Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2896/04.TBSTB.L2.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: CONTRATO DE TRANSITÁRIO
CONTRATO DE TRANSPORTE
FURTO
RESPONSABILIDADE
CONTRATO DE SEGURO DE MERCADORIAS
Data do Acordão: 01/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL - ACTIVIDADE TRANSITÁRIA / RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS TRANSITÁRIAS.
DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL TRANSITÁRIO.
Doutrina:
- Francisco Costeira da Rocha, O Contrato De Transporte De Mercadorias, 2000, 77/78.
- José Vasques, Contrato de Seguro, 1999, 87/94.
Legislação Nacional:
D.L. N.º 255/99 DE 7 DE JULHO: - ARTIGOS 1.º, N.º2, 15.º, N.ºS 1 E 2.
NORMA DO ISP N.º 23/95-R, DE 20 DE OUTUBRO, ALTERADA PELAS NORMAS NºS 10/97 -R, DE 3 DE JULHO, 11/2000-R, DE 13 DE NOVEMBRO, 16/2000-R, DE 21 DE DEZEMBRO, E 13/2005-R, DE 18 DE NOVEMBRO, RELATIVAS AO SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL TRANSITÁRIO.
Sumário :

I. A actividade transitária vem definida no artigo 1º, nº2 do DL 255/99 de 7 de Julho como sendo aquela que «consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias,(…)».

II. Esta actividade engloba, assim, uma complexidade de actuações, as quais poderão passar não só pela realização de actos jurídicos, mas também, pela realização de operações materiais, sendo estas as de recebimento da mercadoria e a sua entrega aos transportadores, recepção, verificação e entrega da mercadoria ao seu destinatário, bem como a celebração dos contratos de seguro e cumprimento das formalidades administrativas e alfandegárias

III. As empresas transitárias respondem perante os clientes que consigo contratam, como se fossem elas próprias as transportadoras que tivessem incorrido em incumprimento, empresas estas por si contratadas para efectuarem o transporte, sem prejuízo do direito de regresso que poderão accionar, nos termos do artigo 15º, nº1 e 2 do supra enunciado DL.

IV. O contrato de seguro efectuado pela Ré com a Interveniente opera nestas situações em que a empresa transitária, no exercício dessa especifica actividade de transitária (e não de transportadora), seja chamada a assegurar os danos ocorridos durante o transporte por si contratado com um terceiro, nomeadamente pela ocorrência do furto da mercadoria objecto de tal acordo.

(APB)

Decisão Texto Integral:

 ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I O COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS, SA intentou acção declarativa com processo ordinário contra T, LDA, na qual intervém a titulo principal A COMPANHIA DE SEGUROS, SA, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 63.212,16, acrescida de juros vincendos calculados sobre o capital em dívida, a contar desde a citação até integral pagamento.

Para o efeito alegou em síntese que celebrou um contrato de seguro de mercadorias transportadas com «Importação e Exportação, Lda.», no âmbito do qual esta transferiu para si, Autora, a responsabilidade por perdas e danos emergentes do furto de mercadoria e veículo no valor de € 113.141,93.

Na noite de 2 para 3 de Março de 2003, na Rua …., no …, ocorreu o furto de um tractor/semi-reboque de matrícula 00-00-L-000, sendo que, no interior desse veículo se encontravam 1093 caixas de calçado da propriedade da referida sociedade e provenientes de Itália, que foram igualmente furtados. A encomenda de sapatos fora feita pela sociedade «Importação e Exportação, Lda», a um fornecedor italiano - a sociedade «C, A.L.B.» e relativamente ao seu transporte, a  «Importação e Exportação, Lda.» assegurou junto da empresa transitária T, Lda, que esta procedesse às contratações e diligências necessárias ao transporte da mercadoria, desde a sua origem (em Itália) até às suas instalações em A, Portugal. A mercadoria foi entregue ao motorista da empresa Trans, I S, no dia 28 de Fevereiro de 2003, sexta-feira, em Itália, tendo este iniciado, de imediato, a viagem para Portugal onde chegou cerca das 14 horas de domingo, tendo-se, então dirigido para a sua residência, no …., perto de onde acabou por estacionar o veículo com toda a mercadoria que transportava. Todavia, por volta das 7 h do dia seguinte, o tractor/semi-reboque havia desaparecido, juntamente com toda a mercadoria.

O segurado da Autora participou-lhe o furto da mercadoria e, ao abrigo da apólice existente, a A, liquidou a quantia de € 113.141,93, correspondentes ao valor seguro e a quantia de € 574,70 a EMPRESA DE PERITAGENS E AVERIGUAÇÕES, a título de despesas de averiguação e instrução do processo.

Efectuados os pagamentos e ao abrigo da apólice existente, assiste agora à A., o direito de, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 15° do Decreto-Lei nº 255/99, de 7 de Julho, e sub-rogada nos direitos do seu segurado, ser reembolsada pelos montantes que liquidou, responsabilidade essa que recai sobre a ora Ré, empresa transitária contratada pela segurada da Autora.

Citada, a Ré contestou. Em sede de defesa indirecta invocou as excepções da incompetência territorial do tribunal, da ilegitimidade passiva e da prescrição, impugnado no mais o alegado e concluindo pela improcedência da acção.

Requereu a intervenção principal provocada de Trans, I Companhia de Seguros, SA, C Transportes Rodoviários de Mercadorias, Lda, Companhia de Seguros M SA e A Companhia de Seguros, SA, bem como a intervenção acessória de I S.

Após réplica, foi proferido despacho que julgou procedente a excepção de incompetência territorial do Tribunal de Setúbal e os autos foram remetidos às Varas Cíveis de Lisboa.

Aí foi deferida a requerida intervenção principal de A Companhia de Seguros, SA, bem como a intervenção acessória de I S, tendo sido indeferidos os demais pedidos de intervenção.

Citada, a Interveniente A contestou impugnando factualidade alegada e concluindo pela improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

Também o chamado I S interveio, contestando.

No saneador foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade passiva da Ré e procedente a excepção peremptória da prescrição.

Do despacho que decidiu a procedência da excepção da prescrição foi interposto recurso, vindo o STJ a considerar não se encontrar prescrito o direito invocado pela Autora nem relativamente à Ré T, nem relativamente à chamada A, tendo sido ordenado o prosseguimento dos autos.

A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência condenou a Ré T, Lda a pagar à Autora a quantia de € 61.796,76 (sessenta e um mil, setecentos e noventa e seis euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa de 5% ao ano, vencidos desde 02/1 0/2003 e, vincendos, a igual taxa, até efectivo e integral pagamento, tendo absolvido a mesma do demais peticionado bem como a chamada A Companhia de Seguros, SA  do pedido contra ela formulado.

Desta sentença apelou a Ré T, tendo a Apelação sido julgada procedente com a alteração da decisão recorrida, condenando-se a chamada A Companhia de Seguros, SA solidariamente com aquela Ré, embora apenas até ao valor de 58.706, 93 € (cinquenta e oito mil setecentos e seis euros e noventa e três cêntimos), acrescida dos juros desde a citação até integral pagamento à taxa legal, mantendo a condenação da Ré T, Lda no pagamento do valor da indemnização de 61.796,76 € (sessenta e um mil, setecentos e noventa e seis euros e setenta e seis cêntimos) e nos juros.

 

Recorre agora a interveniente A, de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- O contrato de transporte encerra uma prestação de serviço oneroso, tipo empreitada, em que o transportador tem o direito de perceber uma remuneração, denominada "frete", e ao contratante interessa não o serviço em si, mas antes o resultado final, isto é, abrangendo todas as operações necessárias para que o seu sentido útil possa ser atingido, ou seja, a entrega, por conta e risco do transportador, da pessoa ou do bem, íntegros, no local do destino, tratando-se, em regra, de um contrato a favor de terceiro dotado de um regime mercantil especializado.

- O contrato de expedição, em sentido estrito, é, por seu turno, simplesmente, um mandato pelo qual o transitário se obriga a celebrar um ou mais contratos de transporte, por conta do expedidor.

- Nas prestações de resultado final, como acontece no contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, em que o transportador se encontra obrigado a alcançar o efeito útil, contratualmente, previsto, basta ao credor demonstrar a não verificação desse resultado, ou seja, a não entrega da mercadoria pelo transportador, no local e tempo acordados, para estabelecer o incumprimento do devedor. Contudo, nessa relação não intervém o operador transitário, cumpridas que foram todas as formalidades nos termos exigíveis e decorrentes da sua função de operador transitário, nos termos do DL 255/99 de 7 de Julho.

- Não cabe dentro da actividade específica do Operador Transitário as operações de transporte ou deslocação de mercadorias de um lado para o outro lado, (de Itália para Portugal).

- O Operador Transitário trata, no âmbito da sua função, do necessário e das condições necessárias para que o transporte ocorra com normalidade e legalidade e de acordo com as normas internacionais, tratando-se de transporte de mercadorias por estrada.

- O Transitário assegura a execução das formalidades e trâmites necessários à circulação da mercadoria, nos termos do art.º 10 do DL 255/99 de 7 de Julho.

- O Transitário presta um serviço ao expedidor de panificação, coordenação e direcção das operações necessárias à expedição dessas mesmas mercadorias.

- O transitário, no exercício da sua função, não transporta a mercadoria, não pratica actos materiais relacionados com o dever de transportar.

- Será ilegal que o transitário, enquanto tal, pratique actos de transporte, uma vez que transportar mercadorias exige aptidões próprias e não está englobado na sua função.

- Quando o Transitário assume, também, contratar o transportador, actua no exercício de um mandato alheio ao risco da actividade de Operador Transitário, por isso, fora do âmbito do risco assumido pela ora recorrente, na apólice de seguro de responsabilidade profissional da actividade de Transitário.

- Os actos de carregamento, acondicionamento, transporte e entrega da mercadoria não são actos próprios da actividade estrita de agente transitário, o qual, enquanto tal, está obrigado a celebrar um contrato de seguro de responsabilidade civil relativo à sua função como operador transitário e não como transportador.

- A responsabilidade decorrente de uma e de outra actividade - transitário e transportador - são bem diferentes, por desiguais serem as respectivas actividades e, por isso, o risco assumido no contrato de seguro de responsabilidade civil transitário não pode abranger o risco de actividade de transportador. Aliás, as condições contratuais seriam, obviamente diferentes, nomeadamente, o montante de prémio de seguro a pagar à ora Recorrente.

- Das Condições Gerais e Particulares do Contrato de Seguro celebrado entre a co - Demandada T Lda e a ora Recorrente resulta que este contrato apenas abrange a actividade com o Operador Transitário, tal como está definida no art.º 1° do DL 255/99 de 7 de Julho e Norma do ISP n.º 23/95-R, de 20 de Outubro, alterada pelas Normas nºs 10/97 -R, de 3 de Julho, 11/2000-R, de 13 de Novembro, 16/2000-R, de 21 de Dezembro, e 13/2005-R, de 18 de Novembro, relativas ao seguro obrigatório de responsabilidade civil transitário, em vigor na data do evento dos autos.

- O contrato de seguro junto aos autos refere expressamente que o mesmo serve exclusivamente para os riscos no exercício da sua actividade de transitário, excluindo a responsabilidade decorrente da actividade de transportador de mercadoria que aquela pudesse, eventualmente, desempenhar.

- Tendo em conta o âmbito de cobertura e limitação por exclusão, o contrato de seguro aceite pela ora Recorrente apenas abrange a actividade de transitário e não cobre o risco que se manifestou na execução do transporte da mercadoria e que causou os danos dados como provados, na mercadoria transportada, em consequência, do furto verificado.

- A ora Recorrente não pode ser responsável pelas consequências do evento verificado, dado que, o mesmo se encontra fora do âmbito da cobertura do contrato de seguro (âmbito de cobertura e exclusões).

Nas contra alegações quer a Autora quer a Ré O, pugnam pela manutenção do julgado.

II Põe-se como único problema a resolver no âmbito do presente recurso o de saber se a Recorrente poderá ser responsável pelas consequências do evento verificado e por o mesmo se encontrar fora do âmbito da cobertura do contrato de seguro (âmbito de cobertura e exclusões).

As instâncias deram como provados os seguintes factos:

- Autora é uma sociedade que, autorizada e de acordo com a legislação Portuguesa aplicável, se dedica à actividade seguradora (cfr alínea A) da matéria de facto assente)

- No âmbito do exercício da sua actividade, a O Seguros, S.A. celebrou com a sociedade Importação e Exportação, LDA, o contrato de seguro facultativo (MTC) de mercadorias transportadas, conforme certificado de seguro anexo ao relatório de averiguação que consta como doc n.º1, anexo à p.i. e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (cfr alínea B) da matéria de facto assente)

- No âmbito do referido contrato, a sociedade segurada, supra mencionada, transferiu para a sua seguradora a responsabilidade por perdas e danos emergentes do roubo da mercadoria (Calçado) conjuntamente com o veículo, no valor de € 113.141,93 (cfr alínea C) da matéria de facto assente)

- Na noite de 2 para 3 de Março de 2003, na Rua…, no …, concelho de …, ocorreu o furto do tractor/semi-reboque de matrícula 00- 00-… (cfr resposta dada ao artigo 1°) da base instrutória)

- No interior do referido tractor/semi-reboque encontrava-se uma mercadoria de cerca de 1093 caixas de calçado, com modelos de Senhora e de Homem, da propriedade da sociedade «Importação e Exportação, Lda.», oriunda de Itália (cfr resposta dada ao artigo 2°) da base instrutória), a qual foi, igualmente, furtada, juntamente com o tractor/semi-reboque (cfr resposta dada ao artigo 3°) da base instrutória)

- Tal encomenda de sapatos fora feita pela sociedade segurada, «Importação e Exportação, Lda.», a um fornecedor italiano - a sociedade C, A.L.B entre os meses de Novembro/Dezembro de 2002 (cfr. resposta dada ao artigo 4°) da base instrutória)

- Relativamente ao transporte de tal mercadoria, a «Importação e Exportação, Lda.» assegurou, de imediato, junto da empresa transitária T, LDA, que esta procedesse às contratações e diligências necessárias ao transporte de tal mercadoria, desde a sua origem (em Itália) até às suas instalações em A, Portugal (cfr. resposta dada ao artigo 5°) da base instrutória) e, assim, a T fretou o referido tractor e semi-reboque de matrícula 00-00-…. à sociedade Trans, a fim, desta última, efectuar o transporte de tal encomenda de calçado nos termos referidos (cfr resposta dada ao artigo 6°) da base instrutória)

- O veículo tractor de matrícula 00-00-… é propriedade da sociedade Trans, LDA. (cfr alínea D) da matéria de facto assente)

- O semi-reboque de matrícula 00-00-…pertence à sociedade C- Transportes Rodoviários de Mercadorias, LDA (cfr alínea E) da matéria de facto assente)

- A mercadoria referida em 5) foi, então, entregue ao motorista da empresa Trans, I S, no dia 28 de Fevereiro de 2003, Sexta-Feira, em Itália (cfr. resposta dada ao artigo 7°) da base instrutória), tendo este último iniciado, de imediato, a viagem para Portugal (cfr resposta dada ao artigo 8°) da base instrutória)

- No dia 02 de Março de 2003, o I S regressava de Itália no veículo de marca Volvo, em que se transportava um carregamento de sapatos (cfr resposta dada ao artigo 20°) da base instrutória)

- Quando I S chegou, falou telefonicamente com o sócio-gerente da Trans, Sr. P C, tendo este indicado qual o local onde aquele deveria estacionar o veículo em causa, perto da residência de I S (cfr resposta dada aos artigos 21°) e 22°) da base instrutória)

- Cerca das 16h30m I S estacionou o veículo de acordo com as instruções expressas dadas pelo sócio e gerente da Transfrali, como referido em 12) e em zona próxima do café X e bem iluminada (cfr resposta dada aos artigos 23°), 24°) e 25°) da base instrutória)

- O motorista do trator e semi-reboque I S chegou a Portugal no Domingo, tendo-se dirigido para a sua residência, no … (cfr. resposta dada ao artigo 9°) da base instrutória), onde acabou por estacionar o referido veículo com toda a mercadoria que transportava, num largo situado perto da sua residência, sito na Rua … (cfr resposta dada ao artigo 10°) da base instrutória)

- O motorista apercebeu-se do furto do veículo com a mercadoria, no dia seguinte ao seu regresso (cfr resposta dada ao artigo 11°) da base instrutória), quando o seu colega de trabalho, J C, se deslocou, por volta das 7.00 horas, à sua residência a fim de ir buscar a chave do referido veículo, para o trazer para Lisboa (cfr resposta dada ao artigo 12°) da base instrutória)

- Por esta ocasião, quando o Sr. J C se deslocou ao local onde o referido tractor e semi-reboque foi estacionado, verificou que o mesmo havia desaparecido, juntamente com toda a mercadoria proveniente de Itália (cfr resposta dada ao artigo 13°) da base instrutória)

- O furto foi, de imediato, comunicado às autoridades policiais da Guarda Nacional Republicana de …, que tomaram conta da ocorrência (cfr resposta dada ao artigo 14°) da base instrutória)

- O segurado da Autora, a sociedade «Importação e Exportação, Lda.» participou tal furto da mercadoria à ora Autora (cfr resposta dada ao artigo 15°) da base instrutória)

- Na altura do sinistro, I S era trabalhador por conta de outrem, da Trans, Lda., exercendo funções de motorista de transporte internacional (cfr resposta dada ao artigo 18°) da base instrutória)

- No exercício das suas funções, competia-lhe conduzir dois veículos automóveis pesados de mercadorias: o veículo de marca Volvo e modelo FH1242T 67 PI com a matricula 00-00-WW e o veículo de marca DAF, com a matricula 00-00-YY (cfr resposta dada ao artigo 19°) da base instrutória)

- Ao abrigo da apólice existente, a O liquidou ao seu segurado a quantia total de € 113.141,93, correspondente ao valor seguro, conforme recibos de indemnização números 00552643 e 00560361 juntos como doc 2 e 3 com a p.i. (cfr resposta dada ao artigo 16°) da base instrutória)

- A O liquidou a quantia de € 574,70 a E - Empresa de Peritagens E Averiguações, a título de despesas de averiguação e instrução do processo, conforme recibo de indemnização n.º00552641 (doe, 4 junto com a p.i.) (cfr resposta dada ao artigo 17°) da base instrutória)

- A A Companhia de Seguros, S.A., celebrou com a R T Lda., o contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Geral que tem como objecto a actividade de OPERADOR TRANSITÁRIO desenvolvida pela R, titulado pela apólice n.º 0000000, junto como documento n.º 1 com o articulado apresentado pela chamada A e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (cfr alínea G) da matéria de facto assente)

- A autora solicitou à ré o pagamento do valor de € 61.796,76, por carta de 2 de Outubro de 2003 - cfr doc n.º5 junto com a p.i. - que a ré não lhe efectuou (cfr. alínea F) da matéria de facto assente)

Insurge-se a Interveniente A contra o Acórdão recorrido uma vez que na sua tese, a respectiva responsabilidade por via do contrato de seguro celebrado com a Ré está afastada, porque esta não agiu na sua qualidade de transitária mas antes na sua qualidade de transportadora, o que se encontra excluído daquele acordo.

Vejamos então.

Entre a Ré e a Interveniente A, aqui Recorrente, foi celebrado um contrato de seguro do ramo responsabilidade civil geral que tem como objecto a actividade de operador transitário desenvolvida pela Ré, como decorre da matéria dada como provada na alínea G) da matéria assente.

Por outro lado e com interesse para a resolução da problemática envolvente, chamamos à colação a matéria dada como provada nas respostas aos artigos 5º e 6º da base instrutória de onde consta que «Relativamente ao transporte de tal mercadoria, a «Importação e Exportação, Lda.» assegurou, de imediato, junto da empresa transitária T, LDA., que esta procedesse às contratações e diligências necessárias ao transporte de tal mercadoria, desde a sua origem (em Itália) até às suas instalações em …, Portugal e, assim, a T fretou o referido tractor e semi-reboque de matrícula 00-00-… à sociedade Trans, a fim, desta última, efectuar o transporte de tal encomenda de calçado nos termos referidos».

Quer dizer, estando definida a actividade transitária no artigo 1º, nº2 do DL 255/99 de 7 de Julho como sendo aquela que «consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias, desenvolvendo-se nos seguintes domínios de intervenção:

a. Gestão dos fluxos de bens ou mercadorias;

b. Mediação entre expedidores e destinatários, nomeadamente através de transportadores com quem celebre os respectivos contratos de transporte; c. Execução dos trâmites ou formalidades legalmente exigidos, inclusive no que se refere à emissão do documento de transporte unimodal ou multimodal.», parece decorrer daquela factualidade, apurada nos autos, que a Ré ao contratar os serviços  da sociedade Trans para que esta efectuasse o transporte da encomenda desde Itália até às instalações da sua cliente, a  «Importação e Exportação, Lda.», em …, Portugal, actuou no exercício da sua actividade de transitária, tal como tal actividade nos vem definida neste ínsito legal.

Aliás o acordo havido entre a referida sociedade «Importação e Exportação, Lda» e a Ré, não enquadra um contrato de transporte, já que a Ré não se obrigou perante esta a prestar-lhe o serviço de deslocação da mercadoria que foi objecto do furto, as 1093 caixas de calçado com modelos de Senhora e de Homem, propriedade daquela empresa, mas antes ficou a Ré encarregue de proceder a todas as contratações e diligências necessárias ao transporte de tal mercadoria, o que se demonstrou ter esta cumprido, com a contratação da sobredita transportadora (a Trans), alem do mais: a Ré aparece-nos como a concretizadora do contrato de transporte efectuado por aquela empresa, cfr Francisco Costeira da Rocha, O Contrato De Transporte De Mercadorias, 2000, 77.

Só que, tal contrato de transporte foi havido no exercício da sua actividade de transitária, englobando esta actividade uma complexidade de actuações, as quais poderão passar não só pela realização de actos jurídicos, mas também, pela realização de operações materiais, sendo estas as de recebimento da mercadoria e a sua entrega aos transportadores, recepção, verificação e entrega da mercadoria ao seu destinatário, bem como a celebração dos contratos de seguro e cumprimento das formalidades administrativas e alfandegárias, Francisco Costeira da Costa, ibidem, 78.

Daqui resulta que a Ré, enquanto transitária, responderá perante o seu cliente nos termos do artigo 15º, nº1 e 2 do DL 255/99, de 7 de Julho, no qual se predispõe:

«1. As empresas transitárias respondem perante o seu cliente pelo incumprimento das suas obrigações, bem como pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado, sem prejuízo do direito do direito de regresso.

2. À responsabilidade emergente dos contratos celebrados no âmbito deste diploma aplicam-se os limites estabelecidos, por lei ou convenção, para o transportador a quem seja confiada a execução material do transporte, salvo se outro limite for convencionado pelas partes.».

Quer dizer que as empresas transitárias respondem perante os clientes que consigo contratam, como se fossem elas próprias as transportadoras que tivessem incorrido em incumprimento, empresas estas por si contratadas para efectuarem o transporte, sem prejuízo do direito de regresso que poderão accionar.

E, é neste preciso conspectu da responsabilidade das empresas transitárias que se compreende o contrato de seguro efectuado por estas, in casu pela Ré, com a Interveniente A: o contrato de seguro efectuado pela Ré com a Interveniente opera nestas situações em que a empresa transitária, no exercício dessa especifica actividade de transitária (e não de transportadora como a Interveniente/Recorrente pretende fazer crer), seja chamada a assegurar os danos ocorridos durante o transporte por si contratado com um terceiro.

Não se percebe ou mal se compreende o raciocínio expendido em sede de argumentário conclusivo pela Interveniente, aqui Recorrente, com vista a eximir-se da sua responsabilidade contratual, proveniente do contrato de seguro havido com a Ré, já que este tem como objecto especifico a actividade de Operadora Transitária desta, sendo certo que essa actividade abarca, em certas e determinadas situações, como a dos autos – furto de objectos – a responsabilidade directa perante os clientes, mesmo que o incumprimento provenha de terceiros por aquela contratados, sendo precisamente para salvaguardar esta e outras situações quejandas que os seguros de responsabilidade civil são acordados e, sempre se acrescenta, que se assim não fosse entendido, ficariam os mesmos esvaziados de conteúdo.

De outra banda, tal como nos diz a Recorrente, das condições gerais e particulares do Contrato de Seguro celebrado entre a co - Demandada T Lda e a ora Recorrente resulta que este contrato apenas abrange a actividade com o operador transitário, tal como está definida no art.º 1° do DL 255/99 de 7 de Julho e Norma do ISP decorrente do art.º 1° do DL 255/99 de 7 de Julho e Norma do ISP n.º 23/95-R, de 20 de Outubro, alterada pelas Normas nºs 10/97 -R, de 3 de Julho, 11/2000-R, de 13 de Novembro, 16/2000-R, de 21 de Dezembro, e 13/2005-R, de 18 de Novembro, relativas ao seguro obrigatório de responsabilidade civil transitário, em vigor na data do evento dos autos, sendo precisamente desta actividade de que se cura nos autos.

O contrato de seguro havido com entre a Interveniente e a Ré foi celebrado com vista a abarcar a actividade de operadora transitária desta e foi por via da responsabilidade decorrente desta actividade que a Interveniente foi condenada solidariamente com aquela Ré, por força do disposto no nº1 do artigo 15º do DL 255/99, de 7 de Julho.

A alia do risco da actividade do transportador (terceiro contratado) é apanágio do exercício multifuncional desenvolvido pelos transitários, a coberto da apólice e por isso a Recorrente está obrigada a ressarcir a Autora dos prejuízos resultantes do furto ocorrido e até ao limite da cobertura do mesmo, deduzido da franquia prevista, como decidiu o segundo grau, cfr José Vasques, Contrato de Seguro, 1999, 87/94.  

As conclusões improcedem no seu todo.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão impugnado.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2014

(Ana Paula Boularot)

(Pinto de Almeida)

(Azevedo Ramos)