Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2309/16.2T8PTM.E1.S
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: SOCIEDADE ANÓNIMA
HIPOTECA
BEM IMÓVEL
NULIDADE
EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
GARANTIA
AQUISIÇÃO
AÇÕES
Data do Acordão: 09/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - A proibição da assistência financeira, prevista no art. 322.º do CSC, exige a comprovação cumulativa de dois requisitos objectivos e de um requisito subjectivo: (i) negócio de financiamento entre a sociedade e um terceiro (a sociedade concede empréstimos, ou por qualquer forma fornece fundos ou presta garantias a um terceiro); (ii) subscrição ou aquisição de acções da sociedade assistente pelo terceiro; (iii) o financiamento ou a garantia são proibidos desde que sejam, na expressão legal, “para que um terceiro subscreva ou por outro meio adquiria acções representativas” do capital da sociedade assistente.

II - O requisito subjectivo ou exigência finalística resulta tanto do elemento literal, como da ratio da norma, bem assim do art. 23, n.º 2, da Directiva 2006/68/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 06-09-2006, publicada no JOL 264 de 25-09-2006.

III - Sendo complexa a ratio da norma do art. 322.º do CSC, o que releva essencialmente é a tutela dos accionistas.

IV - A proibição da assistência financeira não é inteiramente absoluta, atendendo não só às excepções, como à própria ratio do art. 322, n.º l, do CSC, em que releva o fim do negócio de assistência e do mérito concreto, significando que a lei não proíbe pura e simplesmente a assistência financeira, mas só aquela que é dotada de determinado fim, e daí a indispensabilidade do requisito finalístico ou subjectivo.

V - Não se verifica, a coberto do art. 322.º, n.º l, do CSC, a nulidade de duas hipotecas dadas pela autora (sociedade anónima) sobre um terreno que lhe pertence para garantia de dois empréstimos bancários feitos pelos bancos demandados (mutuantes) a uma terceira sociedade (mutuária e assistida) que adquiriu a totalidade das acções daquela (assistente), comprovando-se que as hipotecas foram constituídas para assegurar o financiamento do desenvolvimento de projecto imobiliário nos terrenos da própria garante, em que a aquisição das acções próprias da sociedade assistente pela sociedade assistida não foi o fim da prestação da garantia, mas apenas um meio de adquirir os imóveis nos quais seriam desenvolvidos os projectos financiados.

VI - Em princípio, não é proibida a assistência financeira prestada por uma sociedade totalmente dominada (assistente) à sociedade dominante (assistida) com vista à aquisição total das acções da primeira.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO

1.1. A Autora COLINAS DO ALVOR – INVESTIMENTOS TURÍSTICOS E IMOBILIÁRIOS, S.A., instaurou acção declarativa, com forma de processo comum, contra os Réus

1º- CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL

2º- NOVO BANCO, S.A.

Alegou, em resumo:

A Autora é uma sociedade comercial cujo objeto social consiste na promoção de empreendimentos turísticos e imobiliários, estabelecimentos hoteleiros, residências para férias e outros alojamentos de curta duração, restauração e similares atividades desportivas, de diversão e recreativas, compra, venda e revenda de bens imobiliários, construção de edifícios para venda;

Com a presente ação, pretende que seja declarada a nulidade das hipotecas por si constituídas a favor dos Réus.

Estão em causa negócios jurídicos que consistiram na concessão de empréstimos pelos mutuantes, aqui Réus, à sociedade B..., S.A.., para aquisição de capital social da autora, contra a garantia hipotecária sobre os bens imóveis que integravam (e integram) o património desta.

Estes negócios são proibidos pele lei, que os fere de nulidade por a prestação de garantia hipotecária constituir ofensa à capacidade de gozo da sociedade autora nos termos do artigo 6º, nº 1 e 3 primeira parte do CSC (e não integrar nenhuma das exceções previstas no nº 3) e por se enquadrar na proibição de assistência financeira a que alude o artigo 322º do mesmo Código.

Em resultado da medida de resolução aplicada pelo BdP, os contratos de mútuo celebrados com B..., S.A. e as hipotecas constituídas pela Autora, na parte que diz respeito à posição do BES, transferiram-se para o Novo Banco, por constituírem ativos não excluídos, nos termos do Ponto I, alínea a) do Anexo 2 da deliberação datada de 3.08.2014, na versão consolidada datada de 11.08.2014.

Pediu que sejam declaradas nulas as hipotecas de 1º e 2º grau prestadas pela Autora a favor dos Réus sobre os prédios identificados, em garantia dos mútuos juntos como docs. 1 a 4, e, em consequência, deve ser ordenado o cancelamento das hipotecas junto da Conservatória de Registo Predial ....

1.2.- O Réu Novo Banco, S.A. contestou, no sentido da improcedência da acção, e em reconvenção pediu a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de €28.157.180,56, acrescida de juros de mora vincendos às taxas e sobretaxas referidas; a pagar aos réus a quantia de € 15.536.098,46, acrescida de juros de mora legais desde 20.11.2007 até à data de efetivo e integral pagamento, a título de enriquecimento sem causa e a condenação da Autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização.

1.3. O Réu Caixa Económica Montepio Geral contestou, defendendo-se por excepção ( abuso de direito) e impugnação.

E em reconvenção pediu a condenação da Autora no montante de € 35.691.429,39 (trinta e cinco milhões seiscentos e noventa e um mil quatrocentos e vinte e nove euros e trinta e nove cêntimos), a que acrescerão os juros vencidos desde 4 de novembro de 2016, e, bem assim, os que, entretanto, se vencerem, até integral pagamento, à taxa de juros contratualmente fixada. Ainda a condenação por litigância de má-fé, em multa e indemnização.

1.4 Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julga-se a presente ação improcedente e absolvem-se os RR. dos pedidos contra os mesmos formulados.

Julga-se, consequentemente, prejudicada a apreciação dos pedidos reconvencionais, formulados a título subsidiário e prejudicado também o conhecimento das exceções de prescrição dos mesmos.

Mais se decide não condenar a A. como litigante de má-fé, não atribuindo efeito tributário a esta decisão.

Custas pela A.”

1.5.- Inconformada a Autora Colinas do Alvor - Investimentos Turísticos e Imobiliários, S.A recorreu de apelação e a Relação de Évora, por acórdão 24/09/2021, julgou improcedente a apelação e confirmou, sem voto de vencido, a sentença.

1.6.-  A Autora Colinas do  Alvor SA  interpôs recurso de revista, a título principal revista  excepcional ( art 671 nº1 e 672 CPC) e subsidiariamente revista normal ( art.671 nº1 CPC), formulando as seguintes conclusões:

1. Em primeira e segunda instância os pedidos de nulidade de duas hipotecas de imóveis prestadas pela recorrente COLINAS DE ALVOR (CA) em garantia de dois mútuos de €:40.000.000,00 (40M€) e €:14.000.000,00 (14M€) concedidos pelos bancos recorridos à sociedade B..., S.A. (B...) improcederam.

2. O presente recurso incidirá, a título principal, sobre a violação da proibição de assistência financeira (322º do CSC) e, subsidiariamente, sobre a violação dos artigos 29º e 32º do CSC e do princípio da intangibilidade do capital social.

3. Relativamente à assistência financeira estamos perante uma situação de dupla conforme (art.671º, nº3 do CPC) pelo que o pedido de reapreciação só é admissível como revista excecional.

4. Quanto à violação dos art. 29º e 32º do CSC e do princípio da intangibilidade do capital social, não tendo havido decisão sobre esta questão em 1ª instância - só em 2ª instância - cremos não estar perante uma hipótese de dupla conforme, pelo que o recurso seguirá como revista normal.

5. Está em causa a apreciação do pedido de nulidade de hipotecas por violação da proibição de assistência financeira, a que se refere o art 322º do CSC.

6. Trata-se de uma questão juridicamente complexa, que cabe na alínea a), nº 1, do art 672º do CPC.

7.Invoca-se ainda que a questão envolve um conjunto de factos que a torna ainda mais complexa, o que mais justifica a intervenção do STJ para uma melhor aplicação do Direito, sendo que o que vier a ser decidido servirá de orientação futura para situações similares às que aqui se discutem.

8. Complementarmente a questão tem relevância económico-social porque as aquisições do capital social de sociedades comerciais com recurso a apoio (financeiro ou outro, por exemplo, prestação de garantias) da sociedade adquirida acontecem, sendo que, em determinadas circunstâncias, atento os valores envolvidos na transação (aquisição do capital social), existe apoio financeiro (e assistencial/consultoria) de bancos que financiam a operação.

9. Não está em causa somente um interesse particular das partes, há também um interesse geral de boa aplicação do Direito, para o que a comunidade jurídica necessita de saber qual a orientação que o STJ vai dar ao caso, para ajustar procedimentos negociais e, assim, contribuir para a boa administração da justiça.

10. Também releva apurar se a sociedade que assiste a assistida - facultando meios financeiros ou prestando garantias - pode invocar a seu favor a nulidade do ato sem incorrer em abuso de direito (venire contra factum proprium).

11. Em síntese, a questão que se submete à douta apreciação do STJ encerra as seguintes questões, juridicamente complexas, novas (pouco discutidas) e do interesse geral (não só neste caso): (i) a Lei privilegia, com a norma proibitiva, a salvaguarda da intangibilidade do capital social, a solvência patrimonial da que assiste, evita abusos de administradores e de atos discriminatórios entre acionistas, evita a manipulação do mercado e da cotação das ações e proteger credores; (ii) rejeita liminarmente a prestação de garantias pela sociedade assistente (cujo o capital social é adquirido pelo assistido), independentemente da forma e circunstâncias do negócio; (iii) a sociedade que assiste pode invocar a seu favor a nulidade do ato de assistência, desprotegendo-se o interesse do terceiro de boa fé; (iv) a regra da parte final do art 322º, nº 2 do CSC - “não pode resultar que o ativo líquido da sociedade se torne inferior ao montante do capital subscrito acrescido das reservas que a lei ou o contrato de sociedade não permitam distribuir” – aplica-se a todas e quaisquer situações de assistência financeira, por estar em causa a proteção do capital e do primordial interesse dos credores.

12. Quando uma sociedade anónima assiste financeiramente (mediante disponibilização de fundos ou prestação de garantia) um terceiro para adquirir o seu capital social (o assistido), estamos perante a figura da assistência financeira.

13. Este negócio jurídico é proibido pela Lei - art 322º, nº 1 do CSC- porque põe em causa aspetos essenciais de uma sociedade: a preservação do património societário, a integridade do capital social, permite abusos dos administradores e a discriminação entre acionistas, permite a manipulação de mercado e atenta contra os interesses dos sócios e dos credores sociais.

14. A imperatividade da norma destina-se a impedir que os bens sociais passem a estar ao serviço de um sócio (interesse não societário) em vez de estarem ao serviço da sociedade.

15. Como resulta do douto parecer de ENGRACIA ANTUNES junto aos autos, a assistência financeira é sempre ferida de invalidade, independentemente da garantia prestada ser gratuita ou onerosa, exista ou não “justificado interesse próprio” e exista ou não relação de domínio ou de grupo, gere um proveito ou um dano, ponha em causa ou não a situação líquida da empresa.

16. Este entendimento está em linha com o douto acórdão da Relação de Lisboa de 17.04.2018, relatado pela Mª Juíza Desembargadora Isabel Fonseca, que salienta “a proibição absoluta da assistência financeira da nossa legislação”.

17. No douto parecer de ENGRÁCIA ANTUNES junto aos autos a operação revelada nos autos é denominada de “leveraged buyout” - “aquisição de uma empresa societária que se caracteriza pelo facto de o adquirente, não possuindo o capital ou liquidez necessários à compra (facto assente 18), recorre ao financiamento da aquisição por parte de um terceiro oferecendo em garantia o próprio património da empresa adquirida”, o que significa que a compra e venda das ações de CA foi alavancada no património da própria CA.

18. O mesmo Autor, pronunciando-se sobre se a operação de “leveraged buyout” “a coloca fora da órbita do regime proibitivo do art 322º nº 1 do CSC”, responde negativamente, na medida em que, para ser ponderada a inaplicabilidade do art 322º nº 1 do CSC, a operação teria que passar por uma fusão societária entre a adquirente e adquirida, o que não sucedeu no caso dos autos.

19. O negócio jurídico celebrado entre os vendedores do capital social - AA e mulher - e adquirente - B..., S.A. (B...) - foi um normal negócio de circulação de uma empresa: a compra das participações sociais aos titulares do capital de uma sociedade (CA) por uma outra sociedade comercial (B...).

20. O negócio celebrado conferiu o controlo e o governo da sociedade, mas não tornou a adquirente (B...) do capital social proprietária da empresa - entre a titularidade do capital social (mesmo total, como foi o caso da aquisição por B...) e a propriedade dos bens sociais interpõe-se a personalidade jurídica da sociedade (CA).

21. A recorrente é a proprietária dos terrenos, estando o acionista, que controla o capital social (mesmo quando o controla totalmente), restringido ou limitado no exercício dos seus direitos pelos estatutos da sociedade e pela Lei (as normas que regem as sociedades comerciais - por exemplo, intangibilidade do capital social, interesse social, proibição de confusão de património social e pessoal, proibição de assistência financeira, proibição de prestar garantias a dívidas alheias, etc).

22. Não obstante o que foi decidido pelas instâncias antecedentes - o negócio celebrado consubstanciou a aquisição de terreno e não de ações - a inclusão no preço de 40M€ dos suprimentos e a constituição de penhor de ações de CA, por B..., a favor do banco MG, em garantia do financiamento, permite sustentar que o negócio querido foi mesmo de aquisição do capital social, ainda que, naturalmente, o fator imóveis tenha sido fundamental para a decisão de contratar a par do tratamento administrativo levado a cabo por CA, que permitia a implementação de um empreendimento turístico.

23. Passamos agora à análise dos requisitos da proibição da assistência financeira.

1º A concessão de empréstimos, o fornecimento de fundos e/ou a prestação de garantias pela sociedade anónima assistente a um terceiro (acionista ou não) assistido

24. Em garantia dos mútuos de 40M€ e 14M€ concedidos pelos recorridos à mutuante sociedade B... foram constituídas hipotecas sobre todos os imóveis da recorrente.

25. Por esta via, CA assistiu financeiramente a adquirente do capital social (BL), pelo que se mostra preenchido este requisito.

26.Como assinala ENGRÁCIA ANTUNES, ainda que as hipotecas prestadas fossem onerosas, existisse justificado interesse próprio de CA na prestação da garantia ou preexistisse uma relação de domínio ou de grupo entre a assistente e a assistida, as hipotecas seriam sempre nulas.

27. 2º A subscrição ou aquisição de ações da sociedade assistente pelo terceiro assistido.-.Dúvidas não subsistem de que ocorreu uma compra e venda de ações entre os vendedores (Sr AA e mulher) e a compradora (B...), no dia 20.07.2007 (facto provado 29), sendo que o preço da compra e venda (40M€) foi suportado à custa do mútuo de igual montante concedido pelos Apelados (factos provados 27 e 28).

28. Importa agora tomar posição sobre se o regime da proibição da assistência financeira, quando está em causa a tomada de uma participação social total na sociedade que assiste ou assistente, se aplica.

29. Seguindo a posição de ENGRÁCIA ANTUNES a proibição de assistência financeira é absoluta, não cedendo perante uma aquisição total do capital social da assistente.

30. De facto, seguindo a linha de pensamento de ENGRÁCIA ANTUNES, de acordo com o art 9º, nº 3 do CC, deve presumir-se que o legislador se expressou corretamente e não tendo previsto qualquer distinção, devem considerar-se abrangidos pela proibição “quaisquer negócios de aquisição de ações, sejam eles originários (subscrição) ou supervenientes (aquisição “strico sensu”), parciais ou totais, maioritários ou minoritários, diretos ou indiretos”,

31. Para além de que a aquisição total do capital social não afasta o risco da violação do tratamento igualitário “dos acionistas (art 321º CSC) e dos investidores (art 15º do CSC), dado que, summo rigore, aquela [assistência financeira] sempre redundará num favorecimento de um individuo ou entidade assistida em face dos demais acionistas (no caso em que aquele já seja acionista) ou dos demais potenciais interessados (no caso em que aquele ainda não o seja)”.

32. Ainda que as relações de grupo possam de alguma forma esbater “os riscos da assistência financeira para os credores da sociedade assistida (permitindo assim justificar nalguns casos a sua prática: pense-se, por exemplo, nos casos de LBO com fusão), ele está longe de ser suficiente para justificar o afastamento geral e automático do regime proibitivo legal: basta pensar nos casos em que a assistência financeira prestada por uma sociedade totalmente dominada a dívidas da sua dominante seja realizada para prosseguir interesses alheios ao grupo ou coloque em causa a sobrevivência económica da própria garante, violando assim os limites dos art 503º, nº 2 e 504º, nº 1 do CSC”.

33. Salvo melhor opinião, mostra-se preenchido o segundo requisito.

34. 3ºa existência de um nexo de causalidade entre o negócio da sociedade assistente e o negócio de aquisição das ações pelo terceiro assistido – o acórdão recorrido considerou não se verificar um nexo causal entre a compra e venda das participações sociais e a hipoteca prestada em garantia do financiamento concedido pelos recorridos.

35.O nexo causal existe: a hipoteca serviu a finalidade de aquisição do capital social. O facto provado 5 diz-nos que B... solicitou um financiamento para “a compra do terreno [que se] processa [-se] através da compra da totalidade das ações da sociedade COLINAS DO ALVOR, SA”.

36. Ora, como resulta do douto parecer de ENGRÁCIA ANTUNES tal “só pode significar, logicamente, que a hipoteca imobiliária constituída pela sociedade garante/assistente (COLINAS DE ALVOR) foi prestada para garantir o financiamento bancário da aquisição das suas ações ao terceiro mutuário/garantido/assistido (B..., S.A.). Relembre-se que, tratando-se de negócio gratuito, seria também sempre essa a interpretação prevalecente, por se tratar da menos gravosa para a disponente (art 237º do CC)”.

37. A ligação da compra e venda das ações à hipoteca apura-se pela (i) coincidência das datas (da constituição da hipoteca e da compra e venda - 20.11.2007 - facto provado 27); (ii) estar em causa o mesmo capital de 40M€ (capital mutuado e o preço da compra e venda -factos provados 27, 28 e 29); (iii) o capital mutuado de 40M€ ter sido utilizado imediatamente, ie, de uma só vez (factos provados 27 e 28); (iv) a compra e venda das ações só ter sido possível por os bancos a terem financiado por 40M€ e exigido a hipoteca dos terrenos a CA em garantia do financiamento (facto provado 18); (v) a montagem da operação ter sido feita pelos bancos mutuantes, que exigiram a menção de “justificado interesse” nas atas preparatórias das escrituras de mútuo com hipoteca (facto provado 24); (vi) tudo isto significa que os bancos, dotados de profissionais com bons conhecimentos técnicos, rodearam-se de todos os cuidados para impedir que mais tarde alguém pusesse em crise as hipotecas.

38. Quanto ao destino dos fundos do segundo mútuo (de 14M€, de 20.04.2011), é de concluir que serviu a mesma finalidade de assistência financeira do primeiro, agora com a particularidade de servir de suporte ao pagamento das obrigações do primeiro mútuo e do segundo mútuo.

39. Note-se que, conforme alegado no recurso de apelação, várias vezes foi requerida a junção aos autos dos extratos de conta que espelhassem pagamentos relacionados com o texto da escritura do 2º mútuo e os bancos nunca os juntaram, apesar de existir despacho judicial a ordenar a sua junção.

40. Percebe-se que não o tivessem feito, porque, como foi dito pelo Sr. Administrador Judicial Provisório do PER de CA - que analisou as suas contas - nem um cêntimo do 1º e do 2º empréstimo se destinou a CA!

41. Existe assim, também, um nexo causal entre o segundo mútuo (que suportou o serviço da dívida do primeiro mútuo de 40M€ e do próprio de 14M€) e a hipoteca constituída em sua garantia, sendo que a proibição da assistência financeira abrange a assistência para aquisição das ações e o financiamento subsequente, garantido por hipoteca, para pagar o anterior.

42. Mostra-se demonstrado que as hipotecas prestadas por CA em garantia dos financiamentos para aquisição do seu próprio capital social são nulas, por se mostrarem preenchidos todos os requisitos da proibição legal da assistência financeira.

43. Resulta do facto provado 18 que a operação de compra e venda do capital social de CA não teria sido possível se os recorridos não tivessem concedido os financiamentos de 40M€ e 14M€.

44. O facto provado 24 diz-nos que os recorridos foram os responsáveis pela montagem e financiamento da operação e está documentalmente provado - e assente nos factos 27 e 28 - que o capital mutuado de 40M€ foi disponibilizado de imediato e afeto ao pagamento do preço da compra e venda do capital social de CA.

45. Por outro lado, os bancos (ou melhor o MG) ao exigirem que B... desse de penhor as ações que acabara de adquirir, sabem que o empréstimo de 40M€ se destinou à compra das ações de CA e não há aquisição de um terreno.

46. Assim, é nossa convicção de que, a existir abuso de direito, ele existe do lado dos bancos que montaram a operação e escreveram coisas nas escrituras (e atas das sociedades) que a execução contratual pôs “a nú”, ou seja, confirmou a existência de assistência financeira sendo que, sem hipoteca, não haveria empréstimos e sem eles B... não teria adquirido o capital social da recorrente.

47. Como sustenta a doutrina, a própria interveniente no negócio (ilícito) pode invocar a seu favor a nulidade do ato.

48. Nesse sentido, a recorrente tem legitimidade para pôr em causa o negócio em que interveio, sem incorrer em abuso de direito.

49. Estando em causa atos que atingem a solvência patrimonial e a prossecução do objeto social, o princípio da proteção do capital social e a proteção dos credores, o artigo 322º, nº 3 do CSC fere, imperativamente, com a nulidade a hipoteca constituída, não sendo, pois, abusiva a sua invocação, anos mais tarde, pela prestadora da garantia.

50. Complementarmente, mas não menos importante, quem põe em causa as hipotecas não é a administração que as deu em garantia e o antigo acionista, mas, sim, uma nova administração e um novo acionista.

51. A parte final do nº 2 do art. 322º do CSC (norma que na primeira parte exceciona a proibição de assistência financeira) - “não pode resultar que o ativo líquido da sociedade se torne inferior ao montante do capital subscrito acrescido das reservas que a lei ou o contrato de sociedade não permitam distribuir” – aplica-se a todas e quaisquer situações de assistência financeira.

52. Ou seja, mesmo numa hipótese de assistência financeira lícita, a mesma está limitada pela regra da parte final do nº 2 do art 322º do CSC, porque a finalidade da Lei é a proteção do capital e do primordial interesse dos credores.

54. No caso dos autos, à data do negócio de “assistência financeira”, o capital social da Autora era de € 500.000,00, inexistindo reservas legais ou contratuais.

55. Deduzido ao capital social de € 500.000,00 o montante de €:40.000.000,00 decorrente da oneração (hipoteca) dos únicos bens que constituíam (e constituem) o património da recorrente, verifica-se que da operação resultou uma situação líquida negativa, por o ativo líquido de CA se ter tornado inferior ao montante do capital subscrito.

56. Também por aqui se concluiu que há violação da proibição da assistência financeira.

57. O negócio jurídico tal como foi montado viola as normas imperativas do art 29ª do CSC (proibição da realização de entradas aparentes ou dissimuladas) e do art 32º do CSC (proibição de restituição de entradas), na medida em que a afetação patrimonial do acionista à sociedade foi suportada pelo património da própria sociedade.

58. É o que resulta dos factos provados 18, 27, 28 e 38, pelo que estamos perante um negócio proibido por Lei, na medida em que ocorreu uma entrada de capital aparente ou dissimulada, suportada no património da sociedade, que para além de não ver realizada a entrada de capital ainda suporta os efeitos negativos da operação.

59. Mas mesmo que se considere que a factualidade apurada não consubstancia uma violação direta dos artigos 29.º e/ou 32.º do CSC, ela é sempre violadora do princípio que fundamenta a existência destes dois preceitos: o princípio da intangibilidade do capital social das sociedades.

60. Os artigos 29.º e 32.º do CSC criam obstáculos às chamadas entradas dissimuladas, em proteção do princípio da intangibilidade do capital social. Ora, o que os autos revelam é o cumprimento dissimulado da obrigação de entrada por um novo sócio, em violação do princípio da intangibilidade do capital social.

61. A douta decisão sob recurso violou os artigos 322º, 29º e 32º todos do CSC, bem o artigo 280.º, n.º 1 do CC, por não ter sancionado a violação do princípio da intangibilidade do capital social.

1.7. A Caixa Económica Montepio Geral contra-alegou, preconizando a inadmissibilidade da revista e concluiu:

 A Colinas de Alvor constituiu, há mais de dez anos, hipotecas para garantia de financiamento concedidos pela Ré CEMG e pelo co-Réu Novo Banco, S.A. (“NB”) à sociedade sua dominante, B..., S.A. (“B...”).

Nos autos, após ampla produção de prova, ficou indubitavelmente demonstrado que os financiamentos concedidos ao abrigo dos Contratos de Mútuo celebrados entre as Partes se destinaram ao investimento pela Mutuária no projecto Quinta ..., a implementar no terreno propriedade da Autora, incluindo-se nesse escopo a aquisição do terreno, realização de infraestruturas interiores e exteriores, projectos e licenças,

 E que esses financiamentos permitiram efectivamente, como previsto no programa contratual, o desenvolvimento de um projecto imobiliário no património da Autora, valorizando-o determinantemente.

 Ficou cabalmente demonstrado que os financiamentos em causa não tiveram por objecto, na substância, a aquisição das acções representativas do capital social da Autora, ao contrário dos pressupostos nos quais assenta toda a sua construção neste litígio,

  Mas sim a transmissão do seu único activo – o terreno abrangido pelo Plano de Urbanização ... – para a esfera da sociedade-mãe da Autora, a B..., S.A., e ao investimento a realizar nesse mesmo activo por esta última (cfr., designadamente, factos provados 2, 5, 6, 7, 9,11, 12, 13 16, 21, 25, 40, 42, 47, 60, 83, 84, 85 e 87).

 Durante mais de uma década, a Autora e a B..., S.A. beneficiaram dos mútuos que a esta última foram concedidos pelos Réus, bem como das carências e moratórias que estes, ante dificuldades financeiras sentidas, lhes admitiram, nunca tendo posto em causa a sua licitude.

 Quando, constatado o vencimento desses financiamentos e o incumprimento da prestação devida, os Réus tentaram legitimamente exercer o seu direito à restituição do capital e juros mutuados, foram confrontados com uma pretensa transmissão das acções da Autora.

 Tendo a Autora, acto contínuo à suposta aquisição das participações, proposto a presente acção, tendente à declaração de nulidade daquelas hipotecas que nunca havia antes posto em causa e que – enquanto lhe conveio – teve por inteiramente válidas e eficazes.

Hipotecas essas que garantem o crédito em dívida junto dos Recorridos CEMG e NB no montante de capital de cinquenta e quatro milhões de euros, a que acrescem juros e demais acessórios.

Quer a Autora ficcionar como admissível um Recurso de Revista (seja ao abrigo do normal regime previsto no artigo 671º, nº 1 do CPC, seja a título excepcional, em consonância com o disposto nos artigos 671º, nº 3, in fine e 672º do mesmo diploma),

1.8. Por despacho liminar do Relator de 15/3/2022, decidiu-se

a) Não admitir a revista normal quanto ao fundamento da violação dos art. 29º e 32º do CSC.

b) A remessa ao Colectivo da formação ( art.672 nº3 CPC) para decidir da admissibilidade da revista excepcional limitada pela Autora ao fundamento da assistência financeira (proibição de assistência financeira ( art.322 do CSC ).

1.9.- Por acórdão de 18/5/2022, o Colectivo da Formação admitiu a revista excepcional, com fundamento no art.672 nº1 a) CPC.


II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto do recurso

A questão essencial submetida a revista consiste em saber se as hipotecas voluntárias prestadas pela Autora a favor dos Réus são nulas por violação do art.322 nº1 do Código das Sociedades Comerciais ( CSC).

2.2. – Os factos provados ( descritos no acórdão recorrido)

1 - O Grupo de sociedades H... é um aglomerado empresarial de sociedades comerciais com relações de participação recíproca que integra diversas sociedades, entre as quais a sociedade B..., S.A., a S..., a D..., a D...1, a Do..., a K..., incluindo como sócios e administradores em várias dessas empresas os integrantes de um grupo de cidadãos, mais concretamente, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP e QQ,        tendo como patriarcas HH e JJ, e sendo constituído por seus filhos e respetivos cônjuges.

2 - Em 2007, o grupo H..., através da sociedade B..., S.A. (sociedade da qual eram e são administradores os Srs. LL, PP, BB), contactou o réu Montepio, no sentido de o mesmo financiar a compra de um terreno no ..., mais especificamente no Alvor, com o intuito de o transformar num resort de luxo, com 300 “villas”, “townhouses” e um hotel boutique de 5 estrelas, com SPA.

3 - O terreno em causa é localizado na Praia ...., encontrando-se abrangido por Plano de Urbanização (que veio a sofrer alteração, via Plano de Pormenor) aprovado pela Câmara Municipal ..., então a aguardar ratificação pelo Conselho de Ministros.

4 - Assim, o referido grupo colocou a operação ao Banco Montepio Geral, através da carta cuja cópia se encontra junta a fls. 403v. e 404 (e, novamente, fls. 442 e 443) dos autos, e na qual expressamente se refere que “surgiu-nos a oportunidade de aquisição de um terreno no centro do Alvor – ..., com as seguintes características…”.

5- Mais se refere na carta que “a compra do terreno processa-se através da compra da totalidade das ações da sociedade Colinas do Alvor, S.A. detentora do terreno, pertencente ao grupo AA”.

6 - Estimou a B..., S.A., para a aquisição do terreno, realização de infraestruturas interiores e exteriores e dispêndio em projetos e licenças, o montante de € 60.000.000,00 (sessenta milhões deeuros), para a construção, € 43.000.000,00 (quarenta e três milhões de euros), e para outros encargos administrativos, financeiros, comerciais e imprevistos, € 17.000.000,00 (dezassete milhões euros).

7 - Tais financiamentos tinham por propósito, no âmbito do objeto social prosseguido por aquela sociedade B..., S.A. − a promoção imobiliária, compra e venda e revenda de bens imobiliários, arrendamento de bens imobiliários, construção de edifícios para venda −, a aquisição do referido terreno (correspondente, então, a dois prédios rústicos) sito na Praia ..., ..., para nele ser construído, e posteriormente comercializado, o referido resort de luxo, sendo prevista uma receita final de 171 milhões de euros.

8 - O resort teria por destino, quase na sua íntegra, a venda no mercado Britânico e Irlandês de segmento alto (praticantes de golfe).

9 - Para a primeira fase acima referida de aquisição do terreno, taxas, infraestruturas, licenças e projetos, a sociedade B..., S.A. solicitou ao Réu CEMG um financiamento de € 40.000.000,00 (quarenta milhões de euros), sendo que os demais € 20.000.000,00 (vinte milhões de euros) seriam aportados pela sociedade mutuária, mediante recurso a capitais próprios.

10 - Aceitando oferecer em garantia a primeira hipoteca sobre o terreno e o aval dos principais acionistas do Grupo H....

11 - A proposta formulada pela sociedade B..., S.A., de aquisição do terreno por via da compra da totalidade das ações representativas do capital social da sociedade Autora (de quem aquele terreno, bem como os direitos e posições inerentes à titularidade do mesmo, era o único ativo), deveu-se à vontade manifestada pelos então administradores da autora, AA e mulher, que não pretendiam efetuar o negócio através da venda do terreno, apenas aceitando fazê-lo através da venda da sociedade que o detinha (sendo que os montantes relativos a taxas, infraestruturas, licenças e projetos para desenvolvimento do investimento planeado seriam a utilizar nesse mesmo terreno propriedade da sua futura participada, a autora).

12 - A sociedade A. (que foi constituída em 1986, o mesmo ano em que foram adquiridos pela sociedade os imóveis) não detinha trabalhadores, nem equipamentos, não tinha clientes, não tinha pessoal, não tinha sequer credores (para além dos seus anteriores acionistas, por suprimentos), constituindo o seu ativo os terrenos e o tratamento administrativo junto das autoridades oficiais relacionado com o projeto turístico imobiliário Quinta ... a implementação nos terrenos.

13 - Era um mero veículo para AA e mulher deterem os terrenos (sendo que à data da celebração da compra e venda das ações, a Autora estava a implementar o projeto turístico Quinta ..., estando em fase de aprovação o respetivo plano de urbanização junto da Câmara Municipal ...) e rentabilizarem, pela sua venda conjunta, o investimento realizado na sua aquisição.

14 - Assim, o que foi proposto pelos então administradores da A., AA e mulher, a B..., S.A., e por esta aceite, foi: a) Pagamento a AA e mulher dos suprimentos efetuados à sociedade, no valor de € 9.036.098,46; b) Pagamento ao BANIF de € 6.500.000,00 correspondentes ao saldo em dívida do mútuo com hipoteca sobre o imóvel, concedido a outra empresa a eles (AA e mulher) pertencente, e consequente levantamento da hipoteca e cancelamento do registo da mesma; c) Nomeação de nova Administração composta por membros do grupo H...; d) Subscrição de procurações a favor de outros membros do grupo H...; e) E outorga do primeiro mútuo com hipoteca a que se reportam os autos.

15 - O preço acertado para o negócio (através da aquisição da totalidade das ações da Autora - 100.000 - ao valor nominal de € 5,00, o que perfazia € 500.000,00) com AA e esposa RR, o qual inclui todo o referido no ponto anterior destes factos provados, ascendeu a € 40.000.000,00.

16 - Apresentado pela Sociedade B..., S.A. o negócio ao Montepio Geral, este aceitou financiar a operação pelos referidos €40.000.000,00, contra a já referida prestação de hipoteca sobre os bens imóveis integrantes do património da autora e penhor de ações de COLINAS DE ALVOR.

17 - O que foi aceite pela sociedade B..., S.A..

18 - O negócio não teria sido possível sem a concessão do mútuo pelos réus e sem a satisfação da exigência dos mutuantes: constituição de hipoteca sobre os terrenos da autora.

19 - A CEMG veio a propor ao então Banco Espírito Santo, S.A. que o financiamento solicitado o fosse em sindicato bancário, o que este aceitou, e os dois bancos mutuaram a operação, na proporção definida na escritura de mútuo com hipoteca (o Montepio Geral mutuou € 22.500.000,00 (56,25%) e o BES mutuou € 17.500.000,00 (43,75%).

20 - E assim foi celebrado em 20.11.2007, às 17:30, o contrato de mútuo (de 40 milhões de euros) com hipoteca sobre os terrenos da autora acima identificados cuja cópia se encontra junta a fls. 35 e seguintes dos autos.

21 - No dia anterior ao da outorga da escritura referida em 20 destes factos provados, em 19.11.2007, pelas 15 horas, a sociedade B..., S.A. fez uma assembleia geral (cuja ata, com o nº ...4, consta de fls. 698 dos autos) na qual indicou como sua “associada” a sociedade Colinas do Alvor e em que deliberou o seguinte: - a operação de empréstimo a contrair junto dos bancos RR. destinava-se a assegurar os meios financeiros necessários ao desenvolvimento do projeto da associada Colinas do Alvor, mencionando, nomeadamente, que “[…] os acionistas deliberaram, por unanimidade, contrair um empréstimo até Sessenta milhões de euros, sob a forma de Empréstimo Sindicado, junto da Caixa Económica Montepio Geral e Banco Espírito Santo, pelo prazo, juro, forma de pagamento e demais condições, que vierem a ser estabelecidas no contrato de empréstimo, que se destina a assegurar os meios financeiros necessários ao desenvolvimento de projetos aprovados pela C.C.D.R. do ..., para os imóveis da nossa associada «Colinas do Alvor – Sociedade Imobiliária, S.A.»”, e - dar aos bancos réus em penhor as ações da associada A., num total de 100.000 ações com o valor nominal de € 5 cada.

22 - Em 20.11.2007 às 11 horas, em assembleia geral da sociedade Colinas do Alvor (cuja ata, com o nº ...6, consta a fls. 599 e 600 dos autos), quem preside e secretaria a assembleia são JJ e HH – e são eleitos os mesmos senhores, bem como FF, como administradores da sociedade, constando, nomeadamente da respetiva ata o seguinte: “Entrando no ponto um da ordem de trabalhos, o Sr. JJ começou por referir, que face à transmissão da totalidade das acções, e renuncia aos cargos sociais do Presidente do Conselho de Administração, Sr. AA, da Vice Presidente D. RR e do Vogal, Sr. SS, bem como do Presidente da Mesa da Assembleia Geral, Sr. TT e da Secretária UU, era necessário proceder à eleição dos cargos sociais para desempenhar aquelas funções até ao final do quadriénio de 2004/007, ainda em curso.”

23 - Na ata imediatamente posterior, do mesmo dia, mas das 14 horas (ata nº ...7, constante de fls. 316 dos autos), a autora deliberou a constituição de hipoteca dos seus imóveis, no âmbito do “justificado interesse do negócio”, para garantir o crédito dos RR. sobre a sociedade B..., S.A.

24 - Foram os RR., enquanto bancos mutuantes, que montaram a operação, e exigiram a menção nas atas de assembleia geral da A. (aquando, quer do 1º, quer do 2º financiamento) da menção ao “justificado interesse”.

25 - No contrato de mútuo referido em 20 destes factos provados, as partes, das quais faz parte a Autora, declararam, nomeadamente, que o mútuo “tem como finalidade o desenvolvimento de projetos aprovados pela CCDR do ... para os imóveis adiante hipotecados e que são os seguintes (…)”.

26 - Na escritura de mútuo celebrada a 20 de Novembro de 2007, BB interveio na qualidade de administrador e em representação da sociedade comercial B..., S.A., tendo os respetivos poderes sido verificados por confronto entre a certidão de registo comercial da sociedade representada e a ata nº 34 da reunião da Assembleia Geral da B..., S.A. de 19 de novembro de 2007, que ficou arquivada em pública-forma no Cartório Notarial, e outorgou FF, na qualidade de administrador e em representação da aqui Autora, tendo os respetivos poderes sido verificados por confronto entre a certidão de registo comercial da sociedade representada e as atas nº 36 e 37 das reuniões da Assembleia Geral da autora de 20 de Novembro de 2007, que ficaram arquivadas em pública-forma no Cartório Notarial, e foi atestado pela Notária que da ata nº 37 da Assembleia Geral da Autora constava o justificado interesse da sociedade no ato outorgado por Escritura Pública (como consta a fls. 37 e 38 dos autos).

27 - E as participações sociais da autora foram assim adquiridas na totalidade pela B..., S.A. em 20.11.2007, sendo que a entrega do contrato de compra e venda das ações assinado pelos vendedores à adquirente B..., S.A. (que se encontra junto como doc. 21 da p.i., a fls. 260 e segs.) e o pagamento do preço ocorreram nessa ocasião, a seguir à celebração do contrato de mútuo com hipoteca e à entrega dos cheques de € 6.500.000,005 e de € 28.500.000,006 sacados sobre o Montepio Geral (sendo ainda que os bancos réus creditaram em conta bancária da mutuária B..., S.A. o montante de € 40.000.000,00 mutuado e foram então sacados sobre tal conta os cheques juntos como documentos nºs 22 e 23 à petição Inicial, pelos valores, respetivos, de € 28.500.000,00 e € 6.500.000,00, ocorrendo que o cheque de € 28.500.000,00 foi passado à ordem de AA, um dos vendedores, e o cheque de € 6.500.000,00 foi passado à ordem do Banco 1..., S.A., por forma a permitir o distrate da hipoteca que incidia sobre um dos imóveis propriedade da autora e que se encontrava hipotecado em garantia de um empréstimo concedido pelo BANIF a uma sociedade terceira, que não detinha à data de 20 de novembro de 2007 quaisquer participações no capital social da autora, desonerando, nessa medida, os imóveis da sua propriedade), no local onde foi celebrada a escritura de mútuo com hipoteca, razão pela qual o contrato de compra e venda refere na cláusula 2ª, nº 1, que o preço de € 40.000.000,00 “se encontra já integralmente pago.

28 - A soma de € 6.500.000,00 e € 28.500.000,00 perfaz € 35.000.000,00, constituindo o remanescente, de € 5.000.000,00, o sinal prestado aos vendedores aquando da celebração da promessa de compra e venda, que veio a ser pago pelos bancos mutuantes com a celebração do mútuo de € 40.000.000,00.

29 - Do “Contrato de Compra e Venda de Acções”, junto à Petição Inicial como Documento nº 21 (a fls. 260 e seguintes), consta, nomeadamente, o seguinte:

“Cláusula Primeira (Objeto do Negócio) […]

4 - O presente negócio é feito no pressuposto da verificação cumulativa das seguintes condições essenciais para a Segunda Contraente, sem quais o mesmo não se celebraria, as quais os Primeiros Contraentes garantem:

a) a sociedade […] tem em dia o cumprimento de todas as suas obrigações legais e contratuais, seja de que natureza forem, não tem litígios pendentes ou em vias de o serem, não tem quaisquer dívidas ao Estado, nomeadamente à Fazenda Pública e à Segurança Social, nem a terceiros […];

b) que a sociedade COLINAS DO ALVOR – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, S.A. é dona e legítima proprietária dos dois prédios adiante melhor descritos na Cláusula Terceira […] e para os mesmos está aprovado pelas entidades competentes um plano de pormenor da Câmara Municipal ..., denominado de “Sub unidade operativa de Planeamento e Gestão (UOPG) 01”, do Plano de Urbanização ... do ... e Alvor, que permite a capacidade de, pelo menos, 43.300,00 m2 (Quarenta e três mil metros quadrados), acima do solo, incluindo a construção de um Hotel.

c) que o negócio não envolve qualquer passivo da sociedade, responsabilizando-se os Primeiros Contraentes, integralmente, pelo passivo da sociedade COLINAS DO ALVOR – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, S.A. que porventura se venha a verificar que exista proveniente de atos praticados pelos Primeiros ou pela sociedade até à data da efetiva transmissão das ações, ou seja, até 20 de novembro de 2007.

[…]

Cláusula Quarta […]

f) a sociedade não tem passivo, nem dívidas a terceiros não contabilizados no balancete em 15 de novembro de 2007, que junta como anexo VI” […]”.

30- E na cláusula terceira desse contrato são especificamente elencados os (únicos) bens imóveis propriedade da autora, correspondentes ao terreno visado adquirir pela B....31- Foi ainda outorgado o termo autónomo de penhor, junto com a contestação do R. Montepio como documento nº 12 (a fls. 445v., 446 e 447), pelo qual a B..., S.A., proprietária da totalidade das ações representativas do capital social da autora, encontrando-se os respetivos títulos arrecadados sob o regime de depósito na conta nº ... constituída no Balcão da CEMG – Aliados, constituiu o penhor a favor do R. Montepio.

32 - A aquisição das ações pressupunha que não era adquirido qualquer passivo da sociedade autora, com exceção dos suprimentos aos vendedores Sr. AA e mulher, no montante de €9.036.098,46 que se consideraram pagos com o contrato de compra e venda de ações.

33 - Pela Apresentação ...14, de 2007/12/03 foram registadas as hipotecas a favor dos Réus sobre os imóveis propriedade da autora.

34 - A primeira hipoteca constituída a favor dos aqui réus, no montante máximo de capital e acessórios de € 61.300.000,00 (sessenta e um milhões e trezentos mil euros), englobava, além do capital financiado de € 40.000.000,00 (quarenta milhões de euros), os juros remuneratórios e moratórios vencidos sobre o capital em dívida, pela diferença.

35 - A sociedade B..., S.A. atravessou dificuldades financeiras e não conseguia, nomeadamente, pagar os juros do contrato de mútuo com hipoteca, o qual veio a ser alterado por escritura de 27.11.2012, tendo sido prorrogado o prazo de pagamento e estabelecido um período de carência de juros.

36 - Nesta alteração ao contrato inicial dos 40 milhões, na qual a autora foi parte, refere-se expressamente que “entre os outorgantes foi celebrado um contrato de mútuo, em sindicato bancário, (…) contrato esse do valor de quarenta milhões de euros (…)”. “II. O referido empréstimo teve como finalidade o desenvolvimento de projetos aprovados pela CCDR do ... para os imóveis na escritura melhor identificados e hipotecados”.

37 - Persistindo as dificuldades financeiras da sociedade B..., S.A., esta negociou com os bancos réus a celebração de um novo contrato de mútuo com hipoteca, de € 14.000.000,00.

38 - O 2º financiamento foi aprovado pelos bancos RR. e efetuado.

39 - Este contrato de mútuo com hipoteca foi celebrado em 20.04.2011, com a mesma distribuição de capital pelos mutuantes que ocorrera no primeiro contrato (o MG mutuou € 7.875.000,00 (56,25%) e o BES mutuou € 6.125.000,00 (43,75%)), e foi novamente garantido pelos terrenos já dados de hipoteca pela Autora.

40 - No ponto dois do contrato está inscrita como finalidade: “apoio de tesouraria permanente depauperado pelos investimentos no projeto da Quinta ...”.

41- Nessa escritura refere-se também que “a utilização da quantia mutuada fica dependente de autorização a conceder pelo Banco agente em função de obras de urbanização, marketing e licenças e encargos financeiros”.

42 - O segundo mútuo teve como finalidade o apoio de tesouraria permanente depauperado pelos investimentos no projeto da Quinta ....

43 - A autora deliberou a outorga de tal contrato, referindo igualmente ter “justificado interesse no negócio”, conforme consta da ata nº ...4 da Assembleia Geral da Colinas de Alvor de 31 de março de 2011, que se encontra junta a fls. 599v. e 600 dos autos.

44 - À data da segunda escritura (mútuo de 14 milhões), a B..., S.A. era a única titular do capital social da empresa autora.

45 - A B..., S.A. veio, nomeadamente a 26 de Abril de 2011, a solicitar a libertação de fundos ao abrigo desse financiamento, na ocasião, de € 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil euros), dos quais € 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros) para o “processo de marketing para o projecto da Quinta ...»” e “1.000.000€ - Libertação referente a juros liquidados em Novembro de 2010, para o projecto H...A...”, conforme consta do documento de fls. 600v. e 601 dos autos.

46 - O contrato veio depois a ser alterado em 27.11.2012, conferindo-se uma carência no pagamento das obrigações contratuais.

47 - A Autora com toda a operação descrita viu o seu património desenvolvido com o produto desses investimentos, quer através do loteamento do seu único ativo, quer através de operações de marketing e licenciamento, com vista a futura a construção de um amplo empreendimento turístico.

48 - A B..., S.A. veio a desenvolver o projeto em apreço nos autos através da autora, tendo, designadamente, sido promovidos junto da Câmara Municipal ... uma alteração no âmbito do Plano de Urbanização, o loteamento do terreno e realizado um conjunto de atuações tendentes à passagem à fase seguinte, de construção, do projeto.

49 - Os Administradores da Autora e da sociedade B..., S.A. constataram que o Plano de Urbanização inicial aprovado para os imóveis objeto do investimento apresentava limitações quanto ao desenvolvimento de um empreendimento que se pretendia de 5 estrelas e, como tal, foram iniciadas pela autora diligências para a introdução de um conjunto de alterações que entendeu necessárias e possíveis de materializar via Plano de Pormenor, a promover em colaboração com a Câmara Municipal ....

50 - Após outorga do contrato para a elaboração do plano de pormenor entre a autora e a Câmara Municipal ..., teve lugar tal elaboração e, em agosto de 2010, a aprovação da proposta do plano por reunião da Assembleia Municipal.

51 - O plano viria, finalmente, a ser aprovado por deliberação camarária de 28 de fevereiro de 2011 e publicado em Diário da República de 4 de abril de 2011 (Aviso nº ...11, 2ª série).

52 - Em maio de 2012 teve lugar a operação de loteamento dos imóveis da Autora, pela qual os prédios hipotecados deram lugar aos seguintes prédios, todos eles registados na Conservatória de Registo Predial ..., freguesia ..., passando as hipotecas a incidir sobre os mesmos:

(i)       prédio rústico designado Quinta ..., sito em Alvor, concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...16, resultante da anexação das descrições nºs ...53 e ...24 e inscrito na matriz sob os artigos nºs ...1 e ...9, da freguesia ...;

(ii)      prédio urbano, Lote 1 A, Quinta ..., sito em Alvor, concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...16, resultante da desanexação da descrição nº ...10 e inscrito na matriz sob o artigo nº ...29, da freguesia ...;

(iii)     prédio urbano, Lote 1 B, Quinta ..., sito em Alvor, concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...16, resultante da desanexação do artigo nº 4010 e inscrito na matriz sob o artigo nº ...30, da freguesia ...;

(iv)     prédio urbano, Lote 2, Quinta ..., sito em Alvor, concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...16, resultante da desanexação do artigo nº 4010 e inscrito na matriz sob o artigo nº ...31, da freguesia ...;

(v)      prédio urbano, Lote 3, Quinta ..., sito em Alvor, concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...16, resultante da desanexação do artigo nº 4010 e inscrito na matriz sob o artigo nº ...32, da freguesia ...;

(vi)     prédio urbano, Lote 4, Quinta ..., sito em Alvor, concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...16, resultante da desanexação do artigo nº 4010 e inscrito na matriz sob o artigo nº ...33, da freguesia ...;

(vii)    prédio urbano, Lote 5 A, Quinta ..., sito em Alvor, concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...16, resultante da desanexação do artigo nº 4010 e inscrito na matriz sob o artigo nº ...34, da freguesia ...;

(viii)   prédio urbano, Lote 5 B, Quinta ..., sito em Alvor, concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...16, resultante da desanexação do artigo nº 4010 e inscrito na matriz sob o artigo nº ...35, da freguesia ...;

(ix)     prédio urbano, Lote 5 C, Quinta ..., sito em Alvor, concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...16, resultante da desanexação do artigo nº 4010 e inscrito na matriz sob o artigo nº ...36, da freguesia ...;

(x)      prédio urbano, Lote 5 D, Quinta ..., sito em Alvor, concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...16, resultante da desanexação do artigo nº 4010 e inscrito na matriz sob o artigo nº ...37, da freguesia ...;

(xi)     prédio urbano, Lote ACMUN, Quinta ..., sito em Alvor, concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...16, resultante da desanexação do artigo nº 4010 e inscrito na matriz sob o artigo nº ...40, da freguesia ...;

(xii)    prédio urbano, Lote ATS, Quinta ..., sito em Alvor, concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...16, resultante da desanexação do artigo nº 4010 e inscrito na matriz sob o artigo nº ...39, da freguesia ...;

(xiii)   prédio urbano, Hotel, Quinta ..., sito em Alvor, concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...16, resultante da desanexação do artigo nº 4010 e inscrito na matriz sob o artigo nº ...38, da freguesia ....

53- Foram promovidas por parte da autora as diligências a que se referem os documentos de fls. 591v. a 594v., sendo que o documento que se inicia a fls. 591v. se denomina “requerimento para comunicação prévia de obras de edificação” e o de fls. 594v. contém a menção “plano de pormenor da Quinta ... (alvor) regulamento”.

54 - O valor dos imóveis propriedade da autora registado contabilisticamente aumentou todos os anos desde 2008 a 2014, constando das suas contas anuais os seguintes valores:

- 2008 - € 9.923.505,15 - 2009 - € 11.368.495,95 - 2010 - € 15.192.865,20 - 2011 - € 18.631.852,89 - 2012 - € 21.943.962,17 - 2013 - € 21.946.730,86 - 2014 - € 23.075.667,86 - 2015 - € 23.075.667,86.

55 - A autora é uma sociedade comercial cujo objeto social consiste na promoção de empreendimentos turísticos e imobiliários, estabelecimentos hoteleiros, residências para férias e outros alojamentos de curta duração, restauração e similares, atividades desportivas, de diversão e recreativas, compra, venda e revenda de bens imobiliários, arrendamento de bens imobiliários, construção de edifícios para venda.

56 - A autora não é nem nunca foi uma sociedade cotada em bolsa.

57 - À data da escritura de concessão de mútuo referida em 20 destes factos provados, o capital social da autora era de € 500.000,00, inexistindo reservas legais ou contratuais.

58 - A B..., S.A. procedeu em Dezembro de 2010 a aumento de capital da autora no montante de € 4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil euros) por conversão de créditos por si detidos sobre a Colinas de Alvor, sendo que veio novamente a participar em aumento do capital social da autora, por deliberação de 18 de dezembro de 2014, em € 7.000.000,00 (sete milhões de euros), subscrito não só pela acionista B..., S.A., mas pelos credores da Autora (assim declarados na respetiva ata) J..., S.A. e D..., S.A., que integram o mesmo grupo empresarial da B..., S.A..

59 - Dessas operações de aumento de capital não foi dado conhecimento aos bancos réus.

60 - Os investimentos realizados no projeto Quinta ... foram-no com recurso aos montantes mutuados pelos Réus à sociedade dominante da A., a B..., S.A., ou por esta aportados diretamente, utilizando capitais seus e de sociedades integrantes do seu grupo empresarial e que conduziram, neste último caso, à existência de dívidas da Autora perante essas sociedades, que vieram a ser objeto de conversão em capital da Colinas de Alvor.

61- Em Assembleia Geral da autora de 18 de dezembro de 2014, foi deliberado um segundo aumento de capital e prémio de emissão, o capital no valor de € 7.000.000,00 (sete milhões de euros) e o prémio de emissão (€ 13.050.000,00), que se processou, por conversão de créditos detidos por terceiros sobre a sociedade autora (em resultado da atividade desenvolvida no projeto imobiliário em causa nos autos):

- Da B..., S.A., no montante de € 9.301.294,11 (nove milhões trezentos e um mil duzentos e noventa e quatro euros e onze cêntimos), dos quais € 4.536.098,46 (quatro milhões quinhentos e trinta e seis mil noventa e oito euros e quarenta e seis cêntimos) correspondentes à parcela de suprimentos pagos aos anteriores acionistas da autora que não havia sido utilizada no aumento de capital de 2010;

- Da J..., S.A., no montante de € 10.478.733,83 (dez milhões quatrocentos e setenta e oito mil setecentos e trinta e três euros e oitenta e três cêntimos);

- Da D..., S.A., no montante de € 247.000,00 (duzentos e quarenta e sete mil euros); e entradas em dinheiro no valor de € 22.972,06 (vinte e dois mil novecentos e setenta e dois euros e seis cêntimos).

62 - Desse aumento de capital (€ 7.000.000,00) e prémio de emissão (€ 13.050.000,00) resultou a eliminação quase total das dívidas da autora, registadas como financiamentos obtidos (os suprimentos adquiridos), fornecimentos e outras contas a pagar (correspondentes aos créditos à B..., J..., S.A. e D...).

63 - Das contas a 31 de Dezembro de 2013 e a 31 de Dezembro de 2014 consta, a respeito de capital próprio e dívidas: - 2013 (antes do aumento de capital): Capital realizado - € 5.000.000,00 Prémios de emissão - € 0,00 Financiamentos obtidos - € 4.536.098,46 Fornecedores - € 8.628.146,00, Outras contas a pagar - € 5.825.619,33 - 2014 (depois do aumento de capital): Capital realizado - € 12.000.000,00 Prémios de emissão - € 13.050.000,00 Financiamentos obtidos - € 0,00 Fornecedores -€ 70.955,90 Outras contas a pagar - € 13.086,28.

64 - 95,8333% do capital social da Autora foi, em 2016, objeto de aquisição (por 2 milhões de euros) pela sociedade M..., S.A., que considera ser nula a garantia hipotecária constituída pela Autora a favor do Montepio Geral e do Novo Banco sobre os seus prédios rústicos: (i) sito no lugar da Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...9, Secção N, descrito na CRP ... sob o nº ...24-Alvor (ii) sito no lugar do ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...1, Secção N, descrito na CRP ... sob o nº ...53-Alvor.

65 - O novo investidor M..., representado pelo Dr. VV, conhecedor da situação dos prédios pertencentes à autora, propôs a compra e venda do capital social da Colinas do Alvor, por entender que as hipotecas eram nulas e que poderia invocar com êxito a sua invalidade.

66 - Se as hipotecas constituídas a favor dos Réus forem executadas, a A. poderá ficar insolvente, sendo que os terrenos perderão o seu valor se neles não se puder implementar o projeto urbanístico.

67 - A aquisição das ações da autora pela M... ocorreu em meados de setembro de 2016, tendo a nova administração sido nomeada no dia 21 desse mês e a procuração outorgada aos mandatários que representam a Autora nesta ação foi outorgada a 23 de setembro seguinte.

68 - O administrador da M..., de nome VV, é Advogado, com escritório na Rua ..., ..., no ..., e que é simultaneamente a sede da M..., da Do..., da K... Investments, e da K....

69 - WW, XX e YY participaram da constituição de todas estas sociedades.

70 - A associação do Dr. VV às sociedades K... e Do... foi profissional, como o foi com outras sociedades interessadas nos seus serviços de advogado, sendo que o Dr. VV não tem qualquer ligação como acionista ou sócio ou administrador às referidas sociedades, sendo apenas um advogado especializado em direito financeiro e em direito de negócios, que tem contactos internacionais e nacionais com potenciais investidores que aproxima a interessados em vender bens ou serviços.

71 - Nesse sentido disponibiliza sociedades-veículo a potenciais investidores, com sede no seu escritório, cujos sócios transitórios são recorrentemente pessoas conhecidas e que servem esse fim de modo temporário, pelo que em algumas sociedades-veículo que tem em carteira a sede seja no escritório que tratou da sua constituição - o seu - e apareçam como sócios ou acionistas as mesmas pessoas, designadamente as identificadas em destes factos provados, pois os investidores, em regra, pretendem sigilo e confidencialidade, não querendo ver o seu nome dado a conhecer enquanto não concretizam o negócio em que estão interessados, sob pena do preço do mesmo inflacionar automaticamente.

72 - É também usual quando são estrangeiros e ainda não têm escritório ativo em Portugal pedirem para a sede ali se manter nos primeiros tempos de vida da empresa.

73 - Uma vez concretizado o negócio, ocorre a transferência da titularidade do capital social para o investidor e são feitas as alterações necessárias de acordo com o modelo que o mesmo pretenda.

74 - Acontecendo, por vezes, que a sede das sociedades por si constituídas se mantém no seu escritório por tempo indeterminado, não só a pedido dos clientes como também por inércia.

75 - A B..., S.A. e a Autora continuam a ter como fiscal único o Sr. Dr. ZZ.

76 - A sociedade M... foi objeto de um aumento de capital, de dois milhões de euros.

77 - A sociedade B..., S.A. está presentemente numa situação em que tem em falta a liquidação de quantias aos bancos RR., relativamente aos mútuos pelos mesmos concedidos e a que se referem os presentes autos.

78 - Sendo que, quanto ao primeiro financiamento se encontra em débito ao réu Novo Banco a quantia global de € 20.996.616,14 (sendo € 18.283.531,79 de capital e € 2.713.084,35 de juros vencidos até 04.11.2016 e respetivo imposto de selo, acrescendo juros vincendos (mútuo em incumprimento desde novembro de 2014).

79 - E quanto ao segundo financiamento está em dívida ao Novo Banco a quantia global de € 7.160.564,42 (sendo € 6.334.083,89 de capital e € 826.480,53 de juros vencidos vincendos (mútuo em incumprimento desde outubro de 2014).

80 - No âmbito do Contrato de Mútuo com Hipoteca e Fiança celebrado a 20 de novembro de 2007 encontra-se vencido e não pago à CEMG o valor total de € 26.569.798,79 (vinte e seis milhões quinhentos e sessenta e nove mil setecentos e noventa e oito euros e setenta e nove cêntimos), correspondente (i) ao montante de capital de € 23.507.398,00 (vinte e três milhões quinhentos e sete mil e trezentos e noventa e oito euros), (ii) a juros moratórios vencidos, contabilizados às taxas contratualmente estabelecidas desde a data de 20 de novembro de 2014 até 3 de novembro de 2016, no montante de € 1.899.995,89 (um milhão oitocentos e noventa e nove mil novecentos e noventa e cinco euros e oitenta e nove cêntimos), acrescidos de (iii) sobretaxa de 3%, a título de cláusula penal contratualmente estabelecida, desde a data de 20 de maio de 2015 até 3 de Novembro de 2016, no montante de € 1.044.120,26 (um milhão quarenta e quatro mil cento e vinte euros e vinte e seis cêntimos) e (iv) despesas e impostos no montante de € 118.284,64 (cento e dezoito mil duzentos e oitenta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos) computados até 3 de novembro de 2016, a que acrescem ainda os juros vencidos à taxa contratual, que é atualmente de 4,0200000%, acrescidos da sobretaxa de 3%, desde a data de 4 de novembro de 2016.

81 - No que se refere ao Contrato de Mútuo com Hipoteca e Fiança celebrado a 20 de abril de 2011 encontra-se vencido e não pago à CEMG o valor total de € 9.121.630,60 (nove milhões cento e vinte e um mil seiscentos e trinta euros e sessenta cêntimos), correspondente (i) ao montante de capital de € 8.143.822,54 (oito milhões cento e quarenta e três mil oitocentos e vinte e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos), (ii) a juros moratórios vencidos, contabilizados às taxas contratualmente estabelecidas desde a data de 28 de Fevereiro de 2015 até 3 de Novembro de 2016, no montante de € 557.184,05 (quinhentos e cinquenta e sete mil cento e oitenta e quatro euros e cinco cêntimos), acrescida de (iii) sobretaxa de 3%, a título de cláusula penal contratualmente estabelecida, desde a data de 20 de Maio de 2015, no montante de € 382.081,00 (trezentos e oitenta e dois mil oitenta e um euros), (iv) despesas e impostos no montante de € 38.543,01 (trinta e oito mil quinhentos e quarenta e três euros e um cêntimo) a que acrescem ainda os juros vencidos à taxa contratual, atualmente de 3,8010000%, acrescidos da sobretaxa de 3%, desde a data de 4 de Novembro de 2016.

82 - Os membros do Grupo H... tentaram expurgar as hipotecas existentes por cerca de um terço do valor dos créditos hipotecários (21 milhões de euros), com propostas apresentadas aos Bancos réus, em que os créditos destes seriam integralmente extintos, com total perdão do remanescente, e desoneração de ativos até então hipotecados a favor dos RR. que passariam, por via desse acordo, livres e desonerados, para a esfera do Grupo, o que foi recusado pelos réus.

83 - Os bancos réus não visaram no negócio em causa nos autos financiar a aquisição de participações da Colinas do Alvor, mas antes limitar-se a financiar a compra de um terreno, posto que foi assim que o negócio lhes foi colocado.

84 - Os montantes que foram disponibilizados pelos réus foram-no no pressuposto de que os mesmos se destinavam ao desenvolvimento de projetos aprovados pela CCDR do ... para os imóveis pertença da autora.

85 - Os bancos réus, ao conceder os financiamentos em causa nos autos, permitiram a aquisição dos terrenos da autora em causa nos autos e o pagamento de dívidas com fundos de milhões de euros (inicialmente, 40 milhões de euros, mais um financiamento de 14 milhões de euros), que disponibilizaram ao grupo H..., cujos membros sempre conheceram todos os pormenores do negócio.

86 - A autora outorgou todas as escrituras de concessão dos financiamentos, deliberou em atas de assembleia geral prestar as garantias, autorizar as operações, tudo fazendo, aceitando, deliberando e assinando para que fosse possível a disponibilização dos fundos, pelo que os bancos mutuantes acreditaram na boa-fé da autora e configuraram a sua atuação de acordo com a mesma e, movidos por esta confiança, disponibilizaram valores de 54 milhões de euros.

87 - Os representantes legais da autora sempre configuraram perante os réus o financiamento em causa como sendo destinado à aquisição de um terreno e, criando nos réus a convicção de que nunca seria posta em causa a validade das hipotecas, os representantes legais da autora à data em que os mútuos foram outorgados tudo fizeram para obter os financiamentos em causa.

88 - A validade, eficácia e veracidade da escritura pública de mútuo de 20 de novembro de 2007 nunca foram postas em causa por qualquer dos seus Outorgantes.

89 - O Novo Banco nasceu da medida de resolução aplicada, em 03.08.2014, pelo Banco de Portugal ao BES.

90 - No seguimento da decisão de transferência da totalidade da atividade do BES para o Novo Banco, no texto consolidado do Anexo 2 da aludida deliberação do Banco de Portugal (na redação dada pela deliberação datada de 11.08.2014 - às 17h), alínea a) estabeleceu-se que: “Todos os ativos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do BES serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, S.A. com exceção dos seguintes (…)”, que se referem às ações representativas do capital social e direitos de crédito sobre entidades que integram o Grupo BES e o Grupo GES, bem como disponibilidades no montante de dez milhões de euros.

91 - E, na alínea b) que: “As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, S.A., com exceção dos seguintes (…)”, que se referem: - aos passivos para com os acionistas, membros dos órgãos de administração e fiscalização, revisores oficiais de contas, e responsáveis pelas dificuldades financeiras da instituição (subalínea (i)); - obrigações contraídas perante entidades que integram o GES (subalínea (ii)); -obrigações contraídas ou garantias prestadas perante terceiros relativas a responsabilidades de entidades do GES (subalínea (iii)); - responsabilidades resultantes da emissão de instrumentos elegíveis para o cômputo de fundos próprios do BES (subalínea (iv)); -quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais (subalínea (v)); -quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a ações, instrumentos ou contratos de que resultem créditos  subordinados  (subalínea(vi))- quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências relativas a instrumentos de dívida emitida por entidades que integram o GES.

92 - Em resultado da medida de resolução aplicada pelo BdP, os contratos de mútuo celebrados com B..., S.A. e as hipotecas constituídas pela Autora, na parte que diz respeito à posição do BES, transferiram-se para o Novo Banco, por constituírem ativos não excluídos, nos termos do Ponto 1, alínea a) do Anexo 2 da deliberação datada de 03.08.2014, na versão consolidada datada de 11.08.2014.

93 - Transferidos para o Novo Banco os ativos constituídos pelos contratos de mútuo, transferiram-se também as respetivas garantias acessórias, como as hipotecas em discussão nesta ação.

2.3. – A prestação das garantias hipotecárias pela sociedade Colinas do Alvor S.A. e a proibição legal da assistência financeira, prevista no art.322 do Código das Sociedades Comerciais ( CSC ).

A Autora/revistante, com fundamento no art.322 do CSC, pediu a declaração de nulidade das hipotecas de 1.º e 2.º grau prestadas pela Autora (assistente ) a favor Réus ( Bancos mutuantes )sobre os prédios identificados nos autos ( pertencentes à Autora)  em garantia dos contratos de mútuo, celebrados entre os Bancos Réus e a sociedade B... SA ( assistida) .

A sentença da 1ª instância postergou a nulidade do negócio jurídico das hipotecas voluntárias, argumentando, em síntese, que o negócio jurídico em causa não foi a compra e venda do capital social de Colinas do Alvor S.A., mas sim a compra de um terreno, pelo que não têm aplicação ao caso dos autos as normas de proteção societárias previstas nos arts. 6º e 322º do CSC, e qualquer modo, não ocorreu violação dos arts.s 6º nº 1 e 3º e do art 322  CSC ( proibição da assistência financeira ).Para além disso, verifica-se o abuso de direito ( art.334 CC ) por parte da Autora.

Socorrendo-se de elementos históricos e de direito comparado, sobretudo inglês, quanto à proibição da assistência financeira argumentou:

a). A flexibilização da proibição da assistência financeira, tendo em conta o direito comparado e a razão histórica, pelo que “os negócios que sejam, do ponto de vista da sua validade, apreciados devem sempre ser vistos por uma perspetiva comercial vasta e convirá ter-se em conta, nomeadamente o seu elemento subjetivo. Significa isto que, perante a redação do artigo 322º do Código das Sociedades Comerciais, se justificará a respetiva interpretação restritiva e, pelo menos, haverá sempre que fazer apelo especial à consideração do elemento subjetivo, de acordo com o qual a assistência financeira deve ser pretendida pelos intervenientes no negócio (por todos os intervenientes)”

b)“Se a assistência financeira resultar na aquisição de ações de uma outra sociedade estranha à sociedade emitente e assistente ou em qualquer outra operação realizada pelo terceiro, como por exemplo para a compra de um imóvel, já não se deverá aplicar o regime presente no artigo 322º CSC, mas sim outras regras existentes no nosso direito, desde a questão da capacidade vs representação, da responsabilidade dos administradores e da própria protecção do capital social.

c) Embora a doutrina não seja coincidente quanto ao espectro de proteção da norma do art 322º do CSC (proteção dos credores, na proteção dos próprios acionistas, na proteção da companhia em si, na proteção do comércio em geral, na proteção do capital social da companhia), a verdade é que no caso dos autos nada aqui é prejudicado. “ Efetivamente, a sociedade A. não tem outros credores para além dos RR.. O domínio da B..., S.A. em relação à altura foi total, logo também não haveria acionistas prejudicados com o negócio. O grupo de entidade garantida, passou, na verdade a ser quem detinha o capital da A., não havendo prejuízo de outros acionistas, uma vez que existe essa relação de grupo.”.

A Autora, no recurso de apelação, questionou esta argumentação, mas fê-lo na base da impugnação de facto, nomeadamente os atinentes ao destino dos empréstimos ( cf. pontos 9, 38, 42, 45, 47, 60, 84, 85, 87 ), para concluir que “Alteradas as respostas relativamente ao destino dos fundos do segundo mútuo (de 14M€), é de concluir que serviu a mesma finalidade de assistência financeira do primeiro, com a particularidade de servir de suporte ao pagamento das obrigações do primeiro e do segundo mútuo, existindo, pois, um nexo causal entre ambos e as hipotecas constituídas em garantia dos dois mútuos.”

A Relação, mantendo no essencial os factos provados na sentença da 1ª instância ( alterou o ponto 42 no sentido de que o segundo mútuo teve como finalidade o apoio à tesouraria, permanente depauperado pelos investimentos no projecto da Quinta ...), confirmou esta fundamentação, dizendo que exigindo a proibição financeira postulada no art.322 CSC três requisitos, não se verifica o requisito subjectivo,“ já que as hipotecas não foram constituídas pela Colinas do Alvor para que a B..., S.A. adquirisse ações desta sociedade, mas sim para assegurar o financiamento do desenvolvimento de projetos nos imóveis da própria garante, Colinas do Alvor, sendo que esta implicava e incluía a aquisição destes imóveis pela B..., S.A.”.

A Autora/revistante reitera a alegação que fizera para a Relação, insistindo na revista que estão comprovados os pressupostos legais do art.322 CSC, nomeadamente o elemento subjectivo, pois “Mostra-se demonstrado que as hipotecas prestadas por CA em garantia dos financiamentos para aquisição do seu próprio capital social são nulas, por se mostrarem preenchidos todos os requisitos da proibição legal da assistência financeira”.

Dispõe o art.322 do Código das Sociedades Comerciais ( CSC ), sob a epigrafe “Empréstimos e garantias para aquisição de acções próprias”:

“1 - Uma sociedade não pode conceder empréstimos ou por qualquer forma fornecer fundos ou prestar garantias para que um terceiro subscreva ou por outro meio adquira acções representativas do seu capital.

2 - O disposto no n.º 1 não se aplica às transacções que se enquadrem nas operações correntes dos bancos ou de outras instituições financeiras, nem às operações efectuadas com vista à aquisição de acções pelo ou para o pessoal da sociedade ou de uma sociedade com ela coligada; todavia, de tais transacções e operações não pode resultar que o activo líquido da sociedade se torne inferior ao montante do capital subscrito acrescido das reservas que a lei ou o contrato de sociedade não permitam distribuir.

3 - Os contratos ou actos unilaterais da sociedade que violem o disposto no n.º 1 ou na parte final do n.º 2 são nulos”.

Como bem se realçou no acórdão recorrido “O regime proibitivo da assistência financeira pode ser sumariamente descrito na base de três aspetos fundamentais: uma regra geral (proibição de assistência financeira), duas exceções (operações bancárias e pessoal da sociedade) e uma consequência jurídica (nulidade).Este regime-regra contempla duas exceções: o disposto no nº 1 não se aplica às transações que se enquadrem nas operações correntes dos bancos ou de outras instituições financeiras; nem às operações efetuadas com vista à aquisição de ações pelo ou para o pessoal da sociedade ou de uma sociedade coligada”.

A norma do art.322 nº1 CSC é imperativa, segundo a qual as sociedades anónimas estão proibidas de prestar assistência financeira a terceiros para subscrição ou aquisição das suas próprias acções por um terceiro

É consensual na doutrina que a proibição de assistência financeira reclama a comprovação cumulativa de dois requisitos objectivos e um requisito subjectivo.

(1)Requisito objectivo   - Negócio de financiamento entre a sociedade e um terceiro (a sociedade concede empréstimos, ou por qualquer forma fornece fundos ou presta garantias a um terceiro).

O art. 322 CSC especifica os actos proibidos: a concessão de empréstimos ou “por qualquer forma de fornecimento de fundos”, sendo que este segmento deve ser interpretado no sentido de que a proibição abrange a concessão de um empréstimo pela sociedade, tanto pela forma de empréstimo ou outra forma de fornecimento de fundos.

A proibição de prestar garantias – a razão de ser é a mesma, pois tal como na concessão e crédito, também a qui existe uma oneração do património social. Tem-se entendido “prestar garantias” deve ser interpretada em sentido amplo, de modo a abranger não apenas os negócios típicos de garantia, mas também todos aqueles que cumpram a mesma finalidade

Por outro lado, também se considera que a proibição de assistência financeira compreende tanto a assistência financeira imediata (o terceiro adquirente das ações e o beneficiário da assistência são a mesma pessoa), como a mediata ( a ratio da proibição incide também sobre  garantias prestadas ou o fornecimento de fundos a um quarto sujeito ( entidade não directamente assistida), desde que o terceiro beneficie da assistência na subscrição ou aquisição das ações.

(2) Requisito objectivo - Subscrição ou aquisição de acções da sociedade assistente pelo terceiro

Este segundo requisito objectivo reporta-se à subscrição ou aquisição de acções da sociedade assistente por terceiro, seja pela transmissão das acções por um sócio, seja pela emissão feita pela sociedade na altura da constituição ou de um posterior aumento de capital.

(3) Requisito subjectivo - O financiamento ou a garantia são proibidos desde que sejam, na expressão legal, “para que um terceiro subscreva ou por outro meio adquiria acções representativas” do capital da sociedade assistente.

Esta exigência finalística resulta tanto do elemento literal, como da ratio da norma, bem assim do art.23 nº2 da Directiva 2006/68/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 6/9/2006, publicada no JOL 264 de 25/9/2006.

A doutrina portuguesa é praticamente unânime na consideração de que a assistência financeira apenas é proibida quando estejam plena e cumulativamente preenchidos os dois requisitos objectivos e o requisito subjectivo, postulados no art. 322 nº1 CSC.

Para MARGARIDA COSTA ANDRADE (Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume V, 2.ª Edição, Junho 2018, Almedina, pág. 495 a 505) são três os requisitos cumulativos para aplicação deste normativo: (a)A concessão de empréstimos ou qualquer forma de fornecimento de fundos ou a prestação de garantias; (b) A aquisição ou subscrição de ações da sociedade concedente ou garante; (c)Uma ligação subjetiva ou intencional entre os dois atos.

Trata-se de uma norma com um espectro bastante abrangente, que comina com a nulidade, qualquer concessão de fundos ou prestação de garantias, como sejam o empréstimo, a abertura de crédito, os descontos, os contratos de comissão de compra de ações da sociedade sem provisão de fundos, a renúncia a uma indemnização ou as doações, penhor de ações, hipoteca sobre imóvel da sociedade, penhor sobre qualquer coisa móvel ou direito de crédito, alineação fiduciária em garantia de ações, a letra de favor ou mandato de crédito. Acrescenta “para que se aplique a sanção de nulidade, prevista no n.º 3, a sociedade e o terceiro têm de comungar do mesmo fim. Ou seja, para que o negócio celebrado entre a sociedade e o terceiro seja nula, tanto uma como outro têm de acordar na utilização dos fundos de garantia, direta ou indiretamente, para a aquisição ou subscrição de ações representativas do capital da sociedade. (…) De facto, a doutrina, de modo mais ou menos pacífico, identifica enquanto principais finalidades desta norma a salvaguarda do princípio da intangibilidade do capital social, a tentativa de evitar abusos dos administradores e a manipulação do mercado e da cotação das ações”.

PEDRO ALBUQUERQUE (Assistência Financeira nas Sociedades Comerciais – A Concessão de empréstimos, de fundos ou a prestação de garantias pela sociedade para a subscrição ou aquisição por um terceiro de ações representativas do seu próprio capital social, Almedina, pp. 32 e ss.) também realça a dimensão subjectiva do negócio, ou seja, a necessidade da verificação do nexo de causalidade e esclarece o seguinte:

“A assistência financeira tem, na verdade, de apresentar um nexo causal com a aquisição de ações. Dito de outra maneira, o financiamento tem de possuir como fim a aquisição de ações. Não basta, pois, a simples realização de um negócio de financiamento. Em jogo está a existência de uma relação causal subjetiva e intencional representativa do elemento finalístico ou subjetivo imprescindível para a proibição. Esta só funcionará se a operação tiver o propósito de facilitar o negócio de aquisição: para que um terceiro adquira ou subscreva ações representativas do seu capital.

Está-se, destarte, diante de uma proibição de um negócio com uma finalidade específica – de assistência financeira. Ou seja: perante um negócio de fim ilícito. Por isso, nos termos do art. 281 do Cód. Civil, se apenas o fim do negócio for oposto à lei ou à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes, o negócio só é nulo se a finalidade for extensível a ambas as partes. Isto é, à sociedade assistente e ao terceiro assistido. (…)

Não é, finalmente, diferente a solução nas hipóteses de prestação de uma garantia, não a favor do adquirente das ações, mas em proveito de um terceiro financiador, na eventualidade de não haver uma relação direta entre a sociedade-alvo e o financiado suscetível de ser tida por nula. Isso pode suceder, nas situações de garantias acessórias, na ausência de um pacto ou negociação entre a sociedade dadora, o devedor garantido e o beneficiário da garantia ou, de um modo geral, nas hipóteses de ignorância de boa-fé, por parte do financiador, da razão da oferta da garantia ou do fim do empréstimo”.

Também PAULO TARSO DOMINGUES (Proibição de “Assistência Financeira” no Contexto dos Mecanismos de Proteção de Credores”, publicado em AB INSTANTIA, Revista do Instituto do Conhecimento AB, Outubro de 2013, Ano I n.º 2, Almedina, Abreu Advogados, em especial pp. 62 e ss.) destaca a essencialidade do nexo causal entre o financiamento e a aquisição de ações, concluindo que a aplicação do regime da assistência financeira e correlativa proibição supõe necessariamente que o financiamento tenha sido concedido com a finalidade e intenção de permitir ao terceiro a aquisição das ações da sociedade assistente.

De igual forma, INÊS PINTO LEITE (Da Proibição de Assistência Financeira – O caso particular dos Leveraged Buy-Outs, Direito Das Sociedades em Revista, Ano 3, Maio, vol. 5, 2011, em especial pp. 150 e ss.) advoga a essencialidade dos três requisitos, sendo dois objectivos e o terceiro de cariz subjectivo que impõe que haja um conluio entre a sociedade e o terceiro assistido e bem assim com um propósito firme e principal de facilitar ao terceiro a aquisição de acções com a celebração do referido contrato de financiamento.

JOANA MACEDO VITORINO (A proibição de assistência Financeira e o artigo 6.ºdo Código das Sociedades Comerciais: um conflito por resolver ou uma compatibilidade natural? ( Revista de Direito das Sociedades XIII, 2021, 1, págs. 9-59, em especial págs. 23 a 32.) também acompanha esta perspectiva, concluindo que “Considera-se haver fim de assistência financeira, quando a aquisição de ações corresponda ao fim principal do negócio de financiamento, não sendo meramente instrumental da prossecução de uma outra finalidade”

Igualmente, MARIANA DUARTE SILVA ( Assistência Financeira - no âmbito das sociedades comerciais», RDS, Ano II (2010), 1/2, 145-236, em especial págs. 190 a 198) após discorrer acerca da ratio da proibição prevista no art. 322 do CSC, na linha da doutrina já citada, analisa os elementos objectivos e subjectivo deste normativo e conclui também pela necessidade do nexo causal entre a assistência e a aquisição das acções: “Em suma, o elemento finalístico, de natureza intencional ou subjectiva, reveste-se de uma importância fundamental na conformação da disciplina da assistência financeira, na medida em que são proibidos apenas os actos ou negócios de assistência resultantes de um negócio causal de favor, que tenham como finalidade a aquisição, por um terceiro, das acções da sociedade assistente (ou uma sua dominante). Tal implica excluir do âmbito de aplicação da proibição os negócios incluídos numa operação mais ampla, no âmbito da qual a assistência financeira seja apenas incidental.”

PEDRO NUNES ( A Proibição de Assistência Financeira. Em Especial o Leveraged Buyout (LBO), Revista Electrónica de Direito - Junho 2015 - n.º 2, em especial pp. 11 a 14) identicamente segue a mesma orientação e refere expressamente, “para determinar o nexo, adotou-se a perspetiva subjetivista, sendo necessário interpretar a vontade das partes na celebração do negócio. (…) doutrina portuguesa, na esteira das soluções avançadas no direito inglês, entende que se o propósito de facilitar a aquisição for acessório ou incidental de outro propósito principal ou se o propósito da operação for mais amplo, não é de aplicar a proibição”.

Em termos jurisprudenciais, o Ac. do STJ de 09/03/2022, Revista n.º 1600/17.5T8PTM.E1.S1 ( disponível em www dgsi.pt ), em que foi relator o Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves, no qual, além do mais, se discutiu a aplicabilidade do art. 322.º do CSC às sociedades por quotas, mas onde também se afirmou que a ratio deste normativo é a (…) “proteção do capital social, manifestamente no caso dos autos tal interesse não está em causa pois a verdadeira finalidade do negócio celebrado pelas partes não foi a aquisição de quotas de uma sociedade comercial para aquisição do controlo sobre a mesma, mas sim a aquisição de prédios detidos por essa sociedade, assumindo-se o negócio como uma transação de bens imobiliários” Ou seja, naqueles autos também estava em causa um negócio de aquisição de um imóvel pertencente a uma sociedade, ainda que por quotas, o qual foi concretizado através da aquisição de quotas da sociedade, com a prestação de garantias a terceiro através de imóvel dessa sociedade.

Conforme justificaram as instâncias, os factos julgados provados não permitem sustentar a existência de um negócio de assistência financeira proibido pelo art. 322.º do CSC, por falta do requisito subjectivo.

Na verdade, em face da factualidade apurada, estão preenchidos os requisitos objectivos da proibição de assistência financeira:

A sociedade Colina do Alvor prestou 2 hipotecas voluntárias sobre imóveis da sua propriedade (terrenos da ...), para garantia de dois contratos de de mútuo celebrados pela B..., S.A. no valor de €40.000.000,00 (20/11/2007) e €14.000.000,00 (20 /4/ 2011);

A sociedade B..., S.A., na qualidade de terceiro garantido e assistido, adquiriu a totalidade do capital da sociedade garante e assistente Colinas do Alvor, através de contrato de compra e venda de ações celebrado em 20.11.2007 pelo preço global de €40.000.000,00.

Mas já não acontece o mesmo com o elemento subjectivo, uma vez que não ficou provado que o negócio de constituição das hipotecas tivesse como finalidade a aquisição das acções da Colinas do Alvor pela B..., S.A.. Com efeito, ficou provado que as hipotecas foram constituídas sobre os imóveis da Colinas do Alvor com a finalidade de assegurar o financiamento do desenvolvimento de projetos nos imóveis da própria garante, Colinas do Alvor, sendo que esta implicava e incluía a aquisição destes imóveis pela B..., S.A.. Ou seja, “a aquisição de ações próprias não foi o fim da prestação de garantia, mas apenas um meio de adquirir os imóveis onde deveriam vir a ser desenvolvidos os projetos financiados” (projecto imobiliário), conforme conclui o acórdão recorrido.

A Autora /revistante alegou na revista que - “Não obstante o que foi decidido pelas instâncias antecedentes - o negócio celebrado consubstanciou a aquisição de terreno e não de ações - a inclusão no preço de 40M€ dos suprimentos e a constituição de penhor de ações de CA, por B..., a favor do banco MG, em garantia do financiamento, permite sustentar que o negócio querido foi mesmo de aquisição do capital social, ainda que, naturalmente, o fator imóveis tenha sido fundamental para a decisão de contratar a par do tratamento administrativo levado a cabo por CA, que permitia a implementação de um empreendimento turístico”. E acrescentou que, quanto ao destino dos fundos do segundo mútuo (de 14M€, de 20.04.2011), “é de concluir que serviu a mesma finalidade de assistência financeira do primeiro, agora com a particularidade de servir de suporte ao pagamento das obrigações do primeiro mútuo e do segundo mútuo”.

Verifica-se que a Autora/recorrente se apoia numa presunção judicial para justificar o elemento subjectivo do art.322 nº1 CSC.  Na verdade, a partir da inclusão do preço de 40.000.00 € dos suprimentos e da constituição de penhor das acções de Colinas do Alvor SA por B... SA ( base da presunção) conclui ( “ permite sustentar” ) que o negócio querido foi mesmo o da aquisição do capital social.

         Porém, tal posição deve ser rejeitada, por duas razões:

A primeira, porque o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de direito e não julga de facto, a não ser em situações excepcionais, conforme impõe o art. 46 da Lei nº 62/2013 de 26/8 (“Fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece da matéria de direito”). E o art. 662 nº 4 do CPC é claro e imperativo ( “ Das decisões da Relação previstas nos nº 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” ), bem como o disposto no art. 674 nº 3 ( primeira parte) CPC ( “ O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista” ) e ainda o art. 682 nº 2 CPC (“ A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 3 do artigo 674”).

Daqui resulta, conforme orientação jurisprudencial uniforme, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode interferir no juízo que a Relação faz com base na reapreciação dos meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como os depoimentos declarações, documentos sem força probatória plena ou uso de presunções judiciais.

A segunda, porque as instâncias deram como provado que a finalidade das garantias foi o financiamento à sociedade assistida para a aquisição do terreno, e o segundo empréstimo visou o apoio de tesouraria permanente depauperado pelos investimentos no projeto da Quinta ....

         Vejam-se os seguintes factos dados como provados:

20 - E assim foi celebrado em 20.11.2007, às 17:30, o contrato de mútuo (de 40 milhões de euros) com hipoteca sobre os terrenos da autora acima identificados cuja cópia se encontra junta a fls. 35 e seguintes dos autos.

21 - No dia anterior ao da outorga da escritura referida em 20 destes factos provados, em 19.11.2007, pelas 15 horas, a sociedade B..., S.A. fez uma assembleia geral (cuja ata, com o nº ...4, consta de fls. 698 dos autos) na qual indicou como sua “associada” a sociedade Colinas do Alvor e em que deliberou o seguinte: - a operação de empréstimo a contrair junto dos bancos RR. destinava-se a assegurar os meios financeiros necessários ao desenvolvimento do projeto da associada Colinas do Alvor, mencionando, nomeadamente, que “[…] os acionistas deliberaram, por unanimidade, contrair um empréstimo até Sessenta milhões de euros, sob a forma de Empréstimo Sindicado, junto da Caixa Económica Montepio Geral e Banco Espírito Santo, pelo prazo, juro, forma de pagamento e demais condições, que vierem a ser estabelecidas no contrato de empréstimo, que se destina a assegurar os meios financeiros necessários ao desenvolvimento de projetos aprovados pela C.C.D.R. do ..., para os imóveis da nossa associada «Colinas do Alvor – Sociedade Imobiliária, S.A.»”, e - dar aos bancos réus em penhor as ações da associada A., num total de 100.000 ações com o valor nominal de € 5 cada.

39- Este contrato de mútuo com hipoteca foi celebrado em 20.04.2011, com a mesma distribuição de capital pelos mutuantes que ocorrera no primeiro contrato (o MG mutuou € 7.875.000,00 (56,25%) e o BES mutuou € 6.125.000,00 (43,75%)), e foi novamente garantido pelos terrenos já dados de hipoteca pela Autora.

40 - No ponto dois do contrato está inscrita como finalidade: “apoio de tesouraria permanente depauperado pelos investimentos no projeto da Quinta ...”.

41 - Nessa escritura refere-se também que “a utilização da quantia mutuada fica dependente de autorização a conceder pelo Banco agente em função de obras de urbanização, marketing e licenças e encargos financeiros”.

42 - O segundo mútuo teve como finalidade o apoio de tesouraria permanente depauperado pelos investimentos no projeto da Quinta ....

43 - A autora deliberou a outorga de tal contrato, referindo igualmente ter “justificado interesse no negócio”, conforme consta da ata nº ...4 da Assembleia Geral da Colinas de Alvor de 31 de março de 2011, que se encontra junta a fls. 599v. e 600 dos autos.

44 - À data da segunda escritura (mútuo de 14 milhões), a B..., S.A. era a única titular do capital social da empresa autora.

83 - Os bancos réus não visaram no negócio em causa nos autos financiar a aquisição de participações da Colinas do Alvor, mas antes limitar-se a financiar a compra de um terreno, posto que foi assim que o negócio lhes foi colocado.

84 - Os montantes que foram disponibilizados pelos réus foram-no no pressuposto de que os mesmos se destinavam ao desenvolvimento de projetos aprovados pela CCDR do ... para os imóveis pertença da autora.

85 - Os bancos réus, ao conceder os financiamentos em causa nos autos, permitiram a aquisição dos terrenos da autora em causa nos autos e o pagamento de dívidas com fundos de milhões de euros (inicialmente, 40 milhões de euros, mais um financiamento de 14 milhões de euros), que disponibilizaram ao grupo H..., cujos membros sempre conheceram todos os pormenores do negócio.

87- Os representantes legais da autora sempre configuraram perante os réus o financiamento em causa como sendo destinado à aquisição de um terreno e, criando nos réus a convicção de que nunca seria posta em causa a validade das hipotecas, os representantes legais da autora à data em que os mútuos foram outorgados tudo fizeram para obter os financiamentos em causa.

88 - A validade, eficácia e veracidade da escritura pública de mútuo de 20 de novembro de 2007 nunca foram postas em causa por qualquer dos seus Outorgantes.

Para além disso, a Relação postergou a proibição, salientando a inexistência de credores prejudicados com este negócio, pois que a Colinas do Alvor não tinha credores e o risco da Colinas do Alvor é inerente à sua atividade de “promoção de empreendimentos turísticos e imobiliários”, e não qualquer risco alheio a esta atividade, resultante da negociação das suas próprias ações” ( conforme afirmado no Parecer do Prof. Paulo Mota Pinto junto aos autos, págs. 22, 95 e 96).

Por conseguinte, a prestação das garantias ( hipotecas voluntárias)  não são nulas, pois não resultaram demonstrados os factos necessários para o preenchimento cumulativo dos três pressupostos legais da proibição de assistência financeira, previstos no art.322 nº1 CSC.

Acresce que o acórdão recorrido, como reforço argumentativo, sustenta ainda que a proibição do ar.322 nº1 CSC não deve aplicar-se à assistência financeira para a aquisição da totalidade do capital da sociedade Autora (assistente) pela B..., S.A. ( sociedade assistida).

         Os tópicos são os seguintes:

Considerando a ratio da norma do art.322 nº1 CSC, seja a protecção dos credores, ou na tutela dos interesses dos accionistas, aqui não foram postos em causa.

A sociedade Colinas do Alvor foi totalmente adquirida pela B..., S.A. (única accionista) numa relação de domínio total. Ora, a sociedade dominante é responsável pela totalidade das dívidas da dominada.

Com efeito, “ O regime dos grupos de sociedades visa permitir, entre outras coisas, que as sociedades assim coligadas possam, do ponto de vista económico, actuar conjugadamente,  beneficiando cada uma do desempenho económico e da situação patrimonial de todas as outras; sujeitar as sociedades em relação de grupo à proibição do art.º 322º, nº 1, redundaria numa entorse ao regime dos grupos, plasmado no Código das Sociedades Comerciais, por inibir as sociedades assim coligadas de retirar os benefícios económicos próprios de uma reção de grupo, apesar de as sujeitar aos inconvenientes relativos a essa mesma” ( cf. Parecer do Prof. Pedro Maia, pp. 131/132).

Esta questão remete-nos para o problema geral da aplicação do art.322 nº1 CSC no âmbito do grupo de sociedades, nomeadamente quando a sociedade assistente é adquirida pela sociedade assistida, em relação de domínio total.

Muito embora as sociedades de grupo, mesmo em relação de domínio total, mantenham autonomia jurídica, como resulta da própria regulamentação legal e é entendimento doutrinário predominante, dado que a lei não atribui personalidade jurídica ao grupo de sociedades, separada e autónoma das sociedades componentes, como sujeito de direito ( “personificação do grupo” ), pois o que o caracteriza, enquanto forma de organização de um conjunto de empresas, é precisamente “a unidade económica do todo e a pluralidade jurídica das partes”, e o grupo de sociedades, seja vertical, horizontal ou diversificado, não é reconduzível a uma empresa ( em sentido objectivo ou subjectivo), postergando-se a concepção de unidade empresarial, tal não significa, sem mais, a aplicação da proibição da assistência financeira.

Não obstante, a doutrina convoca, por vezes, o instituto da desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva no âmbito do grupo de sociedades, quer com base em normas específicas ( por ex., art.501 do CSC ), quer por necessidade do sistema ( cf. MENEZES CORDEIRO, O Levantamento da Personalidade Colectiva, 2000, pág.81 e segs. ).Só que mesmo nas situações de confusão de esferas jurídicas ou de subcapitalização material, não é o simples controlo, a interpenetração das sociedades ou a direcção unitária que justificam o levantamento, dada a natureza excepcional e subsidiária do instituto, sendo que este é trazido à colação quando a personalidade foi usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros. Por isso, em princípio a autonomia das sociedades mantém-se mesmo em caso de insolvência de uma ou de todas, salvo se os pressupostos do levantamento se encontrarem preenchidos ou se existir norma positiva a impor a responsabilidade.

Deve assinalar-se que a proibição da assistência financeira não é inteiramente absoluta, atendendo não só às excepções, como à própria ratio do art.322 nº1 CSC, em que releva o fim do negócio de assistência e do mérito concreto, significando que a lei não proíbe pura e simplesmente a assistência financeira, mas só aquela que é dotada de determinado fim, e daí a relevância do requisito finalístico ou subjectivo.

O Código das Sociedades Comerciais contém um regime próprio sobre as relações de grupo de sociedades ( título VI, arts. 481 e segs. ) e na situações de domínio total estabelece a responsabilidade ilimitada da sociedade dominante para as dívidas da sociedade dominada ( art.491 e 501 CSC ) ( quanto aos créditos laborais, a norma específica do art.334 do Código do Trabalho( sobre a responsabilidade solidária de sociedade em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo), cuja ratio é intensificar ou reforçar a garantia patrimonial dos créditos laborais) Além disso, também a expressa responsabilidade dos administradores (art.504 CSC), sendo que o art.502 CSC prevê uma proteção posterior ao termo da relação de grupo, proteção que não incide sobre as obrigações contraídas, mas pelas perdas decorrentes da direção e gestão unitária no interesse da sociedade - mãe, que, possa ter causado consequências na esfera patrimonial da sociedade - filha.

A amplitude das obrigações da sociedade dominante é salientada por ENGRÁCIA ANTUNES, , “Os Grupos de Sociedades, Estrutura e Organização Jurídica da Empresa Plurissocietária”, 2ª ed., pág. 802) para quem é irrelevante a natureza, fonte ou origem das obrigações – “ Estão aqui compreendidas genericamente todas as relações ou vínculos jurídicos em virtude dos quais a sociedade subordinada ficou adstrita à realização de uma prestação para com o terceiro (art.º 397.º CCivil): Incluem-se assim indistintamente todo o tipo de prestações debitórias, qualquer que seja o seu valor pecuniário, sejam emergentes de negócio jurídico ou facto licito ou ilícito (próprio ou alheio, culposo ou não) ao qual caiba uma responsabilidade direta da sociedade subordinada, e que tenham por objeto prestações de coisa (“dare” ou “restituire”) ou prestações de facto(“facere” e “non facere”)”.

Nesta medida, não se deve repudiar o financiamento por parte da sociedade totalmente dominada para a sociedade dominante adquirir as acções daquela. Neste sentido, PEDRO ALBUQUERQUE defende a licitude do financiamento – “ Na verdade, se a sociedade garantida estiver numa relação  de domínio ou de  grupo com a sociedade garante, o Direito permite o sacrifício do interesse desta em prol do interesse da dominante ou do grupo. É no prosseguimento desse interesse, da coligada ou do grupo, expressamente admitido pelo nosso Ordenamento, a residir o primeiro motivo do negócio de financiamento sendo a aquisição o meio apenas para o obter. Afasta-se assim a relevância dos negócios aí visados em termos de demérito e resultante adversidade à intencionalidade problemática e normativa protegida pelo art.322/1 do Código das Sociedades Comerciais” (Assistência Financeira nas Sociedades Comerciais, pág.176 ).

De igual modo, também MARIANA DUARTE SILVA ( loc cit, pág. 220 e e segs.) para quem “Existindo uma relação de grupo entre a sociedade assistente e a sociedade assistida, os interesses dos credores sociais – subjacentes ao limite estabelecido no art. 322 nº2 – já são suficientemente acautelados pelo regime próprio ( e muito severo) a que a lei sujeita as sociedades em relação e grupo”.

Não parece que a ratio da proibição da assistência financeira seja exclusivamente a tutela dos credores sociais e da própria sociedade, já que a lei  não cominou a proibição absoluta na aquisição de acções próprias, nem do deferimento das entradas, pelo que releva essencialmente a necessidade da protecção dos interesses dos acionistas. Neste contexto, a ratio da proibição não está presente quando a assistência financeira tem a vista a aquisição da totalidade do capital social, como sucede na relação de domínio total superveniente.

A este propósito, importa notar que sendo a aquisição pela B... das participações sociais da sociedade Autora feita em 20/11/2007, ambas as hipotecas foram constituídas já depois dessa data, a primeira em 3/12/2007 ( data do registo)  e a segunda em 2011, esta para garantia do empréstimo com o fim de auxílio à tesouraria.

Não está demonstrado que a Autora viu o seu património desenvolvido com o produto desses investimentos, quer através do loteamento do seu único ativo, quer através de operações de marketing e licenciamento, com vista a futura a construção de um amplo empreendimento turístico, projecto que veio a ser desenvolvido pela B..., S.A., razão porque o valor dos imóveis propriedade da Autora registado contabilisticamente aumentou todos os anos desde 2008 a 2014 ( cf pontos 48 a 54).

Em resumo, improcede a revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido.

2.4. - Síntese conclusiva

1. A proibição da assistência financeira, prevista no art.322 do CSC, exige a comprovação cumulativa de dois requisitos objectivos e de um requisito subjectivo:(i)Negócio de financiamento entre a sociedade e um terceiro (a sociedade concede empréstimos, ou por qualquer forma fornece fundos ou presta garantias a um terceiro) (ii)Subscrição ou aquisição de acções da sociedade assistente pelo terceiro (iii)O financiamento ou a garantia são proibidos desde que sejam, na expressão legal, “para que um terceiro subscreva ou por outro meio adquiria acções representativas” do capital da sociedade assistente.

2.- O requisito subjectivo ou exigência finalística resulta tanto do elemento literal, como da ratio da norma, bem assim do art.23 nº2 da Directiva 2006/68/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 6/9/2006, publicada no JOL 264 de 25/9/2006.

3.- Sendo complexa a ratio da norma do art.322 CSC, o que releva essencialmente é a tutela dos accionistas.

4.- A proibição da assistência financeira não é inteiramente absoluta, atendendo não só às excepções, como à própria ratio do art.322 nº1 CSC, em que releva o fim do negócio de assistência e do mérito concreto, significando que a lei não proíbe pura e simplesmente a assistência financeira, mas só aquela que é dotada de determinado fim, e daí a indispensabilidade do requisito finalístico ou subjectivo.

5.- Não se verifica, a coberto do art.322 nº1 CSC, a nulidade de duas hipotecas dadas pela Autora ( sociedade anónima) sobre um terreno que lhe pertence para garantia de dois empréstimos bancários feitos pelos bancos demandados ( mutuantes) a uma terceira sociedade ( mutuária e assistida ) que adquiriu a totalidade das acções daquela ( assistente),  comprovando-se que as hipotecas foram constituídas para assegurar o financiamento do desenvolvimento de projecto imobiliário nos terrenos da própria garante, em que  a aquisição das acções próprias da sociedade assistente pela sociedade assistida  não foi o fim da prestação da garantia, mas apenas um meio de adquirir os imóveis nos quais seriam desenvolvidos os projectos financiados.

6. Em princípio, não é proibida a assistência financeira prestada por uma sociedade totalmente dominada (assistente) à sociedade dominante (assistida) com vista à aquisição total das acções da primeira.


III – DECISÃO

  Pelo exposto, decidem:


1)

 Julgar a revista improcedente e confirmar o acórdão recorrido.

2)

 Condenar a Autora/revistante nas custas.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Setembro de 2022.

        

Os Juízes Conselheiros

Jorge Arcanjo ( Relator )

Isaías Pádua

Manuel Aguiar Pereira