Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
957/96.4JAFAR.E3.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: SOUSA FONTE
Descritores: ACORDÃO DA RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ADMINISTRAÇÃO DANOSA
TRÂNSITO EM JULGADO
CASO JULGADO
REJEIÇÃO PARCIAL
RECURSO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
PRINCÍPIO DA ADESÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
DUPLA CONFORME
MATÉRIA DE FACTO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 11/26/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE CONCEDIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS NORMAS DO PROCESSO CIVIL - APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO - SUJEITOS DO PROCESSO / PARTES CIVIS / PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL - RECURSOS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no” Novo Código de Processo Civil, 15/16.
- Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, 61.
- Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 52.
- Armindo Ribeiro Mendes ,em “A Regulamentação dos Recursos no Futuro Código de Processo Civil”, texto que lhe serviu de base a uma exposição oral feita no CEJ, em 16.04.2013.
- João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, 118.
- Laurinda Gemas, “o Novo CPC e as Normas Transitórias Constantes da Lei nº 41/2013, de 21.06”, 39 e segs..
- Luso Soares, Direito Processual Civil, 202.
- Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal”, Anotado, 2009, 417.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 48.
- Marco Carvalho Gonçalves, Notas Sobre o Regime Transitório de Aplicação do novo Código de Processo Civil, Cadernos de Direito Privado, nº 44, 26/27.
- Santos Cabral, no “Código de Processo Penal”, Comentado, 2014, 686, citando Germano Marques da Silva.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12.º, 562.º, 837.º, 840.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 671.º, N.º1, 677.º, 684.º, N.º3, 721.º, N.º3, 722.º, N.º 3, 729.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 619.º, N.º1, 628.º, 635.º, N.º4, 674.º, N.º3, 682.º, N.º2.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 4.º, 71.º, 163.º, N.º1, 400.º, N.ºS 2 E 3, 414.º, N.º 2, 420.º, N.º 1, AL. B), 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 129.º, 235.º, N.º1.
D.L. N.º 303/2007, DE 24 DE AGOSTO: - ARTIGOS 5.º, 11.º.
LEI N.º 3/99, DE 13 DE JANEIRO (LOFTJ): - ARTIGO 24.º, N.º1.
LEI N.º 41/2013, DE 26-06. – ARTIGOS 7.º, N.º1, 8.º.
LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO: - ARTIGO 44.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 06.05.2010, Pº Nº 905-U2001.C1.S1.
-DE 22.06.2011, Pº Nº 444/06.4TASEI, DE 15.12.2011, Pº Nº 53/04.2IDAVR.P1.S1, DE 25.01.2012, Pº Nº 360/06.0PTSTB, DE 06.03.2014, Pº Nº 89/01.5IDLSB.L1.S1, DE 10.04.2014, Pº Nº 378/08.8JAFAR.E3.S1 E JURISPRUDÊNCIA NELES CITADA.
-DE 29.10.2013, Pº Nº 1132/03.9TBOBR.C1.S1-1ª SECÇÃO, DE 20.03.2014, Pº Nº 812/07.4TJVNF.P1.S1-7ª SECÇÃO, DE 16.10.2014, Pº Nº 5567/06.7TVLSB.L2.S1-7ª SECÇÃO E DE 21.10.2004, Pº Nº 1857/06.7TJVNF.P1-A.S1-6ª SECÇÃO.
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ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 4/2009, DE 18.02.2009, PUBLICADO NO DR, 1ª SÉRIE, DE 19.03.2009, E EM WWW.STJ.PT .
Sumário :

I  -   No caso dos autos, o Tribunal da Relação, na procedência do recurso então interposto pelo MP, proferiu o acórdão de 31-03-2009, que julgou o recorrente autor de um crime de administração danosa, p. e p. pelo art. 235.º, n.º 1, do CP. Contudo, não lhe aplicou a correspondente pena e ordenou que o processo baixasse à 1.ª instância para esse efeito.
II -  Na sequência deste acórdão e em obediência ao assim decidido, o Tribunal da 1.ª instância fixou a pena em 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período (acórdão de 01-07-2010, pena essa que reiterou em novo acórdão, o de 03-05-2012, depois de o anterior ter sido anulado, pelo acórdão da Relação de 08-08-2011, e que o Tribunal da Relação, em novo recurso interposto pelo arguido, confirmou pelo acórdão de 19-02-2013.
III - Este último acórdão não foi impugnado, nem por via de recurso ordinário nem por meio de reclamação. Consequentemente, transitou em julgado a partir do momento em que se esgotou o prazo para eventual recurso ou reclamação, como decorre do disposto no art. 677.º do CPC61, então vigente, correspondente ao art. 628.º do Código actual.
IV - A questão penal ficou, assim, completa e definitivamente resolvida por aquele acórdão de 19-02-2013 que, por ter transitado em julgado, constitui caso julgado nos precisos termos em que julgou, isto é, ao confirmar a decisão da 1.ª instância, que o recorrente, em função dos factos julgados provados, cometeu o referido crime aí identificado, a que corresponde a concreta pena aí aplicada – art. 671.º, n.º 1, do CPC61 (art. 619.º, n.º 1, do CPC2013).
V -  O recurso não é, por isso, admissível quanto à decisão penal, o que determina a sua rejeição, nos termos dos arts. 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP.
VI - O caso sub judice é o de um pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime o qual, por força do princípio da adesão imposto pelo art. 71.º do CPP, foi deduzido no processo penal aberto em consequência da prática desse mesmo crime.
VII - O pedido da demandante foi deduzido em 04-06-2002 e tem o valor de € 6.000.490,35. O recorrente/demandado, vem condenado a pagar à demandante mais de um milhão e novecentos mil euros, para além de juros e do que vier a ser liquidado quanto às “Situações” A e B.
VIII - O n.º 3 do art. 400.º, introduzido pela Lei 48/2007, de 29-08, cortando com o princípio da adesão e com a doutrina do AUJ 1/2002 dele derivada, veio estabelecer que, mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença/acórdão relativa à indemnização civil – preceito aqui aplicável, de acordo com a doutrina que emana do AUJ 4/2009, de 18-02-2009, publicado no DR, I Série, de 19-03-2009, por o acórdão recorrido ter sido proferido na vigência daquela reforma.
IX - Por força do art. 4.º do CPP, terá de se ter também em linha de conta as normas do CPC que regem sobre a admissibilidade do recurso de revista. Nessa matéria, a legislação processual civil tem sofrido significativas alterações ao longo da vida do processo aqui em apreciação. Actualmente, e desde 01-09-2013, vigora o novo CPC, aprovado pela Lei 41/2013, de 26-06. O Código actual como, de resto, o de 1961, não contém norma de direito transitório geral sobre a aplicação da lei no tempo.
X -  Todavia, a Lei 41/2013 contém uma norma de direito transitório especial, a do n.º 1 do seu art. 7.º, nos termos da qual «aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em acções instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações agora introduzidas, com excepção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente Lei».
XI - É essa precisamente a situação sub judice: (a) a Lei 41/2013 entrou em vigor no dia 01-09-2013; (b) o acórdão do Tribunal da Relação de que o demandado/arguido interpôs recurso foi proferido depois dessa data, em 08-04-2014; (c) o pedido civil sobre que recaiu este acórdão foi deduzido antes de 01-01-2008, concretamente, em 04-06-2002, o mesmo é dizer que a presente acção foi instaurada nesta data.
XII - A generalidade da doutrina e da jurisprudência do STJ parece interpretar aquela regra de direito transitório no sentido de que, em casos como o dos autos, não tem aplicação o regime da dupla conforme, com o que se concorda, pelo que no caso concreto estão preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, na parte cível, estabelecidos pelos n.ºs 2 e 3 do art. 400.º do CPP.
XIII - Contudo, o pedido civil susceptível de ser formulado, por via do princípio da adesão, no processo penal, é o que assenta nas «perdas e danos emergentes de um crime», como resulta da conjugação da norma do art. 129.º do CP com a norma do 71.º do CPP. A causa de pedir é, assim, constituída, nestes casos, pelos factos que integram a infracção criminal.
XIV - No caso vertente, a decisão sobre a questão penal transitou em julgado. Por isso, também os pressupostos de facto da condenação do recorrente pela prática do crime de administração danosa, que incluem naturalmente os valores dos prédios entregues para extinção das dívidas, não possam ser agora questionados e, ainda menos, alterados com vista à pretendida reapreciação da sua condenação no pedido civil. E foram esses os valores que as instâncias usaram para calcular a indemnização a pagar pelo arguido. Formou-se, pois, caso julgado sobre esses valores.
XV - De qualquer modo, ainda que caso julgado não houvesse, o recurso, nesta parte, sempre estaria condenado à rejeição, porquanto a impugnação dos critérios de avaliação dos ditos prédios e os valores que, com base neles, as instâncias lhes fixaram, constitui matéria insusceptível de ser reexaminada em recurso de revista, como decorre do disposto nos arts. 434.º do CPP e 682.º, n.º 2, e 674.º, n.º 3, do CPC2013 (a que correspondem, sem alterações, os arts. 729.º, n.º 2, e 722.º, n.º 3, do CPC61).
XVI - Concluímos, assim, que este segmento do recurso relativo à questão cível tem de ser rejeitado, por não ser admissível. Os valores dos prédios entregues em dação de cumprimento, na data em que os respectivos negócios jurídicos se realizaram estão irrevogavelmente fixados na decisão sobre a matéria de facto que o Tribunal da Relação confirmou.          
Decisão Texto Integral:

           

            Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça.

            1. Relatório

            1.1. O arguido e demandado AA, nascido em ..., foi, juntamente com outros, julgado no processo em epígrafe, do ... Juízo do Tribunal Judicial de ..., com intervenção do tribunal colectivo, pronunciado que estava pela autoria ou co-autoria material de 12 (doze) crimes de burla qualificada e agravada, por apropriação ilegítima de bens do sector cooperativo, p. e p. pelos arts. 313º, 314º, alínea c) e 332º, nº 1, do CPenal, versão original e, actualmente, pelos arts. 217º, 218º, nº 2, alínea a) e 234º, do mesmo Código.

            A demandante/assistente Caixa de Crédito Agrícola Mútua do ..., C.R.L., como sucessora da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ..., C.R.L., aderindo integralmente à acusação deduzida pelo Ministério Público, formulou, em 04-06-2002, fls. 2472, com base nos respectivos factos, pedido de indemnização civil contra o arguido AA e outros, no valor de 6.000.490,35€, correspondentes à soma das diversas parcelas que especificou, acrescidos de juros desde as datas que assinalou.

            1.2. Percurso decisório

            1.2.1. O Tribunal do Círculo Judicial de ..., pelo acórdão de 29.07.2004, fls. 4481/4672, absolveu os Arguidos.

            Depois de ter pedido a correcção deste acórdão e de ter sido proferido o correspondente despacho (fls. 4684), a Assistente/demandante interpôs dele recurso, pedindo o reenvio do processo para novo julgamento (fls. 4703/4715).

            O Ministério Público e três dos Arguidos responderam, pugnando pelo não provimento do recurso (fls. 4762, 4772, 4775 e 4780).

            O Tribunal da Relação de ..., pelo acórdão de 12.04.2005, fls. 4833/5002, concedendo provimento ao recurso, decretou o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do seu objecto, por ter julgado verificados os vícios das alíneas a) e b) do nº 2 do artº 410º do CPP

            1.2.2. Realizado o novo julgamento, o Tribunal da 1ª Instância absolveu o Arguido tanto da parte criminal como do pedido civil – acórdão de 02.05.2008, fls. 7625/7774.

            Desta decisão interpuseram recurso o Ministério Público e a Demandante.

            E o Tribunal da Relação de ..., concedendo provimento ao do primeiro, decidiu, pelo acórdão de 31.03.2009, fls. 7907/8062, alterar a decisão sobre a matéria de facto e «dar como provados os factos atinentes ao elemento subjectivo do tipo» (de administração danosa) – os factos das alíneas A), B) e H) dos “Factos não Provados”. E, «mostrando-se preenchidos quer os elementos objectivos, quer o elemento subjectivo», condenou o Arguido como autor de um crime de administração danosa, p. e p. pelo artº 235º do CPenal.

            Porém, por entender que, «apesar do princípio do conhecimento amplo, não [podia] proceder à fixação da pena, tudo por se estar a cercear ao arguido um grau de recurso», ordenou que o processo baixasse à 1ª Instância para esse efeito[1].

            E, no seguimento deste entendimento, consignou que «não [era] possívelaté à estabilização do objecto do processo –, avançar-se no conhecimento do recurso trazido pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, que a seu tempo, será objecto de apreciação».

            Deste acórdão do Tribunal da Relação interpôs o Arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em 04.05.2009 (fls. 8071/8093), que, todavia, não foi recebido pelo despacho do Senhor Desembargador-relator de 24.09.2009 (fls. 8109).           O Arguido reclamou para o Senhor Conselheiro Presidente deste Tribunal mas viu a reclamação indeferida pelo despacho de 01.02.2010 (fls. 358 do respectivo Apenso).

            1.2.3. Na sequência daquele acórdão do Tribunal da Relação, o Tribunal da 1ª Instância proferiu, em 01.07.2010, fls. 8153/8230, novo acórdão, em que, em obediência ao ali determinado, condenou o Arguido pela prática do aludido crime na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

            Relativamente à “Apreciação do pedido de indemnização”, não se pronunciou, justificando que, «como decorre do douto acórdão do Tribunal da Relação de ..., nesta sede apenas cabe fixar a pena ao arguido (sendo que, aliás, o recurso da assistente, que envolve esta parte, se mostra ainda pendente, nele não podendo este tribunal intervir» (cfr. fls. 8229).

            Foi agora a vez de o Arguido recorrer.

            E o Tribunal da Relação, por acórdão de 08.08.2011, fls. 8347/8349, considerando, em sede de questão prévia, «que a alteração parcial da matéria de facto e a decorrente condenação criminal de um dos arguidos dita necessariamente (ainda que implicitamente) uma nova tomada de posição pela 1ª Instância sobre o pedido de indemnização civil contra ele deduzido», anulou o acórdão recorrido, no segmento “8. Apreciação do pedido de indemnização” para «ser substituído por outro que aprecie e fundamente o pedido de indemnização civil deduzido contra o arguido…» Não se pronunciou, pois, sobre a pena aplicada.

            1.2.4. O Tribunal da 1ª Instância proferiu, então, um novo acórdão, em 03.05.2012, fls. 8379/8459, onde, além do mais:

                        - reiterou a condenação do Arguido em 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela autoria do aludido crime;

                        - condenou-o a pagar à Demandante: (a) €1.987.925,54, acrescidos de juros contados desde a data da notificação do Demandado, à taxa legal comum, até integral pagamento; (b) «a quantia a liquidar posteriormente quanto às situações IX e XX (identificadas na decisão sobre a matéria de facto)»;

                        - absolveu-o «do demais peticionado».

            O Arguido interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação que, pelo acórdão de 19.02.2013, fls. 8569/8604 decidiu:

                        «- não conhecer do recurso em matéria de facto;

                        - no restante, conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Arguido…e, consequentemente,

                                   - manter a sua condenação na pena aplicada;

                                   - declarar a nulidade do acórdão na vertente da fundamentação do pedido de indemnização civil deduzido», com o fundamento essencial de que «o apuramento dos danos correspondentes deveria ter sido feito no acórdão de forma facilmente inteligível, ainda que se tratasse de operação meramente aritmética, atendendo a que as situações provadas em apreciação eram múltiplas e de contornos nem sempre idênticos».

            1.2.5. O Tribunal do Circulo Judicial de ... proferiu novo acórdão, o de 05.09.2013, fls. 8624/8711, em que repetiu[2] a condenação do Arguido em 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela autoria de um crime de administração danosa, p. e p. pelo artº 235º do CPenal e confirmou a sua condenação a pagar à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do ... as quantias constantes do anterior acórdão de 03.05.2012, fls. 8379/8459.

            Deste novo acórdão interpôs o Arguido recurso para o Tribunal da Relação de ... que, pelo acórdão de 08.04.2014, fls. 8754/8800, depois de ter fixado o seu objecto, reconduzindo-o «à vertente cível, para análise da fundamentação que presidiu à fixação do montante indemnizatório (liquidado)», decidiu:

            « negar provimento ao recurso interposto pelo demandado e, assim,

            – manter a sua condenação a pagar à demandante as quantias fixadas a título de indemnização civil».

            1.2.6. Ainda não conformado, o Arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em cujo requerimento declarou que «o recurso abrange toda a matéria decidida a partir do acórdão da Relação de ... datado de 31.03.2009 e os demais que, em conjunto até ao de 08.04.2014 constituem a decisão final da 2ª instância que conhece do mérito da causa» e cuja motivação encerrou com as seguintes conclusões:

            «A. As normas racionais de gestão bancária são enunciados gerais de natureza técnica e científica cuja existência e validade carecem de demonstração.

                B. Assim, para concluir pela violação das regras de gestão bancária racional há que primeiro determinar quais as regras em causa.

                C. A noção de regras económicas de gestão racional não se confunde com o objectivo de minimizar custos e maximizar lucros, sobretudo numa instituição de natureza cooperativa que, por imposição legal referente à sua própria natureza não tem fins lucrativos.

                D. Embora o Arguido AA tivesse o cargo de presidente da direcção da CCAMO, esse cargo não lhe dava qualquer espécie de preponderância ou competência própria quanto à aprovação do crédito ou à decisão sobre a forma de cobrança ou reembolso.

                E. Todas as decisões de concessão de crédito e de liquidação de crédito através de dações em pagamento eram da competência da Direcção no seu conjunto, onde o Arguido AA tinha um voto igual ao dos demais quatro membros.

                F. Pelo que não há fundamento para isolar o Arguido AA dos restantes membros da Direcção, nem para criminalizar a sua conduta e ilibar a dos demais membros.

                G. O Arguido AA não tinha, por si só, qualquer poder ou competência para dispor dos bens da CCAMO.

                H. A actividade bancária de concessão de crédito é um processo complexo que se inicia na fase da concessão do crédito e da correspondente avaliação do risco e se prolonga na monitorização do serviço da dívida e nas decisões da fase do reembolso. As menos valias podem ser imputáveis a qualquer das fases, pelos mais variados motivos e só quem, no terreno, tem contacto com as concretas operações pode fazer juízos sobre tal matéria.

                I. Todas as situações que serviram de fundamento a que o acórdão recorrido decidisse pela prova do elemento subjectivo do dolo específico na prática do crime de administração danosa, e, em particular, das situações XVIII, XIX, IX, XIV e I, foram exaustiva e coerentemente explicadas e fundamentadas no acórdão da primeira instância e em cada uma delas o colectivo explicou, com recurso à prova produzida em julgamento, por que razão entendia que não se subsumiam ao tipo legal de qualquer crime.

                J. Não decorre da matéria provada a ilação segura e sem reservas de que houve da parte do Arguido AA a intenção de violar regras de sã e prudente gestão, que nem foram definidas ou concretizadas pelo colectivo nem pela Relação.

                K. Não decorre nem das regras da experiência nem do senso comum que o comportamento do Arguido AA tivesse como finalidade causar à Caixa quaisquer prejuízos.

                L. O crime de gestão danosa exige a prova do dolo específico, dirigido à violação da norma.

                M. Tal prova não se fez na primeira instância nem é possível, a partir dos factos provados inferir a existência de dolo.

                N. Pelo que a decisão da Relação fez incorrecta aplicação do Direito.

                O. O acórdão recorrido violou a norma do art. 410.2 CPP ao considerar ter havido contradição insanável entre a fundamentação da decisão da primeira instância e a respectiva decisão e erro notório na apreciação da prova.

                P. O acórdão recorrido fez ainda incorrecta aplicação do direito, em particular da norma do art. 235.1 CP, por ter julgado que o Arguido AA infringiu regras económicas de gestão racional, sem que indicasse ou definisse o teor dessas normas e concretizasse a violação.

                Q. E infringiu a mesma norma e o art. 374.2 CPP ao dar como provado, a partir dos factos constantes da fundamentação da decisão da primeira instância, a existência do elemento subjectivo da intenção de violar as ditas normas ou regras de gestão racional.

                R. Para a determinação da diferença de situação patrimonial imputável às dações em pagamento entre os valores da dívida dada por extinta com as dações e o valor correspondente ao valor de mercado dos bens incorporados pela dação no património da Caixa há que encontrar justificadamente valores reais e precisos e não meros valores referenciais. E ou se faz a prova dos factos que sustentam o valor da diferença e há condenação, ou não se faz tal prova e não pode haver condenação.

                S. A determinação da existência e justificação de prejuízos, que podem ser apenas resultado da álea do negócio, têm que ser calculados de acordo com as circunstâncias concretas em que ocorreu cada uma das situações, tendo em atenção a necessidade de agir dentro de uma janela de oportunidade definida e irrepetível, sob pena de da inacção ou da acção não oportuna resultarem maiores danos para a Caixa.

                T. Assim, mais importante que calcular o valor de mercado dos bens dados em cumprimento, é analisar se, perante as situações concretas, uma a uma, em que se colocavam as necessidades de reestruturar dívidas, de diminuir ratios de responsabilidade, de reforçar índices de capitais próprios, de aproveitar oportunidades de devedores que não tinham mais bens e onde a Caixa corria o risco de ter que andar pelos tribunais a reclamar créditos em execuções ou insolvências, as decisões de aceitar as dações, mesmo correndo o risco de imparidades, não foram as mais avisadas.

                U. Os critérios de avaliações fixados aos peritos e os valores a que chegam não têm em conta os condicionalismos concretos em que se processou a aprovação de cada operação de dação em pagamento, o que sempre seria indispensável para ajuizar da racionalidade das decisões e actuações da direcção da Caixa e, em particular, do ora recorrente.

                V. Valor de mercado (para efeitos de avaliação imobiliária) é «o preço mais provável, a partir de uma determinada data, em dinheiro ou em termos equivalentes a dinheiro ou ainda em outros termos precisamente especificados, pelo qual os direitos específicos da propriedade devem ser transaccionados numa situação de mercado competitivo, sob todas as condições de uma transacção justa, na qual o comprador e o vendedor actuem cautelosamente, de forma informada e esclarecida, no seu próprio interesse e livremente, ou seja, pressupondo que nenhum deles se encontra sujeito a qualquer modo de coacção indevida».

                W. Ou o «montante estimado pelo qual a propriedade deve ser transaccionada à data da avaliação, entre um comprador e um vendedor interessados, numa transacção independente e em pé de igualdade, após ter sido colocada no mercado, e na qual ambas as partes tenham actuado com pleno conhecimento, prudentemente e sem coacção».

                X. O método mais preciso de determinação do valor de mercado é o chamado método de tipo sintético ou comparativo.

                Y. As vantagens inerentes à utilização do método comparativo, são, para além da sua maior ou menor simplicidade, decorrente da utilização ou não de ferramentas de tratamento estatístico, a sua elevada fiabilidade na estimação do valor de mercado do imóvel. As Normas Europeias de Avaliação (2003) referem que este método é o que permite um maior rigor na estimação do valor de mercado, desde que correctamente aplicado e se houver evidência de mercado.

                Z. A aplicação da metodologia das avaliações prevista nos sucessivos códigos de expropriações não é adequada e não permite chegar ao valor de mercado, uma vez que a avaliação para expropriação não visa achar o valor de troca mas um valor de indemnização do proprietário pelo sacrifício da expropriação forçada do seu bem. 

                AA. Nas avaliações de prédios urbanos, os senhores peritos aplicaram os valores de construção constantes das portarias aplicáveis ao apoio à construção social, que, como é do conhecimento comum, estão muito longe de corresponder ao custo real da construção no mercado.

                BB. E quanto aos prédios rústicos de sequeiro calcularam os valores pelo rendimento das culturas da fava, da batata e da ervilha, como se algum agricultor, hoje ou nos anos noventa, no ..., cultivasse esses produtos em terreno de sequeiro, com o objectivo de obter algum rendimento!

                CC. Houve por parte dos senhores peritos a total desconsideração das condições concretas de cada imóvel à data das dações, traduzida na afirmação repetida de que esse factor era irrelevante para o cálculo do valor de mercado.

                DD. Em resultado desta desconsideração, não é possível dar como provado que os valores resultantes das avaliações coincidem ou sequer podem ser tomados como referência para o cálculo do valor de mercado dos bens à data das dações.

                EE. Aos resultados a que chegaram os peritos falta qualquer resquício de racionalidade.

                FF. A taxa de capitalização de 4% ao ano é gritantemente inadequada para avaliar um imóvel pelo método do rendimento, sabendo-se que à data a que se reporta a avaliação, as taxas praticadas pela banca para operações a longo prazo variavam entre 24% e 28%.

                GG. Não é possível chegar a resultados fiáveis sobre a variação regressiva dos preços pela simples aplicação de um factor de degressão estatística, única, válida para todo o país e para todos os sectores económicos. O próprio Código das Expropriações, ao regular o método de actualização dos valores das indemnizações, manda (art. 24.1 e 2.) actualizar à data da decisão final do processo, de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, relativamente ao local da situação dos bens ou da sua maior extensão.

                HH. A obrigação de indemnizar tem a grandeza da diferença entre a situação existente e a que existiria se não se tivesse verificado o facto danoso.

                II. Essa diferença só é susceptível de ser calculada se ambos os valores forem conhecidos.

                JJ. Tendo-se por verificado que, pelo menos, um desses valores não é correcto por não corresponder à realidade, e que com os elementos dos autos não é possível proceder ao seu cálculo, não pode o tribunal fixar o quantum indemnizatório.

                KK. O Tribunal, ao fixar o valor da indemnização em € 1.9878.925, 54 acrescido de quantia a liquidar posteriormente quanto às situações IX e XX, violou o art. 562 CC».

            1.3. O recurso foi recebido pelo despacho de fls. 8946, para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo, com invocação dos arts. 399º, 400º, nº 3 e 432º, do CPP, e mandado subir pelo despacho de fls. 8962.

            1.4. O Senhor Procurador-geral Adjunto respondeu, fls. 8950/8961, e conclui que:

            «- O acórdão do Tribunal da Relação de 31/03/2009 que fixou parte da matéria de facto relevante, há muito transitou em julgado;

                - O arguido, como decorre das conclusões pretende pôr em causa os factos dados por provados no referido acórdão;

                - Estando tal matéria fixada por decisão transitada em julgado, as alegações e pretensões do recorrente, nessa parte, são inócuas;

                - O referido acórdão também decidiu que os factos praticados pelo recorrente consubstanciam um crime de administração danosa;

                - Pelo que são igualmente inócuas as alegações e pretensões do recorrente ao defender nova decisão em sentido contrário».

                Na verdade, acrescentou:

            «o presente recurso do arguido incide sobre matérias já apreciadas, contendendo com o           caso julgado que sobre as mesmas se formou com a correspondente força obrigatória                 dentro e                fora do processo.

                É inviável o pretendido conhecimento do recurso no que se refere à impugnação da matéria de              facto e no que diz respeito à não integração da conduta do recorrente no crime por que foi          condenado, na medida em que se mostra esgotado o poder jurisdicional relativamente a tais        questões, cuja apreciação já foi efetuada pelo Tribunal da Relação de ..., produziu os seus       efeitos e, como tal, transitou em julgado».

            «Nesta parte o recurso tem de ser rejeitado» rematou.

                Relativamente à alegada ausência de fundamentação quanto à indemnização fixada, disse que o Ministério Público não tinha interesse em agir, pelo que não apresentou resposta à motivação.

            1.5. Recebidos os autos no Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-geral Adjunto, considerando que a única questão sobre que se pronunciou o acórdão recorrido se reconduzia «à vertente cível, para análise da fundamentação que presidiu à fixação do montante indemnizatório fixado (liquidado) e que o recurso agora em julgamento foi recebido nos termos do nº 3 do artº 400º do CPP, isto é, como interposto da parte da sentença relativa à indemnização civil, entendeu não ter legitimidade para se pronunciar sobre o seu mérito (fls. 8968).

            1.6. Cumprido o disposto no nº 2 do artº 417º do CPP, o Recorrente reafirmou o teor da declaração inicial de que «a matéria sob recurso abrange a totalidade do processo – nas componentes criminal e civil…», pois, diz, «não há … qualquer trânsito em julgado parcelar do mérito da causa, na medida em que tal é afastada pelo art. 97º.1.a) CPP, na interpretação que dele fizeram nos autos o despacho do Senhor Relator da Relação de ... e o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça….». E acrescentou que «o facto de o recurso ter sido admitido sob invocação do art. 400.3 CPP não permite inferir que ele tenha apenas sido admitido quanto à matéria cível».

            2. É do seguinte teor a decisão sobre a matéria de facto, na parte que interessa ao recurso, tal como fixada no acórdão recorrido (fls. 8759 e segs):

            «Factos provados:

                Factos gerais do despacho de pronúncia:

                1) A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ..., C.R.L., pessoa colectiva com o número de pessoa colectiva ... e sede na Avenida ..., era uma instituição de crédito sob a forma cooperativa, regulando-se pelos seus respectivos Estatutos e pelo regime jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado pelo DL 24/91, de 11.01, sendo-lhe ainda aplicável o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo DL 298/92, de 31.12, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL 246/95, de 14.9), o código cooperativo (aprovado pelo DL 454/80, de 09.10) e demais legislação aplicável às cooperativas em geral.

                2) Fazendo parte do sistema integrado do crédito agrícola mútuo previsto no Cap. IV do Regime Jurídico aprovado pelo DL 24/91, de 11 de Janeiro.

                3) A Direcção da cooperativa era constituída por cinco associados, tendo um deles o cargo de Presidente, outro o de vice-presidente, existindo depois um tesoureiro e dois secretários, sendo ainda eleitos três associados como suplentes.

                4) Os titulares dos órgãos sociais eram eleitos por um período de três anos.

                5) Os elementos da Direcção da cooperativa para o triénio de 1992/1994 - e que tomou posse em 28 de Março de 1992 - eram os seguintes:

                               - o arguido AA exerceu nesse período o cargo de Presidente, tendo sido nomeado Director Executivo;

                (…)

                6) Por sua vez, os elementos da Direcção da cooperativa para o triénio de 1995/1997 e que tomou posse em 29 de Março de 1995 eram os seguintes:

                               - o arguido AA, que exerceu também nesse período (até abandonar a direcção) o cargo de Presidente e Director Executivo;

                (…)

                8) Competia estatutariamente à Direcção da C.C.A.M./..., entre outras funções, administrar e representar a Caixa Agrícola, decidir das respectivas operações de crédito, fiscalizar a aplicação dos capitais mutuados e promover a cobrança coerciva dos créditos da Caixa Agrícola vencidos e não pagos.

                9) O Presidente da Direcção, o arguido AA, esteve em efectividade de funções [salvo quanto ao período de 30 de Abril a 7 de Setembro do ano de 1992, no qual suspendeu o exercício das suas funções] até ao dia 7 de Março de 1996, altura em que solicitou a sua exoneração do cargo.

                10) Em 12 de Março de 1996 a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, organismo central do sistema integrado do crédito agrícola mútuo, decidiu intervir na C.C.A.M/..., ao abrigo do disposto no artigo 77°, n.º2 a 4 do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo, acabando por nomear posteriormente, em 2 de Abril de 1996, três Directores Provisórios.

                11) Com o intuito de permitir à CCAM de ... recuperar uma parte do crédito que vinha concedendo e para evitar a reformulação sucessiva de créditos, a Assembleia Geral da CCAM de ..., em 28 de Março de 1992, aprovou uma proposta que autorizava a Direcção a aceitar dações em pagamento para liquidação das responsabilidades dos seus cooperantes ou clientes e a vender os bens recebidos em resultado da dação.

                12) No sentido de minimizar os riscos que tal situação poderia vir a criar, a mesma Assembleia-geral sugeriu à Direcção, na mesma deliberação, que apenas aceitasse dações em pagamento em casos devidamente justificados e mediante prévio parecer dos serviços de contencioso da CCAM.

                13) Autorizada, assim, pela Assembleia-geral a aceitar bens por dações em pagamento, a Direcção, em várias reuniões realizadas, nomeadamente, entre 1993 e 1995, apreciou diversos pedidos apresentados por cooperantes (incluindo antigos e actuais membros dos órgãos sociais em efectividade de funções, respectivos familiares e afins) e clientes.

                14) Os processos relativos a estas operações (dações) eram instruídos e submetidos à apreciação da Direcção pelo responsável do serviço de crédito, acompanhado de um ou dois relatórios de avaliação feito por avaliadores que colaboravam com a CCAM de ... e por um parecer jurídico.

                15) A Direcção, na maior parte das vezes, aprovava depois as propostas por unanimidade.

***

                Factos relativos às situações individualizadas no despacho de pronúncia:

            Situação I

                1) Em Setembro de 1986, o arguido BB, Presidente da Mesa da Assembleia-geral da CCAM de ... nos triénios de 92/94 e 95/97, solicitou um empréstimo (através de uma abertura de crédito em conta corrente caucionada) à Caixa no montante de 10.000 contos.

                2) Para garantia de tal dívida foi constituída, em 30.09.1986, uma hipoteca a favor da CCAM sobre um prédio misto de que ele e a esposa, CC, eram proprietários, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., com a área de 62 300 m2, sito na ..., freguesia do ....

                3) Com vista à realização da hipoteca, EE e Alberto Pedro Madeira Fonseca procederam, em data não determinada, à avaliação do prédio misto, ao qual atribuíram o valor de 55.000 contos.

                4) O arguido AA era sócio-gerente da empresa de construção civil denominada ... - Sociedade de Construções Olhanense, Lda e, desde 7 de Fevereiro de 1991.

                5) Pelo menos a partir de 07 de Fevereiro de 1991, AAe Edviges Carolina Vieira de Sousa, mulher do arguido Manuel Pego, passaram a ser os únicos sócios e gerentes da aludida sociedade, até pelo menos 04.06.93, data em foi registada a cessão da quota daquela Edviges Sousa e a sua cessação de funções como gerente.

                6) Em 18 de Março de 1991 a Direcção da CCAM/Olhão - em reunião em que estiveram presentes Manuel Pego, o próprio BB, EE, Alberto Pedro Madeira da Fonseca, Vitorino Guilherme Rodrigues, Francisco das Neves Marcos, José de Brito Júnior Ventura Manita da Cruz e José André Neto (estes dois últimos já falecidos) - aprovou um empréstimo de 36.000 contos ao arguido Vitorino Lopes, a 8 anos, sendo os três primeiros de carência de juros, com hipoteca do mesmo prédio.

                7) E em 3 de Abril de 1992 aquele AAe mulher venderam o prédio supra referenciado ao arguido Vitorino Lopes e mulher, Augusta Rosa Lopes, pelo valor fictício de 10.000 contos.

                8) Em tal escritura, a CCAM de Olhão - representada pelo arguido AA e pelos funcionários da CCAM de Olhão, Luís Filipe Guerreiro e Graça e Fernanda Maria Guiomar Neves Aguiar Carlos - declarou igualmente renunciar à anterior hipoteca por parte da CCAM, sem que o empréstimo que esta mesma hipoteca garantia estivesse ainda liquidado.

                9) No mesmo dia 3 de Abril de 1992 uma nova hipoteca a favor da CCAM de Olhão viria a ser formalizada, garantindo, na íntegra, a quantia mutuada de 36.000.000$00, tendo o arguido Manuel Pego e os funcionários Luís Graça e Fernanda Neves representado, nessa ocasião, a CCAM de Olhão.

                10) Os 36.000 contos foram depositados na conta bancária do arguido Vitorino Lopes em duas tranches – 35.000.000$00 em 6 de Abril de 1992 e 1.000.000$00 em 7 de Abril de 92 (dos quais 842.111$00 foram debitados na mesma data para pagamento das despesas notariais).

                11) Em 6 de Abril de 1992 foram transferidos 35.000 contos desta conta para a conta bancária do arguido António Sousa Guita, o qual os utilizou em seu benefício, tendo usado 10.615.000$00 dessa quantia para cobrir o saldo negativo da conta corrente caucionada a que se referia a hipoteca a que a caixa renunciou.

                12) Não se verificou, entretanto, qualquer amortização de capital e/ou juros do mesmo empréstimo por parte do respectivo mutuário nominal, o arguido Vitorino Manuel Lopes, o qual ficou para si com o remanescente de 157.889$00.

                13) Assim, na sequência de tal empréstimo, o arguido Vitorino Manuel Lopes e a mulher, Augusta Rosa Lopes, tinham, em Setembro de 1993, uma dívida para com a CCAM de Olhão no montante de 51.592.401$00.

                14) Para liquidação daquela dívida, foi aprovada, em reunião da direcção do dia 29 de Setembro de 1993 - em que estiveram presentes os arguidos Manuel Dias Pego, João Luís Bolas Soares, Joaquim Negritas Fitas, José Manuel Pescada Correia e Rafael Amador Cordeiro (este como suplente), além de José André Neto - a dação em pagamento do aludido prédio misto.

                15) No dia 30 de Setembro de 1993 foi celebrada a escritura de dação em pagamento - tendo a CCAMO sido representada pelos arguidos Manuel Pego e Joaquim Negrita Fitas, além de José André Neto - na qual os devedores entregaram, para liquidação da totalidade da dívida existente (que ficou assim saldada), o aludido prédio hipotecado, ao qual foi atribuído, na mesma escritura, o valor de 55.000.000$00.

                16) O aludido prédio foi avaliado como tendo, na data da escritura de dação em pagamento, o valor de 97.650 euros, e acabou por vir a ser vendido, em 5 de Março de 1997, pela quantia de 16.100.000$00.

            Situação II:

                1) Na sequência dos seguintes empréstimos concedidos pela CCAM/Olhão:

                - n.º 1973.7 – 360.0000$00

                - n.º 3422.1 – 27.000.000$00 e

                - n.º 4112.1 – 2.710.679$00

                e do saldo negativo da conta corrente caucionada (64.000.2), no valor de 19.569.401$00, o arguido Manuel Pego, Presidente da Direcção, tinha, em 31 de Janeiro de 1994, uma dívida para com a mesma entidade no montante de 49.640.080$00.

                2) Em 2 de Fevereiro de 1994 este arguido voltou a solicitar um novo empréstimo, que foi autorizado, no montante de 20.000.000$00, perfazendo assim a soma dos valores em dívida referidos em 1) e deste empréstimo o montante global de 69.640.080$00.

                3) Este arguido tinha uma dívida no montante de 50.860.079$00 que era constituída pelo seguinte conjunto de empréstimos:

                - n.º 3422.1, no montante de 27.000 contos (já referido em 1);

                - n.º 4317.4, no montante de 3.760 contos;

                - saldo negativo de uma conta corrente caucionada (CCC com o n.º 64.000.2) no montante, em 25 de Fevereiro de 1994, de 20.100.079$00.

                4) Para liquidação das «suas responsabilidades», foi aprovada em reunião da direcção do dia 23 de Fevereiro de 1994 - em que estiveram presentes os arguidos João Luís Bolas Soares, Joaquim Negritas Fitas, José Manuel Pescada Correia e Manuel Silo Graça Caetano (este como suplente), além de José André Neto - a dação em pagamento de um prédio, propriedade do Manuel Pego, com a matriz urbana 3875, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 111 (Quelfes), sito na Urbanização Horta José da Boa, Lote 28, em Brancanes, freguesia de Quelfes.

                5) No dia 28 de Fevereiro de 1994, o arguido Manuel Pego, na qualidade de presidente da direcção, mandou proceder à liquidação dos empréstimos n.º 1973.7 (180.000$00), 3422.1 (27.000.000$00), 4317.4 (3.760.000$00), e 2412.9 [este no montante de 9.706.113$00, cuja mutuária era Anabela Costa Custódio, anterior proprietária do prédio dado à caixa e funcionária da CCAM de Olhão], sendo o saldo devedor desses empréstimos debitado nessa data na conta corrente caucionada 64.000.2, que atingiu então um saldo devedor de 60.746.192$00.

                6) Na mesma data e após aquelas operações, foi creditado nessa CCC o valor de 48.000.000$00, resultante da dação autorizada, e o valor de 20.000.000$00, resultante do empréstimo a favor do arguido com o n.º 43786 e referido em 2), ficando aquela conta com um saldo positivo de 7.253.808$00, que na mesma data foi transferido para outras contas (2.998.929$50 foram transferidos para a CCC com o n.º 1013000.4.0 de Edviges Pego, que em consequência ficou liquidada, e 4.254.878$50 foram transferidos para a conta 0000.7.1 da Caixa, titulada pelo arguido Manuel Pego), ficando liquidada a CCC 64.000.2 do arguido Manuel Pego.

                7) Com vista a obter um valor de referência para a dação em pagamento, foi necessário efectuar a avaliação do prédio em causa, diligência essa que foi atribuída ao avaliador Carlos Alberto Bento Ferreira.

                8) Este avaliador, em data não concretamente apurada mas situada em Maio de 1994, avaliou o prédio em causa em 48.000 contos.

                9) Além disso, tal prédio foi igualmente avaliado pela arguida Ana Severino, em 23.02.1994, a qual lhe atribuiu o valor de 48.000.000$00 a 50.000.000$00.

                10) No dia 27 de Maio de 1994 foi celebrada a escritura de dação em pagamento - estando a CCAM de Olhão representada pelos arguidos Joaquim Fitas, José Pescada Correia e João Luís Bolas Soares - na qual o devedor entregou, para liquidação dos empréstimos (capital e juros) identificados naquela escritura pelos n.º 4317.4, 3422.4, 3422.1 e a conta corrente com o n.º 64000.2, o aludido prédio, ao qual foi atribuído, na mesma escritura, o valor de 48.000.000$00.

                11) O aludido prédio foi avaliado como tendo um valor de mercado em Maio de 1994 de 150.500 euros e acabou por vir a ser vendido, em 23 de Julho de 1997, pela quantia de 30.000.000$00.

                Situação III:

                1) Na sequência de empréstimos anteriormente solicitados e concedidos pela CCAM/Olhão, Edviges Carolina Vieira de Sousa Pego, funcionária bancária na mesma Caixa de Crédito e esposa do arguido Manuel Pego, tinha, em 23 de Fevereiro de 1994, uma dívida para com a mesma entidade no montante de 40.966.641$00.

                2) Essa dívida era constituída pelo seguinte conjunto de empréstimos:

                - n.º 1989.3, no montante de 240.000$00;

                - n.º 3051.0, no montante de 9.833.242$00;

                - saldo negativo de uma conta corrente caucionada (CCC com o n.º 1013000.4.00) no montante de 30.893.399$00.

                3) Para liquidação dos referidos empréstimos e da conta corrente foi aprovada, em reunião da direcção do dia 23 de Fevereiro de 1994 - em que estiveram presentes os arguidos. João Luís Bolas Soares, Joaquim Negritas Fitas, José Manuel Pescada Correia e Manuel Silo Graça Caetano (este como suplente), além de José André Neto - a dação em pagamento de um prédio rústico, propriedade dos pais do arguido Manuel Pego (Alzira dos Mártires Pego e América Cortiço Pego), com a matriz rústica 18BN, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 5084, sito em Bias do Sul, Moncarapacho.

                4) No dia 28 de Fevereiro de 1994, o arguido Manuel Pego, na qualidade de presidente da direcção, mandou proceder à liquidação dos empréstimos n.º 19893 (240.000$00) e 30510 (9.833.242$00), sendo o saldo devedor desses empréstimos debitado nessa data na aludida conta corrente caucionada 1.013000.4.00 de Edviges Pego, que atingiu então um saldo devedor de 40.998.929$50.

                5) Na mesma data e após aquelas operações, foi creditado nessa CCC o valor de 38.000.000$00, resultante da dação autorizada, e o valor de 2.998.929$50, que veio transferido da CCC 64.000.2 do arguido Manuel Pego, ficando liquidada a CCC da Edviges Pego.

                6) Com vista a obter um valor de referência para tal dação em pagamento foi necessário efectuar a avaliação do prédio em causa, diligência essa que foi atribuída à avaliadora Ana Paula Moreira Macedo Neto Severino, a qual atribuiu ao prédio em causa, em 23.2.1994, o valor de 5.488.000$00 ou, se loteado, de 38.190.000$00.

                7) Foi ainda efectuada uma outra avaliação, em data não determinada mas antes da decisão da direcção da Caixa referida em 3), que atribuiu ao prédio o valor de 38.250.000$00.

                8) Apenas no dia 23 de Fevereiro de 1995 foi celebrada a escritura de dação em pagamento, estando a CCAM de Olhão representada pelos arguidos Joaquim Fitas e João Luís Bolas Soares, além de José Neto - na qual os proprietários do aludido prédio, a que foi atribuído o valor de 38.000.000$00, o entregaram, para liquidação dos empréstimos (capital e juros) identificados naquela escritura pelos n.º 1989.3, 3051.0 e CCC 13000.4, ao quais foi atribuído, na mesma escritura, o valor de 38.000.000$00.

                9) O aludido prédio foi avaliado como tendo um valor de mercado em 23.02.94 de 48.860 euros, e acabou por vir a ser vendido, em 08 de Maio de 2001, pela quantia de 15.500.000$00.

                Situação IV:

                1) Na sequência de um empréstimo anteriormente solicitado e concedido pela CCAM/Olhão (com o n.º 4465.1), Alzira dos Mártires Pego, associada n.º 124 e mãe do arguido Manuel Pego tinha, em Fevereiro de 1995, uma dívida para com a mesma entidade no montante de 28.750.000$00, quanto a capital, devendo ainda 3.993.494$00 a título de juros.

                2) Além disso, existiam ainda na CCAM de Olhão outros empréstimos cujos mutuários, reais ou aparentes, tinham uma relação com Alzira Pego ou o seu marido, tais como:

                - n.º 3914.9 e 767.1, cujo mutuário era o arguido Aníbal da Conceição Domingos - sendo todavia o real beneficiário de tal empréstimo Américo Cortiço Pego, pai do arguido Manuel Dias Pego e entretanto já falecido - no montante global de 14.300 contos, quanto a capital, ascendendo os juros a 1.456.166$00;

                - n.º 3312.6 e 4190.1, cujo mutuário era Paulo Miguel Afonso Ladeira funcionário da CCAM de Olhão e genro do arguido Manuel Pego - sendo todavia o real beneficiário de tal empréstimo o mesmo Américo Cortiço Pego - no montante global de 11.655 contos, quanto a capital, ascendendo os juros a 3.400.299$00;

                - n.º 3410.3, cujo mutuário era João Cesário Caçador - sendo o real beneficiário de tal empréstimo o mesmo Américo Cortiço Pego - no montante global de 10.000 contos, quanto a capital, ascendendo os juros a 1.635.617$00;

                - n.º 801.8, cujo mutuário era José Manuel Dias Pego - filho do arguido Manuel Pego, sendo o real beneficiário de tal empréstimo o mesmo Américo Cortiço Pego - no montante global de 7.500 contos, quanto a capital, ascendendo os juros a 1.805.959$00;

                - n.º 4266.5, cujo mutuário era João Luís Graça - sendo o real beneficiário de tal empréstimo o mesmo Américo Cortiço Pego - , no montante global de 12.433 contos, quanto a capital, ascendendo os juros a 2.351.030$00;

                - n.º 3894.2, cujo mutuário era o arguido Carlos Alberto Bento Ferreira, sendo o real beneficiário de tal empréstimo o mesmo Américo Cortiço Pego, no montante global de 6.216.939$00, quanto a capital, ascendendo os juros a 1.588.130$00.

                3) A soma do capital dos empréstimos referidos em 1) e 2) ascendia a 90.855.261$00, ascendendo a soma dos respectivos juros a 15.230.695$00.

                4) Com vista à liquidação dos aludidos empréstimos, foi aprovada, em reunião da direcção do dia 22 de Fevereiro de 1995 - em que estiveram presentes os arguidos João Luís Bolas Soares, Joaquim Negritas Fitas e Manuel Silo Graça Caetano (este como suplente), além de José André Neto - a dação em pagamento de um prédio misto, propriedade daqueles Alzira dos Mártires Pego e Américo Cortiço Pego, inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 15 da Secção BH (estando a parte urbana omissa) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 5085, sito na Murteira, Moncarapacho, pelo valor de 96.000.000$00, sendo 90.855.261$00 respeitante aos empréstimos identificados e 5.144.739$00 por crédito na conta de Alzira dos Mártires.

                5) A fim de obter um valor de referência para tal dação em pagamento, foi necessário efectuar a avaliação do prédio em causa, diligência essa que foi atribuída ao arguido Carlos Alberto Bento Ferreira, o qual, em 09.02.1995, tinha atribuído ao prédio em causa o valor de 96.840.000$00.

                6) Além disso, tal prédio foi igualmente avaliado pela arguida Ana Severino, em 09.02.1995, a qual lhe atribuiu o valor de 96.000.000$00.

                79 No dia 23 de Fevereiro de 1995 foi celebrada a escritura de dação em pagamento estando a CCAM de Olhão representada pelos arguidos Joaquim Fitas e João Luís Bolas Soares, além de José Neto - na qual a devedora entregou, para liquidação da totalidade da aludida dívida de 90.855.000$00 (que ficou assim saldada) o referido prédio, ao qual foi atribuído, na mesma escritura, o valor de 96.000.000$00.

                8) Em 23.02.1995 foi ainda creditada na conta de Alzira Pego a quantia de 5.144.379$00.

                9) Esse prédio foi avaliado como tendo, em 09.02.1995, um valor de mercado de 256.400 euros, e acabou por vir a ser vendido, em 6 de Novembro de 1998 pela quantia de 19.500.000$00.

                Situação V:

                1) No dia 11 de Setembro de 1994 e no dia 17 de Fevereiro de 1995 foram creditados os empréstimos com os n.ºs 3678.8 e 4961.8. no valor de 7.700 contos e de 17.250 contos, respectivamente, concedidos pela CCAM/Olhão ao associado n.º 478, João Tomás Pacheco Leal Branco.

                2) O real beneficiário de tais empréstimos era Américo Cortiço Pego - pai do arguido Manuel Dias Pego - o qual, uma vez que se encontrava com dificuldades financeiras, havia solicitado ao João Branco que contraísse os aludidos empréstimos em seu nome, limitando-se este último a assinar os formulários atinentes aos pedidos.

                3) O segundo daqueles empréstimos, solicitado em 10.08.1994 (e deferido na mesma data pela Direcção), foi pedido com vista a “uma reestruturação de dívida” e foi garantido por uma fiança do Dr. João Sabino Ladeira.

                4) Deste modo, aquele João Tomás Branco tinha, em Fevereiro de 1995, uma dívida para com a CCAM de Olhão no montante de 24.950.000$00 quanto ao capital, a que acresciam 1.812.515$00 a título de juros.

                5) Para liquidação dos aludidos empréstimos, foi aprovada, em reunião da direcção do dia 16 de Fevereiro de 1995 - em que estiveram presentes os arguidos Manuel Dias Pego, João Luís Bolas Soares, Joaquim Negritas Fitas, José Manuel Pescada Correia (sendo este, à data, suplente da direcção) e José André Neto - a dação em pagamento de um prédio misto, propriedade de Alzira dos Mártires Pego, mãe do arguido Manuel Pego, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 19 da Secção BH - parte urbana omissa - sito na Murteira, Moncarapacho, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 5086, Moncarapacho.

                6) Com vista a obter um valor de referência para tal dação em pagamento, foi necessário efectuar a avaliação do prédio em causa, diligência essa que foi atribuída aos avaliadores Carlos Alberto Bento Ferreira e Ana Paula Severino, os quais, em 9 e 16 de Fevereiro de 1995, atribuíram ao prédio em causa o valor de 25.430.500$00 e 25.000.000$00, respectivamente.

                7) No dia 23 de Fevereiro de 1995 foi celebrada a escritura de dação em pagamento - estando a CCAM de Olhão representada pelos arguidos João Luís Bolas Soares e Joaquim Negrita Fitas - na qual foi entregue, para «pagamento da dívida de 24.950.000$00 correspondente ao capital» dos aludidos empréstimos, que ficaram assim pagos, o aludido prédio, ao qual foi atribuído, na mesma escritura, o valor de 25.000.000$00.

                8) O aludido prédio foi avaliado como tendo, em Fevereiro de 1995, um valor de mercado de 70.150 euros, e acabou por vir a ser vendido, em 6 de Novembro de 1998, pela quantia de 8.000.000$00.

                (…)

            Situação VII:

                1) No dia 6 de Março de 1989 Alfredo dos Santos Frederico, associado n.º 949 e genro de EE solicitou a concessão de um empréstimo no montante de 30.000 contos.

                2) Tal pedido de empréstimo foi deferido - ficando com o n.º 813/1 -, tendo ficado garantido com uma fiança do José Brás.

                3) Em 14 de Março de 1989 Alfredo Frederico transferiu os 30.000 contos para uma conta corrente caucionada do arguido José Brás.

                4) No dia 28 de Outubro de 1992 José Manuel Martins da Silva, associado n.º 1227 e empregado do mesmo EE, solicitou a concessão de um empréstimo no montante de 3.000 contos.

                5) Tal pedido de empréstimo foi parcialmente deferido [ficando com o n.º 3298/7] no montante de 800 contos, não tendo beneficiado de qualquer tipo de garantia – valor que foi transferido para uma conta de José Brás.

                6) O real beneficiário de tais empréstimos era aquele José Brás, o qual já tinha esgotado na altura o seu "plafond" de crédito junto da CCAM de Olhão, tendo uma dívida, decorrente de uma conta corrente caucionada de José Brás e do empréstimo com o n.º 814.0 concedido à sua mulher, nos montantes de cerca de 30.000.000$00 e de 25.000.000$00.

                7) O José Brás era ainda devedor do empréstimo, em seu nome e com o n.º 1975.1, no montante de 1.124.522$00 (capital e juros).

                8) Na sequência dos empréstimos referidos em 1), 4) e 7), Alfredo Santos Frederico, José Manuel Silva e EE, tinham, em Dezembro de 1993, dívidas para com a CCAM cuja soma ascendia a 45.514.095$00 (capital e juros).

                9) Para liquidação dos aludidos empréstimos, foi aprovada, em reunião da Direcção do dia 27 de Dezembro de 1993 - em que estiveram presentes os arguidos Manuel Dias Pego, João Luís Bolas Soares, Joaquim Negritas Fitas, José Manuel Pescada Correia e José André Neto - a dação em pagamento de vários prédios, todos propriedade de EE e da esposa, Vitorina da Piedade:

                - rústico, sito em Quatrim do Norte, inscrito na matriz predial sob o art. 71 da sec. BQ:

                - rústico, sito em Marim, inscrito na matriz sob o art. 44 da sec. X-1 a X-2;

                - rústico, sito em Bias do Sul, inscrito na matriz sob o art. 1 da sec. BN:

                - urbano, sito em Quatrim do Norte, inscrito na matriz sob o art. 1850;

                - rústico, sito em Quatrim do Sul, inscrito na matriz sob o art. 214 da secção BR;

                - rústico, sito em Quatrim do Norte, inscrito na matriz sob o art. 65 da sec. BQ;

                - urbano, sito no Cabeço, Rua 39, Baixa da Banheira, Moita, inscrito na matriz sob o art. 496.

                10) Com vista a obter um valor de referência para tal dação em pagamento foi necessário avaliar os prédios em causa, diligência essa que foi atribuída à avaliadora Ana Severino pelo menos quanto ao prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 1850.

                11) Esta avaliadora, em 27.12.1993, atribuiu a esse prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 1850 o valor de 12.960.000$00.

                12) No dia 30 de Dezembro de 1993 foi celebrada a escritura de dação em pagamento - estando a CCAM de Olhão representada pelos arguidos Manuel Pego, João Luís Bolas Soares e Joaquim Negrita Fitas - na qual José Silva, Alfredo Frederico e EE entregaram, para liquidação da totalidade da dívida correspondente aos empréstimos referidos em 1), 4) e 6) (45.514.095$00, que ficou assim saldada) os aludidos prédios, aos quais foram atribuídos, na mesma escritura, os seguintes valores:

                - o inscrito na matriz sob o art. 71 da sec. BQ – 1.500.000$00;

                - o inscrito na matriz sob o art. 44. da sec. X-1 a X-2 – 5.000.000$00;

                - o inscrito na matriz sob o art. 1 da sec. BN – 3.000.000$00;

                - o inscrito na matriz sob o art. 1850 – 16.000.000$00;

                - o inscrito na matriz sob o art. 214 da sec. BR – 2.100.000$00;

                - o inscrito na matriz sob o art. 65° da sec. BQ – 3.000.000$00;

                - o inscrito na matriz sob o art. 496 – 14.914.095$00.

                13) Na contabilização interna da dação, a Caixa atribuiu ao prédio 1850 o valor de 14.000.000$00, tendo atribuído ao prédio 496 o valor de 13.914.095$00.

                14) Para além da entrega destes prédios, e para pagamento dos mesmos empréstimos, foi ainda efectuado um pagamento de 3.000.000$000 por Alfredo Frederico, equivalente à diferença existente entre os valores constantes da dação e aqueles, menores, que foram contabilizados pela caixa quanto aos prédios 1850 e 496, referidos em 13).

                15) Os aludidos prédios tinham um valor de mercado à data da escritura de dação em pagamento de:

                - o inscrito na matriz sob o art. 71 da sec. BQ – 1.160 euros;

                - o inscrito na matriz sob o art. 44 da sec. X-1 a X-2 – 17.500 euros;

                - o inscrito na matriz sob o art. 1 da sec. BN – 8.600 euros;

                - o inscrito na matriz sob o art. 1850 – 27.500 euros;

                - o inscrito na matriz sob o art. 214 da sec. BR – 4.900 euros;

                - o inscrito na matriz sob o art. 65° da sec. BQ – 8.000 euros;

                - o inscrito na matriz sob o art. 496 – 48.300 euros.

                16) Estes prédios, à excepção do inscrito na matriz sob o artigo 1850, acabaram, posteriormente, por ser vendidos:

                - o inscrito na matriz predial sob o art. 71 da sec. BQ pela quantia de 1.000.000$00;

                - o inscrito na matriz sob o art. 44 da sec. X-1 a X-2 pela quantia de 1.200.000$00;

                - o inscrito na matriz sob o art. 1 da sec. BN pela quantia de 1.000.000$00;

                - o inscrito na matriz sob o art. 214 da sec. BR pela quantia de 1.000.000$00;

                - o inscrito na matriz sob o art. 65 da sec. BQ pela quantia de 250.000$00;

                -o inscrito na matriz sob o art. 496 pela quantia de 2.250.000$00.

            Situação VIII:

                1) Na sequência de empréstimos anteriormente solicitados à CCAM/Olhão e por esta concedidos [com o n.º 2738.0, concedido em 06.03.92, no montante de 75.910.000$00 - e com o n.º 2737.3, concedido na mesma data e no montante de 70.000.000$00], os mutuários EE, associado n.º 67, e mulher, Vitorina da Piedade, tinham, em Junho de 1994, uma dívida para com a Caixa que ascendia a 229.887.673$00.

                2) Para garantia do pagamento «de quaisquer responsabilidades ou obrigações», até ao limite de 146.000.000$00, havia sido constituída, em 5 de Março de 1992 uma hipoteca a favor da CCAM sobre os seguintes prédios, propriedade dos devedores:

                – rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 13 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3962, a que foi atribuído o valor de 15.000.000$00;

                - urbano, inscrito na matriz predial sob o art. 2151 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 18023, a que foi atribuído o valor de 30.000.000$00;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 190 BO e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3637, a que foi atribuído o valor de 30.000.000$00;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 11 BQ e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 1885, a que foi atribuído o valor de 15.000.000$00;

                - misto, inscrito na matriz predial sob os art. 200 BR e 1678 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3937, a que foi atribuído o valor de 40.000.000$00;

                - urbano, inscrito na matriz predial sob o art. 3546 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 13602, a que foi atribuído o valor de 30.000.000$00.

                3) Os valores de referência para tal hipoteca dos prédios em causa tiveram por base avaliações efectuadas pelos arguidos Alberto Pedro Madeira Fonseca e Armando Óscar Neto Macedo em 20 de Fevereiro de 1992 nos seguintes termos:

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 13 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3962 foi avaliado em 15.000.000$00;

                - urbano, inscrito na matriz predial sob o art. 2151 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 18023 – 30.000.000$00;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 190 BO e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3637 – 30.000.000$00;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 12 BQ e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 1885 – 15.000.000$00;

                - misto, inscrito na matriz predial sob os art. 200 BR e 1678 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3937 – 40.000.000$00;

                - urbano, inscrito na matriz predial sob o art. 3546 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 13 601 - 20.000.000$00.

                4) Para liquidação da aludida dívida, foi aprovada, em reunião da direcção do dia 29 de Junho de 1994 - em que estiveram presentes os arguidos Manuel Dias Pego, João Luís Rolas Soares, Joaquim Negritas Fitas, José Manuel Pescada Correia, Manuel Silo Graça Caetano (este como suplente) e José André Neto - uma dação em pagamento.

                5) Em 15 de Junho de 1994 a arguida Ana Paula Severino procedeu à avaliação dos seguintes prédios, propriedade de Alfredo dos Santos Frederico e mulher, Laura da Piedade Brás:

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 154 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3966 – a que atribuiu os valores de 2.052.000$00 ou 15.000.000$00, dependendo do aproveitamento comercial do prédio;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 158 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3861 – a que atribuiu os valores de 1.975.000$00 ou 6.300.000$00, dependendo do aproveitamento comercial do prédio;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 159 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3961 – a que atribuiu os valores de 4.065.000$00 ou 16.000.000$00, dependendo do aproveitamento comercial do prédio.

                6) No dia 30 de Junho de 1994 foi celebrada a escritura de dação em pagamento - estando a CCAM de Olhão representada pelos arguidos Manuel Pego, João Luís Bolas Soares e Joaquim Negrita Fitas - na qual Alfredo Frederico, Laura da Piedade Brás Frederico, EE e Vitorina da Piedade entregaram para liquidação da totalidade da dívida existente (229.887.673$00, que ficou assim saldada) 200 acções da Hortofrutal, no valor nominal de 10.000$00 cada, e os aludidos prédios (os seis primeiro propriedade de José Brás e mulher, e os três últimos propriedade de Alfredo Frederico e mulher), aos quais foram atribuídos, na mesma escritura, os seguintes valores:

                - o inscrito na matriz predial sob o art. 13 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3962 – 16.000.000$00;

                - urbano inscrito na matriz predial sob o art. 2151 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 18023 – 31.000.000$00;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 190 BO e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3637 – 32.000.000$00;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 12 BQ e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 1885 – 17.000.000$00;

                - misto, inscrito na matriz predial sob os art. 200 BR e 1678 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3937 – 42.000.000$00;

                - urbano, inscrito na matriz predial sob o art. 3546 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 13602 – 32.000.000$00;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 154 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3966 – 17.000.000$00;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. I58 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3861 – 18.000.000$00;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art., 159 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3961 – 23.000.000$00.

                7) Os aludidos prédios foram avaliados como tendo um valor de mercado, em 30.06.1994, de:

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 13 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3962 – 3.500 euros;

                - urbano, inscrito na matriz predial sob o art. 2151 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 18023 – 62.800 euros;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 190 BO e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3637 – 24.500 euros;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 12 BQ e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 1885 – 19.600 euros;

                - misto, inscrito na matriz predial sob os art. 200 BR e 1678 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3937 – 45.000 euros;

                - urbano, inscrito na matriz predial sob o art. 3546 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 13 602 – 26.800 euros;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 154 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3966 – 16.300 euros;  

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 158 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3861 – 9.950 euros;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 159 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3961 – 27.250 euros. 

                8) Estes prédios, à excepção dos inscritos na matriz sob os artigos 2151 e 3546, acabaram por ser vendidos:

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 13 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3962 por 750.000$00;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 190 BO e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3637 por 3.100.000$00; 

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 12 BQ e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 1885 por 2.220.000$00; 

                - misto, inscrito na matriz predial sob o art. 200 BR e 1678 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3937 por 15.580.000$00;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 154 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3966 – 2.400.000$00;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 158 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3861 – 1.150.000$00;

                - rústico, inscrito na matriz predial sob o art. 159 BP e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 3961 – 2.975.000$00.

                (…)

                Situação X:

                1) Na sequência de empréstimos anteriormente solicitados à CCAM/Olhão e por esta concedidos (com os n.º 2170.3, 2621.7, 1034.5 e 1737.4), o mutuário Manuel Domingos, tinha, em Dezembro de 1993, uma dívida para com a mesma entidade que ascendia a 75.082.698$00.

                2) Para liquidação dos referidos empréstimos foi aprovada, em reunião da direcção do dia 29 de Dezembro de 1993 - em que estiveram presentes os arguidos Manuel Pego, José Manuel Pescada Correia, João Luís Bolas Soares, Joaquim Negritas Fitas, além de José André Neto - uma dação em pagamento de dois prédios, da propriedade de Manuel Domingos, um urbano, inscrito na matriz predial sob o art. 944 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 00134/041187 e outro misto, inscrito na matriz sob os art. 1837 e 1019 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 01738/0411887.

                3) Com vista a obter valores de referência para tal dação em pagamento, foi necessário efectuar a avaliação dos prédios em causa, diligência essa que foi atribuída à arguida Ana Paula Severino, a qual, em 29.11.1993, atribuiu:

                - ao prédio misto o valor de 2.648.000$00;

                - ao prédio urbano o valor de 18.480.000$00.

                4) No dia 6 de Janeiro de 1994 foi celebrada a escritura de dação em pagamento - estando a CCAMO representada pelos arguidos Manuel Dias Pego e José Manuel Pescada Correia - na qual foi entregue, para liquidação do montante em dívida, de 75.081.698$00 (que ficou assim saldada), os aludidos prédios, aos quais foram atribuídos, na mesma escritura, os valores de 50.000.000$00 (o urbano) e 26.000.000$00 (o misto).

                5) O prédio urbano foi avaliado como tendo um valor de mercado à data da escritura de dação em pagamento de 127.600 euros, tendo o prédio misto sido avaliado em 2.900 euros, tendo sido vendidos, em 22 de Dezembro de 1997 (o urbano) e em 15 de Junho de 1999 (o misto) por 21.500.000$00 e 7.000.000$00.

                Situação XI:

                1) Na sequência de empréstimos anteriormente solicitados à CCAM/Olhão e por esta concedidos e do saldo negativo de uma conta corrente caucionada (com os n.º 2858.2, 2507.9, CCC 99000.9, 1939.7, 3297.1, 1739.4, 2459.5, 2644.0, 2551.6, 3235.1, 4153.8, 3380.2, 3158.8, 3053.1 e 3301.7), o mutuário João Custódio Mendonça Soares e alguns dos seus familiares directos (Esmeralda Maria Bolas Soares, Nuno Miguel Bolas Soares, o arguido João Luís Bolas Soares e Elsa Maria Soares) e ainda a sociedade denominada Sociedade Agrícola Quinta da Palmeirinha Lda, tinham, em Junho de 1994, uma dívida para com a mesma entidade que ascendia a 196.464.981$00.

                2) Para liquidação dos referidos empréstimos e da conta corrente caucionada foi aprovada, em reunião da direcção do dia 22 de Junho de 1994 - em que estiveram presentes os arguidos Manuel Pego, José Manuel Pescada Correia, Joaquim Negritas Fitas, além de José André Neto - uma dação em pagamento.

                3) Com vista a obter valores de referência para tal dação em pagamento, foi necessário efectuar a avaliação dos prédios em causa, a qual foi realizada, em 07.06.1994, pela arguida Ana Paula Severino, a qual atribuiu ao prédio misto com os art. 8 S e 268 um valor entre 22.382.500$00 e 25.178.500$00, ou um valor comercial de 33.000.000$00, e ao prédio misto com os art. 7 AE e 2432, 2433, e 2434, um valor entre 75.829.500$00 e 86.429.500$00, ou um valor comercial de 135.000.000$00.

                4) O arguido Carlos Ferreira, em 30.09.1994, avaliou o prédio misto inscrito na matriz sob os art. 7 AE e 2432, 2433, 2434 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º 693, tendo-lhe atribuído o valor de 169.000.000$00.

                5) No dia 27 de Junho de 1994 foi celebrada a escritura de dação em pagamento - estando a CCAMO representada pelos arguidos Manuel Pego e Joaquim Fitas, além de José Neto - na qual foi entregue, para liquidação do montante em dívida de 196.464.981$00 (dívida que ficou assim saldada), os aludidos prédios, aos quais foi atribuído, na mesma escritura, o valor global de 194.464.981$00, e 200 acções (da sociedade Hortofrutal SA) no valor de 2.000.000$00.

                6) O prédio misto inscrito na matriz predial sob o art. 268 e 8 S foi avaliado como tendo um valor de mercado, à data da escritura de dação em pagamento, de 165.200 euros e o misto inscrito na matriz sob os art. 2432, 2433, 2434 e 7 AE um valor de 601.000 euros.

                7) Os mesmos acabaram por vir a ser vendidos, em 20 de Setembro de 1994 (o 268/8S) e em 27 de Janeiro de 1998 (o 2432/33/34/7AE), pelas quantias respectivas de 28.000.000$00 e 70.000.000$00.

                (…)

                Situação XVIII:

                1) Na sequência de empréstimos anteriormente solicitados pelos próprios à CCAM/Olhão e por esta concedidos, em 30 de Setembro de 1995 o sócio n.º 1060 José Manuel Barros Graça tinha uma dívida para com a mesma entidade que ascendia a 58.777.523$00, enquanto que a sua mulher, a sócia n.º 1806 Zélia Maria Graça, tinha uma dívida que ascendia a 42.216486$00.

                2) Em 25 de Outubro de 1995 a Direcção da CCAM/Olhão - em reunião em que estiveram presentes os arguidos Manuel Pego, Joaquim António Negritas Fitas, Aníbal da Conceição Domingos e Joaquim Dionísio Botinas Fernandes - aprovou a concessão de dois novos créditos ao referido casal - cada empréstimo na importância de 53.000.000$00, num total global de 106.000.000$00 - garantidos os mesmos por "fianças cruzadas", isto é, a dívida do marido era garantida pela mulher e vice-versa.

                3) Para tal efeito, os titulares assinaram duas ordens de transferência em branco e a sócia Zélia assinou ainda um cheque avulso em branco.

                4) O montante referente ao sócio José Barros foi creditado na sua conta DO n.º 400334100 e o da sócia Zélia Graça foi creditado na sua conta DO n.º 4008754900.

                5) Os empréstimos concedidos foram usados no pagamento dos anteriores empréstimos de Barros Graça e mulher à Caixa (no montante de 58.777.523$00 e 42.216.486$00), na liquidação do saldo negativo de uma conta corrente de Barros Graça (no valor de 8.289.000$00) e para suportar subscrições do capital da Caixa (2.500.000$00 por cada membro do casal).

                6) Em 30.07.1992 a CCAM procedeu à avaliação de um imóvel pertença do sócio José Manuel Barros Graça, sito no Sitio dos Caliços (Freguesia de São Pedro - Faro) - avaliado na altura em 70.000 contos.

                7) A CCAM solicitou aos mutuários que aquele imóvel fosse dado em garantia, o que estes aceitaram, tendo-se chegado a realizar diligências nesse sentido, mas a respectiva hipoteca não chegou a ser constituída por, primeiramente, terem surgido dificuldades relacionadas com a regularização registal do prédio, e, depois, por a CCAM se ter atrasado ao providenciar pela constituição da garantia, tendo entretanto os mutuários alienado aquele prédio.

                8) Em 30 de Outubro de 1996 a dívida global do casal ascendia ao montante de 128.589 contos.

            Situação XIX:

                1) Na sequência de um crédito anteriormente solicitado pela própria à CCAM/Olhão, em Fevereiro de 1994 CC tinha uma conta corrente caucionada (CCC n.º 2118) com um limite de 29.000.000$00.

                2) Em 16 de Fevereiro de 1994, a mesma propôs à CCAM de Olhão a liquidação da aludida CCC através da sua substituição por um crédito do mesmo montante, garantido por uma fiança do seu marido, o arguido BB.

                3) Em 23 de Fevereiro de 1994 a Direcção da CCAM/Olhão - em reunião em que estiveram presentes os arguidos Manuel Pego, Joaquim António Negritas Fitas, José Manuel Pescada Correia, João Luís Bolas Soares, Manuel Silo Graça Caetano (este como suplente) e José André Neto - aprovou tal operação.

                4) Em 13 de Setembro de 1995 o arguido António Mercindo Guita, numa operação de reestruturação da sua dívida - englobando-se nesta o aludido empréstimo concedido à sua mulher Maria Odete Guita - solicitou à CCAM que a mesma fosse transformada num novo empréstimo a 2 anos, do montante de 87.500.000$00, tendo oferecido como garantias uma fiança subscrita por sua mulher e a hipoteca de um imóvel não identificado.

                5) Em 27 de Setembro de 1995 a Direcção da CCAM/Olhão - em reunião em que estiveram presentes os arguidos Manuel Pego, Joaquim António! Negritas Fitas, José Manuel Pescada Correia e Aníbal da Conceição Domingos - aprovou ta1 operação, com a fiança de Maria Odete Guita, não se mencionando qualquer hipoteca.

                6) Do montante concedido de 87.500.000$00, o arguido AAutilizou o montante de 87.317.000$00, em 28.09.95, o qual foi integralmente usado no pagamento de dívidas à Caixa.

                7) A Caixa nunca chegou a constituir a hipoteca, embora algumas diligências tendentes a essa constituição, mas concretamente não determinadas, tenham chegado a ser desenvolvidas.

            (…)

***

                Factos colhidos das contestações:

                1) Nas reuniões da Direcção, realizadas semanalmente, os processos, referidos em 14), eram apresentados verbalmente, em regra, pelo arguido Manuel Pego ou por Mário Guerreiro, funcionário da Caixa.

                (…)

                FACTOS ADITADOS em obediência ao decidido no douto Acórdão do Tribunal da Relação:

                A) O arguido AA, enquanto membro da Direcção da CCAM de Olhão para os triénios de 1992-1994 e 1995-1997, quis aprovar a liquidação de dívidas (decorrentes de propostas de crédito anteriormente aprovadas) por dação de imóveis aos quais haviam sido atribuídos valores exageradamente acima do valor de mercado, o que bem sabia, sabendo que destas decisões resultava um prejuízo efectivo para a Caixa, o que quis alcançar.

                B) Este arguido sabia que de tais decisões resultava como consequência necessária um prejuízo para a Caixa, consequência que aceitou.

                H) Este arguido AA sabia que as suas condutas eram proibidas por lei penal.

                Factos resultantes da reabertura da audiência:

                AA) O arguido Manuel Pego nasceu em Olhão, em família detentora de um estado socioeconómico equilibrado.

                Concluiu o antigo 5° ano do liceu, após o que, aos 17 anos, se deslocou para Tomar, com intenção de frequentar no Colégio Nuno Alvares o 6° e 7° ano do liceu, de molde a ingressar, posteriormente, na carreira militar. Decorrido um ano de permanência no Colégio, regressou ao agregado dos pais, por iniciativa própria, por inadaptação ao quadro institucional, tido como rígido, vindo a concluir o 7° ano do liceu em Faro.

                Decorreu depois um período de cerca de 2 anos de inactividade, utilizados parcialmente para a preparação do seu ingresso na Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa, o que ocorreu aos 22 anos, como funcionário administrativo, actividade que exerceu durante cerca de 1 ano.

                Efectuou um trajecto ascendente no sector bancário, verificando-se, neste contexto, mobilidade geográfica, procurando melhores condições em termos de carreira e salariais. Assim, aos 23 anos de idade ingressou no Banco Português do Atlântico, em Grândola, como balconista, onde permaneceu cerca de 2 anos, tendo sido transferido sucessivamente para Faro e Setúbal, onde exerceu a função de contabilista do B.P.A. no Departamento de Organização e Métodos.

                Em 1968 deslocou-se para Angola, onde se manteve até 1976 como Inspector e Gerente de Zona do Banco Pinto Sotto Mayor. Em Portugal desenvolveu diligências no sentido de integrar os quadros do aludido banco, sem sucesso, na sequência da recusa do BPSM em reintegrá-lo em Portugal, invocando o abandono do posto de trabalho.

                Confrontado com a situação de inactividade laboral, inscreveu-se na Comissão dos Retornados, junto dos Sindicatos dos Bancários, tendo sido integrado no Banco do Algarve, como principiante. Posteriormente ocorreu a incorporação do Banco do Algarve no Banco Português do Atlântico, inserindo-se, então, no quadro de pessoal deste Banco, ascendendo à categoria de subchefe administrativo dos serviços em Tavira.

                Quando regressou de Angola, paralelamente à sua actividade no sector bancário, começou a desenvolver tarefas no sector agrícola, nos terrenos dos pais, tendo procedido à sua inscrição como sócio, juntamente com a família mais próxima, na Caixa de Crédito Agrícola de Olhão.

                Em 1983 foi eleito membro da Direcção da citada instituição, tendo o arguido pedido a demissão do cargo no BPA por este não admitir a coexistência de funções.

                Contraiu matrimónio aos 23 anos de idade, que terminou após 5 anos de convivência marital, do qual resultou o nascimento de dois filhos, vindo a filha a falecer com 22 anos.

                Em 1977 contraiu novamente matrimónio, que ainda perdura.

                À data dos factos o arguido residia com a cônjuge, numa moradia.

                Mantinha, paralelamente à actividade na CCAM, actividade no sector agrícola, como empresário agrícola, em nome individual, actividade que cessou, em virtude de dificuldades financeiras, em 1994.

                Após ser desligado da CCAM exerceu actividade no Finibanco, como responsável pelo lançamento da Delegação da Fuzeta, cerca de 2 meses, tendo sido forçado a abandonar essa actividade por imposição da Caixa Central Agrícola, procedendo à sua inscrição no Centro de Emprego, não obtendo qualquer trabalho, recebendo o respectivo subsídio de desemprego.

                Colaborou ainda numa empresa de venda de automóveis usados, como vendedor, desde 2001, não exercendo qualquer actividade desde os 65 anos, idade a partir da qual se encontra reformado, com uma pensão de cerca de 1.500 euros mensais. A cônjuge também se encontra reformada, com uma pensão de cerca de 500 euros mensais.

                Nos últimos 3 anos tem apresentado alguns problemas de saúde, com recurso a internamentos e duas cirurgias.

                Actualmente vive em casa cedida por familiares, pagando a prestação (no valor de cerca de 800 euros) devida por aqueles pela amortização de empréstimo bancário contraído para a sua aquisição.

                (…)»

           

            3. Tudo visto, cumpre decidir.

           

            3.1. Objecto do Recurso

            No requerimento de interposição do presente recurso o Recorrente declarou, como dissemos, que «o recurso abrange toda a matéria decidida a partir do acórdão da Relação de ... datado de 31.03.2009 e os demais que, em conjunto até ao de 08.04.2014, constituem a decisão final da 2ª instância que conhece do mérito da causa» (cfr. fls. 8891).

            As questões que o Recorrente suscita, em função das conclusões com que rematou a motivação, são as seguintes:

            – Quanto à questão penal:

                        – que o acórdão recorrido  violou o artº 410º, nº 2, do CPP «ao considerar ter havido contradição insanável entre a fundamentação da decisão da primeira instância e a respectiva decisão e erro notório na apreciação da prova»;

                        que o acórdão recorrido «fez ainda incorrecta aplicação do direito, em particular da norma do art. 235º, nº 1, do CPenal, por ter julgado que o Arguido Manuel Pego infringiu regras económicas de gestão racional, sem que indicasse ou definisse o teor dessas normas e concretizasse a violação».

                        que «infringiu a mesma norma e o art. 374º, nº 2, do CPP ao dar como provado, a partir dos factos constantes da fundamentação da decisão da primeira instância, a existência do elemento subjectivo da intenção de violar as ditas normas ou regras de gestão racional».

            (Cfr. conclusões A. a Q.)

            Quanto à questão civil:

                        – que, sendo incorrectos os valores atribuídos aos prédios dados em cumprimento, por incorrectos ou inadequados serem os critérios de avaliação utilizados, o  acórdão recorrido violou o disposto no artº 562º do CCivil ao fixar o valor da indemnização (Cfr. conclusões seguintes).

             

            3.2 Julgamento/Fundamentação

           

            3.2.1. Da questão penal:

            Questão prévia: admissibilidade do recurso

            O Recorrente iniciou a motivação do recurso descrevendo a «peculiar marcha do processo, em que a decisão final da Relação foi sendo estabelecida por fases ou etapas» – 1ª) «a decisão que alterou a matéria de facto provada na 1ª instância»; 2ª) «a decisão que fixou a pena»; 3ª) «a decisão que fixou a indemnização» e 4ª) «as duas decisões que fundamentaram a indemnização arbitrada» –, para depois afirmar que «o conjunto destas decisões constitui a decisão final sobre que se pronunciou a Relação» e concluir que «é o conjunto destas decisões que é passível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

            E a subsequente argumentação visa justamente «a decisão que originou todo o restante percurso processual», isto é, «a decisão da Relação que alterou a matéria de facto e a sua qualificação jurídica como tipificando um crime de administração danosa … com a consequente baixa do processo à 1ª Instância para fixação da pena» – decisão essa que, como vimos, foi a proferida no acórdão de 31.03.2009. Aliás, foi este o acórdão que invocou quando a seguir escreveu que «toda esta matéria – naturalmente a que tinha acabado de especificar – tinha sido já abordada … no recurso que interpôs do acórdão da Relação em 04.05.2009…» (isto é, o recurso que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça que não foi recebido) e, agora, quando quis justificar a admissibilidade do recurso e a sua legitimidade para recorrer, ao acrescentar que «o acórdão … de 31.03.2009 [foi] confirmado pelo acórdão de 08.04.2014…».

            Por outro lado, no capítulo da motivação sobre os “Fundamentos do recurso”, na parte relativa à questão penal, é o acórdão de 31.03.2009 que o Recorrente impugna, pois é o único expressamente invocado nessa parte da motivação (cfr. os §§ 3º e último de fls. 8906; o § 1º de fls. 8907; o último § de fls. 8918 e, por fim, para dissipar qualquer dúvida, a conclusão com que termina esta parte da motivação, fls. 8922: «o acórdão recorrido, da Relação, datado de 31.03.2009….»).      

            As conclusões que no início transcrevemos são, assim, reportadas ao referido acórdão.

            Ora, o Senhor Procurador-geral Adjunto do Tribunal da Relação de ... entende que o recurso quanto à matéria penal deve ser rejeitado por incidir sobre matéria já apreciada, decidida e coberta pelo caso julgado.

            E o Senhor Procurador-geral Adjunto do Supremo Tribunal de Justiça vai mesmo mais longe ao afirmar que a única questão tratada no acórdão recorrido, como nele expressamente se afirma, respeita à questão cível.

            E têm inteira razão, cada um na perspectiva em que se colocou.

            De facto, o Tribunal da Relação, na procedência do recurso então interposto pelo Ministério Público, proferiu o dito acórdão de 31.03.2009, fls. 7907, que julgou o Recorrente autor de um crime de “administração danosa”, p. e p. pelo artº 235º, nº 1, do CPenal. Contudo, pelos motivos que apontamos, não lhe aplicou a correspondente pena e ordenou que o processo baixasse à 1ª Instância para esse efeito.

            Na sequência deste acórdão e em obediência ao assim decidido, o Tribunal da 1ª Instância fixou a pena em 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período (acórdão de 01.07.2010, fls. 8153/8230), pena essa que reiterou em novo acórdão, o de 03.05.2012, fls. 8379/8459 – depois de o anterior ter sido anulado, nos termos que referimos em 1.2.3., supra, pelo acórdão da Relação de 08.08.2011 – e que o Tribunal da Relação, em novo recurso interposto pelo Arguido, confirmou pelo acórdão de 19.02.2013, fls. 8569/8604.

            Este último acórdão não foi impugnado, nem por via de recurso ordinário nem por meio de reclamação.

            Consequentemente transitou em julgado a partir do momento em que se esgotou o prazo para eventual recurso ou reclamação, como decorre do disposto no artº 677º do CPC1961, então vigente, correspondente ao artº 628º do Código actual.

            A questão penal ficou, assim, completa e definitivamente resolvida por aquele acórdão de 19.02.2013 que, por ter transitado em julgado, constitui caso julgado nos precisos termos em que julgou, isto é, ao confirmar a decisão da 1ª Instância, que o Recorrente, em função dos factos julgados provados, cometeu o referido crime aí identificado (melhor, já antes identificado pelo Tribunal da Relação) a que corresponde a concreta pena aí aplicada – artº 671º, nº 1, do CPC1961 (artº 619º, nº 1 do CPC2013).

            O recurso não é, por isso, admissível quanto à decisão penal, o que determina a sua rejeição, nos termos dos arts. 414º, nº 2, e 420º, nº 1, alínea b), do CPP.

            Aliás, não compreendemos a definição do objecto do recurso nos termos em que o demarcou o Recorrente no requerimento de interposição e na motivação.

            O acórdão de 08.04.2014 – o último dos proferidos pelo Tribunal da Relação e o único de que validamente recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça –, não confirmou nem pode ter confirmado (nem, obviamente, alterado ou revogado) o acórdão de 31.03.2009 ou, nessa parte, o acórdão de 19.02.2013 porque não incidiu sobre a questão penal,        

            E é precisamente esta a posição em que se colocou o Senhor Procurador-geral Adjunto deste Tribunal quando alegou que o objecto do recurso sobre que recaiu o acórdão do Tribunal da Relação de 08.04.2014 «reconduzia-se á vertente civil, para análise da fundamentação que presidiu à fixação do montante indemnizatório (liquidado)», como, de resto, foi expressamente afirmado logo no 2º parágrafo da “Fundamentação” desse acórdão, fls. 8758, em total correspondência, aliás, com as conclusões que o Recorrente havia extraído da motivação, aí transcritas a fls. 8756.

            Ora, e por um lado, é por demais sabido que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas. Por outro, o Recorrente não imputa ao acórdão em causa o vício da omissão de pronúncia.

            Também por esta via o recurso seria de rejeitar, por incidir sobre matéria estranha à que foi julgada pelo acórdão recorrido, e, assim, por não ser admissível, nos termos das disposições legais acima invocadas.

           

            3.2.2. Da questão civil

            3.2.2.1. O caso sub judice é o de um pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime o qual, por força do princípio da adesão imposto pelo artº 71º do CPP, foi deduzido no processo penal aberto em consequência da prática desse mesmo crime.

            Nestes casos, coexistem, no mesmo processo, duas acções, em sentido material: uma penal, iniciada, em regra, com a abertura do inquérito; outra civil, cujo início coincide com a dedução do pedido, o equivalente à petição inicial[3].

            Interessa-nos, naturalmente, a segunda.

            O pedido da Demandante foi deduzido em 04.06.2002 e tem o valor de €6.000.490,35 (cfr. fls. 2472).

            O Recorrente/demandado, vem condenado a pagar à Demandante mais de um milhão e novecentos mil euros, para além de juros e do que vier a ser liquidado quanto às “Situações” IX e XX.

            Nos termos do nº 2 do artº 400º do CPP, introduzido pela Reforma de 1998 (Lei 59/98, de 25 de Agosto), o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

            Esses valores, qualquer deles (alçada e sucumbência) estão, no caso, largamente ultrapassados, face à lei que vigorava na data da dedução do pedido ou das que lhe sucederam, mais concretamente, à luz do nº 1 do artº 24º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ), na redacção original (a alçada dos tribunais da Relação era, então, por conversão da moeda, escudos, então em vigor, de €14.963,94) ou na redacção que lhe foi dada pelo artº 5º do DL 303/2007, de 24 de Agosto (a alçada passou, então, para €30.000,00), ou do artº 44º, nº 1, da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (que manteve o mesmo valor para a alçada).

            Mas para além desse, outro preceito há no CPP relativo aos pressupostos da admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Referimo-nos, está claro, ao nº 3 do mesmo artº 400º, introduzido pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, que, cortando com o princípio da adesão e com a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2002 dele derivada, veio estabelecer que, mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença/acórdão relativa à indemnização civil – preceito aqui aplicável, de acordo com a doutrina que emana do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2009, de 18.02.2009, publicado no DR, 1ª Série, de 19.03.2009, por o acórdão recorrido ter sido proferido na vigência daquela Reforma.

            O apelo a requisitos próprios do processo civil e à autonomização referidos vem sendo entendido, na sequência, de resto, dos trabalhos preparatórios daquela Reforma (de 2007), como tendo sido intenção do legislador «alinhar o regime do recurso da questão cível com o regime do processo civil, estabelecendo que as possibilidades de recurso do pedido de indemnização civil [só trata, de facto, dos pressupostos de admissibilidade desses recursos] são as mesmas, independentemente da acção civil aderir ao processo penal ou de ser proposta e seguir autonomamente como processo civil».

            Mas se essas possibilidades são as mesmas, então terá de se ter também em linha de conta, desde logo por força do artº 4º do CPP, as normas do CPC que regem sobre a admissibilidade do recurso de revista (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22.06.2011, Pº nº 444/06.4TASEI, de 15.12.2011, Pº nº 53/04.2IDAVR.P1.S1, de 25.01.2012, Pº nº 360/06.0PTSTB, de 06.03.2014, Pº nº 89/01.5IDLSB.L1.S1, de 10.04.2014, Pº nº 378/08.8JAFAR.E3.S1 e jurisprudência neles citada).

            Nessa matéria, a legislação processual civil tem sofrido significativas alterações ao longo da vida do processo aqui em apreciação.

            Actualmente, e desde 1 de Setembro de 2013, vigora o novo CPC, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho (cfr. o seu artº 8º).

            O Código actual como, de resto, o de 1961, não contém norma de direito transitório geral sobre a aplicação da lei no tempo. Mas constitui princípio geralmente aceite pela doutrina e pela jurisprudência que a nova lei processual, como qualquer outra lei, só vale para o futuro, como preceitua o artº 12º do CCivil, com respeito, todavia, pelos actos validamente praticados à sombra da lei antiga.

            Concretamente sobre a questão da admissibilidade dos recursos, ensina a mesma doutrina processualista, no que para a situação concreta interessa, que a nova lei deve aplicar-se a todas as decisões que venham a ser proferidas, depois da sua entrada em vigor, em causas pendentes, quer admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue o recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis[4].

            Todavia, a Lei nº 41/2013 contém uma norma de direito transitório especial, a do nº 1 do seu artº 7º, nos termos da qual «aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em acções instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações agora introduzidas, com excepção do disposto no nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente Lei».

            É essa precisamente a situação sub judice: (a) a Lei 41/2013 entrou em vigor, como já referimos, no dia 1 de Setembro de 2013; (b) o acórdão do Tribunal da Relação de que o Demandado/arguido interpôs recurso foi proferido depois dessa data, em 08.04.2014; (c) o pedido civil sobre que recaiu este acórdão foi deduzido antes de 1 de Janeiro de 2008, concretamente, como também antes assinalamos, em 04.06.2002 (cfr. fls. 2472), o mesmo é dizer que a presente acção foi instaurada nesta data.

            A generalidade da doutrina parece interpretar aquela regra de direito transitório no sentido de que, em casos como o sub judice, não tem aplicação o regime da dupla conforme.[5]      

            E a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vai no mesmo sentido, como se vê dos acórdãos de 29.10.2013, Pº nº 1132/03.9TBOBR.C1.S1-1ª Secção, de 20.03.2014, Pº nº 812/07.4TJVNF.P1.S1-7ª Secção, de 16.10.2014, Pº nº 5567/06.7TVLSB.L2.S1-7ª Secção e de 21.10.2004, Pº nº 1857/06.7TJVNF.P1-A.S1-6ª Secção, 

            Comungamos dessa opinião.

            De facto, o artº 7º da Lei 41/2013 remete o regime dos recursos de decisões proferidas depois da sua entrada em vigor em acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008, não para o CPC que revogou, como seria natural se quisesse que se lhes aplicasse o regime aí previsto à data da revogação e, portanto, também não para o seu artº 721º, nº 3, mas para o DL 303/2007, na sua totalidade, que antes o havia alterado. Por isso que disse que se aplicava «o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei 303/2007…» e se compreende a ressalva feita para as acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008, pois o DL 303/2007 que, além de outras alterações ao regime dos recursos então vigente, introduziu a cláusula da irrecorribilidade no caso de dupla conforme, arredou, no seu artº 11º, nº 1 (necessariamente abrangido naquela remissão global), a aplicabilidade dessa cláusula (e de outras normas) aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, justamente o dia 1 de Janeiro de 2008.

            O caso concreto preenche, pois, os pressupostos de admissibilidade do recurso estabelecidos pelos nºs 2 e 3 do artº 400º, do CPP

            Todavia,

            3.2.2.2. como dissemos atrás, a questão da violação da norma do artº 562º do CCivil, suscitada pelo Recorrente no âmbito do recurso relativo à questão civil, assenta (também) na impugnação dos critérios de avaliações fixados aos Peritos e dos valores a que estes chegaram, tendo até invocado um outro método, o método comparativo, como o método mais adequado para determinar o valor de mercado dos referidos prédios.

            Ora, o que está aqui em causa é um processo penal em que, ao abrigo, mas também por imposição, do artº 71º do CPP (princípio da adesão), a Demandante deduziu pedido de indemnização civil contra o Arguido/demandado/recorrente (e outros), fundado na prática do crime por que acabou condenado. O pedido civil susceptível de ser formulado, por via do princípio da adesão, no processo penal, é, com efeito, o que assenta nas «perdas e danos emergentes de um crime», como resulta da conjugação da norma do artº 129º do CPenal com aquela disposição do direito adjectivo.

            A causa de pedir é, assim, constituída, nestes casos, pelos factos que integram a infracção criminal. E foi nesse sentido que se moveu a Demandante/assistente ao alegar, na sua petição, que «com os factos que da acusação constam – à qual tinha acabado de dizer que aderia integralmente – os arguidos violaram ilicitamente os direitos da Assistente e causaram-lhe os prejuízos indicados nos Pontos … dessa acusação» (cfr. fls. 2473 e 2474).

            Concluímos atrás que, no caso sub judice, a decisão sobre a questão penal transitou em julgado.         Por isso que também os pressupostos de facto da condenação do Recorrente pela prática do crime de administração danosa, que incluem naturalmente os valores dos prédios entregues para extinção das dívidas, não possam ser agora questionados e, ainda menos, alterados com vista à pretendida reapreciação da sua condenação no pedido civil. E foram esses os valores que as Instâncias usaram para calcular a indemnização a pagar pelo Arguido, excepto nas “Situações” III e X, onde consideraram, para esse efeito, os valores superiores por que os mesmos prédios foram posteriormente vendidos, também eles fixados na decisão sobre a matéria de facto (cfr. fls. 8702 do acórdão da 1ª Instância e fls. 8787 e segs. do acórdão recorrido, que, exceptuando meras correcções de cálculo aritmético, confirmou integralmente esse procedimento).

            Formou-se, pois, caso julgado sobre esses valores.

            Aliás, tendo o Tribunal da 1ª Instância, na sequência do reenvio decretado pelo acórdão da Relação de 12.04.2005, ordenado a realização de uma nova perícia, ao abrigo do disposto nos arts. 158º, nº 1, alínea b) e 340º, nº 1, do CPP e fixado o seu objecto e «todos os factores exógenos e endógenos» a ter em conta na avaliação desses prédios (cfr. deliberação de 14.05.2005, fls. 5027/5032), o Recorrente, apesar de notificado tanto do teor dessa deliberação (cfr. fls. 5035) como do subsequente relatório de peritagem (cfr. fls. 6218), nada disse nem contra aqueles critérios de avaliação nem contra os valores que, a partir deles, os Peritos fixaram.

            É certo que o Tribunal da 1ª Instância, no acórdão de 02.05.2008, a propósito da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, para que remetem os posteriores acórdãos do mesmo tribunal de 03.05.2012 (fls. 8451) e de 05.09.2013 (fls. 8696), qualificou os valores alcançados pelos Peritos como «valores de referência» (fls. 7727).            

            Mas as considerações em que assenta esse juízo, desde logo a de que «a generalidade das dações em causa nos autos se encontram perfeitamente justificadas, quanto aos valores usados, pela realização de prévias avaliações (que, repete-se, nada permite, nesta sede, considerar viciadas), que oferecem os valores em que as dações se baseiam», foram, a par de outras, as que serviram para ditar a absolvição do Recorrente (e dos outros Arguidos).      

            Ora, essa fundamentação, e portanto também o juízo sobre a relativização dos valores alcançados pelos Peritos, foi revogada pelo Tribunal da Relação no acórdão de 31.03.2003 quando considerou preenchidos tanto o elemento objectivo como o elemento subjectivo do crime de administração danosa e condenou o Arguido como seu autor. 

            Aliás, nos termos do artº 163º, nº 1, do CPP «o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador». E, nos termos do número seguinte, «sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência», com argumentos da mesma natureza técnica, científica ou artística. Isto é, como anota Santos Cabral, no “Código de Processo Penal, Comentado”, 2014, 686, citando Germano Marques da Silva, «salvo na existência de fundamento em crítica material da mesma natureza, isto é, científica, técnica ou artística, o relatório pericial [impõe-se] ao julgador»[6].

            Ora as referidas considerações do Tribunal Colectivo no sentido de relativizar as avaliações periciais não assentam decididamente em juízo técnico mas em simples convicções dos Juízes. Por isso que os valores ali fixados se lhes impusessem para os efeitos processuais para que foram determinados. E, na verdade, o mesmo Tribunal Colectivo não deixou de considerar provado como valor dos prédios à data da dação os que os Peritos fixaram, depois de toda a prova que foi produzida em audiência, incluindo os esclarecimentos aí prestados pelos mesmos Peritos. A nuance explicativa de que os valores fixados na decisão sobre a matéria de facto são valores «decorrentes de avaliação” e não os valores da perícia (cfr. fls. 7727) não pode diminuir o valor dos resultados desta perícia.

            De qualquer modo, o Tribunal da Relação, no acórdão de 19.02.2013, julgando a impugnação da matéria de facto suscitada no recurso do Demandado – que já então incidia sobre os critérios e métodos de avaliação bem como sobre os valores atribuídos aos prédios – considerou que Recorrente «arroga-se no direito de sindicar a matéria de facto, não obstante a decisão deste Tribunal da Relação que a veio anteriormente alterar… [referência, naturalmente, ao acórdão de 31.03.2009] e, que «a sua alegação equivale a apresentar novo recurso sobre questão já apreciada, contendendo com o caso julgado que sobre a mesma se formou e com a correspondente força obrigatória dentro e fora do processo» (cfr. fls. 8583/8584) – conclusão, esclarece, que «a tanto não colide a circunstância do tribunal recorrido, como lhe foi imposto, ter proferido novo acórdão, para suprir a nulidade detectada, de modo a que, nos termos legais, se possa configurar como verdadeira decisão final e ser objecto de recurso na parte que o admitisse». Aliás, prossegue, «não obstante este Tribunal da Relação tenha, … no essencial, detectado erro notório relativamente à conclusão extraída pelo tribunal a “quo” acerca desses factos [os factos não provados das alíneas A, B e H] e, por isso, tenha suprido o mesmo, modificando-os, não deixou, implicitamente, no restante, de considerar que os factos, na sua globalidade, ficaram fixados, só deste modo se entendendo a asserção de que o crime se mostrava preenchido».

            Por isso é que concluiu, que se mostrava «inviável o pretendido conhecimento do recurso em matéria de facto, na medida em que se mostra esgotado o poder jurisdicional relativamente a tal questão…» (cfr. fls. 8585/8588).            

            E depois, passando à apreciação da questão da alegada «ausência de fundamentação quanto à indemnização fixada», considerou que, quanto à questão do método de avaliação do valor de mercado dos prédios objecto das dações em cumprimento, então também suscitada pelo Recorrente, se tratava de matéria «cuja apreciação está agora vedada nos termos que ficaram explanados em A)» (cfr. fls. 8597) – o capítulo a que aludimos, relativo à impugnação da matéria de facto.  

            De qualquer modo, ainda que caso julgado não houvesse, o recurso, nesta parte, sempre estaria condenado à rejeição, porquanto a impugnação dos critérios de avaliação dos ditos prédios e os valores que, com base neles, as instâncias lhes fixaram, constitui matéria insusceptível de ser reexaminada em recurso de revista, como decorre do disposto nos arts. 434º do CPP e 682º, nº 2 e 674º, nº 3 do CPC2013 (a que correspondem, sem alterações, aos arts. 729º, nº 2 e 722º nº 3, do CPC1961).

            Concluímos, assim, que este segmento do recurso relativo à questão cível tem de ser rejeitado, por não ser admissível. Os valores dos prédios entregues em dação de cumprimento, na data em que os respectivos negócios jurídicos se realizaram estão irrevogavelmente fixados na decisão sobre a matéria de facto que o Tribunal da Relação confirmou.   

            3.2.2.3. Resta, para apreciação, a alegada violação do artº 562º do CCivil.

            Mais concretamente se, para cumprimento deste preceito, os valores dos prédios a atender são, como decidiram as Instâncias, os seus valores à data das dações em cumprimento (e, repetimos, esses valores são os que, definitiva e irrevogavelmente foram fixados na decisão sobre a matéria de facto) ou outro, como sugere a motivação do recurso quando argumenta que a situação patrimonial da lesada dever ser reportada a data mais recente ou quando, partindo daquela consideração das Instâncias de que os valores das avaliações são valores meramente referenciais, concluiu que falha um dos termos da operação destinada a determinar o valor dos prejuízos, como configurada pelo artº 562º do CCivil.

            Já nos pronunciamos sobre o valor processual daquela consideração. E não podemos deixar de sublinhar que, apesar dela, a 1ª Instância assentou em que, «tendo em conta o disposto no artº 562º do CCivil … os danos medem-se, nas situações relacionadas com as dações em pagamento, pela diferença entre o valor dos créditos da demandante que foram extintos, com a entrega dos bens, e o valor destes bens à data (o dano consiste na parte do crédito que se extingue sem contrapartida, ou seja, sem estar coberto pelo valor do bem recebido…» (cfr. fls. 8700) – procedimento que foi inteiramente sufragado no acórdão recorrido, como se vê de fls. 8795/8796, que refutou as críticas do Recorrente, considerando-as sem «sentido útil» e afirmou que aquele critério se lhe «[afigurou] que teve, e bem, em conta, a natureza dessa forma de extinção da obrigação de pagamento das dívidas de que a demandante era credora».

            E são, de facto, os valores dos prédios à data das dações para cumprimento que têm de ser considerados.                     

            Como disse o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 06.05.2010, Pº nº 905-U2001.C1.S1, «a proporcionalidade das prestações das partes num negócio com a configuração típica da dação em pagamento – envolvendo, de forma simultânea e recíproca, um efeito transmissivo de um bem para o património do credor e o efeito extintivo de um crédito ou conjunto de créditos de que este era titular no confronto do devedor – tem de ser aferida comparando o valor real do bem transmitido e o valor dos créditos extintos através da dação».

            Ora, independente do nome dado ao negócio jurídico nas diversas escrituras, o certo é que o aí configurado é efectivamente o de dação em cumprimento previsto no artº 837º do CCivil. Por isso que as entregas dos prédios extinguiram as dívidas. E, assim, aquele termo de comparação tinha de ser estabelecido, como foi, entre o valor fixado na decisão sobre a matéria de facto – o valor real, no plano judicial – e o valor da dívida extinta.

            E foi essa, repetimos, a operação que as Instâncias realizaram relativamente a cada uma das “Situações” em análise, para cálculo da indemnização, excepto em relação às “Situações” III e X, em que não atenderam ao valor real do prédio mas, sim, ao valor, superior, por que foram posteriormente vendidos, em claro benefício do Recorrente.

            Consequentemente, o recurso improcede, neste segmento.

             

            4. Correcção do acórdão recorrido

            Independentemente da conclusão anterior, constatamos que o acórdão recorrido enferma de erros de direito, de erros factuais e de erros de cálculo.

            Assim,

            4.1. O acórdão recorrido, ao confirmar a decisão da 1ª Instância de, nas referidas “Situações” III e X, atender, não ao valor dos prédios, mas ao valor superior da posterior venda, corroborou um erro na aplicação do direito, do citado artº 837º.

            Como dissemos antes, envolvendo a datio in solutum um efeito transmissivo de um bem para o património do credor, as posteriores oscilações de valor dos prédios entregues não podem ser atendidas para aferir da proporcionalidade das prestações. As mais-valias ou menos-valias resultantes da venda de um prédio já pertencente, já integrado, no património de quem era credor constituem naturalmente lucros ou prejuízos seus, sem reflexos na avaliação, necessariamente anterior, daquela proporcionalidade.

            Já não assim se a entrega dos prédios constituísse uma dação pro solvendo atendendo ao regime do artº 840º do CCivil. Então a entrega dos prédios destinar-se-ia, não ainda à extinção do crédito, mas a facilitar a sua satisfação, através do produto da venda que, no excedente (em relação ao crédito satisfeito, já se vê), reverteria a favor do devedor.

            Consequentemente, os valores a indemnizar nestas “Situações” seriam mais elevados do que os fixados no acórdão recorrido, por ser inferior o valor do diminuidor.

            Em concreto:

            - na “Situação” III, o prejuízo atinge os €136.683,20 (<486.860,00-48.860,00), bem acima dos €63.369,53 fixados no acórdão recorrido.

            - na ”Situação” X, o prejuízo atinge os €244.353,51 (<374.510,91-130.500,00), superior aos €232.353,51, fixados no acórdão recorrido.

            4.2. Na “Situação” IV verificamos que o valor do prejuízo foi calculado apenas em função do valor do capital em dívida, de €453.182,82 (<90.854.939$:200,482), como se vê de fls. 8706 do acórdão da 1ª instância e de fls. 8794 do acórdão recorrido. Por isso é que o valor do prejuízo contabilizado foi de €196.782,82, correspondente, de facto, à diferença entre aquele valor de €453.182,82 e o valor atribuído aos prédios entregues em dação, de €256.400,00.

            Mas a dívida total, no contexto da matéria de facto provada, compreendia, além daquele capital, os juros, pelo que ao montante daquele teria de ter sido somado o valor destes que, como veremos à frente, atingiam os 16.230.695$, correspondentes a €80.958,36.

            4.3. Além destes, o acórdão recorrido enferma de outros erros, embora agora de cálculo aritmético

            4.3.1. Assim, na já referida “Situação” III, mesmo em função do modo como o prejuízo foi determinado – que acima consideramos violador da lei – verificamos que, tendo sido dito pelas instâncias que ao valor da dívida liquidada pela dação (€189.543,20) se subtraía o valor dos prédios entregues em dação (€48.860,00) e que ao resto se abateria ainda o valor do lucro obtido com a venda dos prédios – este traduzido na diferença entre o valor por que os mesmos foram vendidos (€77.313,67) e o valor da avaliação(€48.860,00), o resultado final, correspondente ao prejuízo, seria de €112.229,53 <€189.543,20-€48.860,00-(€77.313,67-€48.860,00) ou €189.543,20-€77.313,67].             Porém, o Tribunal da Relação, ao efectuar os cálculos enunciados (o Tribunal da 1ª Instância não desceu a esse pormenor) fixou a diferença, isto é, o prejuízo, em €63.369,53, aparentemente por ter deduzido ao valor da dívida tanto o valor do prédio como o valor da venda.             4.3.2. No âmbito da “Situação” IV, verifica-se erro na soma dos juros: a soma das parcelas indicadas no nº 2, fls. 8767, totaliza 16.230.695$00 e não os 15.230.965$00 que daí constam.             4.3.3. Os erros de cálculo na conversão de escudos em euros verificados no acórdão da 1ª Instância relativamente às “Situações” VIII e XI foram corrigidos no acórdão recorrido (cfr. fls. 8797). ***             As correcções apontadas, seja no âmbito da aplicação do direito ou da consideração dos factos provados, seja no domínio do mero cálculo aritmético, não podem, no entanto, ser aqui consideradas por conduzirem todas elas a uma indemnização superior à que vem decretada – o que se traduziria em manifesta violação do princípio da proibição da reformatio in pejus consagrado no artº 635º, nº 4, do CPC (artº 684º, nº 3, do CPC de 1961).                         5. Em conformidade com o exposto, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:             5.1. rejeitar o segmento do recurso relativo à questão penal, por não ser admissível;             5.2. relativamente ao segmento do recurso relativo à questão civil:                         5.2.1. rejeitá-lo na parte em que impugna os critérios de avaliação dos prédios entregues para dação em cumprimento e os valores que lhes foram fixados na decisão sobre a matéria de facto, e                         5.2.2. julgá-lo, no mais improcedente;             5.3. Corrigir o acórdão recorrido nos termos referidos em 4., supra, embora sem qualquer reflexo na decisão final nele tirada;             5.4. confirmar, no mais, o acórdão recorrido. ****             Custas pelo Recorrente:             - Quanto à parte penal, fixa-se a taxa de justiça em 8 (oito) UC’s, nos termos dos arts. 513º do CPP, 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela III a ele anexa;             - Quanto ao pedido civil:             Nos termos dos arts. 523º do CPP, 527º e 530º, do CPC, 6º, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa, a taxa de justiça do recurso no  pedido civil é de 8 UC´s, nas acções cujo valor se situar entre €250.000,00 e €275.000,00. Para além deste montante, ao valor daquela taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000,00 ou fracção, 1,5 UC, no caso da coluna B (a coluna da Tabela I que fixa a taxa de justiça no caso de recurso).             No nosso caso, tanto o valor do pedido como o valor do montante indemnizatório em que o Demandado foi condenado ultrapassam em muito aquele limite dos €275.000,00.             Todavia, o nº 7 do referido artº 6º permite ao juiz dispensar o responsável pelas custas do pagamento daquele acréscimo, quando a especificidade da situação o justificar, atendendo designadamente à complexidade da causa e à sua conduta processual.             Nestes termos, apesar de o Demandado ter recorrido com evidente desrespeito pelo caso julgado e de ter persistido nessa conduta quando apresentou a resposta permitida pelo artº 417º, nº 2, do CPP – postura processual esta que, como a seguir se verá, será tributada nos termos do nº 3 do artº 420º do CPP e, por isso, impeditiva de dupla tributação pela mesma conduta –, dispensamo-lo do pagamento daquele acréscimo, atendendo à reduzida complexidade do recurso.             Fixamos, pois, a taxa de justiça, nesta parte, em 8 (oito) UC’s. ***             O Recorrente pagará ainda a importância de 7 (sete) UC’s, nos termos do disposto no nº 3 do artº 420º do CPP.                      Lisboa,   26 de Novembro de 2014 Processado e revisto pelo Relator Sousa Fonte (Relator) Santos Cabral --------------------------------------------------- [1] O direito português segue, por regra, o regime de substituição (e não o modelo de cassação) e o artº 2º, nº 2 do Protocolo nº 7 à CEDH preceitua justamente que o direito ao duplo grau de jurisdição pode ser objecto de excepção no caso, entre outros, de a pessoa ter sido julgada culpada e condenada no seguimento de recurso contra a sua absolvição.    [2] Dizemos repetiu porque a decisão sobre essa matéria, proferida no acórdão de 03.05.2012 foi confirmada, como acabamos de ver, pelo acórdão da Relação de 19.02.2013 – por isso que a decisão sobre essa matéria já tinha transitado em julgado quando foi proferido este novo acórdão. Aliás, a decisão agora proferida e a fundamentação aduzida são cópia integral do texto do anterior acórdão – Cfr. fls. 8697/8699 com fls. 8452/8454. [3] Cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2011, Pº nº 53/04.2IDAVR.P1.S1 da 5ª Secção [4] Cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 48; Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol.I, 61; Antunes Varela e Outros, “Manual de Processo Civil, 52; Luso Soares, “Direito Processual Civil, 202.  [5] Assim, João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, em “Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013”, fls. 118; Armindo Ribeiro Mendes em “A Regulamentação dos Recursos no Futuro Código de Processo Civil”, texto que lhe serviu de base a uma exposição oral feita no CEJ, em 16.04.2013; Abrantes Geraldes, em “Recursos no” Novo Código de Processo Civil”, 15/16; Marco Carvalho Gonçalves, em “Notas Sobre o Regime Transitório de Aplicação do novo Código de Processo Civil”, Cadernos de Direito Privado, nº 44, 26/27. Em sentido contrário, cremos que Laurinda Gemas, em “o Novo CPC e as Normas Transitórias Constantes da Lei nº 41/2013, de 21.06”,39 e segs., quando afirma que aos recursos de decisões proferidas a partir de 1 de Setembro de 2013 em acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008, se continua a aplicar o artº 721º, nº 3 do CPC revogado.  [6] Cfr., no mesmo sentido, Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal, Anotado», 2009, 417.