| Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ANA RESENDE | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO REJEIÇÃO DE RECURSO DUPLA CONFORME VIOLAÇÃO DE LEI PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
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| Data do Acordão: | 11/30/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
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| Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
| Decisão: | NÃO CONHECIMENTO DO OBJECTO DO RECURSO. | ||
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| Sumário : | I- o recurso de revista é o recurso ordinário que cabe dos acórdãos do Tribunal da Relação, tendo assim como fundamento, a violação da lei substantiva – nas modalidades de erro de interpretação, de aplicação, ou da determinação da norma aplicável -, ou a violação da lei processual, incluindo aquela de que possa resultar alguma nulidade de decisão. II- a competência do Supremo Tribunal de Justiça está assim confinada à matéria de direito, enquanto tribunal de revista, não podendo debruçar-se sobre a matéria de facto, enquanto ocorrência da vida real, evento material e concretos ou qualquer mudança operadas no mundo exterior, mas também o estado, qualidade e situação reais das pessoas e das coisas, percetíveis como tal que não tem de ser necessariamente simples, ficando desse modo vinculado aos factos fixados pelo Tribunal recorrido, a que aplica definitivamente o regime jurídico tido pelo o adequado. III- na dupla conforme, enquanto situação processual impeditiva do recurso de revista, percecionam-se três requisitos, a unanimidade da decisão colegial, a conformidade da decisão, bem como a fundamentação essencialmente diferente, que se baliza pela estruturação lógica argumentativa da decisão proferida pelas instâncias, fazendo apelo a um diferente enquadramento jurídico da causa, afastados ficando aspetos secundários, caso do aditamento de outros fundamentos, que não se traduzem em percurso normativo diverso, de igual modo não relevando alterações factuais operadas pelo Tribunal da Relação sem reflexos na subsunção jurídica. 
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| Decisão Texto Integral: | Revista n.º 12674/21.4T8SNT.L1.S1. 
 ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 
 1. AA veio interpor contra NUANCESENSAÇÃO, LDA. e BB, ação especial de destituição de titulares de órgãos sociais e de nomeação judicial com procedimento cautelar para imediata suspensão de funções, pedindo: A) ser decretada, sem audiência prévia, a suspensão imediata do Requerido BB do cargo de gerente da sociedade requerida NUANCESENSAÇÃO, bem como a posterior destituição; B) ser o Requerido BB intimado a abster-se de praticar quaisquer atos em representação da sociedade Requerida e/ou a usar de qualquer dos seus bens; C) se determine a entrega pelo Requerido BB à pessoa do Requerente (representante legal da NUANCESENSAÇÃO) de todos os documentos da sociedade, nomeadamente contratos, faturas e documentos contabilísticos sob pena de não o fazendo, ser aplicável uma sanção pecuniária compulsória de 250,00€ por dia; D) que a providência cautelar seja decretada sob cominação expressa ao gerente BB de que incorrerá no crime de desobediência qualificada, se infringir a providência. 1.1. Alega, em síntese e relevantemente, que pretende a suspensão e destituição do Requerido como gerente da Requerida, sociedade composta por quatro sócios com relações familiares, sendo o Requerente igualmente gerente, mas tão só de direito. As condutas do Requerido revelam fundamento bastante para justa causa de destituição, consistindo, sumariamente, no pagamento de bens e serviços para o património do Requerido ou de outras sociedades cujo capital social detém, celebração de negócios simulados com vista à dissipação do património da Requerida, ausência de colaboração na resolução dos assuntos da sociedade, pedidos de registos visando a confusão de patrimónios da Requerida com outras das aludidas sociedades detidas pelo Requerido, incumprimento dos estatutos e da lei, nomeadamente da prestação de informação ao sócio e do dever de lealdade para com os sócios e a sociedade. Invoca que estão reunidos os requisitos para de imediato, e sem contraditório, ser decretada a suspensão do Requerido relativamente às funções de gerente, pois a presença do mesmo permite o livre controlo da gestão da sociedade, com aumento de valores subtraídos do património da sociedade Requerida e comportamentos abusivos relativamente a outros sócios. 1.2. Não tendo sido afastado o contraditório, foram os Requeridos ouvidos. 1.3. Os Requeridos vieram contestar, por exceção e impugnação. 1.4. Foi decidido que o pedido de suspensão e destituição seriam apreciados conjuntamente, afastada a existência de uma questão prejudicial, e designada data para julgamento. 1.5. Realizada a audiência foi proferida sentença que no seu dispositivo consignou: “1. Julgar improcedente a exceção da prescrição arguida pela sociedade Requerida NUANCESENSAÇÃO, LDA, e pelo Requerido BB; 2. Julgar improcedente a presente ação, absolvendo a sociedade Requerida NUANCESENSAÇÃO, LDA. e o Requerido BB dos pedidos formulados.”. 2. Inconformado, veio o Requerente interpor recurso de Apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido Acórdão que a julgou improcedente, confirmando a sentença[1] recorrida. 3. Novamente inconformado veio o Requerente interpor recurso de revista, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões: (transcritas) I. O presente recurso de revista circunscreve-se à alegação de um conjunto de questões de facto e de direito que não foram reapreciadas pelo Tribunal a quo; tais questões foram apenas objeto de apreciação por apenas uma das instâncias. Consequentemente, os fundamentos do recurso de revista são "necessariamente novos" pelo que não se verifica uma situação de "dupla conforme", nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do CPC. Pelo exposto, desde já se requer a admissão do presente recurso de revista. II. Quanto ao primeiro fundamento da revista, entende o Recorrente que o Tribunal a quo não reapreciou os factos dados como provados nos pontos 4., 21., 22., 28., 29., 118. e 128. da douta sentença quando conjugados com os docs. ... e ... juntos com a PI. (vide artigos 23 a 42 das Alegações de Apelação e I. II. III. e IV. das Conclusões de Apelação) e, muito concretamente, o ponto 118. III. O Tribunal a quo não podia, com leviandade, ter dado como provado que uma fatura, que tem como descritivo a prestação de um serviço, tenha servido de suporte para a capitalização de uma empresa, legitimando, assim, uma ilegalidade. IV. Por seu turno, o Tribunal a quo também não reapreciou devidamente os factos pois devia ter imputado esta conduta, que se consubstancia no pagamento de uma fatura sem substrato material, ao Recorrido BB. Cotejados e analisados os factos dados como provados nos pontos 4., 21., 22., 28., 29., 118. e 128., conclui-se, quando conjugados com os documentos ... e ... juntos com a PI, que à data da prática dos factos, o Recorrido BB e a sua companheira CC eram os únicos sócios-gerentes da I... Company pelo que foram eles que emitiram a mencionada fatura no passado ano de 2015 (vide doc. ... e ... da PI), tendo sido igualmente BB que deu a ordem de pagamento da fatura uma vez que era o único gerente de facto da Nuance Sensação no ano de 2017 (vide pontos dados como provados, designadamente 21. e 22. e 128.). Pelo exposto se requer ao Tribunal ad quem que anule o acórdão recorrido, na parte em que não apreciou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, e determine que o processo volte à Relação para que sejam reapreciados os pontos concretamente impugnados. V. Por outro lado, o Recorrente entende que o Tribunal a quo violou as regras relativas à força probatória material, aplicáveis aos meios de prova junto aos autos, muito concretamente, a força probatória material do "contrato de transmissão de marcas" junto como doc. ...5 da contestação. VI. Diga-se, a montante, que o documento particular supra discriminado foi apresentado pelos próprios RR., ora Recorridos, sendo que a sua autoria e assinatura não foi impugnada ou posta em causa, não sendo sequer de discutir a força probatória formal desse mesmo documento, nos termos do artigo 374.º do CPC. VII. Acresce que, em sede de audiência de discussão e julgamento, CC referiu expressamente que compreendeu o teor do contrato, referindo também que não foi coagida ou pressionada a assinar o documento (cfr. transcrição do depoimento constante no artigo 360.º das Alegações de Apelação). No entanto, VIII. O Tribunal a quo confirmou os factos dados como provados nos pontos 105 a 117, 122 e 123, que resultaram do depoimento de CC, conforme decorre da fundamentação da douta sentença de 1.ª Instância. IX. Segundo os factos dados como provados, previamente alegados pelo Recorrido na Contestação e confirmados pela testemunha em sede de audiência de discussão e julgamento, a transmissão da titularidade da referida marca deu-se a título oneroso tendo sido a contrapartida para a transferência bancária de € 124.713,00 para a sociedade I... Company. Acontece que, estes factos estão em franca contradição com a cláusula 3.º do mencionado contrato de transmissão de marcas. No mencionado contrato consta que a marca sempre pertenceu ao Recorrente e que, por esse motivo, CC transmitiu-a a título gratuito. Transcreve-se: "A primeira outorgante (CC) declara que, por manifesto lapso, registou a marca nacional e efetuou o pedido de registo da marca comunitária com o sinal "S...", exclusivamente em seu nome, mas as mesmas e o sinal "S..." sempre foram, de facto, da co-titularidade do Segundo e Terceiro Outorgantes (O Recorrente AA e DD)." X. Entende o Recorrente que o depoimento de CC não devia ter sido admitido para afastar o conteúdo do contrato subscrito por essa mesma pessoa, nem o mesmo tinha a virtualidade de afastar o conteúdo daquele contrato, nos termos do n.º 2 do artigo 393.º e 376.º do CC. XI. Acresce que, nos termos do n.º 1 do artigo 394.º do CC, a prova testemunhal também não é admissível se tiver como objeto convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento, conforme se verifica no caso concreto. XII.O Tribunal a quo violou as regras relativas à força probatória dos meios de prova ao dar como provados os factos constantes nos pontos 105 a 117, 122 e 123, sustentando o seu entendimento na prova testemunhal produzida em julgamento que afastou o conteúdo do contrato de transmissão de marcas, pelo que se requer ao Tribunal ad quem que anule a decisão em crise e que proceda à sua retificação de modo a que se faça cumprir a lei. XIII. Finalmente, entende o Recorrente que, no douto acórdão, se verifica ainda um paradoxo na decisão sobre a matéria de facto. XIV .Contextualizando: O Recorrente procedeu à junção aos autos de um relatório de inspeção da Autoridade Tributária (doc. ...6 da Petição Inicial) onde consta que, no mesmo ano civil, foram imputados custos da mesma natureza (serviços contabilísticos) na esfera jurídica da Recorrida Nuance Sensação. Consequentemente, a Autoridade Tributária procedeu às necessárias correções, emitindo, para o efeito, uma nota de liquidação adicional de IRC. XV. Conforme adiante se verá, BB é o responsável pela emissão das referidas faturas e pela duplicação de custos injustificados na esfera jurídica da sociedade Nuance Sensação, conduta tipificada no artigo 103.º do RGIT como fraude fiscal. XVI. No entanto, o Tribunal a quo diz que: "Não se apurou que o mesmo (O Recorrido BB) tivesse sido o responsável por tais eventos, já que não há uma imputação comportamental concreta do mesmo, imputando-lhe gastos injustificados na contabilidade da sociedade." (vide ponto 83. das Alegações). XVII. Acontece que esta afirmação está em contradição com o que foi dado como provado nos pontos 14., 21., 22., 35., 54., 55. (mas também com o teor das certidões comerciais das sociedades Nuance Sensação, Lda., R..., Lda. e S..., Sgps, Sa. juntas comos docs. ..., ... e ...2 da Contestação) onde se verifica que, à data da prática dos factos, o Recorrido BB era o único gerente da Nuance Sensação, sendo também sócio da R... e acionista e administrador da S..., Sgps, Sa. (sociedades que faturaram os serviços de contabilidade, prestados por intermédio EE, à Nuance Sensação). Acresce que, da referida matéria dada como provada, também se constata que o Recorrente não era gerente da Nuance Sensação à data em que foram imputados tais custos na esfera jurídica da sociedade. XVIII. Pelo exposto se requer ao Tribunal ad quem que declare a contradição plasmada no douto acórdão em crise e que anule a decisão substituindo-a por outra que esteja em consonância com os factos dados como provados. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO SE REQUER A VOSSAS EXCELÊNCIAS QUE: A. Anule o acórdão recorrido por violação do disposto no artigo 662.º do CPC, na parte em que o mesmo não apreciou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto (vide pontos 4., 5., 21., 22., 28., 118., parte do 128. quando conjugados com os docs. ... e ... juntos com a PI), e determine que o processo volte à Relação para que sejam reapreciados os pontos concretamente impugnados; B. Declare que, ao dar como provados os factos constantes nos pontos 105 a 117, 122 e 123, afastando um meio de prova com força probatória plena (contrato de transmissão de marca) e fundamentando a decisão num meio de prova inadmissível (depoimento de CC), o Tribunal a quo violou as regras relativas à admissibilidade dos meios de prova e à força probatória material dos mesmos. Consequentemente o Tribunal ad quem deverá anular a decisão em crise e proceder à sua substituição por outra que esteja em consonância com os artigos 376.º, 393.º, 394.º do Código Civil; C. Declare verificar-se uma contradição na decisão sobre a matéria de facto que inviabiliza a decisão jurídica do pleito e que anule o douto acórdão da Relação substituindo-o por outro que esteja em consonância com os factos dados como provados. 3.1. Os Requerentes apresentaram contra-alegações formulando as seguintes conclusões: (transcritas) I – O douto acórdão recorrido foi proferido pelo Tribunal “a quo” sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente da decisão proferida pela 1.ª Instância. II - Por isso, o referido acórdão constitui dupla conforme para o Recorrente e, nessa medida, é para o mesmo irrecorrível – artigos 671.º n.º 1 e 3 do CPC. III – Alega o recorrente que não obstante o acórdão recorrido ter sido proferido sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente a decisão proferida na 1.ª instância, o Tribunal “a quo” não confirmou a decisão proferida pela 1.ª instância porquanto não reapreciou matéria de facto relativamente a parte das questões que lhe foram submetidas; IV – Compulsado o douto acórdão recorrido verifica-se que no mesmo é feita uma exaustiva reapreciação da decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1.ª instância, não tendo adesão à realidade a versão do recorrente de que o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre matéria de facto relativamente a parte de questões que lhe foram submetidas. V – Alega ainda o recorrente que juntou aos autos documentos que se apresentam com força probatória material plena e que o tribunal recorrido decidiu contra a prova decorrente desses documentos; VI – O documento a que o recorrente se refere é, em concreto, o documento n.º ...5 da contestação (cfr. conclusão VI do recurso interposto pelo recorrente); VII – Tal documento é um documento particular. VIII - Como documento particular que é o documento n.º ...5 da contestação não prova plenamente os factos que no mesmo são narrados como praticados pelo seu autor ou como objeto da perceção direta deste; IX - Nessa medida, apesar de demostrada a autoria do referido documento, daí não resulta necessariamente que os factos compreendidos nas declarações no mesmo constantes se hajam de considerar provados; X - O mesmo é dizer que daí não advém que o documento em causa prove plenamente os factos que no mesmo são referidos; XI – Sendo de concluir, assim, que o documento n.º ...5 da contestação não tem a força probatória que o recorrente lhe atribui; XII – Independentemente da força probatória do documento n.º ...5 da contestação, não tem adesão à verdade revelada pelos autos a alegação do recorrente de que o Tribunal “a quo” decidiu contra a prova resultante daquele documento; XIII –Da análise do douto acórdão recorrido no que respeita à reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância sobre a matéria de facto, resulta que o Tribunal “a quo” na reapreciação da matéria de facto que fez, teve em conta o conjunto da prova existente nos autos, nomeadamente a prova que resulta do referido documento n.º ...5 da contestação que aquele Tribunal reapreciou, em conjugação com a demais prova existente nos autos, mormente a demais prova documental e a prova testemunhal; XIV – Impõe-se assim concluir que o tribunal recorrido, na reapreciação da matéria de facto impugnada pelo recorrente não ofendeu disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova; XV - Constituindo o acórdão recorrido dupla conforme para o recorrente e não se verificando a situação prevista na segunda parte do n.º 3 do artigo 674º do CPC, deve a revista ser rejeitada, por força do disposto nos artigos 671º/3º e 674º/3.º do CPC. Termos em que, nos melhores de direito deve ser negada a admissão do recurso de revista interposto pelo recorrente, por o douto acórdão recorrido constituir dupla conforme para o mesmo e, por isso, ser irrecorrível. 3.2. A Desembargadora Relatora fez consignar no despacho de admissão do recurso: “ (…) Ora, compulsado o acórdão proferido constata-se que tudo o que foi colocado para dirimir foi apreciado na totalidade, assim como foram adotados os procedimentos legais adequados em matéria probatória. O que se evidencia é o descontentamento do recorrente com o decidido, bem como, a manutenção do subjetivismo que lhe foi apanágio aquando do recurso de apelação. Não obstante modestamente entendermos que estamos perante uma situação de dupla conforme, mas para prevenir a possibilidade de tal não ser o entendimento do Tribunal Superior, na dúvida decide-se; Admitir o recurso de revista, por estar em tempo e para tanto haver legitimidade do recorrente (…)” 5.1. Como se sabe, o recurso de revista é o recurso ordinário que cabe dos acórdãos do Tribunal da Relação, tendo assim como fundamento, art.º 674, n.º1, a violação da lei substantiva – nas modalidades de erro de interpretação, de aplicação, ou da determinação da norma aplicável -, ou a violação da lei processual, incluindo aquela de que possa resultar alguma nulidade de decisão prevista no art.º 615, ex vi art.º 666, n.º1. A competência deste Tribunal, Supremo Tribunal de Justiça (STJ) está assim confinada à matéria de direito, enquanto tribunal de revista, não podendo debruçar-se sobre a matéria de facto, enquanto ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos ou quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, mas também o estado, qualidade e situação reais das pessoas e das coisas, percetíveis como tal que não tem de ser necessariamente simples[3], ficando desse modo vinculado aos factos fixados pelo Tribunal recorrido, a que aplica definitivamente o regime jurídico tido pelo o adequado, art.º 682, n.º1. Por sua vez, quanto à violação da lei de processo, prendendo-se com a tramitação processual, nomeadamente no que concerne à verificação de pressupostos processuais ou outros fatores que determinam a validade da instância, bem como o cumprimento das regras adjetivas a observar pelo Tribunal da Relação no conhecimento do recurso de apelação[4], caso das reportadas aos termos como foram interpretadas e aplicadas as normas que regem o ónus de impugnação previsto no art.º 640, na mesma inclui-se também o conhecimento das nulidades do Acórdão da Relação que possam ter sido arguidas, cuja apreciação apenas pode ser realizada se o recurso de revista, normal ou excecional, for admitido. Vem se entendendo que a razão de ser de tal regime, com exclusão do conhecimento da matéria de facto, tem a sua justificação na maior proximidade das instâncias relativamente à matéria de facto, estando reservada para o STJ a função de harmonização da interpretação e aplicação da lei[5], e assenta nas fontes de direito que contém as normas suscetíveis de ser apreciadas pelo STJ [6], (…) e na exclusão do controlo de critérios de decisão não normativos[7]. Com efeito, como decorre do art.º 662, n.º1, impende sobre a Relação o dever de apreciar, podendo alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa da proferida, estabelecendo-se no n.º 2 e n.º 3 do mesmo preceito legal, um conjunto de decisões e procedimentos que podem ser determinados e seguidos, consignando-se expressamente no n.º 4, também do art.º 662, que das decisões da Relação previstas nos aludidos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o STJ, num compreensível afastamento da possibilidade de pronúncia sobre a matéria de facto, vedada que lhe está a competência, ficando desse modo impedido de censurar o uso dos poderes conferidos à Relação, por tais dispositivos legais[8]. Tal não significa, nem contraria o mencionado, que o STJ não possa sindicar a decisão da Relação sobre a matéria de facto no caso de erros de julgamento no que concerne à identificação, interpretação e aplicação de uma norma do direito probatório material, como consta do disposto no art.º 674, n.º 3, bem como determinar a baixa dos autos à Relação, art.º 682, n.º 3, quando seja necessária a ampliação da matéria facto com vista a constituir a base suficiente para poder ser prolatada a decisão de direito pelo STJ. Refira-se também, brevemente, enquanto situação processual impeditiva do recurso de revista, no que concerne à “dupla conforme”, que a mesma se mostra consignada no n.º 3 do art.º 671, no sentido de não ser “(…) admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância (…)”. Em conformidade, percecionam-se três requisitos, sem dificuldade a unanimidade da decisão colegial, de forma sujeita a uma mais aprofundada análise aqui despicienda, a conformidade da decisão, no universo das situações processualmente admissíveis, bem como a fundamentação essencialmente diferente, que em termos breves e lineares, para o que agora nos interessa, se baliza pela estruturação lógica argumentativa da decisão proferida pelas instâncias, fazendo apelo a um diferente enquadramento jurídico da causa, afastados ficando aspetos secundários, caso do aditamento de outros fundamentos, que não se traduzam em percurso normativo diverso, de igual modo não relevando alterações factuais operadas pelo Tribunal da Relação sem reflexos na subsunção jurídica[9]. 5.2. Importa pois reverter estes considerandos para o caso sob análise, tendo em conta que o Recorrente invoca, em traços gerais, que inexiste dupla conforme obstativa da admissibilidade do recurso interposto, porquanto o Tribunal da Relação não reapreciou a matéria de facto relativamente a questões que lhe foram submetidas, e assim não confirmou a decisão do Tribunal da 1.ª Instância quanto a tal trecho decisório, questões essas que se prendem com os poderes-deveres atribuídos à Relação, previstos no art.º 662, que não foram utilizados, que podem ser sindicados pelo Supremo, verificando-se também a violação das regras relativas à força probatória material dos meios de prova, igualmente passíveis de censura por este Tribunal. 5.2.1. Apontado como o primeiro fundamento de revista, está a não reapreciação pelo Tribunal da Relação dos factos dados como provados nos pontos 4., 21., 22., 28., 29., 118. e 128. da sentença quando conjugados com os docs. ... e ... juntos com a PI. e, muito concretamente, o ponto 118, invocando o Recorrente que não podia ter sido considerado provado o factualismo como foi, se cotejados os factos apontados com documentos que referencia. Ressalta do enunciado pelo Recorrente que o mesmo questiona o juízo fáctico realizado pelo o Tribunal da Relação, na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria, patenteando-se uma discordância quanto à articulação dos meios de prova constantes dos autos, por não cotejados nos termos apontados, bem como, e não menos relevante as consequências jurídicas que pudessem ser retiradas, na ponderação realizada, o que obviamente cai fora do âmbito das regras a observar pelo Tribunal da Relação quanto à modificabilidade da decisão de facto, art.º 662. Atente-se que aquando da resposta apresentada no âmbito do aludido n.º 2, do art.º 655, numa pretendida não reapreciação dos factos vertidos no ponto 118, resulta sim que não foram apreciados à luz do que o Recorrente entende ser a devida, no atendimento do que enuncia nos requerimentos recursórios, pois o Tribunal a quo, ao considerá-la provada “ (…) não soube daí retirar as necessárias consequências jurídicas (…)”, conforme remissão efetuada no ponto n.º 20, para o n.º 28 das alegações da apelação. Acresce que percorrendo as extensas alegações do recurso de apelação, maxime, as respetivas conclusões, em sede da pedida reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, o Recorrente impugna a matéria dada como não provada na alínea N), requer o aditamento de factos que considera provados, com menção, nomeadamente ao doc.... junto com a P.I., impugna o ponto O) da matéria de facto não provada e aditado um ponto, impugna a matéria de facto provada nos pontos 105 a 117, 122, 123 e 128 e a não provada nos pontos B), C), F), G), K), L), pretende que os pontos 105 a 117, 122, 123 e 128, sejam considerados como não provados. Manifesto se torna, repisando, que estamos perante uma discordância em termos do factualismo apurado e tomado em consideração pelo Relação, que para além de não sindicável por este Tribunal como resulta do n.º 4 do art.º 662, e não menos importante, não se consubstancia numa realidade que possa afetar a existência da dupla conforme, e assim a admissão do recurso de revista, n.º 3, do art.º 671, pois não alegada qualquer circunstância prevista no art.º 629, n.º2 que determinasse tal admissão. 5.2.2. Quanto à violação das regras relativas à força probatória dos meios de prova, com reporte a documento juntos, na contraposição ou atendimento de outro meio prova, como a testemunhal, bem como um paradoxo na decisão sobre a matéria de facto, tendo em conta documentos referenciados, mas também ponderando outra factualidade, pretendendo afastar um juízo fáctico realizado pela Relação, para além de cairmos no âmbito do juízo de facto, que não cumpre a este Tribunal fiscalizar, sempre a apreciação de tais questões estava vedada, por não ser admissível a Revista. 6. Pelo exposto, sendo inadmissível o recurso, não se conhece do respetivo objeto, e assim considera-se o mesmo findo, nos termos do art.º 652, n.º1, b), por força do constante no art.º 679. Custas pelo Recorrente, com três UCs de taxa de justiça Lisboa, 30 de novembro de 2022 
 Ana Resende (Relatora) Maria Olinda Garcia 
 Sumário, (art.º 663, n.º 7, do CPC). 
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