Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5420/21.4T8STB-L.E1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: DOMINGOS JOSÉ DE MORAIS
Descritores: AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
NOTA DE CULPA
INVALIDADE
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
Data do Acordão: 05/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :

I - A nota de culpa é a peça essencial do procedimento disciplinar laboral, porque é ela que delimita o âmbito fáctico de apreciação do comportamento do trabalhador, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa para o culpabilizar.


II - A nota de culpa deve localizar no tempo e no lugar, descrever o modo como os factos foram praticados e indicar por quem, de forma a permitir que o trabalhador os individualize e identifique, a fim de organizar, correctamente, a sua defesa, sob pena de invalidade do procedimento disciplinar.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 5420/21.4T8STB-L.E1.S1


Recurso revista


Relator: Conselheiro Domingos José de Morais


Adjuntos: Conselheiro José Luís Ramalho Pinto


Conselheiro Júlio Manuel Vieira Gomes


Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I. - Relatório


1. - AA apresentou o formulário a que reportam os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo de Trabalho (CPT).


Navigator Pulp Setúbal, S.A., frustrada a conciliação na audiência de partes, apresentou o articulado motivador do despedimento com justa causa, terminando: “deve a presente acção ser considerada procedente e deverá o despedimento promovido pela aqui R. ser considerado despedimento com justa causa e, em consequência, julgado regular e lícito.”.


2. - O Autor contestou, invocando, além do mais, a invalidade do procedimento disciplinar, pela não circunstanciada descrição de tempo, modo e lugar dos factos imputados na nota de culpa.


3. - No despacho saneador, datado de 14.02.2022, a 1.ª Instância julgou “improcedente a excepção peremptória invocada pelo trabalhador”, por considerar válida a nota de culpa.


E ao processo n.º 5420/21.4T8STB foram apensadas mais três acções, incluindo a do Autor AA.


4. - Os quatro Autores interpuseram recurso de apelação e o Tribunal da Relação acordou “conceder provimento aos recursos interpostos pelos trabalhadores (…), (…) e AA, declarando a ilicitude do seu despedimento, prosseguindo os autos para conhecimento dos demais pedidos que estes formularam” e negar provimento ao recurso de apelação interposto pelo quarto Autor.


5. - A Ré interpôs recurso de revista, concluindo em síntese:


D. A Recorrente fundamenta o presente Recurso de Revista, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alínea a), considerando para o efeito que o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação e aplicação do artigo 353.º, n.º 1 do Código do Trabalho e por conseguinte do artigo 382.º, n.º 1 e 2 alínea a) do Código do Trabalho.


E. A Recorrente rejeita que a Nota de Culpa apresentada aos trabalhadores padeça de nulidade por falta de descrição circunstanciada dos factos imputados aos mesmos.


F. A Recorrente entende que andou mal o Tribunal a quo quando concluiu que as Notas de Culpa não apresentam a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os factos ocorreram,


G. E que, por esse e só esse motivo, considerou as Notas de Culpa inválidas e por consequência os despedimentos dos trabalhadores ilícitos.


H. Rejeita-se o entendimento do Tribunal a quo ao assumir, como absoluta, a exigência da circunstanciação temporal, que como se torna claro, não é o único critério a ter em consideração para julgar a validade da Nota de Culpa.


6. - Os três Autores interessados contra-alegaram, concluindo pela improcedência da revista.


7. - Atendendo ao valor de cada uma das acções coligadas, apenas foi admitido o recurso de revista do Autor AA.


8. - O M. Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso de revista, por entender que “a insuficiência da descrição da matéria suscetível de constituir infração disciplinar inquinou absolutamente a nota de culpa, determinando a invalidade do procedimento disciplinar, por força do disposto no art. 382.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CT.”.


9. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II. - Fundamentação de facto


1. - Nas Instâncias foi dado como provado:


A) Em 14/05/2021, o Conselho de Administração da empregadora determinou a abertura do processo disciplinar ao A. e designou instrutores do mesmo, as Senhores Dras. BB e CC.


B) Através de carta datada de 17/06/2021, registada no mesmo dia e recebida pelo ,destinatário em 18/06/2021, foi o A. notificado da nota de culpa, da possibilidade de consulta dos autos de procedimento disciplinar, do prazo de que dispunha para responder à mesma e de que era intenção da R. proferir, a final, decisão de despedimento com justa causa.


C) Na nota de culpa anexa à referida missiva foram imputados os seguintes factos:


13. “Em data não concretamente apurada, mas certamente antes de 1 de Janeiro de 2017, com periodicidade diária e até a presente data, alguns fornecedores de madeira da NVG (tais como, DD da sociedade C...; EE da sociedade P..., Lda.; FF da sociedade F..., Lda.; GG da sociedade S..., Lda.; HH da sociedade H..., Lda.; II da sociedade T...., Lda.; JJ da sociedade N..., Lda; KK da sociedade M..., Lda; LL da sociedade A..., Lda. e M..., Lda.; MM da M..., Lda.; e, NN das sociedades M..., Lda. e NN, LDA.), juntamente com os colaboradores com funções na recepção e pesagem, nomeadamente, o Trabalhador Arguido, OO e PP, os trabalhadores com funções de controlo e medição das cargas recebidas (particularmente, os trabalhadores QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX e YY, ZZ, AAA, AA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, o operador de Recepção de Preparação de Madeiras JJJ, e os Supervisores de turno (KKK, LLL, MMM, NNN e OOO), formularam e concretizaram, entre si, o propósito de possibilitar e aceitar o recebimento de cargas de madeira que, em condições normais, seriam recusadas (de acordo com as regras e procedimentos da NVG), a troco de contrapartidas pecuniárias solicitadas e entregues pelos fornecedores acima identificados.


14. As referidas contrapartidas monetárias eram entregues directamente pelos fornecedores aos Supervisores de turno ou aos Operadores M... que se encontravam de serviço no local de medição de densidades.


15. Acresce que, nos casos de recepção de madeira irregular, como por exemplo, madeira queimada ou de espécies florestais não aceites, a fim de que não fosse visível, a mesma não era depositada em parque, mas sim de imediato canalizada para a trituração, de forma a não ser possível determinar a boa ou má qualidade da madeira recebida.


16. Por outro lado, mediante uma alteração ao intencional dos diversos mecanismos de medição que têm ao seu dispor, os referidos trabalhadores modificavam os valores finais sobre os quais incidem os montantes pecuniários a pagar pela NVG aos fornecedores, montantes esses significativamente superiores aos que na realidade deveriam ser liquidados, caso tais medições fossem correctamente realizadas, resultando num prejuízo para a NVG, que em regra ascende, pelo menos, entre € 200,00 a € 300,00 por cada carga entregue.


17. A introdução de forma fraudulenta de outras espécies poderá por regra compreender as espécies que não devem ser compradas como rolaria, tais como a A..... e o C....., o que justifica por si só a recusa de tais espécies no processo produtivo da NVG em apreço.


18. Em caso de aceitação irregular destas espécies florestais, para a NVG, o prejuízo económico resulta, primeiramente por via do valor pago, ou seja, o fornecedor receberá indevidamente o pagamento de um tipo de madeira com menor valor, pelo valor semelhante ao eucalipto, que apresenta maior valor e preço no mercado. ~


19. Além do prejuízo económico, a aceitação irregular de outras espécies diferentes de eucalipto tem também grande impacto ao nível da certificação da NVG,


20. Na medida em que, sendo a NVG uma empresa certificada, de acordo com os esquemas de certificação FSC e PEFC, está obrigada ao cumprimento de normas específicas impostas par estes esquemas de certificação.


21. Sucede que, ao adquirir madeira certificada e fazendo a sua conversão em produto pasta ou papel, e este produto final que é vendido ao mercado como sendo de origem certificada.


22. Ora, sempre que é detectada uma irregularidade relacionada com a madeira (o que não sucedia propositadamente devido ao conluio em torno dos fornecimentos de madeira), a NVG é obrigada a desclassificar essa madeira, o que implica que o produto final (pasta ou papel) não possa ser vendido como de origem certificada no mercado.


23. Tal situação pode até, no limite, originar uma suspensão temporária ou definitiva do certificado obtido pela NVG, ficando, por isso, impossibilitada de comercializar pasta ou papel com essa característica, o que em diversos mercados é requisito fundamental para a comercialização.


24. Outro critério qualitativo inicialmente apreciado é o diâmetro da rolaria que constitui a maior parte da carga fornecida.


25. Seguidamente, aquando a medição de densidade, apresentando o C..... e a A..... menor densidade, o seu peso por volume será sempre menor do que o peso por volume do eucalipto, levando no final a NVG a pagar mais volume por cada fornecimento, resultando em prejuízo, uma vez que quanto menor for a densidade medida, maior será o volume calculado e consequentemente o valor pago ao fornecedor.


26. Para que tal aconteça, é imprescindível, nesta fase de medição de densidade, necessariamente, a conivência do respectiva Operador M....


27. Também na produção final, a entrega deste tipo de madeira em quantidades significativas acaba por reflectir na NVG uma menor produção de pasta.


28. Ou seja, se em cada 100 kg de madeira seca de eucalipto resulta a produção de 53 a 55 Kg de fibras de celulose, já em 100 Kg de A..... resultara uma produção de cerca de 10% fibras de celulose a menos.


29. Sucede que, em violação das regras laborais e, na prossecução da actividade ilícita, os trabalhadores da NVG, em concreto, os Operadores M..., aquando da medição de densidade, encostam e exercem pressão com a pinça da máquina nas paredes do respectivo tanque, conseguindo o resultado de valores que não correspondem a realidade, gerando desta forma densidades menores e prejuízo para a NVG, uma vez que o preço final da madeira recebida a pagar pela NVG aos seus fornecedores corresponde ao volume resultante da divisão do peso líquido pela densidade da amostra medida (sem prejuízo dos Operadores M... utilizarem ainda outros possíveis mecanismos que defraudem a operação da NVG).


30. Portanto, os trabalhadores da NVG acima referidos, nomeadamente, o Trabalhador Arguido, possibilitaram o registo de entrada de madeira que não corresponde às características exigidas pelos procedimentos internos do Grupo NVG, sem qualquer desconto ou dando apenas um desconto simbólico, a troco de uma retribuição monetária.


31. Na operação de medida da densidade, estes operadores conseguiram também falsear a operação, mediante a respectiva retribuição monetária, de modo a que fosse registada uma densidade diferente (mais baixa) do que a densidade real da carga, beneficiando o fornecedor (uma vez que o volume e obtido como resultado da divisão do peso pela densidade, o que significa que, quanta menor a densidade, maior será o resultado).


32. Uma vez que toda estas operação é supervisionada por um Supervisor de Turno, também este recebeu a sua retribuição monetária para permitir que o processo se desenvolva normalmente.


33. Posteriormente, todos estes trabalhadores (incluindo o Trabalhador Arguido) violaram os procedimentos internos e o Código de Ética em vigor na NVG e, de forma ilícita, repartiram o dinheiro dessas vantagens económicas.


34. Na verdade e sem prejuízo de, num primeiro momento, inúmeros trabalhadores da NVG terem sido previamente constituídos arguidos no âmbito do processo-crime que corre termos sob o n.º 3250/18.0... no Tribunal Judicial da Comarca de ... pela prática de inúmeros ilícitos penais decorrentes da situação supra descrita, certo é que apenas recentemente a referida conduta foi igualmente imputada ao aqui Trabalhador Arguido.


35. Com efeito, na sequência da consulta ao mencionado processo-crime pela empresa A......., atendendo à sua qualidade de Assistente, resultou que a prática supra referida igualmente foi imputada ao Trabalhador Arguido e demais colegas.


36. Isto é, tal como resulta dos testemunhos prestados em sede de inquirição junto da Polícia Judiciária, no âmbito do processo-crime que corre termos sob o n.º 3250/18.0... no Tribunal Judicial da Comarca de ..., o Trabalhador Arguido encontra-se indiciado da prática de ilícitos penais, nomeadamente, o crime de corrupção passiva no sector privado, previsto e punido pelo artigo 8º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 20/2008, de 21 de Abril.


37. A ser assim, destacam-se os seguintes extractos dos depoimentos que ora se transcrevem e que se encontram anexos aos presentes autos disciplinares:


38. Depoimento de PPP: (...) “Relativamente aos factos em investigação nos autos, refere que acerca de seis anos, quando foi colocado neste serviço, ouviu logo comentários de que neste serviço existia o boato do pagamento de contrapartidas por parte dos fornecedores. Que logo ao início, quando foi ali colocado, uma ou outra vez, em data que não consegue precisar, alguns motoristas chegaram a entregar-lhe juntamente com a guias, uma nota de 10,00 ou 20,00 euros, tendo o declarante devolvido aos mesmos essas ofertas, ficando os mesmos envergonhados. (…) só no ano passado, no final do Inverno, um fornecedor, cujo nome se recorda apenas de "QQQ" terá lhe entregue no meio de uma guia, uma nota de 10,00 euros montante que o declarante recusou devolvendo-lhe e pedindo-lhe que a guardasse (...).”


39. Depoimento de RRR: (…) “Relativamente aos factos em investigação nos autos, refere que tal se tratava de uma situação sobre a qual corriam boatos há vários anos, ou seja, de trabalhadores que recebiam contrapartidas pagas pelos fornecedores para beneficiar as avaliações e medições dos fornecimentos de madeira que era entregue. (...) Que quando foi colocado neste local, uma vez, um fornecedor que não consegue identificar, junto do guiché existente, em vez de lhe entregar a guia do transporte, estendeu algumas notas, cujo valor desconhece. Que de mediato lhe chamou a atenção para o que estava a fazer, recusando receber essas notas, tendo o referido indivíduo pedido desculpa e entregue a guia (...).”


40. Depoimento de FF: (...) “Relativamente ao pagamento de contrapartidas pecuniárias por parte de fornecedores de madeira a colaboradores da Navigator em ..., com funções de recepção no parque de madeiras, para que pelos mesmos fosse aceite a madeira que não preenchesse os critérios de aceitação ou para evitar que tais cargas fossem sujeitas a descontos, refere o declarante que tal prática em ... já era notória e comentada há mais de 30 anos, altura em que acompanhava o seu pai, também madeireiro. Que durante cerca de 14 anos realizou uma prestação de serviços de transporte de madeira para a Navigator em ..., antiga P..., sendo essa madeira oriunda das explorações próprias da P.... Que nesta altura continuou a perceber a existência e continuidade de tais práticas por parte dos referidos colaboradores da Navigator. Que há cerca de seis anos, a F..., para além do transporte de madeira para a Navigator, estabeleceu também um contrato de fornecimento de madeiras, tornando-se a já referida prestação de serviços de transporte residual. Que desde o início deste contrato de fornecimento, que em concreto, os chefes de equipa do parque de madeiras lhe começaram a exigir o pagamento de montantes pecuniários para que os fornecimentos da F... fossem aceites ou não fossem sujeitos a descontos, independentemente das cargas de madeira que levava. Ou seja, mesmo que a F... apresentasse madeira de qualidade, se não tivesse existido o qualquer pagamento a mesma seria recusada ou sujeita a descontos excessivos. Considera assim que se sentiu obrigado a proceder aos respectivos pagamentos, sendo essa a (única forma de poder continuar a actividade. (...) Que os montantes acordados inicialmente era o pagamento de total de cerca de 90,00 euros, correspondendo a 20,00 euros para os elementos da recepção/portaria, valor que era entregue à entrada aquando da pesagem e de 20,00 euros para o chefe de turno e 50,00 euros para o operador da máquina de medição de densidade, sendo supostamente estes 50,00 euros posteriormente divididos pelos restantes elementos do turno. Que estes valores eram habitualmente entregues quando o camião chegava junto do tanque de medição de densidade situado junto aos gabinetes do Chefe de turno e gabinetes dos responsáveis de área SSS e TTT. (...) Que as quantias eram recebidas pelo operador de máquina de densidade ou pelo chefe de turno que se deslocavam junta a cabine do camião supostamente para ver a guia ou cumprimentar os motoristas. (...) Relativamente aos operadores de máquina de medição de densidade lembra-se de ter entregue a todos os que se encontravam de turno no momento da descarga, apenas conseguindo identificar a quem entregou valores pecuniários para além dos já referidos chefes de turno, o Realista, o RR, o UUU, o QQ, VV, VVV, GGG, SS, OO, TT, XX, ZZ, também conhecido pela alcunha de "Sapinho", AAA, AA, BBB, CCC, DDD, EEE, HHH, JJJ um recepcionista que conhece apenas pela alcunha de "Rotundas". Que no fundo existiam muitos outros a quem foram entregues quantias, cujos nomes não consegue precisar, sendo que se recorda de um recepcionista de nome PPP que se recusava a receber qualquer quantia ou a alinhar no referido esquema.


41. Depoimento de WWW: (...) "Que desde há muitos anos que é comentado da existência de entrega irregular de madeira, a troco de contrapartidas pagas por madeireiros na Navigator em ... (...)."


42. Foram também juntos aos autos do processo-crime uma agenda de um dos fornecedores de madeira da Navigator, XXX, cujas anotações permitem concluir pelo efectivo pagamento de contrapartidas pecuniárias aos trabalhadores da empresa A......., entre os quais o Trabalhador Arguido, obviamente a troco da recepção de madeira irregular, sem descontos e benefícios na medição da densidade, prejudicando dessa forma a empresa A........


43. Em inúmeras anotações na referida agenda, ao longos de vários anos, pode ler-se as datas, as quantias pagas e à frente as referências a "Recepção", "Densidade", "Chefe de Turno", "Esconder madeira queimada", "Esconder pinho", "Dei ao QQ, LLL, JJJ e UUU", isto repetidamente, vezes sem conta...


44. A actuação conjunta dos trabalhadores supra indicados (incluindo o Trabalhador Arguido) desencadeou um elevado impacto na economia nacional e regional, porquanto a actividade da NVG representa:


(i) 14% das exportações da região, com destino a mais de 120 países;


(ii) 44% da carga exportada pelo porto de ...;


(iii) Cerca de 450 GWh de energia eléctrica renovável por ano (correspondente ao consumo anual de cerca de 380 mil Portugueses).


45. A NVG concede apoios à cultura e ao desenvolvimento social da região.


46. Ou seja, na presente data, apurou-se de forma inequívoca que os trabalhadores da NVG (no qual se inclui o Trabalhador Arguido) agiram de comum acordo e em comunhão de esforços, de modo organizado e reiterado, com a intenção conseguida de obter vantagem económica prestada pelos fornecedores acima referidos, tendo para tanto desrespeitado o contrato de trabalho que celebraram com a NVG e as normas internas vigentes, causando significativos prejuízos à entidade empregadora.


47. Os fornecedores actuaram com o propósito conseguido de fazer com que os trabalhadores da NVG não cumprissem as funções para que foram contratados pela NVG, a troco de recompensa patrimonial, conseguindo vantagens económicas de forma desleal para a NVG.


48. Os trabalhadores da NVG (nomeadamente, o Trabalhador Arguido) e os fornecedores acima referidos, através da sua actuação organizada e reiterada, deliberadamente provocaram elevado prejuízo económico na actividade da NVG, que se estima em cerca de 4 milhões de euros por ano e, consequentemente, impactando o funcionamento do mercado regional, não permitindo que fornecedores idóneos e com mérito escoem a sua matéria-prima para as instalações da NVG sitas em ....”


D) O trabalhador, através do seu Ilustre Mandatário, apresentou reposta à nota de culpa.


E) O instrutor do processo procedeu à inquirição das testemunhas do trabalhador em 16 e 20 de Julho de 2021.


F) Foram efectuadas outras inquirições de testemunhas e juntos aos autos diversos documentos.


G) Por carta datada de 12/10/2021, recebida pelo trabalhador a 14/10/2021 foi-lhe dado conhecimento do relatório e decisão de despedimento com justa causa proferida pela entidade empregadora no âmbito do processo disciplinar que lhe movera.”.


*


No uso dos poderes previstos no art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, porque se trata de matéria documentada no procedimento disciplinar junto com o articulado de motivação do despedimento apresentado pela empregadora, e porque é relevante para a decisão do recurso, adita-se ao elenco fáctico ainda o seguinte:


H) Na resposta à nota de culpa, o trabalhador AA invocou nos pontos 1 a 21 a caducidade do procedimento disciplinar, nos pontos 22 a 27 a prescrição do dito procedimento, nos pontos 28 a 35 a falta de descrição circunstanciada da matéria de facto, nos pontos 36 a 38 a desconsideração da prova produzida no inquérito-crime, e nos pontos 39 a 51 defendeu-se dos factos imputados nos termos seguintes:


39. “O Arguido impugna todos os factos, e a prova documental junta ao processo disciplinar que os sustenta, que não forem adiante expressamente confessados serem verdadeiros ou desconhecidos, por, naturalmente, não corresponderem à verdade.


40. Com efeito, em 1 de Outubro de 2020, o Arguido foi admitido ao serviço da Entidade Patronal, passando, a partir dessa data, a laborar sob ordem, direcção e fiscalização daquela,


41. Desempenhando, à data, a categoria profissional de condutor M... (Máquinas e aparelhos de elevação e transporte) na sede social da Entidade Patronal, em regime de turnos rotativos de segunda-feira a sábado, das 00:00h às 08:00h, das 08:00h às 16:00h e das 16:00h às 24:00h.


42. Pelo que, se aceita, por corresponder à verdade, o alegado nos artigos 1.º e 2.º da nota de culpa.


43. Contudo, o Arguido já não admite os restantes factos vertidos na nota de culpa, designadamente, e sem exclusão de outros, os factos ínsitos nos artigos 13.º a 44.º, que impugna veementemente por padecerem de falsidade, e por serem desprimorosos e ofensivos da honra e do seu bom nome do arguido.


44. Porquanto, em abono da verdade, o Arguido nunca praticou os factos de que vem acusado.


45. E mesmo que, por mera hipótese, os quisesse praticar, nunca o poderia fazer, uma vez que o Arguido nunca desempenhou executou os testes de densidades à madeira que entrava no parque de madeiras, bem como nunca fez qualquer tipo de selecção dessa madeira (quer visual, quer por testes de densidades).


46. Pois, note-se, a Entidade Patronal nunca atribui ao arguido o username e a password do programa que é utilizado na máquina M... para realizar os testes de densidades da madeira que era descarregada por si.


47. Na verdade, não obstante o Arguido efectuar algumas descargas de veículos, as funções principais do Arguido resumiam-se à movimentação de madeira do parque onde se encontrava acondicionada para as mesas de trituração.


48. Mais, o Arguido tem sido, desde sempre, um trabalhador responsável e exemplar, na medida em que, no exercício das suas funções, sempre agiu com lealdade, de modo zeloso, diligente, empenhado e em cumprimento dos deveres laborais a que está obrigado.


49. Se assim não fosse, o Arguido não tinha o seu registo disciplinar limpo.


50. Destarte, atento todo o supra exposto, é manifesto que o Arguido não praticou os factos de que vem acusado e, por seu turno, não violou os deveres previstos nas alíneas c), e), g) e f), do n.º 1, do art. 128.º do CT, e, por conseguinte,


51. Inexiste justa causa de despedimento ao abrigo do disposto no n.º 1, e nas alíneas a), d) e e), do n.º 2 do art. 351.º do CT, devendo, a final, ser proferida douta decisão que declare a absolvição do Arguido com o consequente arquivamento do presente procedimento disciplinar, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 357.º do CT.”


I) A decisão de despedimento proferida pela empregadora funda-se na matéria de facto que já constava da nota de culpa, supra referida em D).”.


III. - Fundamentação de direito:


1. - O objeto do recurso de revista consiste em saber se é inválido o procedimento disciplinar, pela não circunstanciada descrição de tempo, modo e lugar dos factos imputados ao Autor na nota de culpa.


2. - Na 1.ª instância foi afirmado:


Se analisarmos os factos acusatórios constantes da Nota de Culpa – e posteriormente da Decisão Disciplinar que aplicou ao trabalhador a sanção de despedimento com justa causa - verificamos que, qualquer homem médio que os lesse compreenderia sem grande esforço as circunstâncias de modo, tempo e lugar da conduta que lhe era imputada.


Ou seja, da leitura de tal peça do procedimento disciplinar não se pode concluir, que existam deficiências na nota de culpa que determinem a invalidade do procedimento disciplinar, não tendo o processo disciplinar elementos que lhe permitissem concretizar, designadamente, os dias e horas em que foram praticados os factos.


Questão diversa, cuja apreciação depende da prova a realizar em audiência de julgamento, é saber se tais factos se vêm a provar e, bem assim, se a conduta imputada ao trabalhador torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.


Destarte, julgo improcedente a excepção peremptória invocada pelo trabalhador.”.


3. - No acórdão da Relação pode ler-se:


Analisando as notas de culpa deduzidas aos trabalhadores (…), (…) e AA, chama desde logo a atenção serem cópia uma das outras, nelas se imputando comportamentos globais, mas não circunstanciando em termos de modo, tempo e lugar a ocorrência dos factos, e em alguns casos nem sequer se estabelecendo a efectiva responsabilidade dos trabalhadores na produção de tais factos.


Com efeito, no ponto 13 a empregadora afirma que “em data não concretamente apurada, mas certamente antes de 1 de Janeiro de 2017, com periodicidade diária e até a presente data” alguns fornecedores de madeira, juntamente com os colaboradores com funções na recepção e pesagem, nomeadamente, o “Trabalhador Arguido” – como as notas de culpa são mera cópia umas das outras esta expressão engloba qualquer um dos trabalhadores acusados –, OO e PP, os trabalhadores com funções de controlo e medição das cargas recebidas – segue-se uma lista de 19 trabalhadores, entre eles o (…) e o AA – o operador de Recepção de Preparação de Madeiras JJJ, e os Supervisores de turno – segue-se uma lista de cinco trabalhadores – “formularam e concretizaram, entre si, o propósito de possibilitar e aceitar o recebimento de cargas de madeira que, em condições normais, seriam recusadas (de acordo com as regras e procedimentos da NVG), a troco de contrapartidas pecuniárias solicitadas e entregues pelos fornecedores acima identificados.”


Segue-se a descrição genérica dos comportamentos alegadamente adoptados pelo “Trabalhador Arguido” – continuando sem especificar quem é essa pessoa, uma vez que a expressão é utilizada indistintamente – mas em lado algum se identifica quando, onde e como os trabalhadores (…), (…) e AA receberam contrapartidas monetárias e quais os valores assim recebidos.


Como também não se diz quando é que estes trabalhadores alteraram os mecanismos de medição e quais os concretos prejuízos assim acusados, ficando-se por uma mera estimativa genérica de prejuízo económico de 4 milhões de euros por ano, sem que se descreva qual a medida de responsabilidade de cada um dos trabalhadores envolvidos em tal resultado.


E não se pode afirmar que a empregadora não tinha meios para apurar as concretas circunstâncias da conduta disciplinar de cada um dos trabalhadores contra quem deduziu as notas de culpa. Era assistente no processo-crime e menciona ter conhecimento de meios concretos de prova que lhe permitiriam identificar quem, quando e quanto recebeu contrapartidas monetárias – foram apreendidas agendas com anotações que permitiriam identificar quem recebeu e quanto recebeu, para além de existirem depoimentos de testemunhas identificando várias pessoas envolvidas naquele comportamento e imagens da videovigilância documentando a entrega de valores monetários e a alteração dos sistemas de medição.


(…).


A descrição de um comportamento global pode considerar-se lícita, na medida que seja um complemento à descrição de factos concretos e constituintes das infracções imputadas.


Os trabalhadores apenas podem defender-se de factos concretos e não de imputações genéricas e conclusivas.


E se podemos afirmar que a deficiente descrição dos factos imputados na nota de culpa só produzirá nulidade quando se demonstrar que o trabalhador não a compreendeu e assim viu coarctada a sua oportunidade de defesa, também devemos afirmar que, analisando as respostas às notas de culpa oferecidas pelos trabalhadores (…), (…) e AA, estes são confrontados com a necessidade de se defenderem com base em meras generalidades.


A empregadora imputou-lhes meras generalidades – sem especificar em relação a cada um deles, quando, onde e como – e estes viram-se na contingência de se defenderem também com meras generalidades (negação genérica e descrição das suas funções profissionais que os impossibilitavam de ter qualquer intervenção nos comportamentos globais alegados).


(…).


Concluindo-se, pois, que as notas de culpa deduzidas aos trabalhadores (…), (…) e AA não cumprem a exigência contida no art. 353.º n.º 1 do Código do Trabalho, e que tais deficiências não foram corrigidas, tanto mais que os trabalhadores não demonstraram nas suas respostas conhecerem quais os factos concretos com que eram visados, a consequência é a ilicitude do despedimento – art. 382.º n.ºs 1 e 2 al. a) do mesmo diploma.”.


4. - O artigo 353.º, n.º 1, do Código do Trabalho (CT) dispõe:


No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.”. (negrito nosso)


A nota de culpa é a peça essencial do procedimento disciplinar laboral, porque é ela que delimita o âmbito fáctico de apreciação do comportamento do trabalhador, já que, conforme dispõe o artigo 357.º, n.º 4, (segmento final), do CT, “não podem ser invocados factos não constantes da nota de culpa” para culpabilizar o trabalhador.


Tal significa que a nota de culpa deve localizar no tempo e no lugar, descrever o modo como os factos foram praticados e indicar por quem, de forma a permitir que o trabalhador os individualize e identifique, a fim de organizar, correctamente, a sua defesa.


[cfr., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de:


- 19-12-2007 Proc. 07S3422: “I - A nota de culpa desempenha a função própria da acusação em processo-crime: por isso, nela deve constar a descrição circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, dos factos de onde se extraia a imputação de uma infracção ao trabalhador.”.


- 14.11.2018, Proc. n.º 94/17.0T8BCL.G1.S1: “A nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, em termos de modo, tempo ainda que aproximado, e de lugar, de forma a permitir que aquele organize, de forma adequada, a sua defesa, sob pena de invalidade do procedimento disciplinar.”, ambos in www.dgsi.pt ].


A finalidade dos citados normativos é, assim, a de garantir ao trabalhador, além do mais, o direito ao contraditório, princípio fundamental de direito.


O direito ao contraditório, e consequente direito à defesa, só podem ser exercidos, cabalmente, pelo trabalhador, se a nota de culpa, que lhe for comunicada, apresentar “a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”, isto é, se o empregador descrever de forma concreta e circunstanciada - no tempo, no lugar, no modo -, os factos imputados ao trabalhador.


Mas mais.


Conforme estatui o artigo 387.º, n.º 3, do CT, “Na acção de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.”.


Assim, a lei exige que a nota de culpa delimite os comportamentos censuráveis atribuídos ao trabalhador, passíveis de serem reapreciados em juízo, quanto à sua gravidade e alcance. E, consequentemente, se entre os tipos de sanção disciplinar, o despedimento constitui a censura mais adequada.


Com se disse, o alcance e sentido da nota de culpa cingirá a defesa do trabalhador, direito fundamental no regime democrático.


No caso dos autos, trata-se de uma nota de culpa colectiva - na qual foram identificados, pelo menos, 25 trabalhadores, incluindo o Autor - cfr. o ponto 13 da nota de culpa notificada ao Autor.


O conceito de justa causa, formulado no citado artigo 351.º, compreende, de harmonia com o entendimento generalizado, tanto na doutrina como na jurisprudência, três elementos:


a) Um de natureza subjectiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador,


b) Outro, de natureza objectiva, que se traduz na impossibilidade de subsistência da relação laboral e


c) Na existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral.


Assim, entre os dois primeiros elementos - comportamento culposo e grave do trabalhador e impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho - deve existir um nexo de causalidade, um nexo de “imediação lógica”, como resulta da própria letra do citado artigo - comportamento que torne imediatamente impossível -.


Além disso, entre aquele comportamento e esta impossibilidade deverá existir, igualmente, um certo nexo cronológico, considerando-se que a conduta infraccional já não torna inevitável o despedimento quando o contrato se manteve durante determinado prazo, após a sua verificação, ou após o seu conhecimento pelo empregador.


Consta do ponto 13. da nota de culpa: “Em data não concretamente apurada, mas certamente antes de 1 de Janeiro de 2017, com periodicidade diária e até a presente data, (…)”. Qual data? Porquê “certamente antes de 1 de Janeiro de 2017”? Quando é que a Ré tomou conhecimento da(s) alegada(s) infracção(ões) por parte do Autor? Não se sabe, mas era importante que a Ré tivesse alegado tal facto, já que entre 1 de janeiro de 2017 e o início do procedimento disciplinar, em 14 de Maio de 2021, decorreram quase 4 anos e meio!


Na verdade, mantendo-se o contrato durante determinado prazo após a suposta infracção, a crise contratual não chegou, afinal, a desen­cadear-se ou, em todo o caso, tem-se por sanada pelo decurso do tempo [nos termos do artigo 329.º, n.º 1 do CT, “O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infracção, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime”] ou pela ausência de reacção “imediata” (isto é, durante certo período) da entidade com competência disciplinar [caducidade do procedimento disciplinar - artigo 329.º, n.º 2 do CT – 60 dias após o conhecimento da infracção pelo empregador] ou, no mínimo, considera-se mitigada em termos de já não justificar a ruptura do contrato quando a falta de reacção durar mais de 30 dias [ver artigos 352.º - não mediando mais de 30 dias entre a suspeita da existência de comportamentos irregulares e o início do inquérito, nem entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa - e 357.º, n.º 1 - 30 dias para proferir a decisão de despedimento do empregador -].


Assim sendo, a falta das concretas datas dos alegados comportamentos do Autor tornou impossível a sua defesa, com a invocação, por exemplo, das excepções de prescrição ou de caducidade, referidas supra, e impede o Tribunal de estabelecer o tal nexo cronológico entre os alegados comportamentos do Autor e a impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho.


Mas se a matéria descrita na nota de culpa está situada no tempo, unicamente no ponto 13 e de forma imprecisa, também é vaga e genérica ou conclusiva no que, em concreto, respeita ao Autor AA.


No ponto 2. da nota de culpa consta que o Autor tem “a categoria profissional de Condutor M... no Parque de Madeiras do Complexo ...”.


No ponto 9.: “Cada equipa de turno é constituída por um Supervisor de Turno com a atribuição de controlo de toda a zona de recepção de madeiras, por dois elementos na recepção de madeira com atribuições para a pesagem (inicial e da tara) e inspecção visual da carga quando entra no recinto, por cerca de 4 a 5 operadores de máquinas e aparelhos de elevação e transporte (“M...”).


No ponto 10.: “Os recepcionistas são os principais responsáveis por verificar a qualidade da matéria-prima e a aplicação de descontos, sendo que estes são apoiados pelo Supervisor.”.


No ponto 11.: “Os operadores M... verificam o tipo de produto, retiram amostras de madeira, procedem à medição de densidade em tanque e à descarga das viaturas. Esta é realizada em mesas de descarga pela mesma equipa de Operadores M... da preparação de madeiras, processada em linhas de transformação e conduzida por operadores de preparação de madeiras desde a descarga até à trituração.”


No ponto 12.: “Os trabalhadores da NVG estão obrigados por protocolo laboral da empresa a realizar os procedimentos seguintes:


(i) O Operador M... para proceder à medição da densidade é identificado quando realiza o login com o seu username no sistema informático.”.


No ponto 13., o Autor está incluído: (i) nos “colaboradores com funções na recepção e pesagem, nomeadamente, o Trabalhador Arguido,”; (ii) nos “trabalhadores com funções de controlo e medição das cargas recebidas (particularmente, os trabalhadores (…) AA, (…); (negrito nosso)


E o ponto 13. termina: “o operador de Recepção de Preparação de Madeiras (…), e os Supervisores de turno (…), formularam e concretizaram, entre si, o propósito de possibilitar e aceitar o recebimento de cargas de madeira que, em condições normais, seriam recusadas (de acordo com as regras e procedimentos da NVG), a troco de contrapartidas pecuniárias solicitadas e entregues pelos fornecedores acima identificados.


No ponto 14.: “As referidas contrapartidas monetárias eram entregues directamente pelos fornecedores aos Supervisores de turno ou aos Operadores M... que se encontravam de serviço no local de medição de densidades.


Afinal, quais as concretas funções que o Autor exercia no Parque de Madeiras do Complexo ...? “Recepção e pesagem”? “Controlo e medição das cargas recebidas”? “Condutor M...”? Neste contexto, não é possível uma concreta resposta.


E atento o teor dos pontos 12. e 14 da nota de culpa, o Autor tinha o “seu username no sistema informático” da Ré? Também não se sabe.


Impõe-se, então, perguntar: tendo o Autor a categoria profissional de Condutor M... no Parque de Madeiras do Complexo ..., qual a sua intervenção, directa ou indirecta, na pesagem e verificação da qualidade da madeira recepcionada no referido Parque de Madeiras e na recepção das contrapartidas pecuniárias entregues pelos fornecedores?


No que se relaciona com o Autor, também nada se encontra concretizado na nota de culpa sobre tais matérias.


Além disso, também em ponto algum da nota de culpa se identifica quando, onde e como o Autor, na qualidade de “Condutor M...” ou outra, recebeu contrapartidas monetárias indevidas e, ainda mais relevante, quais os valores assim auferidos.


Em resumo: no que ao Autor AA importa, não só toda a matéria da nota de culpa não está situada no tempo, como também é vaga, genérica ou conclusiva na sua globalidade.


IV - Decisão


Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem esta Secção Social julgar o recurso de revista improcedente e confirmar o acórdão recorrido.


Custas a cargo da Ré.


Lisboa, 08 de maio de 2024


Domingos José de Morais (Relator)


José Luís Ramalho Pinto


Júlio Manuel Vieira Gomes