, verificou-se a fractura dos solos existentes sob as paredes resistentes do prédio da autora, retirando-lhe os apoios, o que originou que no dia 8.03.2014 uma das paredes do prédio da autora – a parede resistente com três pisos das traseiras do corpo orientado para a Rua Capitão ... – se tivesse desmoronado totalmente. Como consequência do desmoronamento da parede o interior do r/c ficou completamente à mostra, no 1.º andar e sótão ficaram à vista as placas de poliestireno extrudido e a instalação que existiam na caixa de ar entre a parede resistente e as paredes interiores em “pladur”, e verificou-se uma diminuição da travação da estrutura o que causou deslocamentos na estrutura e uma redistribuição de esforços que ocasionaram outras patologias tais como fissurações e humidades. O prédio da autora tornou-se absolutamente inabitável por falta de condições de segurança do imóvel, face ao perigo de derrocada total. À data dos factos, o imóvel era habitado por inquilinos da autora, com quem esta havia celebrado dois contratos de arrendamento. 2. As rés, na contestação, defendem que foram respeitadas todas as regras das demolições, tendo havido o cuidado de parte da escavação ter sido efectuada manualmente e outra parte através de recurso a máquinas, sempre por etapas para evitar derrocadas. Foi elaborado e entregue na Câmara Municipal de ... um projeto de estabilidade e contenção periférica. A queda da parede veio a acontecer, por motivos desconhecidos das rés, na madrugada do dia 9.03.2014. Não obstante as rés saberem que respeitaram as técnicas exigíveis para a construção, logo que se aperceberam da queda da parede tomaram todas as medidas para acautelar os bens pertença da autora, vedando imediatamente o local. Não é verdade que tenha havido diminuição da travação da estrutura, deslocamentos na estrutura e redistribuição dos esforços que ocasionaram patologias, fissuração e humidades. Apenas ocorreu a fissuração da parede exterior junto à que se desmoronou, tudo o resto sendo da responsabilidade da autora e tendo a ver com a idade e conservação do edifício. As fissurações e humidades referidas pela autora são provenientes da caleira interior frontal da casa (frente para a Rua Capitão ...) que está, desde há muitos anos, completamente obstruída com dejectos de pombos e outros pássaros e musgos. As rés disponibilizaram-se, de imediato, a realojar os inquilinos, tendo-lhes oferecido um apartamento novo, a estrear, na Rua ..., em .... O inquilino do r/c recusou, dizendo preferir ir morar para casa de um amigo. As inquilinas do 1º andar aceitaram e estiveram no apartamento da ré até quererem. A autora impediu as obras que as rés queriam fazer no imóvel, de solução boa e rápida para todos, e mesmo a reposição da parede que as rés já reconstruíram, teve de ser feita pelo lado exterior. As rés tentaram falar com a autora, com a mãe desta, com o engenheiro contratado pela autora e com o mandatário desta, que sempre criaram obstáculos à resolução do incidente. Os danos não patrimoniais sofridos pela autora foram avolumados pelo seu comportamento, que tudo fez para evitar a pacificação e a solução correta do litígio, pelo que ao invocá-los está a agir em abuso de direito. 3. A autora foi convidada a proceder à indicação do valor dos pedidos deduzidos sob as alíneas B) e C) (fls. 140), tendo vindo, por requerimento de 9.06.2016 (fls. 152), computar o pedido da alínea B) em € 15.500,00, e o da alínea C) em € 16.000,00. 4. Foi proferido despacho saneador e elaborados os temas da prova (fls. 173/175). 5. A autora veio, por requerimento de 12.07.2017 (fls. 184/185), informar que vendeu o imóvel em causa nestes autos a 9.06.2017 e, em consequência, requereu a alteração dos pedidos nos seguintes termos: 1.º - requereu a alteração do pedido constante da alínea A) -1.º para “a quantia de € 29.000,00 a título de lucros cessantes pela resolução dos contratos de arrendamento que incidiam sobre o imóvel aqui em causa, contados desde a data do sinistro (março de 2014) até ao momento em que a A. procedeu à transmissão do imóvel em causa nos presentes autos (junho de 2017) à razão de € 725,00 mensais”; 2.º - desistiu do pedido formulado na alínea B). 3º - requereu a alteração do pedido constante da alínea C) para “serem as RR. condenadas ao pagamento à A. de uma indemnização no valor de € 20.000,00, correspondente ao montante da desvalorização do imóvel da A. em consequência dos danos pelo mesmo sofridos e imputáveis às ora RR., acrescido de juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a citação das RR. e até efetivo e integral pagamento”. Termina declarando desistir da perícia por si requerida. 6. A rés declararam nada ter a opor à desistência do pedido formulado na alínea B) e à desistência da perícia. 7. Por despacho proferido a 19.09.2017 (fls. 189/190), foi: a) admitida a requerida ampliação do pedido, por se entender que esta surge como desenvolvimento do pedido primitivo; b) homologada a desistência do pedido deduzido sob a alínea B) e declarado extinto o direito que, nessa parte, a autora pretendia fazer valer contra as rés. 8. Por despacho proferido a 28.02.2018 (fls. 196/200): a) foi corrigido o valor do processo de € 47.349,00 para € 53.974,00; b) foi julgado o Juízo Local Cível incompetente para o processamento dos autos e competente o Juízo Central Cível de ..., ordenando-se a remessa dos autos para este. 9. Procedeu-se a julgamento com observância das legais formalidades, mantendo-se os pressupostos de validade da instância na forma definida no saneador. 10. Depois das vicissitudes descritas, foi proferida a sentença em que se decidiu: “Julgo, pelo exposto, a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno, solidariamente, as RR. Baresli – Sociedade de Gestão e Promoção de Imóveis, L.da, e E..., Lda, a pagarem à A. AA: a) a quantia de € 25.920,24, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal cível, a partir da citação e até integral pagamento; b) a quantia de € 3.750,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal cível, a partir da prolação da presente sentença e até integral pagamento. Absolvo as RR. do restante pedido deduzido”. 11. A autora, AA, veio apelar desta sentença. 12. Apelaram também as rés Baresli – Sociedade de Gestão e Promoção Imobiliária, Lda., e E..., Lda 13. Apreciados os recursos, foi proferido no Tribunal da Relação do Porto um Acórdão em que se decidiu: “Na improcedência total das alegações da autora e parcial das alegações das Rés, revoga-se parcialmente a sentença recorrida e condena-se as Rés no tocante à desvalorização do imóvel a pagar à autora o valor da sua desvalorização a liquidar em momento ulterior, em tudo o mais se mantendo a sentença recorrida”. 14. Inconformada, vem a autora, AA, interpor recurso de revista, “nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 629º, nº. 1 e 671º, nº. 1 do Código de Processo Civil”. Formula as conclusões seguintes: “Da errada interpretação e aplicação do disposto no art. 609º, nº. 2 do CPC ao caso concreto I) O Tribunal da Relação do Porto, no douto acórdão por si proferido, entendeu que a factualidade assente nos presentes autos e acima transcrita, sendo suscetível de sustentar o pedido deduzido pela Autora em sede de desvalorização do imóvel objeto dos presentes autos decorrente da atuação das Rés e nessa medida condenando as mesmas a pagar à Autora o valor da sua desvalorização, não seria suficiente para determinar, em concreto, qual o montante da desvalorização do mesmo e, assim, relegou para momento ulterior (em sede de liquidação da sentença) a referida liquidação; II) Pressupostos essenciais para que seja admissível uma condenação genérica/ilíquida nos termos do definido no art. 609º, nº. 2 do CPC, é que da matéria factual apurada não decorram elementos para fixar o objeto ou a quantidade, neste caso, do prejuízo sofrido pela Autora por força da desvalorização do imóvel decorrente dos factos apurados e imputados às Rés; III) Se atentarmos nos factos provados nºs. 35 e 37 da douta sentença proferida em 1ª Instância, podemos concluir que a Autora procedeu à alienação do imóvel em causa, em 09.06.2017, pela quantia de € 147.000,00 (facto provado nº. 35) e que, caso não fosse o sinistro resultante da atuação das Rés, o mesmo imóvel, na referida data, teria um valor de € 169.521,24 (facto provado nº. 37, al. b) da douta sentença proferida), pelo que a matéria de facto apurada era suficiente para computar o prejuízo sofrido pela Autora a este respeito, devendo as Rés ser condenadas, tal como determinada em 1ª Instância, no pagamento da quantia de € 22.521,24 a título de desvalorização do imóvel; Da nulidade do acórdão recorrido IV) A fundamentação apresentada no douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto para sustentar a condenação ilíquida nesta concreta matéria que apreciou é absolutamente confusa, por vezes ininteligível e até contraditória com a decisão proferida; V) Para que possa ser desenvolvida uma condenação nos termos consagrados no art. 609º, nº. 2 do CPC, como acabou por fazer o Tribunal da Relação do Porto, mister se torna que tenha sido apurado o dano, o facto causador do dano, o nexo de causalidade entre o facto e o dano e a responsabilidade, só ainda não sendo passível de ser determinado a quantidade ou objeto desse dano/prejuízo, pelo que a fundamentação apresentada ao nível do acórdão recorrido que questiona o nexo causal e a responsabilidade constitui fundamentação confusa, ininteligível e contraditória coma decisão proferida o que constitui fundamente de nulidade do acórdão proferido nos termos do disposto no art. 615º, nº. 1, al. c), por remissão do disposto no art. 674º, nº. 1, al. c) ambos do CPC; VI) Equivalente nulidade advém ainda do facto do acórdão recorrido não se ter pronunciado sobre questões que deveria ter pronunciado; VII) No recurso por si apresentado, a aqui Recorrente, para além da questão sobre a qual o Tribunal da Relação do Porto efetivamente se pronunciou, advogou ainda que as Rés deveriam ser condenadas a indemnizar a Autora em quantia mensal a determinar pelo tribunal segundo regras de equidade para o período compreendido entre os meses de terminus dos referidos contratos de arrendamento (período até ao qual as Rés foram condenadas em 1ª instância a indemnizar a Autora pelo pagamento das rendas que a mesma recebia) e o mês de venda do imóvel, indemnização essa devida a título da impossibilidade que a Autora teve de arrendar o referido imóvel por força dos factos que foram imputados às Rés e que determinaram a sua responsabilidade pelo sinistro ocorrido; VIII) Advogou igualmente, a título subsidiário, que, improcedendo o pedido melhor condensado supra e em face da sentença proferida em 1ª Instância (que condenou as Rés, no que diz respeito às rendas, a pagar à Autora, a título de lucros cessantes pela resolução dos contratos de arrendamento a quantia de € 2.175,00), que, tendo em conta a matéria factual apurada, o valor indemnizatório a atribuir à Recorrente a título de lucros cessantes deveria ascender a € 2.500,00; IX) Tendo sido questões colocadas à sua apreciação e sendo, por isso mesmo, obrigatória a pronúncia do Tribunal da Relação do Porto sobre as mesmas, o referido Tribunal não o fez e, não o tendo feito, tal comportamento constitui causa de nulidade nos termos do disposto no art. 615º, nº. 1, al. d), por remissão do disposto no art. 674º, nº. 1, al. c) ambos do CPC; X) Ao decidir nos termos em que o fez, andou manifestamente mal o Tribunal da Relação do Porto, violando o determinado nos arts. 609º, nº. 2 e 615º, nº. 1, als. c) e d) ambos do CPC, dos quais fez uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto”. 15. Vêm também as rés apresentar recurso subordinado. Suscitam a seguinte questão prévia: “O presente recurso, como subordinado que é, está "dependente" do recurso principal, na medida em que do principal depende a subsistência do subordinado. E a autora, recorrente principal, atribuiu ao seu recurso o valor de 22.521,246, valor este correspondente à, fixada pela 1ª instância, desvalorização do imóvel que a Relação alterou e a autora pretende reobter do Supremo Tribunal de Justiça (conclusão III do recurso principal). Assim sendo, as rés entendem que dentro do valor atribuído pela autora recorrente só esta questão é apreciável pelo Supremo Tribunal de Justiça, - do recurso dela autora se excluindo o valor rendas/lucros cessantes - e é nesta mesma questão que se moverá o presente recurso subordinado”. E enunciam as seguintes conclusões: “1.ª O presente recurso subordinado move-se apenas no âmbito do valor atribuído pela autora recorrente principal ao seu recurso. 2.ª O Tribunal da Relação apercebeu-se da injustiça que foi a condenação das rés na quantia de 22.521,246 e com ela não quis, felizmente, pactuar. 3.ª Mas podia ter ido mais longe, na medida em que dos autos consta a resposta à segunda das duas perguntas feitas pelo Tribunal da Relação: 1ª: Qual o valor que a autora pediu? 2ª: Qual o valor que as rés ofereceram? Na fundamentação ao facto 32 ficou a constar o valor oferecido pelas rés e que ninguém questionou (165.0006). 4.ª Se a autora vendeu por 147.000€ e as rés, ora recorrentes, ofereceram 165.000€, não pode ser dado à autora o direito a ser indemnizada por ter vendido por valor inferior sob pena de violação do disposto nos artigos 570° e 572° do Código Civil. 5.ª. As rés, ora recorrentes, pedem ao Supremo Tribunal de Justiça que definitivamente acabe com a incoerência do decidido. 6.ª Deve, pois, o presente recurso subordinado ser recebido, julgado procedente com a consequente improcedência do recurso principal, assim se fazendo justiça”. 16. Os Exmos. Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, proferiram, em Conferência, o seguinte Acórdão: “Nas alegações de recurso de revista a autora AA veio alegar a nulidade, nos termos dos art. 615º, nº 1, d) e 674º, nº 1, d) do CPC por omissão de pronúncia do acórdão recorrido alegando que este não conheceu do valor das rendas dos contratos de arrendamento vigente na data do sinistro tendo por objecto o imóvel do prédio que ruiu em consequência de obras levadas a cabo pela Ré. Mais alegam que o acórdão decidiu uma condenação ilíquida ao relegar para incidente de liquidação a desvalorização do imóvel em consequência deste facto, sendo certo que existem no processo todos os elementos para a sua condenação liquida. As Rés recorreram de revista a título subordinado. Sustentam que efectivamente no processo existem elementos para condenação em valor fixo, sendo desnecessário o incidente posterior de liquidação. Têm no entanto posição diferente quanto ao seu valor. Decidindo. Entendemos que o acórdão não padece das apontadas nulidades porquanto existe apreciação sobre tais questões. Não resultou provado se a privação das rendas em consequência da extinção dos contratos ficou a dever-se a conduta das Rés. Na verdade posteriormente ao “acidente”, a Autora não provou que as Rés protelaram o litígio ou se a dificuldade de resolução ficou a dever-se a conduta sua. É à autora que incumbe a prova de todos os pressupostos da responsabilidade civil previstos no art. 483º concretamente quanto à culpa e ao nexo de causalidade uma vez que estamos no âmbito de responsabilidade extracontratual- cfr. facto nº 31. As Rés pretenderam resolver o litígio decorrente do desmoronamento e fizeram à autora uma proposta para a sua compra que recusou pedindo um valor superior ao de mercado. Assim se a autora vendeu o imóvel por preço inferior ao que as Rés pediram, não pode pedir o valor da sua desvalorização, pois que recusou o seu valor anteriormente. Por outro lado as alegações das partes que traduzem o valor do imóvel, enquanto materializem factos relevantes obedecem aos critérios do artº 5º do CPC, não podendo sem mais ser atendidos nesta fase. O tribunal apreciará em momento posterior de incidente de liquidação. Ao abrigo do disposto no art. 617º, nº 1 ex vi 666º do CPC, improcedem as invocadas nulidades. Admito os recursos, principal e subordinado, legítima e tempestivamente interpostos pelas partes. São de revistas sobem nos próprios autos com efeito meramente devolutivo – art. 671º, nº 1, 675º, nº 1, e 676º, nº 1 a contrario do CPC. Subam os autos ao STJ”. 17. Em 17.10.2023, proferiu este Supremo Tribunal um Acórdão, em que, na parte relevante, pode ler-se: “A) Recurso principal (…) - Da alegada nulidade por omissão de pronúncia Dispõe-se no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC: “É nula a sentença quando: (…) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. As alegadas questões omitidas prender-se-iam, a primeira, com a pretensão da autora de condenação das rés “a indemnizar a Autora em quantia mensal a determinar pelo tribunal segundo regras de equidade para o período compreendido entre os meses de terminus dos contratos de arrendamento (período até ao qual as Rés foram condenadas em 1ª instância a indemnizar a Autora pelo pagamento das rendas que a mesma recebia) e o mês de venda do imóvel, indemnização essa devida a título da impossibilidade que a Autora teve de arrendar o referido imóvel por força dos factos que foram imputados às Rés e que determinaram a sua responsabilidade pelo sinistro ocorrido” e, a segunda, com uma certa outra pretensão da autora deduzida a título subsidiário. Ora, quanto à designada “primeira questão”, ela não pode autonomizar-se, ou seja, não é uma verdadeira questão. Compulsadas as alegações da apelação, verifica-se que a autora, então apelante, invocou um dano pela privação das rendas; segundo ela, a indemnização deste dano deveria corresponder ao valor mensal das rendas efectivamente acordadas nos contratos de arrendamento desde a data do sinistro até à data da venda do prédio, mas – admitia a autora – também poderia ser calculada com base na equidade, tendo como referência o (mesmo) valor mensal de rendas que a autora receberia ao abrigo dos contratos de arrendamento durante o mesmo período. Os distintos métodos de cálculo não impedem que se veja que a questão é única e respeita à indemnização por danos não patrimoniais e, mais precisamente, por lucros cessantes. Ora, esta questão foi bem identificada e claramente respondida no Acórdão recorrido. Lê-se aí que “[a] autora entende que deve ser indemnizada pelo valor das rendas das fracções do seu prédio desde o dia do sinistro até à venda do prédio”. E lê-se adiante que “podemos concluir que não assiste razão à autora ao pretender ser indemnizada pelos danos das rendas em consequência da resolução dos contratos de arrendamento pelos inquilinos, desde o sinistro até à venda do imóvel”. Isto é suficiente para desatender a arguição de nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que existe resposta (directa) à questão. Mas, para que não haja dúvidas, pode reproduzir-se a fundamentação da resposta: “incumbia à autora provar nos termos do artigo 342º, nº 1 do CC, que estes danos ocorreram por culpa das Rés, porque se furtou à reparação ou que tiveram qualquer conduta que lhes possa ser imputável, merecedora de censura do direito, e, que protelou a resolução do litígio. Não o tendo feito, estes danos correspondentes a este hiato temporal, encontram-se fora da obrigação de indemnizar imposta às Rés por falta deste pressuposto legal- a culpa”. Já quanto à segunda questão que a autora, ora recorrente diz que também foi “omitida”, não se pode deixar de se lhe dar razão. As conclusões da apelação relevantes para este ponto são as seguintes: “XI) Mesmo partilhando o entendimento constante da douta sentença recorrida no que a esta questão específica diz respeito, sempre a mesma padeceria de erro de cálculo, uma vez que na douta sentença recorrida estabelece-se como mês de cessação de ambos os contratos de arrendamento o mês de Junho de 2014 e, nessa medida, o cálculo do valor indemnizatório para ambos os contratos faz-se por referência a 3 meses de renda; XII) No que se refere ao R/C, visto que sendo o contrato em causa por um ano e tendo-se iniciado em 01.08.2013, o seu terminus aconteceria em Julho de 2014 e não em Junho de 2014 conforme decorre da douta sentença proferida, pelo que o valor indemnizatório a atribuir à Autora a título de lucros cessantes e por referência ao valor peticionado a título de rendas, mesmo seguindo o entendimento do tribunal recorrido, ascenderia a € 1.200,00 relativamente ao 1º andar (€ 400,00*3) e a € 1.300,00 (€ 325,00*4) relativamente ao R/C, num total de € 2.500,00”. A autora punha aqui uma questão em sentido próprio, ainda que a título subsidiário, i.e., para o caso de não proceder – como não procedeu – o seu pedido de consideração do período (mais extenso) até à transmissão do imóvel e permanecer – como permaneceu – a decisão de só se computar no cálculo da indemnização o período (mais curto) até à cessação dos contratos de arrendamento. Lido atentamente o Acórdão, não se encontrou resposta a esta questão subsidiária. Ora, considerando que a questão principal suscitada na apelação da autora foi julgada improcedente, cumpria, com efeito, responder-lhe. Acresce que nem no Acórdão que decidiu as nulidades arguidas foi possível encontrar alusão à questão – rectius: ao facto de ela ter sido ou não respondida –, o que parece confirmar que ela terá sido, de facto, omitida. Cumpre, assim, anular o Acórdão recorrido e determinar a remessa dos autos ao Tribunal a quo para que aí se conheça da questão subsidiária suscitada no recurso de apelação interposto pela autora (cfr. conclusões XI e XII da apelação). B) Recurso subordinado Em face do decidido, fica, naturalmente, prejudicada a apreciação do recurso subordinado. * III. DECISÃO Pelo exposto, decide-se anular o Acórdão recorrido e determinar, nos termos do artigo 684.º, n.º 2, do CPC, a remessa dos autos ao Tribunal da Relação, para que, se possível, os mesmos juízes: a) procedam ao suprimento da omissão nos termos acima explicitados; e b) após suprimento da omissão, profiram decisão de mérito. * Custas conforme o decidido a final”. 18. Baixados os autos, proferiam os Exmos. Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto Acórdão em Conferência com o seguinte teor, na parte relevante: “Nas alegações de recurso de revista a autora AA veio alegar a nulidade, nos termos dos art. 515º, nº 1, d) e 674º, nº 1, d) do CPC por omissão de pronúncia do acórdão recorrido alegando que este não conheceu do valor das rendas dos contratos de arrendamento vigente na data do sinistro tendo por objecto o imóvel do prédio que ruiu em consequência de obras levadas a cabo pela Ré. Mais alegam que o acórdão decidiu uma condenação ilíquida ao relegar para incidente de liquidação a desvalorização do imóvel em consequência deste facto, sendo certo que existem no processo todos os elementos para a sua condenação liquida. As Rés recorreram de revista a título subordinado. Sustentaram que no processo existem elementos para condenação em valor fixo, sendo desnecessário o incidente posterior de liquidação. Têm no entanto posição diferente quanto ao seu valor. As nulidades foram conhecidas nos seguintes termos: “Decidindo. Entendemos que o acórdão não padece das apontadas nulidades porquanto existe apreciação sobre tais questões. Não resultou provado se a privação das rendas em consequência da extinção dos contratos ficou a dever-se a conduta das Rés. Na verdade posteriormente ao “acidente”, a Autora não provou que as Rés protelaram o litígio ou se a dificuldade de resolução ficou a dever-se a conduta sua. É à autora que incumbe a prova de todos os pressupostos da responsabilidade civil previstos no art. 483º concretamente quanto à culpa e ao nexo de causalidade uma vez que estamos no âmbito de responsabilidade extracontratual- cfr. facto nº 31. As Rés pretenderam resolver o litígio decorrente do desmoronamento e fizeram à autora uma proposta para a sua compra que recusou pedindo um valor superior ao de mercado. Assim se a autora vendeu o imóvel por preço inferior ao que as Rés pediram, não pode pedir o valor da sua desvalorização, pois que recusou o seu valor anteriormente Por outro lado as alegações das partes que traduzem o valor do imóvel, enquanto materializem factos relevantes obedecem aos critérios do artº 5º do CPC, não podendo sem mais ser atendidos nesta fase. O tribunal apreciará em momento posterior de incidente de liquidação. Ao abrigo do disposto no art. 617º, nº 1 ex vi 666º do CPC, improcedem as invocadas nulidades”. * Os autos foram remetidos ao STJ que conhecendo as nulidades, por entender que era uma concreta questão colocada ainda que a título subsidiário, remeteu os autos a fim de ser conhecida os pontos das alegações formuladas em XI) e XII), com a seguinte redação: “XI) Mesmo partilhando o entendimento constante da douta sentença recorrida no que a esta questão específica diz respeito, sempre a mesma padeceria de erro de cálculo, uma vez que na douta sentença recorrida estabelece-se como mês de cessação de ambos os contratos de arrendamento o mês de Junho de 2014 e, nessa medida, o cálculo do valor indemnizatório para ambos os contratos faz-se por referência a 3 meses de renda; XII) No que se refere ao R/C, visto que sendo o contrato em causa por um ano e tendo-se iniciado em 01.08.2013, o seu terminus aconteceria em Julho de 2014 e não em Junho de 2014 conforme decorre da douta sentença proferida, pelo que o valor indemnizatório a atribuir à Autora a título de lucros cessantes e por referência ao valor peticionado a título de rendas, mesmo seguindo o entendimento do tribunal recorrido, ascenderia a € 1.200,00 relativamente ao 1º andar (€ 400,00*3) e a € 1.300,00 (€ 325,00*4) relativamente ao R/C, num total de € 2.500,002. Entendemos que esta questão foi conhecida. O acórdão colocado em crise entendeu não atender às alegações da apelante/autora quanto às rendas mantendo-se o decidido na sentença recorrida a este respeito, e, não alterado ou revogado pelo acórdão proferido. * Subam os autos ao STJ”. * A situação, em síntese, é a seguinte: o Supremo Tribunal de Justiça proferiu, nos presente autos, um Acórdão anulando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto por omissão de pronúncia quanto à questão formulada nas conclusões XI e XII do recurso de apelação da autora e determinando a remessa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto, para que aí se procedesse ao respectivo suprimento e, após tal suprimento, se proferisse decisão de mérito; sobem agora os autos por determinação de Acórdão do Tribunal da Relação do Porto em que se afirma que a questão em causa foi conhecida. Esta decisão do Tribunal da Relação do Porto, já transitada em julgado, é incompatível, porque contraditória, com aquela decisão do Supremo Tribunal de Justiça, transitada, também ela, em julgado. Dispondo-se no artigo 152.º, n.º 1, do CPC que “[o]s juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores”, cabia ao Tribunal da Relação do Porto ter proferido acórdão em conformidade com o decidido por este Supremo Tribunal. Não o tendo feito, não pode deixar de se concluir que o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto configura incumprimento do dever de respeito de decisão de tribunal superior previsto no artigo 152.º, nº 1, do CPC e, configurando incumprimento deste dever de respeito, é nulo, devendo ser proferido, pelo Tribunal da Relação do Porto, novo Acórdão que seja conforme. Entende-se ainda ser adequado dar conhecimento ao Conselho Superior da Magistratura para os efeitos considerados convenientes. * DECISÃO Pelo exposto, determina-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto para que seja cumprido, se possível, pelos mesmos juízes, o determinado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 17 de Outubro de 2023. * Sem custas. * Extraia-se certidão do processado para remessa ao Conselho Superior da Magistratura, para os efeitos considerados convenientes. * Lisboa, 7 de Dezembro de 2023 Catarina Serra (relatora) Cura Mariano Fernando Baptista |