Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00038840 | ||
Relator: | DINIZ NUNES | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SUBORDINAÇÃO ECONÓMICA TRABALHO EVENTUAL TRABALHO OCASIONAL | ||
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Nº do Documento: | SJ199911180002154 | ||
Data do Acordão: | 11/18/1999 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 410/99 | ||
Data: | 03/17/1999 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | MANDADA AMPLIAR A MATERIA DE FACTO. | ||
Área Temática: | DIR TRAB - ACID TRAB. | ||
Legislação Nacional: | L 2122 DE 1965/08/03 BII N1 BV N1 N2 BVII. DL 360/71 DE 1971/08/21 ARTIGO 3 N1 N2. CCIV66 ARTIGO 342 N2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1987/03/20 IN BMJ N365 PAG509. ACÓRDÃO STJ DE 1995/01/25 IN CJSTJ ANOIII TI PAG253. | ||
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Sumário : | Para que exista prestação de trabalho em exploração lucrativa é necessário que ele seja prestado no âmbito de uma actividade lucrativa. A subordinação económica, na falta de contrato de trabalho, fundamenta a existência de um acidente de trabalho. A subordinação económica relaciona-se com a natureza da remuneração, tendo esta de constituir para o trabalhador o seu exclusivo ou principal meio de subsistência. Trabalho ocasional é o trabalho fortuito e de verificação imprevisível; o trabalho eventual é o contingente, indeterminável temporalmente, mas previsível. Qualquer deles só exclui a responsabilidade por acidente de trabalho se for de curta duração, entendendo-se esta como a duração inferior a uma semana. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: - A, patrocinada pelo Ministério Público, intentou no Tribunal do Trabalho de Almada, acção especial emergente de acidente de trabalho, contra B, alegando em síntese: - Ser viúva de C que, no dia 4-4-96, foi vítima de um acidente, quando realizava trabalhos nas instalações da Ré, por contrato com esta celebrado, do qual resultaram lesões que foram causa directa e necessária da sua morte, facto que ocorreu em 9-4-96. - Terminou por pedir que, reconhecendo-se a existência do acidente de trabalho, seja a Ré condenada a pagar-lhe, a pensão anual, vitalícia e actualizável de 640272 escudos, com vencimento em 10-4-96, a quantia de 12635 escudos, a título de indemnização por incapacidade temporária, a quantia de 208667 escudos a título de subsídio de funeral, a quantia de 700 escudos a título de despesas com transportes para deslocações a tribunal e juros vencidos e vincendos até integral pagamento. - Contestou a Ré sustentando, em resumo, não ser responsável pela reparação das consequências do acidente dado que este não é abrangido pelas leis de acidentes de trabalho, considerando que a vítima não estava vinculada à R. por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado, nem estava na dependência económica desta. - Prosseguindo os autos seus regulares termos, após audiência de discussão e julgamento e das respostas aos quesitos, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, decidiu: a) Reconhecer o acidente descrito nos autos como acidente de trabalho; b) Condenar a Ré a pagar à A. a pensão anual, vitalícia e actualizável de 853696 escudos; c) Condenar a Ré a pagar à A. a quantia de 12635 escudos de indemnização por ITA; d) Condenar a Ré a pagar à A. a quantia de 208667 escudos a título de subsídio de funeral; e) Condenar a Ré a pagar à A. a quantia de 700 escudos, a título de despesas com transportes para deslocações a tribunal e f) Condenar a Ré nos juros de mora , à taxa legal, pelas indemnizações e pensão em atraso, vencidas desde 6-4-96 e 11-4-96, respectivamente, até ao momento e nos vincendos até integral pagamento à mesma taxa. - Com esta sentença não se conformou a demandada, interpondo recurso para a Relação de Lisboa que, por acórdão de 17-3-99, o julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida. - De novo inconformada traz a Ré a presente revista em cuja alegação formula as seguintes conclusões: - 1. O sinistrado C era trabalhador independente. - 2. Na execução da obra em que ocorreu o acidente mortal de que foi vítima, trabalhava por conta própria e não tinha horário de trabalho, nem obedecia a ordens, assim como não estava sujeito à fiscalização da R. - 3. No momento do acidente, o estabelecimento da R. encontrava-se encerrado e no local apenas se encontravam um guarda e o sinistrado. - 4. A R. é uma empresa concessionária de veículos automóveis da marca "Citroen", dedicando-se à sua comercialização e reparação, com a finalidade de obter lucros resultantes dessa actividade. - 5. No dia do acidente, o sinistrado encontrava-se a executar uma obra para a R., que consistia no arranjo e desobstrução das calhas inferiores e superiores do portão de entrada das instalações da sede da Ré, por forma a que o mesmo pudesse abrir e fechar convenientemente. - 6. A R. não tem, nunca teve, por objecto a reparação de portões, nem o arranjo e desobstrução das calhas dos mesmos. - 7. O sinistrado, na execução da obra em que foi vítima de acidente mortal, não prestava serviços em actividade que para a R. tivesse por objecto exploração lucrativa. - 8. Se o sinistrado fosse trabalhador por conta da R., ele estaria seguro, como o estavam, ao tempo, todos os trabalhadores desta. - 9. É clamorosamente injusto responsabilizar a R. pelas consequências do acidente, quando, sendo o sinistrado, como era, trabalhador independente, era a ele e não à R. que competia efectuar o competente seguro para o pagamento das prestações por morte em caso de acidente de trabalho. - 10. A partir de 1983, o sinistrado passou a prestar serviços de pedreiro e de canalizador à Ré, com frequência não exactamente determinada, mas inferior a uma vez por mês. - 11. O sinistrado prestava à Ré serviços de pedreiro que também prestava a particulares. - 12. No ano de 1995, fez para a R. pequenos arranjos nos balneários e desentupiu o algeroz. - 13. O acidente ocorreu em 4 de Abril de 1996 e, neste ano o único serviço que o sinistrado prestou à R. foi o relativo à referida obra em que aconteceu o acidente. - 14. O sinistrado, ao tempo do acidente, tinha 65 anos, era trabalhador independente e não foi possível apurar a remuneração mensal que auferia normalmente. - 15. Era reformado por invalidez, desde há cerca de 15 anos. - 16. Tinha tido recentemente um enfarte agudo do miocárdio. - 17. O sinistrado não era trabalhador a tempo inteiro. - 18. Nos serviços que prestava à R. e também a particulares, não ocupava, nem de longe, 6 dias por semana e 52 semanas por ano, nem auferia por dia a retribuição de 8000 escudos. - 19. O tempo que o sinistrado ocupava com esses serviços e o quantum da retribuição não estão determinados nos autos. - 20. A retribuição diária de 8000 escudos ajustada para a obra em que o sinistrado perdeu a vida, não representava a retribuição normalmente recebida por este. - 21. Dos autos não constam os dias de trabalho, nem as correspondentes retribuições auferidas pela vítima no período de um ano anterior ao acidente. - 22. O acórdão recorrido, como a sentença da 1ª instância, violaram o disposto nas Bases II, n. 2, VII, n. 1, alínea a) e XXIII, n. 3 da Lei 2127 e nos arts. 3, n. 1, alínea b) e n. 2 e 49, n. 1, do Decreto 360/71. - Com base nestas conclusões requereu a revogação do acórdão recorrido e da sentença da 1ª instância, ou, assim se não entendendo, pediu que a pensão e demais prestações fossem calculadas com base na retribuição a fixar segundo o prudente arbítrio deste Supremo, mas não superior ao montante do salário mínimo nacional, ao tempo, de 54600 escudos mensais. - Contra-alegou a A., representada pelo Ministério Público, no sentido no não conhecimento do recurso, dado discutir matéria de facto, o que extravasa os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, mantendo-se, por isso, a decisão recorrida. - Neste Supremo o Exmoº Procurador-Geral Adjunto entendeu não se pronunciar sobre o objecto do recurso invocando obediência ao princípio de igualdade de armas. - Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. - Os factos considerados provados pelo aresto recorrido são os seguintes: - 1. A Ré é uma empresa concessionária de veículos automóveis da marca "Citroen", dedicando-se à sua comercialização e reparação, com a finalidade de obter lucros resultantes dessa actividade. - 2. A A. é viúva do sinistrado C e nasceu em 29-10-32. - 3. O sinistrado C estava reformado desde cerca do ano de 1983, recebendo uma pensão mensal que no ano de 1996 se cifrava em 29000 escudos. - 4. A A. é doméstica e o montante mensal da pensão que a vítima auferia era insuficiente para prover ao seu sustento e do seu agregado familiar. - 5. Devido a essa insuficiência o C prestava serviços de pedreiro, serralheiro e canalizador. - 6. No dia 4-4-96, pelas 17,30 horas o C encontrava-se a executar uma obra para a Ré, que consistia no arranjo e desobstrução das calhas inferior e superior do portão de entrada das instalações da sede da Ré, por forma a que o mesmo portão pudesse abrir e fechar convenientemente. - 7. Entre a Ré e o C tinha ficado acordada a remuneração diária de 8000 escudos, por cada dia de trabalho, na execução da obra referida no ponto 6. - 8. Nas circunstâncias de lugar e de tempo especificadas no ponto 6, após ter colocado uma escada, apoiada no portão de entrada, para servir de suporte a uma tábua de pé, que se encontrava a cerca de 2 metros, onde se apoiou, o sinistrado desequilibrou-se e caiu de costas, embatendo com a nuca no pavimento. - 9. Após o acidente o sinistrado foi transportado para o Hospital Garcia de Orta, em Almada, mantendo-se hospitalizado desde o dia do acidente até à data do seu falecimento, que ocorreu no dia 9-4-96. - 10. Como consequência directa e necessária do aludido acidente o sinistrado sofreu hemorragia epidural externa e fractura da base do crânio e do parietal esquerdo, lesões estas que foram causa directa e necessária da sua morte. - 11. A responsabilidade pela reparação das consequências do acidente não se encontrava transferida para qualquer entidade autorizada a realizar seguros de acidente de trabalho. - 12. A Inspecção do Trabalho de Almada autuou a Ré, em virtude desta não ter transferido a responsabilidade do acidente de trabalho sofrido pela vítima para qualquer Seguradora. - 13. A Ré pagou voluntariamente a coima correspondente à infracção que lhe era imputada no auto de contra-ordenação. - 14. O sinistrado foi sepultado no cemitério de Vale Flores, Feijó. Almada. - 15. A Ré não pagou à A. as despesas efectuadas com o funeral do sinistrado. - 16. A A. dispendeu 700 escudos em transportes em deslocações ao tribunal. - 17. A partir de 1983 o C passou a prestar serviços de pedreiro e de canalizador à Ré. - 18. O C prestava à Ré serviços de pedreiro que também prestava a particulares. - 19. No ano de 1995 o C fez pequenos arranjos nos balneários e desentupiu o algeroz para a Ré. - Esta é a factualidade apurada que se tem como assente e à qual o Supremo deve acatamento. - Importa agora apreciar o recurso, sob o ponto de vista jurídico, tendo em conta que o seu âmbito se determine face às conclusões da alegação do recorrente, só abrangendo as questões aí contidas. - Estas questões são as já suscitadas na apelação e que consistem em saber se o acidente que vitimou o sinistrado C se caracteriza ou não como acidente de trabalho e qual a remuneração a ter em conta para cálculo da pensão e demais prestações, caso aquela tenha resposta afirmativa. -O diploma regulador da matéria relativa a acidentes de trabalho é a Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, regulamentada pelo Decreto 360/71, de 21 de Agosto. - De acordo com o n. 1 da Base V, da Lei 2127 é acidente de trabalho o acidente que se verifique no local e tempo do trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho. - Daqui resulta que, para se poder concluir pela existência de acidente de trabalho, se torna necessária a verificação cumulativa de três elementos: um elemento espacial - local de trabalho - um elemento temporal - tempo de trabalho e um elemento causal - nexo de causalidade entre o evento e a lesão. - Dispõe a Base II, no seu n. 1, que têm direito a reparação os trabalhadores por conta de outrem em qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos e o n. 2 estabelece que se consideram trabalhadores por conta de outrem os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado e também, desde que devam considerar-se na dependência económica da pessoa servida, os aprendizes, os tirocinantes e os que, em conjunto ou isoladamente, prestem determinado serviço. - Por sua vez, prescreve o art. 3 do Decreto 360/71: 1. Consideram-se abrangidos pelo disposto no n. 2 da Base II: a) Os trabalhadores, normalmente autónomos, quando prestem serviços em estabelecimentos comerciais ou industriais de terceiros, desde que tais serviços sejam complementares ou do interesse das actividades inerentes aos mesmos estabelecimentos; b) Os trabalhadores que, em conjunto ou isoladamente, prestem serviços remunerados na proporção do tempo gasto da obra executada, em actividades que tenham por objecto exploração lucrativa, sem sujeição à autoridade e direcção da pessoa servida. 2. Quando a lei ou este regulamento não impuserem entendimento diferente, presumir-se-à, até prova em contrário, que os trabalhadores estão na dependência económica da pessoa em proveito da qual prestam serviços. - Nos termos da Base VII, da Lei 2127, são excluídos do âmbito da Lei: a) Os acidentes ocorridos na prestação de serviços eventuais ou ocasionais, de curta duração, salvo se forem prestados em actividades que tenham por objecto exploração lucrativa; b) Os acidentes ocorridos na execução de trabalhos de curta duração, se a entidade a quem for prestado o serviço trabalhos - habitualmente só ou com membros da sua família e chamar para a auxiliar, acidentalmente, um ou mais trabalhadores. - Entendeu a sentença da 1ª Instância que os factos provados permitem concluir que a vítima era, efectivamente, trabalhador por conta da Ré à data do sinistro não porque tivesse celebrado com ela um contrato de trabalho sujeito ao regime do Decreto-Lei 49408, de 24-11-69 mas por haver outorgado um contrato de prestação de serviços, na modalidade de empreitada, tendo o mesmo por objecto a execução da obra descrita no ponto 6 da matéria de facto, mediante a quantia de 8000 escudos por cada dia de trabalho, sendo certo que tal obra só à Ré interessava inserindo-se a mesma na prossecução da sua actividade de comercialização e reparação de veículos automóveis, destinada à obtenção de lucros. Mais considerou estar provado que o referido C se encontrava na dependência económica da Ré. - O aresto impugnado não acatou a qualificação do contrato como de empreitada, inclinando-se antes para um aparente contrato de trabalho subordinado. De qualquer forma, entendeu-se estar perante um acidente de trabalho indemnizável. - Está provado que o infeliz C, reformado com uma pensão mensal de 29000 escudos, prestava serviços de pedreiro, serralheiro e canalizador para compensar a insuficiência da pensão que recebia e assim prover ao seu sustento e do seu agregado familiar. A partir de 1983 o C passou a prestar serviços de pedreiro e de canalizador à Ré, actividade que também prestava a particulares. - No dia do acidente a vítima executava uma obra para a Ré e que consistia no arranjo e desobstrução das calhas do portão de entrada das instalações da sede daquela, por forma a que o mesmo portão pudesse abrir e fechar convenientemente. - Toda a factualidade apurada não nos consente a conclusão de que entre as partes haja sido celebrado um contrato de trabalho desde logo por ausência de prova da subordinação jurídica que é elemento essencial da existência de tal contrato; por outro lado, a matéria fáctica aponta para a conclusão de que o C não se comprometeu a desenvolver uma actividade diligente mas antes à obtenção de um certo resultado, ou seja, o arranjo do portão para que viesse a abrir e fechar convenientemente. - Mas também não parece ter sido outorgado um contrato de empreitada o qual, segundo o art. 1207, do Código Civil, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço. - Com efeito, embora a vítima se tenha vinculado à realização de uma obra e não à prestação da sua actividade, pressupondo-se que o fazia com autonomia e não sob as ordens ou instruções da Ré, devendo apenas respeitar as regras da sua profissão, a verdade é que não foi fixado um preço para a obra, isto é, não se atendeu à quantidade de trabalho, ao tempo de trabalho ou a qualquer outro factor para fixar a retribuição devida pela Ré, tendo antes ficado estipulada a remuneração diária de 8000 escudos. - Assim, encontramo-nos perante um contrato de prestação de serviços aludido no art. 1154, do Código Civil. - Para além dos trabalhadores directamente abrangidos pelo n. 2 da Base II da Lei 2127, pela protecção legal encontram-se ainda abrangidos os trabalhadores referidos nas als. a) e b), do n. 1 do art. 3, do Decreto 360/71. - Afigura-se-nos que o caso dos autos não pode ser enquadrado em qualquer das alíneas deste art. 3, n. 1. - Como diz Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho, pág. 21 "O pressuposto integrador dos trabalhadores referidos no art. 3, no âmbito da protecção infortunística, é a "natureza complementar" ou do "interesse da actividade" da pessoa servida, numa clara situação de alargar a protecção a muitos trabalhadores autónomos ou independentes, que o disposto, por si só, não abrangeria". - Com efeito, nem a vítima trabalhava em estabelecimento comercial ou industrial prestando serviços complementares ou do interesse da actividade inerente ao estabelecimento da Ré, nem era remunerado na proporção do tempo gasto ou da obra executada, em actividade que tenha por objectivo exploração lucrativa. - Na verdade, o conserto de um portão de entrada das instalações da sede da Ré não é inerente ao interesse da actividade desta que consiste na comercialização e reparação de veículos. - Por outro lado, não se pode afirmar que o sinistrado prestava serviços em actividade que tenha por objectivo a exploração lucrativa, pois tal serviço, para ser abrangido no preceito, necessita de ser prestado no âmbito de uma actividade lucrativa, e embora a actividade da Ré se destine à obtenção de lucros, parece-nos seguro que a vítima não se encontrava a trabalhar em qualquer actividade relacionada, intimamente conexa, com a comercialização em reparação de veículos. - Mas não poderá o acidente dos autos integrar-se na segunda parte do n. 2 da Base II da Lei 2127? - Segundo este dispositivo consideram-se ainda trabalhadores por conta de outrem, as pessoas que, em conjunto ou isoladamente, prestem determinado serviço, desde que devam considerar-se na dependência económica da pessoa servida. - A questão está em saber quando é que se pode concluir pela dependência económica do trabalhador acidentado em relação à pessoa a quem se presta serviços. - Para Pedro Romano Martinez, in Acidentes de Trabalho pág. 48, a dependência económica pressupõe a integração do prestador da actividade numa estrutura empresarial e o facto de a actividade desenvolvida não poder ser aproveitada por terceiro. Mas, para este Autor, não se enquadra na noção de dependência económica o facto de o prestador da actividade carecer da importância auferida para o seu sustento ou o da sua família. - Sustenta Cruz de Carvalho, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, pág. 11, que a dependência económica existe quando o trabalhador vive da remuneração do seu trabalho, quando deste deriva o seu exclusivo ou principal meio de subsistência, sendo a respectiva actividade utilizada integral e regularmente por quem a remunera. - Segundo o Acórdão deste Supremo, de 25 de Janeiro de 1995, in CJASTJ, Ano III - Tomo 1 - pág. 253, pode falar-se de dependência económica quando a remuneração do trabalho representa para o trabalhador o seu exclusivo ou principal meio de subsistência. - De harmonia com o Acórdão da Relação de Coimbra, de 17 de Fevereiro de 1987, a dependência económica define-se pelo facto de o trabalhador necessitar para a sua subsistência da remuneração que recebe pelo seu trabalho. - Considerando que a lei não considera indispensável à sua aplicabilidade a existência de um contrato de trabalho, bastando, tão só, a prestação de serviços (ainda que por trabalhador autónomo), mas desde que ocorra uma dependência económica da pessoa servida, verificamos que aquela significa, pois, para a LAT o elemento verdadeiramente integrador no âmbito da protecção legal dos acidentes como de trabalho. - A noção de dependência económica terá assim de ser encontrada no âmbito que a própria lei prevê relativamente ao conceito de trabalhador por conta de outrem o qual, não se prende necessariamente com o de trabalhador subordinado, mas tem a ver com um dos elementos caracterizadores do contrato de trabalho - a retribuição. - Nesta medida poder-se-á afirmar que a subordinação económica no âmbito da LAT tem a ver com a natureza da remuneração do trabalho prestado, naquela que a mesma representa para o trabalhador. - Assim, não será tanto o facto do trabalhador receber uma remuneração do dador de trabalho, mas sobretudo, por essa remuneração constituir para aquele o seu exclusivo ou principal meio de subsistência. - Acolhe-se, deste modo, o conceito de dependência económica perfilhado no citado Acórdão deste Supremo. - Considerou a sentença da 1ª Instância que C se encontrava na dependência económica da Ré visto que, estando reformado desde 1983 e a auferir uma pensão de 29000 escudos no ano da sua morte, que era insuficiente para prover ao seu sustento e do seu agregado familiar, os serviços que prestava para a Ré e começaram a verificar-se a partir de 1983, teriam peso no orçamento familiar daquele. - Por sua vez, o acórdão recorrido, concordando com o expendido na sentença, sustentou a existência da dependência económica não obstante se haver demonstrado que o sinistrado também prestava serviços a outras pessoas. - Tanto a sentença como o aresto impugnado entenderam que bastaria o facto do serviço que a vítima realizava no dia da queda fatídica ser retribuído para se poder considerar aquela dependência económica da Ré. - Dado o acima exposto, não sufragamos esta última posição e face à factualidade apurada não temos elementos para concluir que a actividade a que o falecido se dedicava fosse o seu principal meio de subsistência. Acontece, porém, que cabia à Ré a prova de que o sinistrado não estava na sua dependência económica, atendendo a que o n. 2 do art. 3, do Decreto 360/71 estabelece uma presunção de dependência económica dos trabalhadores à pessoa em proveito da qual prestou serviços. - Alega a Recorrente que o acórdão violou a Base VII, n. 1, al. a), da Lei 2127. - Nos termos deste inciso os acidentes ocorridos na prestação de serviços eventuais ou ocasionais, de curta duração, são excluídos do âmbito da lei, salvo se forem prestados em actividades que tenha por objecto exploração lucrativa. - Serviço eventual ou ocasional é aquele cuja necessidade surge, imprevista e excepcionalmente, em determinada ocasião, não sendo de exigir a sua periodicidade - Carlos Alegre, obra citada, pág. 55 -. - Por sua vez, o Acórdão deste Supremo, de 27-2-91, in BMJ n. 404 pág. 316, ao debruçar-se sobre o trabalho de curta duração, ocasional ou eventual, refere que há prestação de serviços eventuais quando estes se apresentam como contingentes, de inserção temporal indeterminável, ainda que previsíveis e há prestação de serviços ocasionais quando estes sejam fortuitos, de verificação imprevisível. - A curta duração não é definida na lei actual o que parece significar que foi deixada à jurisprudência a sua determinação caso por caso. Neste sentido, vidé Cruz de Carvalho, ob. cit., pág. 58. - E este elemento temporal é fundamental para se poder concluir pela exclusão ou não do direito de indemnização, pois não há equivalência mas complementaridade entre os conceitos de "ocasional" e "curta duração". - Também Tomás de Resende, in Acidentes de Trabalho e Doenças profissionais, defende que a lei terá deixado à jurisprudência o critério de determinação da "curta duração", sendo certo que ela própria não o estabeleceu. - O acórdão deste Supremo, de 20-3-87, in BMJ 365, pág. 509, aceitando no que toca à curta duração, a noção trazida pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12-7-49, considera que é serviço eventual ou ocasional de curta duração o que dure menos de uma semana. - A limitação da lei a serviços de curta duração traduz-se numa circunstância impeditiva do direito invocado pelo que o ónus da prova recai sobre a pessoa a quem os serviços são prestados, nos termos do n. 2 do art. 342, do Código Civil. - Enquanto a A. na petição inicial alegou que se previa que os trabalhos durassem mais do que uma semana a Ré referiu que foi previsto para a execução da obra o tempo de dois dias, no máximo (art. 6, da contestação). Acrescentou que o início dos trabalhos ocorreu no dia 30-3-96 e que estes foram continuados na parte da tarde do dia do acidente, 4 de Abril, ficando inacabada por virtude deste e tendo sido completada por um seu trabalhador que, para o efeito, gastou cerca de 3 horas. Por sua vez, a A. articulou que o sinistrado dava sempre prioridade aos trabalhos que a Ré lhe solicitava, nomeadamente interrompendo os que estava a prestar noutro local e vindo prestá-los à Ré, logo que esta para o efeito o contactava. - Cogita-se que esta factualidade interessa à boa decisão da causa, ou seja, impõe a ampliação da matéria de facto em ordem à melhor decisão possível no plano do regime jurídico aplicável, designadamente a apreciação do acidente no âmbito da Base VII da Lei 2127, uma vez que, não sendo a actividade do sinistrado prestada no âmbito de actividade que tenha por objecto exploração lucrativa, há que apurar se o acidente se pode qualificar como indemnizável, por ocorrido na prestação de serviços não eventuais ou ocasionais de curta duração, pois, na hipótese contrária, não há lugar a indemnização. - Sendo certo que o sinistrado também prestava serviços de pedreiro a outras pessoas torna-se necessário ainda, para uma correcta determinação da retribuição com base na qual, nos termos da Base XXIII da Lei 2127 devem ser calculadas as indemnizações e pensões, ampliar a matéria de facto em termos de se poder fixar a retribuição normalmente auferida pelo sinistrado no período anterior ao acidente. - Nestes termos, acorda-se, ao abrigo do disposto no n. 3 do art. 729, do Código de Processo Civil, em ordenar a baixa do processo à Relação, para ampliação da matéria de facto, julgando-se novamente a causa. - Custas pelo vencido a final se as mesmas vierem a ser devidas. Lisboa, 18 de Novembro de 1999. Diniz Nunes, Manuel Pereira, José Mesquita. |