Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | HELDER ROQUE | ||
Descritores: | ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA FACTOS ESSENCIAIS ÓNUS DA PROVA DEFESA POR IMPUGNAÇÃO DEFESA POR EXCEPÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 04/29/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO E DE APRESENTAÇÃO DE COISAS OU DOCUMENTOS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS. | ||
Doutrina: | - Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, III, 1981, 295, 296 e 299. - Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª edição reelaborada, Almedina, 2006, 499 e 500. - Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III Volume, 1970, 343, 348 a 350; IV Volume, coligidas e publicadas por J. Simões Patrício, J. Formosinho Sanches e Jorge Ponce de Leão e revistas pelo Professor, Atlântida, Coimbra, 1968, 122. - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, Almedina, 320 e 321 e nota (305), 324 e 325; Das Obrigações em Geral, I, 10ª edição, revista e actualizada (reimpressão), Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2003, 482 e 483, nota (1). - Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, 455. - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 126 e 127, 129 e nota (1). - Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª edição, revista e aumentada, Almedina, Coimbra, Outubro de 2001, 458, nota (2). - Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, reimpressão, 1990, AAFDL, 56 e nota (568). - Palandt/Thomas, Bürgerliches Gesetzbuch, C. H. Beck, 44. neubearb. Auf., München, 1985, 842, 8), alínea c). - Pereira Coelho, O Enriquecimento e o Dano, Separata da RDES, 27 e 42 e ss.. - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1987, 455 e 456. - Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1997, 200. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 282.º, 342.º, N.ºS 1,2 E 3, 346.º, 473.º, N.ºS1 E 2, 474.º, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 571.º, N.º2, 1.ª PARTE, 576.º, N.º3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 22-01-2004, Pº Nº 03B1815, WWW.DGSI.PT; -DE 17-10-2006, Pº Nº 06A2741, WWW.DGSI.PT; -DE 14-10-2010, Pº Nº 5938/04.3TCLRS.L1.S1; DE 28-10-1993, Pº Nº 083871, WWW.DGSI.PT; DE 24-4-1985, BMJ Nº 346, 254. | ||
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Sumário : | I - Para que se constitua uma obrigação de restituir fundada no enriquecimento, não basta que uma pessoa tenha obtido uma vantagem patrimonial, à custa de outrem, sendo ainda necessário que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, quer porque nunca a houve, por não se ter verificado o escopo pretendido, ou, porque, entretanto, deixou de existir, devido à supressão posterior desse fundamento, quer, finalmente, porque é inválido o negócio jurídico em que assenta. II - O eixo diretriz da definição da ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial tem a ver com a correta ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema jurídico, de modo que, de acordo com a mesma, se o enriquecimento deve pertencer a outra pessoa, carece de causa justificativa. III - A diretriz genérica da distinção entre a negação motivada e a defesa por exceção consistem em que aquela pressupõe a aceitação parcial dos factos alegados, negando-se sempre a realidade do facto constitutivo, enquanto que, na última, o facto constitutivo não é negado, mas, tratando-se de factos impeditivos, tão-só, se alegam outros que, segundo a lei, infirmam os seus efeitos, no próprio ato do seu nascimento. IV - A negação motivada não envolve para quem a faz o ónus da prova dos factos que a constituem, sob pena de colocar o réu em posição mais desfavorável do que acontece na negação simples, em que lhe não pertence o respetivo ónus da prova. V - A falta originária ou subsequente da causa justificativa do enriquecimento assume a natureza de elemento constitutivo do direito, pelo que, entregue uma quantia a uma pessoa e não tendo esta efetuado a restituição dessa importância, a simples prova da entrega não pode servir de fundamento para pedir a sua restituição, cabendo antes ao autor do pedido de restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da prova dos respetivos factos integradores ou constitutivos, incluindo a falta de causa justificativa desse enriquecimento, mesmo em caso de dúvida, cujo incumprimento se resolve em seu desfavor. VI - Quando a ação de enriquecimento sem causa se funda na circunstância de ter sido recebida, indevidamente, determinada importância, o autor (empobrecido) precisa de demonstrar, não que não existe qualquer causa, sela ela qual for, para a prestação, mas sim que aquela ou aquelas que foram alegadas pelo réu (enriquecido), alegadas, e não, necessariamente, provadas, não existem. VII - Não tendo o autor demonstrado o fundamento principal do pedido de restituição, por enriquecimento sem causa, decorrente da realização de um negócio usurário, mas, também, que não existe a causa da deslocação patrimonial invocada pelo réu, embora este, igualmente, a não tenha provado, improcede o consequente pedido de restituição, por enriquecimento sem causa. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB e marido, CC, todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a restituir à autora a quantia de €40000,00, acrescida de juros de mora, a partir da citação e até integral pagamento. Alega, para tanto, em síntese, como fundamento do pedido, que viveu, maritalmente, com DD, até ao falecimento deste, a 11 de agosto de 2010, que liderava todos os contactos com os bancos, seguradoras e entidades afins, enquanto que a autora tratava de toda a lide e de todos os assuntos inerentes à casa. Com a morte do companheiro, a solidão, acrescida com problemas de saúde, fragilizaram-na, sob o ponto de vista psicológico e anímico, tendo-se os réus insinuado, junto da autora, aproveitando-se da situação de carência e da fragilidade emocional do momento, e passaram a acompanhá-la, inteirando-se do dinheiro que a mesma tinha, em várias instituições. Confiava, então, cegamente, nos réus, que procuraram incutir-lhe medo quanto à segurança dos seus bens, e convenceram-na a pegar em todo o dinheiro que tinha em casa, isto é, €42000,00, e a depositá-lo numa conta que a instruíram a abrir, na agência de ... do BCP, assim o salvaguardando do interesse e acção dos ladrões, sendo certo que, mais tarde, se veio a aperceber que €40000,00 daqueles €42000,00, tinham sido depositados, na conta dos réus, em vez de o terem sido, na conta da autora, mas sem que tivesse conhecimento ou consciência de tal depósito na conta daqueles. Na contestação, os réus concluem pela improcedência da acção, pedindo a condenação da autora como litigante de má fé, alegando, em suma, que os referidos €40000 lhes foram doados pela autora, como reconhecimento e agradecimento pela ajuda prestada na resolução de várias situações, junto dos bancos, CTT e outras instituições afins, e pela companhia que lhe fizeram, quer em vida, quer após a morte do companheiro, e que, só após desentendimentos havidos entre a ré e a empregada da autora é que esta manifestou arrependimento na doação que havia feito aos réus. Na réplica, a autora conclui nos termos da petição inicial e pela improcedência do pedido de condenação por litigância de má fé. A sentença julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os réus do pedido, absolvendo, igualmente, a autora do pedido de condenação como litigante de má-fé. Desta sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação, na parcial procedência da apelação, decidido alterar a matéria de facto, conforme se indica em II. 2. g), supra, mantendo-se, no mais, o decidido, embora com diferente fundamentação. Do acórdão da Relação de Coimbra, a autora interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, julgando-se a acção, procedente por provada, e condenando-se os réus no pedido, ou seja, a restituir à autora o montante de €40.000,00 (quarenta mil euros), acrescido dos juros que se venham a contar, desde a citação e até integral pagamento, apresentando as seguintes conclusões que se transcrevem, integralmente: 1a - O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto no art°. 671° n°. 3 "a contrário" do C. P. Civil, e é admissível, uma vez que o Acórdão da Relação de Coimbra de fls. 345 a 354 verso, proferido a 14/01/2014, embora decidindo alterar a matéria de facto nos termos referidos em II.2.g. daquela peça (não dando como provada a existência da doação), manteve, no mais, embora com diferente fundamentação, a decisão de primeira instância que absolveu os RR./ Recorridos dos pedidos contra eles deduzidos. 2a - O Tribunal de 1a Instância, na Sentença então proferida, fez assentar a sua convicção e decisão na existência de um acto de doação que a Autora teria feito aos RR. ... e desenvolveu a respectiva fundamentação, argumentação e decisão nessa vertente, com suporte no art°. 940° n°. 1 do C. Civil, concluindo que «Provou-se que o dinheiro (€ 40.000,00) foi depositado na conta dos RR. por vontade explícita da Autora que dele quis fazer doação a estes». 3ª - Uma vez alterada a decisão de facto, dando-se como não provada a matéria do quesito 47°, levada à al. 11) dos factos provados (ou seja não provada a existência de doação), deixou em absoluto de ter suporte a sentença de Primeira Instância que decidira pela absolvição dos RR. com fundamento na existência de uma doação que a Autora lhes teria feito. 4a - É, assim, face à alteração da matéria de facto, inadmissível a inflexão que o Acórdão Recorrido faz, para manter a decisão de absolvição de Primeira Instância, agora com fundamento na falta de demonstração do Enriquecimento sem Causa por banda dos RR. 5a - A este propósito o Acórdão revidendo apenas deu como provada a matéria das als. h) e cc) dos factos provados, referindo que foram depositados na conta dos RR. (ou da Ré), €40.000.00 (quarenta mil euros) que pertenciam à Autora. 6a - Da matéria levada aos factos provados d), e), s), f), g), p), q), r), t), u), v), w), x), y), z), aa), bb), cc), ee), ff), gg), hh), ii) e kk), decorre linearmente que a Autora tinha largas somas de dinheiro depositadas em instituições bancárias francesas, na própria casa e ainda depósitos em instituições bancárias portuguesas e aplicações financeiras, e que o DD (finado companheiro da Autora) deixou como herdeiros a esposa EE e sete filhos, pelo que com o óbito daquele, a Autora ficou bastante preocupada e apreensiva uma vez que nunca houve qualquer entendimento entre esta e os filhos do DD e a Autora não pretendia partilhar com os Herdeiros daquele os montantes existentes nas contas conjuntas com o mesmo quer nos bancos, quer nos correios. 7a - Os RR. conheceram a Autora e o companheiro DD, ainda em vida deste, através da empregada destes, FF e, após o óbito do DD, o Réu acompanhou a Autora a França para transferir o dinheiro ali existente em instituições bancárias para Portugal e a Autora pagou-lhe esses serviços. 8a - A partir do momento em que faleceu o DD, os RR. aproximaram-se mais da Autora, e moveram-lhe um assédio constante para que esta abrisse uma conta no Millennium BCP de ..., e juntasse aí todos os dinheiros que tinha em Portugal (em depósitos, títulos, ou em casa). 9a - Para o efeito os RR. deslocaram-se com a Autora à Agência do Millennium BCP da ... (onde a Autora já tinha conta) e aos Correios de ... (onde esta detinha títulos de aforro), ficando inteirados do dinheiro de que esta dispunha, e depois levaram-na (à Autora), que foram buscar à sua casa, e conduziram-na em Agosto de 2010 à Agência do Millennium BCP de ... para que ela abrisse aí uma conta solidária com a Ré (como alegadamente pretendia), sendo que os RR. já detinham contas abertas naquela dependência bancária onde ambos eram conhecidos. 10a - A Autora não tinha quaisquer laços, interesses ou contactos no Millennium BCP de ..., pelo que, embora abrindo ali uma conta em seu nome (e não conta solidária em seu nome e da Ré), não a utilizou, como resulta, para além do mais, dos factos provados t), bb) e cc) parte final. 11a - E facto que foram depositados na conta dos RR., ou na conta da Ré [als. h) e cc)], domiciliada em ..., €40.000,00 que pertenciam à Autora ... Mas, de toda aquela matéria, não resultou provado que a Autora, de consciente e livre vontade, como reconhecimento e agradecimento pela ajuda prestada na resolução de várias situações junto dos bancos, CTT e outras instituições afins, e pela companhia que lhe fizeram quer em vida, quer após a morte do companheiro DD os pretendesse gratificar, entregando-lhes a quantia de €40.000,00 ... Não se provou, assim, qualquer intenção da Autora de que a quantia depositada na conta do Millennium BCP de ..., fosse destinada aos RR., e lhes ficasse a pertencer ... Nem que esta (Autora) tivesse manifestado uma tal intenção ... Como também não ficou provado que os RR. tivessem feito qualquer declaração de aceitação daquela quantia nesse sentido (note-se que não houve nem se provou a doação). 12a - A factualidade tida por provada, por contraponto com a não provada, demonstra, de forma inequívoca, que houve uma deslocação patrimonial avultada da esfera de direitos da Autora para a dos RR., que não se reconduz a qualquer doação ... Pelo que sempre se mostraria verificado o enriquecimento sem causa dos RR., que beneficiaram de um acréscimo patrimonial à custa do correlato empobrecimento do património da Autora (A Autora ficou empobrecida no seu património pelo valor da quantia que depositou na conta dos RR. no Millennium BCP, enquanto estes ficaram enriquecidos pelo menos nesse montante, porquanto ficaram a ter na sua disponibilidade uma quantia que não lhes pertence) ... Tudo a determinar a condenação dos RR. a restituir à Autora, com fundamento no Instituto do Enriquecimento sem causa, a quantia que esta lhes entregou nos termos referidos supra e que resultam da factualidade tida por provada. 13a - O Autor que intenta acção fundada em enriquecimento sem causa não tem de provar um efectivo empobrecimento, bastando-lhe invocar e provar que aquele enriquecimento ocorreu à sua custa e carece de causa justificativa, e a Autora, face à factualidade tida por provada e levada ao Acórdão de fls. 345 a 354 verso, após alteração da matéria de facto, dando como não provado o quesito 47° da B.I. (aPU) da matéria de facto, fez prova daquela situação de enriquecimento dos RR. à sua (da Autora) custa, cumprindo o ónus que para ela decorre do art°. 342° do C. Civil. 14a - Tendo-se provado a existência da deslocação patrimonial em favor dos RR., que a mesma foi suportada pela Autora, e que esta não quis proceder à doação de tal montante, dúvidas não restam de que inexiste um suporte legal ou convencional que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o provado enriquecimento do património dos RR., à custa do correspondente empobrecimento do património da Autora, concluindo-se portanto que tal enriquecimento não tem qualquer causa justificativa, irrelevando para tal efeito que a Autora tenha acompanhado os RR. até ao Millennium BCP de ... e aí tenha sido depositado, na conta dos RR., €40.000,00 (quarenta mil euros) de importâncias que lhe (à Autora) pertenciam. 15a - A verdadeira função do Instituto do Enriquecimento sem causa é a de reprimir o enriquecimento injustificado, quando o valor patrimonial em questão não deve pertencer àquele que dele beneficia mas ao prejudicado, conduzindo a soluções que chocam o comum do sentimento de justiça, mas não o de compensar os eventuais danos sofridos pelo empobrecido, pelo que, tendo a Autora fixado no valor de €40.000,00 (quarenta mil euros) a diminuição do seu património é a esta que o Tribunal tem de atender por força dos limites da condenação previstos no citado preceito legal (cf. Ac. STJ. de 14/07/2009, Revista n°. 370/09.5YFLSB - Ia Secção, in www.STJ.pt. Sumários de Acórdãos). 16a - O enriquecimento carecerá de causa justificativa sempre que o direito não o aprove ou consinta, dado não existir uma relação ou um facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida, isto é, que legitime o enriquecimento [cf. Prof. I. Galvão Telles, in "Direito das Obrigações", 3a Ed. pág. 132; Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", vol. I, 10a Ed., págs. 470 e ss., pág. 487; Ac. STJ. de 14/01/72 (Bol. 213, 214)]. 17a - Estão provados nos Autos os requisitos do art°. 473° do C. Civil, ou seja, a existência de um enriquecimento dos RR. (obtiveram um depósito de € 40.000.00 na sua conta) à custa de outrem (esse dinheiro foi obtido à custa do património da Autora). 18a - Para este enriquecimento não houve causa justificativa, o que se mostra provado, já que emerge dos factos que a deslocação patrimonial para a esfera dos RR. se fez à custa da Autora e também que a mesma não pretendeu efectuá-la por espírito de liberalidade. Conclui-se, assim, pela falta de causa no enriquecimento que os RR. não conseguiram contrariar, já que receberam resposta negativa ao quesito da Base Instrutória (quesito 47°) que a esta matéria se reportava [cf. Acs. do STJ. de 14/10/2010 (P. 5938/04.3TCLRS.L1.S1); de 28/10/1993; de 17/10/2006 - 06A2741; de 22/01/2004 in 03B1815; de 24/04/1985 (P. 72541)]. 19a - No caso dos Autos, para além de não provada a existência de qualquer doação, não se mostra também provada a intenção da Autora de entregar fosse a que título fosse aos RR. a quantia de €40.000.00, não se mostra provada a aceitação dos RR. relativamente a entrega de uma tal importância, nem resulta demonstrada, nem provada, qualquer outra causa que justifique tal deslocação patrimonial da Autora para os RR., sendo que os serviços prestados pelos RR. à Autora esta pagou-os, como emerge da resposta ao quesito 13°, levada à als) dos factos provados ... Pelo que aquela deslocação patrimonial não tem qualquer justificação, ou fundamento material, ou de direito (cf. neste sentido o Ac. RC. de 13/11/2012, no Proc. n°. 3354/05.9TBAGD.C2 - Apelação 1a - 2a Secção). E, no âmbito dos mesmos Autos, Ac. STJ. de 29/01/2014, no Proc. n°. 3354/05.9TBAGD.C2.S1 - Revista Tª Secção. 20a - Ao decidir nos termos do Acórdão ora objecto de recurso, o Tribunal "A Quo " violou o disposto nos art°s. 342° n°s. 1 a 3; 473° n°s. 1 e 2, ambos do C. P. Civil. Os réus não apresentaram contra-alegações. O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Novo Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz: 1. DD faleceu, a 11 de agosto de 2010, no estado de casado com EE - (A). 2. O falecido DD vivia, maritalmente, com a autora, à data do seu falecimento, numa casa situada em ..., ..., ... - (B). 3. Após o falecimento do DD, a autora ficou a viver, sozinha, na referida casa de ... - (C). 4. A autora, em 2010, tinha dinheiro depositado, em instituições bancárias francesas, largas somas de dinheiro, na própria casa, e, ainda, depósitos em instituições bancárias portuguesas e aplicações financeiras - (D). 5. O réu acompanhou a autora numa deslocação que esta fez a França, com a finalidade de transferir dinheiro depositado em instituições bancárias francesas para Portugal - (E). 6. A autora transferiu a importância de €15000,00 de uma instituição bancária francesa para a agência de ... do Millennium BCP, onde a autora tinha conta aberta - (F). 7. A autora abriu uma conta, em seu nome, na agência de ... do Millennium BCP - (G). 8. Foram depositados na conta dos réus, na agência de ... do Millennium BCP, €40000,00 que pertenciam à autora - (H). 9. A autora participou, criminalmente, contra os réus, junto dos Serviços do Ministério Público de ..., pela prática de um crime de burla, previsto e punido, pelo artigo 217º, do C. Penal - (I). 10. Esta participação deu origem ao processo de inquérito n.º 148/10.3T3ALB, no qual foi proferido despacho de arquivamento - (J). 11. A autora e o DD conheceram-se em França - (1º). 12. Com o tempo, o casal solidificou as suas relações de dependências pessoais, passando a viver, exclusivamente, um para o outro - (2º). 13. Cortando ou adormecendo os laços que tinham com os amigos de cada um deles - (3º). 14. A autora tratava de toda a lide e de todos os assuntos inerentes à casa - (4º). 15. O DD liderava todos os contactos com os bancos, seguradoras e entidades afins, ainda que sempre acompanhado e com o apoio da autora - (5º). 16. A autora ficou abalada e perturbada com a morte do DD - (6º). 17. Os réus passaram a acompanhar, frequentemente, a autora, após a morte do DD, dizendo-lhe que a iam ajudar e proteger - (7º e 9º). 18. Os réus aconselharam a autora a reunir num único Banco todos os depósitos que tinha em Portugal. (12º e 14º). 19. A autora deu ao réu, para pagamento da deslocação referida em II. 1. e) e respectivas despesas, € 2900 - (13º). 20. Os réus sempre se ofereceram para acompanhar e ajudar a autora em tudo o que fosse necessário - (15º). 21. No período que se seguiu ao decesso do DD, a autora confiava nos réus e estes passaram a acompanhá-la com frequência - (16º). 22. A autora deslocou-se com os réus à agência de ... do Millennium BCP - (17º). 23. A autora deslocou-se com o réu aos correios de ... com o intuito de a autora proceder ao resgate dos certificados de aforro ali existentes e titulados em nome da autora - (18º). 24. Os réus ficaram, assim, inteirados do dinheiro que a autora tinha naquelas instituições - (19º). 25. Os réus[2] foram buscar a autora a sua casa, num dia de agosto de 2010, e conduziram-na à agência de ... do Millennium BCP, onde a autora pretendia abrir uma conta bancária solidária com a ré - (22º). 26. Os réus já tinham contas abertas naquela dependência bancária onde ambos eram conhecidos - (23º). 27. A autora[3] não tinha quaisquer laços, interesses ou contactos em ... - (24º). 28. Os funcionários da agência de ... do Millennium BCP, a pedido da autora, fizeram diversas operações na conta bancária que a autora já tinha domiciliada, na agência de ... do referido Banco, designadamente, a requisição de um livro de cheques, a subscrição de um cartão de crédito e a contratação de um seguro de saúde e de um seguro contra incêndios - (25º). 29. A autora pegou em todo o dinheiro que tinha em casa - € 42 000 -, e deslocou-se, novamente, acompanhada pelos réus, à agência de ... do Millennium BCP. Aí depositou €40 000, na conta bancária da ré, e €2 000, na conta bancária que a autora possuía, na agência de ... do Millennium BCP - (27º e 28º). 30. A autora solicitou, na sucursal de ... do BCP, que a ré passasse a ser a beneficiária de um “PPR” feito pela autora, em caso de morte desta - (31º e 32º). 31. Os réus conheceram a autora e o seu companheiro DD, através da empregada destes, FF - (37º). 32. Autora e réus conheceram-se ainda em vida do DD - (38º). 33. O companheiro da autora, DD, deixou como herdeiros a esposa, EE, e sete filhos - (39º). 34. Situação que deixou a autora bastante preocupada e apreensiva, uma vez que nunca houve qualquer entendimento entre esta e os filhos do falecido DD - (40º). 35. A autora e o falecido DD tinham depósitos bancários, em contas conjuntas, até cerca de três meses antes do falecimento deste - (41º). 36. A autora não pretendia partilhar com os herdeiros do falecido DD os montantes existentes nas contas conjuntas com aquele, quer nos bancos quer nos correios - (42º). 37. O dinheiro existente em França rondava os €220 000 - (46º). 38. A autora nasceu a … de junho de 19…, e foi registada como filha de GG e de II - (doc. fls. 87).
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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir. As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, consiste em saber a quem cabe o ónus da prova da falta de causa justificativa da deslocação patrimonial e quais as consequências da sua inobservância.
DO ÓNUS DA PROVA DA FALTA DE CAUSA JUSTIFICATIVA DA DESLOCAÇÃO PATRIMONIAL. CONSEQUÊNCIAS.
1. Defende a autora que se provou a existência de um enriquecimento dos réus, à custa do património daquela, em relação ao qual não se verificou qualquer causa justificativa, porquanto a autora não pretendeu efectuar a deslocação patrimonial, por espírito de liberalidade. A obrigação de restituir fundada no injusto locupletamento, à custa alheia, pressupõe a verificação simultânea de três requisitos, que o artigo 473º, nº 1, do Código Civil (CC), enumera, como sendo o enriquecimento obtido por alguém, que este seja alcançado, à custa de quem requer a sua restituição, e que o mesmo seja desprovido de causa justificativa. O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem, de carácter patrimonial, susceptível de ser encarada sob dois ângulos, ou seja, o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida, e o do enriquecimento patrimonial, que reflete a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido, e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado[4]. Por seu turno, a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem, de modo especial, por objecto o que for, indevidamente, recebido, ou o que for recebido, por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou, de acordo com o preceituado pelo nº 2, do já citado artigo 473º, do CC, que exemplifica diversas hipóteses de carência de causa e consagra, assim, outras tantas modalidade de enriquecimento à custa de outrem. Na verdade, para que se constitua uma obrigação de restituir fundada no enriquecimento, não basta que uma pessoa tenha obtido uma vantagem patrimonial à custa de outrem, sendo ainda necessário que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, quer porque nunca a houve, por não se ter verificado o escopo pretendido [condictio ob causam futuram] ou, porque, entretanto, deixou de existir, devido à supressão posterior desse fundamento [condictio ob causam finitum], quer, finalmente, porque é inválido o negócio jurídico em que assenta[5]. E o enriquecimento carece de causa, quando o Direito o não tolera ou consente[6], porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios jurídicos, justifique a deslocação patrimonial[7], hipótese em que a lei obriga a restabelecer o equilíbrio patrimonial por ele rompido, por não desejar que essa vantagem perdure, constituindo o «accipiens» no dever de restituir o recebido[8]. O eixo diretriz da definição da ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial tem a ver com a correcta ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema jurídico, de modo a que, de acordo com a mesma, se o enriquecimento deve pertencer a outra pessoa, carece de causa justificativa[9]. 2. Resulta da factualidade demonstrada que a autora ficou abalada e perturbada com a morte de DD, ocorrida a 11 de agosto de 2010, com quem vivia, maritalmente, tendo os réus passado a acompanhá-la, frequentemente, a partir de então, pois que viva, sozinha, e confiava neles, dizendo-lhe que a iam ajudar e proteger, em tudo o que fosse necessário. Em 2010, a autora tinha, em instituições bancárias francesas, largas somas de dinheiro, outro, na própria casa, e, ainda, outro, em instituições bancárias portuguesas, para além de aplicações financeiras, tendo os réus aconselhado a mesma a reunir num único Banco todos os depósitos existentes em Portugal. Para este efeito, o réu acompanhou a autora, a expensas desta, numa deslocação a França, com a finalidade de transferir o dinheiro depositado, em instituições bancárias francesas, para Portugal, de que resultou que aquela transferiu a importância de €15000,00 de uma instituição bancária francesa para a agência de ... do Millennium BCP, onde já tinha conta aberta. A autora deslocou-se com o réu aos correios de ..., com o intuito de proceder ao resgate dos certificados de aforro ali existentes e titulados em seu nome, e à agência de ... do Millennium BCP, com ambos os réus, para abrir uma conta, em seu nome, ficando estes inteirados do dinheiro que a autora tinha naquelas instituições. Em agosto de 2010, os réus foram buscar a autora a casa, e conduziram-na à agência de ... do Millennium BCP, onde esta pretendia abrir uma conta bancária solidária com a ré, tendo sido depositados, na mesma agência bancária, onde os réus já tinham contas abertas e eram conhecidos, mas na conta bancária da ré, €40000,00, que pertenciam à autora, solicitando esta, na mesma agência, que a ré passasse a ser a beneficiária de um “PPR” feito pela autora, em caso de morte desta. O companheiro da autora, DD, falecera no estado civil de casado com EE, ficando-lhe a suceder esta e sete filhos, situação que deixou a autora bastante preocupada e apreensiva, uma vez que nunca houve qualquer entendimento entre a mesma e os filhos do falecido DD. A autora e o falecido DD tinham depósitos bancários, em contas conjuntas, até cerca de três meses antes do óbito deste, mas aquela não pretendia partilhar com os herdeiros do seu falecido companheiro os montantes existentes nas referidas contas conjuntas, quer nos bancos, quer nos correios, sendo que o dinheiro existente em França rondava os €220 000,00. 3. A autora fundou o pedido de condenação dos réus na restituição do montante de €40000,00, a título principal, no logro preparado por estes para se apoderarem do mesmo quantitativo, sem que tivesse consciência de que efetuava um depósito na conta daqueles, que se aproveitaram da sua situação de debilidade emocional e psicológica. Não se tendo provado a factualidade indispensável à subsunção da hipótese no tipo legal dos negócios usurários, a que alude o artigo 282º, do CC, resta apreciar o fundamento subsidiário do pedido, assente no enriquecimento sem causa, instituto este que, por si só, reveste essa natureza, atento o preceituado pelo artigo 474º, do mesmo diploma legal. Perante a ilegitimidade do enriquecimento invocada pela autora, os réus não se limitaram a defender-se por mera negação, tendo antes indicado outro motivo ou causa para a deslocação patrimonial verificada a seu favor, ou seja, a celebração de um contrato de doação, por depósito bancário, com o qual a autora quis beneficiar os réus, que o aceitaram. Mas, se não se provou a existência de um negócio usurário, como fundamento principal do pedido, tal como foi alegado pela autora, outrotanto sucedeu quanto à verificação do contrato de doação, por depósito bancário, a favor dos réus, como estes invocaram. No âmbito da teoria geral do processo civil, factos constitutivos são os factos susceptíveis de produzir, segundo a norma jurídica aplicável, o efeito jurídico que a parte pretende obter, enquanto que os factos impeditivos são aqueles que se destinam a determinar a ineficácia jurídica dos factos constitutivos. Efectivamente, o autor só tem de provar o que, na formação do acto jurídico, reveste carácter singular ou anormal, e o réu o que, como facto excepcional, pode obstar a que o acto jurídico produza os efeitos que lhe são próprios, criando-se a favor do autor uma espécie de presunção da existência de tais factos ou condições, com dispensa de efectuar a sua prova, e fazendo-se incidir sobre o réu o encargo de alegar e provar que, no caso concreto, falta algum desses factos. Desde que o autor faça a prova do acto jurídico, beneficia da presunção de eficácia do mesmo, por dever ter-se como provável ou verosímil que o acto está em condições de produzir os efeitos jurídicos que lhe são próprios, mas se essa presunção não é exacta, deve, então, o réu alegar e provar o facto correspondente[10]. Ora, quando os réus alegam que a restituição da quantia pedida pela autora não tem fundamento legal, por se estar em presença de uma importância doada por aquela com a aceitação destes, a sua defesa equivale à dedução de uma excepção ou antes a uma impugnação, através de negação, simples ou motivada, dos factos que servem de fundamento à acção, agora em sede de pedido subsidiário? A questão fundamental que, neste caso concreto, importa dilucidar, contende em saber se o facto é fundamento de excepção, incumbindo ao réu a sua prova, ou antes de impugnação ou negação, em que é o autor que suporta, então, o respetivo ónus da prova, atento o preceituado pelo artigo 342º, nºs 1 e 2, do CC. Assim sendo, urge, desde logo, atender a que cada parte deverá alegar e provar a existência de todos os pressupostos das normas que favorecem e legitimam, legalmente, a sua pretensão[11], ou seja, à norma de direito material que se quer aplicar e à posição das partes em juízo com relação a essa norma, posição caracterizada pelo efeito jurídico que cada uma delas pretende obter[12]. Na negação motivada ou indirecta, aceitando o réu algum elemento do facto visado, apresenta uma versão diversa do mesmo, mas sem que daí possa resultar o efeito jurídico pretendido pelo autor, quando só assim aquela negativa ganhe consistência e credibilidade[13], enquanto que, nas excepções peremptórias, segundo a definição constante do artigo 576º, nº 3, do CPC, o réu invoca factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor. Por outro lado, são factos, tipicamente, impeditivos, os factos susceptíveis de obstar a que o direito do autor se tenha, validamente, constituído, tais como aqueles que correspondem aos motivos legais da invalidade do negócio jurídico, tratando-se de factos, por via de regra, cronologicamente, coincidentes com os factos constitutivos. A diretriz genérica da distinção entre a negação motivada e a defesa por excepção consiste em que aquela pressupõe a aceitação parcial dos factos alegados, negando-se sempre a realidade do facto constitutivo, enquanto que, na última, o facto constitutivo não é negado, mas, tratando-se de factos impeditivos, que aqui interessa relevar, tão-só, se alegam outros que, segundo a lei, infirmam os seus efeitos, no próprio acto do seu nascimento. Assim sendo, a alegação dos réus, no articulado da contestação, segundo a qual é falso que a importância objeto do pedido de restituição teve subjacente um negócio usurário por si empreendido, não pode qualificar-se como contendo factos novos[14], no sentido de factos, cronologicamente, diversos dos articulados pela autora, mas antes que o facto invocado por esta se passou de modo diferente daquele como a mesma o apresenta. Deste modo, não se trata de factos constitutivos de excepção, que deveriam ser alegados e provados pelos réus, mas antes de factos constitutivos de negação motivada, que deveriam ter sido alegados e provados pela autora, sendo certo que a negação motivada não envolve para quem a faz o ónus da prova dos factos que a constituem, sob pena de colocar o réu em posição mais desfavorável do que acontece na negação simples, em que, por força do disposto pelo artigo 571º, nº 2, 1ª parte, do CPC, lhe não pertence o respectivo ónus da prova[15]. 4. Diversamente, quando o autor demonstra que o réu fez sua a quantia entregue, limitando-se este a impugnar a causa da entrega alegada, sem, todavia, indicar nenhuma outra, ainda que aquele não tivesse conseguido provar a causa justificativa do enriquecimento verificado, «in casu», o alegado negócio usurário celebrado com os réus, ao abrigo do qual lhes fez a entrega da quantia que pretende reaver, porque estes não haviam negado a recepção do dinheiro, limitando-se a impugnar a causa invocada pela parte contrária, sem, contudo, indicarem nenhuma outra, já não seria justo nem razoável colocar-se o empobrecido, sobre quem recai o ónus da prova do facto negativo apontado, na posição de, praticamente, ter que eliminar toda e qualquer causa justificativa da transmissão patrimonial operada, teoricamente, pensável, para poder ver acolhida a sua pretensão. 5. Ora, como é óbvio, no presente litígio, os réus não se limitaram a negar, por pura impugnação, a existência da causa alegada pela autora, deduzindo antes impugnação motivada, adiantando qual a concreta relação contratual existente entre as partes que, na sua óptica, legitimaria a deslocação patrimonial questionada, de modo a não poder ser prejudicada pela circunstância de tal relação contratual não ter sido provada, uma vez que recaía, inteiramente, sobre aquela o ónus da prova da ausência de causa justificativa para a deslocação patrimonial operada, enquanto facto constitutivo do seu direito. A falta originária ou subsequente de causa justificativa do enriquecimento assume, no tipo legal do artigo 473.º, a natureza de elemento constitutivo do direito, pelo que, entregue uma quantia a uma pessoa e não tendo esta efetuado a restituição dessa importância, a simples prova da entrega não pode servir de fundamento para pedir a sua restituição, cabendo antes ao autor do pedido de restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da prova dos respectivos factos integradores ou constitutivos, incluindo a falta de causa justificativa desse enriquecimento, mesmo em caso de dúvida, cujo incumprimento se resolve em seu desfavor, atento o disposto pelo artigo 342.º, n.ºs 1 e 3, ambos do CC[16] [17] [18]. É que, cumprindo a autora o ónus da prova da falta de causa do enriquecimento que lhe competia, podiam os réus opor contraprova, a respeito dos mesmos factos, destinada a tornar duvidosa a sua verificação, de forma que, alcançando sucesso, a questão seria decidida contra a autora, de acordo com o preceituado pelo artigo 346º, do CC. Assim sendo, os factos alegados pelos réus não devem ser apreciados senão como decorrendo do exercício do ónus da contraprova, cujo relevo jurídico-processual, apenas, surgiria se a autora houvesse cumprido, o que não aconteceu, o ónus probatório concernente à aludida questão da ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial[19]. Quando a acção de enriquecimento sem causa se funda, como aqui sucede, na circunstância de ter sido recebida, indevidamente, determinada importância, o autor [empobrecido] precisa de demonstrar, não que não existe qualquer causa, seja ela qual for, para a prestação, mas sim que aquela ou aquelas que foram alegadas pelo réu [enriquecido], alegadas, e não, necessariamente, provadas, não existem, porquanto, tratando-se de um facto negativo indefinido, a prova que impende sobre o autor tornar-se-á, mais do que diabólica, pura e simplesmente, impossível, se esta precisão interpretativa não for introduzida na aplicação do artigo 342º, nº 1, do CC. Em face do exposto, quem é colocado perante um pedido de restituição, fundado na ausência de causa da deslocação patrimonial, aduzirá, embora não tenha que provar, as razões que, a seu ver, justificam que a deslocação patrimonial se tenha efectuado e não deva ser desfeita, por ser contrário aos princípios da boa fé que quem recebeu esse montante pecuniário se limite a reconhecer a existência de tal deslocação, sem apresentar qualquer razão justificativa da mesma[20]. Ora, não tendo a autora demonstrado o fundamento principal do pedido de restituição por enriquecimento sem causa, decorrente da realização de um negócio usurário, mas, também, que não existe a causa da deslocação patrimonial invocada pelos réus, embora estes, igualmente, a não tenham provado, improcedem as conclusões constantes da revista.
CONCLUSÕES:
I - Para que se constitua uma obrigação de restituir fundada no enriquecimento, não basta que uma pessoa tenha obtido uma vantagem patrimonial, à custa de outrem, sendo ainda necessário que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, quer porque nunca a houve, por não se ter verificado o escopo pretendido, ou, porque, entretanto, deixou de existir, devido à supressão posterior desse fundamento, quer, finalmente, porque é inválido o negócio jurídico em que assenta. II - O eixo diretriz da definição da ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial tem a ver com a correcta ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema jurídico, de modo que, de acordo com a mesma, se o enriquecimento deve pertencer a outra pessoa, carece de causa justificativa. III - A diretriz genérica da distinção entre a negação motivada e a defesa por excepção consiste em que aquela pressupõe a aceitação parcial dos factos alegados, negando-se sempre a realidade do facto constitutivo, enquanto que, na última, o facto constitutivo não é negado, mas, tratando-se de factos impeditivos, tão-só, se alegam outros que, segundo a lei, infirmam os seus efeitos, no próprio acto do seu nascimento. IV – A negação motivada não envolve para quem a faz o ónus da prova dos factos que a constituem, sob pena de colocar o réu em posição mais desfavorável do que acontece na negação simples, em que lhe não pertence o respetivo ónus da prova. V - A falta originária ou subsequente de causa justificativa do enriquecimento assume a natureza de elemento constitutivo do direito, pelo que, entregue uma quantia a uma pessoa e não tendo esta efetuado a restituição dessa importância, a simples prova da entrega não pode servir de fundamento para pedir a sua restituição, cabendo antes ao autor do pedido de restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da prova dos respetivos factos integradores ou constitutivos, incluindo a falta de causa justificativa desse enriquecimento, mesmo em caso de dúvida, cujo incumprimento se resolve em seu desfavor. VI - Quando a acção de enriquecimento sem causa se funda na circunstância de ter sido recebida, indevidamente, determinada importância, o autor [empobrecido] precisa de demonstrar, não que não existe qualquer causa, seja ela qual for, para a prestação, mas sim que aquela ou aquelas que foram alegadas pelo réu [enriquecido], alegadas, e não, necessariamente, provadas, não existem. VII - Não tendo o autor demonstrado o fundamento principal do pedido de restituição, por enriquecimento sem causa, decorrente da realização de um negócio usurário, mas, também, que não existe a causa da deslocação patrimonial invocada pelo réu, embora este, igualmente, a não tenha provado, improcede o consequente pedido de restituição, por enriquecimento sem causa.
DECISÃO[21]:
Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando o douto acórdão recorrido.
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Custas da revista, a cargo da autora.
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Notifique.
Lisboa, 29 de Abril de 2014
Helder Roque (Relator) Gregório Silva Jesus Martins de Sousa
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