Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | FERREIRA DE ALMEIDA | ||
Descritores: | PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODERES DA RELAÇÃO MATÉRIA DE FACTO EMPREITADA COMPRA E VENDA DISTINÇÃO CONTRATO MISTO | ||
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Nº do Documento: | SJ200506090013962 | ||
Data do Acordão: | 06/09/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 7482/04 | ||
Data: | 12/02/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I. O exercício da faculdade anulatória ou de ordenação da ampliação da matéria de facto pelo tribunal «quo», plasmadas no n° 4 do artigo 712° do CPC, compete exclusivamente à Relação (v.g por deficiência, obscuridade ou contradição das respostas aos quesitos) porquanto se inserem no âmbito da fixação/assentamento dos factos essenciais/materiais da causa, em ordem a adregar um justo julgamento de mérito, assim se arredando do acervo dos poderes de cognição do STJ. II. Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço". artº 1207º do CC. III. Requisito essencial do negócio é a realização de uma obra (prestação de um serviço) - cfr. art. 1155º do mesmo diploma, que não a prestação de trabalho - cfr. artº 1152º), já que não existe vínculo de subordinação do empreiteiro relativamente ao dono da obra. O empreiteiro está apenas sujeito à fiscalização do dono da obra (cfr. art. 1209º), ainda que deva obedecer, na realização da obra, às prescrições do contrato, e outrossim, às regras próprias da arte ou profissão em cujo âmbito se integre a execução dessa obra. IV. Por "obra" deve entender-se não só a construção ou criação, como a reparação, a modificação ou a demolição de uma coisa. Do que não pode prescindir-se é de um resultado material, sendo esse o sentido, usual, normal, do vocábulo "obra". V. O fornecimento dos materiais necessários à execução da obra não altera a natureza do contrato, como resulta dos artigos 1210º e 1212º, o primeiro dos quais põe mesmo" normalmente a cargo do empreiteiro o fornecimento dos materiais e utensílios necessários à execução da obra". VI. Na empreitada, a transferência da propriedade dos materiais dá-se no momento da entrega da obra, e não por efeito do contrato, como no caso da compra e venda. Há empreitada, se o fornecimento dos materiais é um simples meio para a feitura da obra, e o trabalho constitui o fim do contrato. Há venda se o trabalho é simplesmente um início para obter a transformação da matéria. VII. As normas da compra e venda podem ser chamadas a título subsidiário, a suprir deficiências de regulamentação do contrato de empreitada, "ex-vi" do disposto no artigo 939º do CC, mesmo tratando-se de um contrato misto de fornecimento e empreitada. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A" - Mármores e Granito Lda" propôs com data de 10-2-94, acção ordinária contra "B", LDA" pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 3.001.254$00 e juros vincendos, a título de falta de pagamento dos fornecimentos de mercadorias que identificou na p.i. 2. Por sentença do Mmo Juiz da Comarca de Sintra foram a acção, e também a reconvenção oportunamente deduzida pela Ré, julgadas improcedentes. 3. Inconformados, apelaram a A. e, subordinadamente, a Ré, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 2-12-04, concedido provimento à apelação da A. e, em consequência revogado a sentença recorrida, julgando, em conformidade, procedente o pedido pela A. formulado, condenando, em consequência, a Ré no pagamento devido, e negando ainda provimento ao recurso subordinado da Ré, nessa parte mantendo a decisão recorrida. 4. Irresignada agora a Ré com tal aresto, dele veio a mesma recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: (a) - A matéria de facto comprovada integra, sim, a celebração de um contrato de empreitada entre A. e R.; (b) - Não tendo a A. provado a aceitação da obra, não está vencida a obrigação de pagar o preço, tanto mais que houve reclamação imediata por defeito do material de construção contratado; (c) - Com efeito, tratava-se de peças de granito de luxo e alta precisão destinadas a um hotel de Paris, sob padrões de exigência e supervisão altamente exigentes; (d) - A qual operou imediatamente detectando que em vez de pedras de granito polido, tinham sido envernizadas: por isso, rejeição, logo; (e) - Assim, deve ser mantido o acórdão de 1ª instância que absolveu a R. do pedido; (f) - Mas, deve proceder, ainda que parcialmente, a apelação desta, no sentido de ser ressarcida dos prejuízos que logrou provar, referentes às despesas imediatas e imediatamente consequentes da disponibilização do material incompleto e defeituoso (350+425 c.); (g) - Se assim não for entendido, o que só por hipótese académica se põe, o julgamento da matéria de facto merece ser anulado, porquanto o acórdão de 2ª instância anota especificamente defeitos no resultado da apreciação probatória (texto transcrito na minuta e para que se remete) que a torna no mínimo ambígua, ou mesmo ferida de contradição; (h) - Enfim, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa infringiu os art°s 562°, 566° e 1207° do CC ou, no limite, o art.º 712, nº 4, do CPC; 5. Não foi produzida contra-alegação. 6. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir. 7. Em matéria de facto relevante vêm assentes os seguintes pontos. a) - A ré encomendou à autora, após consulta prévia quanto a preços, o seguinte material granito Belfast: 200 peças com 0,80x0,09x0,02; 200 peças com 0,80x0,04x0,02; 70 peças com 0,20x0,10x0,045 e 50 peças com 0,80x0,16x0,02; b) - O preço acordado foi de 12.600$00 para as peças com 0,04 cm de espessura e 11.600$00 para as peças com 0,045 cm de espessura e 5.900$00 para as peças com 0,02 cm de espessura ao que acresceria a taxa do IVA a 16%.; c) - O desenho das peças executadas, bem como as respectivas medidas foram fornecidos pela Ré através de fax de 5/2/93, que constitui o documento nº1 junto com a petição e que se dá como reproduzido; d) - Após a confirmação e aceitação da encomenda, a A. executou o trabalho dentro do prazo que para tal fora destinado; e) - Ficou estabelecido que as importâncias facturadas seriam pagas dois meses após a emissão das facturas; f) - A Ré deslocou-se a Paris e despendeu na viagem 425.000$00; g) - O transporte do material em causa importou em 350.000$00; h) - Concluído o trabalho, parte do mesmo foi entregue pelos serviços da A. nas instalações da Ré em Pêro Pinheiro; i) - A outra parte foi a Ré que o transportou das instalações da A.; j) - A Ré estabeleceu alguns contactos com a A., tendo em vista o fornecimento de um conjunto de peças de granito, as quais se destinavam a um cliente da firma "C", com sede em Paris; K) - Para a execução desse fornecimento era necessário cerca de 30 metros quadrados de granito, que a A. não possuía; l) - A Ré forneceu granito à A.; m) - Este fornecimento destinou-se à execução das peças solicitadas pela cliente " C"; n) - As primeiras peças executadas foram enviadas de avião para Paris; o) - O dono da obra e cliente de C", o Hotel Nicot, em Paris recusou as peças e devolveu-as; p) - O material não estava polido e as molduras não estavam bem executadas; q) - A Ré transmitiu à A. aquela recusa, bem como os motivos invocados; r) - Em 30 de Abril de 1993, "C" escreveu o fax que se encontra junto a folhas 68, com tradução a folhas 75 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; s) - De tudo isto foi dado conhecimento à A.; t) - Foi para tentar demover da rejeição o cliente que a Ré se deslocou a Paris. Direito aplicável. 8. Matéria de facto: alegadas deficiências e contradições. Na conclusão g) da sua alegação, vem a recorrente sustentar que o julgamento da matéria de facto merece ser anulado, porquanto o acórdão de 2ª instância anota especificamente defeitos no resultado da apreciação probatória (texto transcrito na minuta e para que se remete) que a torna no mínimo ambígua, ou mesmo ferida de contradição. Mas, como é sabido, constitui típica matéria de facto saber se existe contradição entre as respostas aos quesitos, ou se essas respostas são obscuras ou deficientes, estando vedado ao STJ conhecer de tal matéria - conf., entre muitos outros o Ac do STJ de 14-3-00 - 1ª Sec. Vem, aliás, sendo reiterada a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que o exercício da faculdade anulatória ou de ordenação da ampliação da matéria de facto pelo tribunal a quo, plasmadas no n° 4 do artigo 712° do CPC, compete exclusivamente à Relação (v.g por deficiência, obscuridade ou contradição das respostas aos quesitos) porquanto se inserem no âmbito da fixação/assentamento dos factos essenciais/materiais da causa, em ordem a adregar um justo julgamento de mérito, assim se arredando do acervo dos poderes de cognição do STJ - conf. Ac do ST J de 2-4-92, in Proc. 82194 - 2ª SEC Ainda que, por mera hipótese haja havido erro no julgamento da matéria de facto, o mesmo só poderia ser conhecido e sindicado pelo Supremo em caso de prova vinculada, ou seja se ofendesse disposição expressa de lei que exigisse certa espécie de prova ou fixasse a força de determinado meio probatório (artº 722°, nº 2, in fine ). O que não é o caso do presente recurso. De resto - diga-se de passagem - a lei veda mesmo (hoje) o recurso para o Supremo das decisões da Relação contempladas no nº 4 do artº 712º do CPC. 9. Em 1ª instância foi o contrato a que se reportam os autos qualificado como "contrato de empreitada", tendo todavia, a Relação alterado essa qualificação para "contrato de compra e venda ". Insiste, porém, a Ré em que o contrato por si firmado com a A. se tratou de um verdadeiro "contrato de empreitada ". Ora, o que nos mostram os autos? Emerge do elenco da matéria de facto, "inter alia", o seguinte: - a Ré encomendou material à A. pelo preço acordado, parte do qual foi entregue nas instalações da R., a qual foi buscar a outra parte às instalações da A.; - a Ré estabeleceu contactos com a A. para o fornecimento de um conjunto de peças para um seu cliente da citada firma com sede em Paris, e, como a A. não possuía aquele granito, a R. forneceu-lho ela própria; - para a execução desse fornecimento eram necessários cerca de 30 metros quadrados de granito, que a A. não possuía; - a o fornecimento de granito pela Ré à A. destinou-se à execução das peças solicitadas pela cliente " C"; - só que o referido cliente recusou as peças e devolveu-as à Ré, tendo a R. transmitido à A. essa recusa; - para tentar demover tal cliente da recusa, teve a Ré que deslocar-se a Paris, em cuja viagem despendeu a quantia de 425.000$00; - o transporte do material em causa importou em 350.000$00. Da análise da matéria de facto operada pela Relação, - assentamento dos factos por reporte aos documentos processualmente adquiridos - concluiu este Tribunal de 2ª Instância ter havido dois fornecimentos de produtos por si fabricados feitos pela A. à Ré - em Fevereiro e em Maio de 1993 - sendo que as facturas deveriam ter sido pagas no prazo de dois meses, mas que tal não veio a verificar-se. Mais concluiu, em sede factual, que a devolução da mercadoria pelo cliente teve como destinatária a Ré remetente, nada se tendo provado quanto ao destino efectivo da mercadoria fornecida, apenas se tendo apurado que a mesma não chegou a ser devolvida à A.. Daí que, face aos fornecimentos efectuados em Fevereiro e Maio de 1993, a Relação haja entendido que um tal negócio consubstanciaria antes um simples contrato de compra e venda, cujo preço, constante das respectivas facturas parcelares, deveria ter sido pago nos termos acordados o que a Ré não fez; tudo segundo a noção de contrato de compra e venda plasmada no artº 874º do C. Civil. Como qualificar o negócio celebrado pelas partes e quais as consequências do seu incumprimento? Seguimos de perto, nesta senda, os Profs Pires de Lima e A. Varela, in "Código Civil Anotado, vol II, 4ª ed.pág 863 e ss. Nos termos do artº 1207º do C. Civil "empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço". Requisito essencial do negócio é a realização de uma obra (prestação de um serviço) - cfr. art. 1155º do mesmo diploma, que não a prestação de trabalho - cfr. artº 1152º), já que não existe vínculo de subordinação do empreiteiro em relação ao dono da obra. O empreiteiro age autonomamente estando apenas sujeito à fiscalização do dono da obra (cfr. art. 1209º), ainda que deva obedecer, na realização da obra, às prescrições do contrato, e outrossim, às regras próprias da arte ou profissão em cujo âmbito se integre a execução dessa obra. Embora seja esta a forma normal de fixação do preço, «concebe-se que a remuneração seja fixada não em atenção ao resultado, mas em consideração de outros factores entre os quais o da duração do tempo do trabalho» (conf. Vaz Serra, in Empreitada, no BMJ 145-146, nº 4). "Essencial para que haja empreitada é que o contrato tenha por objecto a realização de uma obra e não um serviço pessoal. Se se trata dum serviço pessoal, o contrato continua a ser de prestação de serviço, como a empreitada, mas não um contrato de empreitada, estando sujeito às regras do mandato, nos termos do artigo 1156º " (sic). Por realização de uma obra deve entender-se não só a construção ou criação como a reparação, a modificação ou a demolição de uma coisa. Do que não pode prescindir-se é dum resultado material, sendo esse o sentido, usual, normal, do vocábulo "obra". Temos assim que a noção legal de "empreitada" atende simultaneamente ao requisito do resultado (realizar certa obra) e ao critério da autonomia (falta da subordinação própria do contrato de trabalho). Os citados autores, in ob cit, pág 865, advertem, contudo, que não é muito fácil distinguir, por vezes, entre a empreitada e a compra e venda, embora sejam contratos com objectos diferentes: daquela nasce uma obrigação de prestação de facto - a realização da obra; desta, resulta a transferência da propriedade de uma coisa ou de outro direito. A questão levanta-se apenas nos casos em que os materiais são fornecidos pelo empreiteiro, e põe-se, sobretudo, quando o valor dos materiais suplanta o valor do trabalho. Em princípio, no nosso direito o fornecimento dos materiais necessários à execução da obra não altera a natureza do contrato, como resulta claramente dos artigos 1210º e 1212º, o primeiro dos quais põe mesmo" normalmente a cargo do empreiteiro o fornecimento dos materiais e utensílios necessários à execução da obra". O próprio regime dimanado desses dois preceitos difere do regime da compra e venda. Assim, a transferência da propriedade dos materiais dá-se no momento da entrega da obra, e não por efeito do contrato, como aconteceria se se tratasse duma compra e venda. Porém, as normas da compra e venda podem ser chamadas a título subsidiário, a suprir deficiências de regulamentação, "ex-vi" do disposto no artigo 939º. Casos há em que o negócio se aproxima muito mais da compra e venda do que da empreitada. "Critério decisivo é o de que há empreitada, se o fornecimento dos materiais é um simples meio para a feitura da obra, e o trabalho constitui o fim do contrato. Pelo contrário, há venda, se o trabalho é simplesmente um início para obter a transformação da matéria". (Igualmente sic). Para além dos elementos objectivos acima reportados, nada vem nos autos apurado acerca da real intenção dos contraentes, ou seja da vontade das partes acerca do contrato pretendido celebrar, domínio em que a Relação é soberana por se tratar de matéria de facto, tal como este Supremo vem geralmente entendendo. Todavia, os escassos elementos factuais apurados apontam para a celebração de um "contrato misto", já que se fez corresponder uma contra-prestação unitária à prestação que tinha simultaneamente por objecto a obrigação de transferir um direito de propriedade sobre a coisa transformada (as peças de granito) e a realização da obra da respectiva transformação (do granito fornecido pela própria Ré ). Ora, nos termos do artº 1208º do C. Civil "o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato. O artigo 1207º refere-se à obrigação típica que recai sobre o empreiteiro de realizar a obra. O artigo 1208º indica as condições em que a obra deve ser executada, ou seja, os termos em que deve ser cumprida a obrigação de fazer ou de mandar fazer assumida pelo empreiteiro. As condições de execução da obra são, em primeiro lugar, as convencionadas. Em relação às grandes empreitadas, é usual, tal como nas empreitadas de obras públicas, fixar as condições de execução num instrumento chamado "caderno de encargos", que compreende o projecto e é obrigatório nas empreitadas de obras públicas. Na hipótese vertente não existiram qualquer caderno de encargos ou quaisquer especificações de ordem técnico-estética que hajam sido pré-convencionados. Apenas vem provado que o desenho das peças executadas, bem como as respectivas medidas, foram fornecidos pela Ré através de fax de 5/2/93, que constitui o documento nº1 junto com a petição e que se dá como reproduzido. Certo é, porém, que o empreiteiro, além de dever conformar-se, na execução, com o que tiver sido convencionado, expressa ou tacitamente, deve ainda entregar a obra isenta de «vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato». O artigo 1208º, na sua 2ª parte, postula o princípio do nº 2 do artigo 762º, segundo o qual o devedor, no cumprimento da obrigação, deve pro-ceder de boa fé, e, portanto, segundo as regras da arte «que respeitem não só à segurança, à estabilidade e à utilidade da obra, mas também à forma e aspecto estético, nos casos e nos limites em que estes últimos factores são de considerar». Quando o fim ou o uso da coisa não tenha sido especialmente determinado no contrato, é de harmonia com o uso ordinário ou o fim normal das coisas do género previsto que a obra deve ser executada. Mas o empreiteiro não fica necessariamente isento de responsabilidade pelo facto de ter executado fielmente o projecto da obra ou respeitado o caderno de encargos. Como perito que é ou será muitas vezes ao empreiteiro incumbe, nos termos genéricos do artigo 762º, nº 2, avisar o dono da obra dos defeitos que note no projecto ou no caderno de encargos, quer antes quer durante a execução dela. E pode mesmo, independentemente da culpa dos autores do projecto, responder pelos defeitos que não descubra, mas que lhe incumbisse descobrir e apontar, nos termos rigorosos em que a nossa lei aceita a culpa do devedor. Se não houver dado cumprimento às obrigações contempladas no artigo 1208º ficará o empreiteiro ser obrigado à eliminação dos defeitos (artº 1201º), ficar sujeito à redução do preço (artº 1222º), à resolução do contrato (idem) ou a uma indemnização pelos danos causados (artº 1223º ). No caso "sub-judice", não vem demonstrado que uma das duas primeiras modalidades de responsabilização haja sido accionada; não vem provado, designadamente que a Ré haja solicitado à A. a eliminação dos supostos defeitos das mercadorias por si encomendadas à A.. Também não logrou a Ré fazer prova dos precisos e detalhados termos em que acordou com a A. o fornecimento do aludido conjunto de peças de granito. E designadamente se o material deveria ser devidamente polido e quais as especificações da execução das respectivas molduras usuais ou convencionadas. Apenas vem demonstrado que a coisa, ou seja a obra realizada - "rectius" as peças de granito encomendadas - cuja primeira partida foi enviada de para Paris por via aérea - foi recusada e devolvida pelo cliente francês da Ré, com o argumento de que "o material não estava polido e as molduras não estavam bem executadas". Recusa essa que foi transmitida pela Ré à A. Pretende a recorrente ressarcir-se dos prejuízos que diz ter sofrido com a execução defeituosa da obra. Mas, tal como salienta a Relação, desconhece-se que transporte (o do envio da mercadoria para Paris ou o da sua devolução de Paris para Portugal) importou na quantia de 350.000$00, assim como não se provou quando terá ocorrido a viagem que importou em 425.000$00, a fim de poder ser estabelecida uma conexão necessária com a situação de recusa entretanto criada. Ademais, também não logrou a Ré recorrente provar os eventuais prejuízos decorrentes da rejeição/devolução da mercadoria, cujo paradeiro (destino) após a aventada devolução se ignora. E sem a comprovação da existência do dano bem como do nexo de causalidade entre o defeito da obra e a ocorrência de dano - ónus da alegação e da prova que impendiam sobre a Ré reconvinte ora recorrente - não poderá esta ver funcionar a seu favor o instituto da responsabilidade civil. Por outra banda, bem condenada foi a Ré recorrente a título do contrato celebrado com a A., e por si não cumprido, ou seja pela comprovada falta de pagamento pontual e atempado do preço da obra. 10. Decisão.: Em face do exposto, decidem: - negar a revista; - confirmar, em consequência, o acórdão recorrido. Custas pela Ré recorrente no Supremo e nas instâncias. Lisboa, 9 de Junho de 2005 Ferreira de Almeida, Abílio Vasconcelos, Duarte Soares. |